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Castelo Velho de Freixo de Numão: enquadramento geomorfológico

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Academic year: 2021

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ENQUADRAMENTO GEOMORFOLÓGICO

CASTELO VELHO DE FREIXO DE NUMÃO.

GEOMORPHOLOGICAL FRAMEWORK

Assunção Araújo1

CEGOT – Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Laura Soares2

CEGOT – Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Alberto Gomes3

CEGOT – Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território Faculdade de Letras da Universidade do Porto

RESUMO:

A área em que se enquadra o sítio do Castelo Velho tem uma posição muito especial porque corresponde a uma espécie de encruzilhada onde a super-fície de aplanamento da Meseta começa a ser movimentada e desnivelada pelo desligamento esquerdo tardi-varisco Manteigas-Vilariça-Bragança e, si-multaneamente, entalhada pela erosão regressiva do Douro e seus afluentes. Com movimentação tectónica durante o Quaternário, o acidente referido é sublinhado pela rigidez do Vale da Vila, prolongando-se para Norte e ori-ginando o graben da Vilariça, enquanto para sul define o fosso tectónico da Longroiva. O sítio de Castelo Velho, dominando o Vale da Vila e a superfí-cie de Foz Côa, permite a observação de extensas áreas sobretudo de uma

1 Autor correspondente. m.a.araujo@netcabo.pt 2 lmpsoares@gmail.com

3 albgomes@gmail.com.

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parte significativa da meseta setentrional, até à serra da Marofa. À posição de charneira entre os planaltos ocidentais e a superfície da Meseta associa-se uma variação climática acentuada, devida ao profundo encaixe da rede hidrográfi-ca, enquadrando-se no Douro Superior da Região Demarcada do Douro. PALAVRAS-CHAVE: Geomorfologia, Meseta, Falha da Vilariça, Castelo Velho, Vila Nova de Foz-Côa

ABSTRACT:

The Castelo Velho area stays at very special position because it corresponds to a kind of a crossroad where the large flat surface of the Meseta begins to be moved by the passage of a major tectonic accident (Vilariça fault) and simultaneously, carved by the down wearing erosion of the Douro and its tributaries. The major tectonic accident, active during the Quaternary, is un-derlined by the rigidity of the Vale da Vila and goes on towards the Vilariça

graben, to the north, and towards Longroiva tectonic basin to the south. The

site of Castelo Velho, dominating the Vale da Vila and the surface of Foz Côa, allows the observation of large areas, in particular a significant part of the Meseta, until Marofa mountain. In the pivotal position between the Wes-tern Highlands and the Meseta surface, this area also reflects a sharp change in climate due to the deep groove produced by the river system. This steep valley creates a special climatic area, the “Alto Douro” region, with a climate that contrasts with the surrounding plateau areas.

KEYWORDS: Geomorphology, Meseta, Vilariça fault, Castelo Velho, Vila Nova de Foz-Côa

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I. APRESENTAÇÃO

A área de Vila Nova de Foz Côa (VNFC), em que se enquadra o sítio do Castelo Velho, situa-se no Nordeste de Portugal, na região do Alto Douro (fig. 1). Tem uma posição muito especial porque corresponde a uma espécie de encruzilhada ou área de transição, onde a superfície de aplanamento da Meseta começa a ser, por um lado, movimentada e desnivelada pela passa-gem do grande acidente tectónico Manteigas-Vilariça-Bragança (FMVB) e, pelo outro lado, entalhada pela erosão regressiva do Douro e seus afluentes. A FMVB, sublinhada pelo encaixe e carater rectilíneo do Vale da Vila, pro-longa-se para Norte originando a fértil veiga do graben da Vilariça e para sul, sendo aí responsável pela pequena bacia tectónica da Longroiva (figs. 1 e 2).

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Fig. 2 – Os grandes compartimentos geomorfológicos do Norte de Portugal: plataforma litoral, mon-tanhas ocidentais, planaltos centrais e superfície da Meseta. Legenda: 1. Escarpa de falha; 2. Rebordo de erosão. Adaptado de Ferreira, 1991. Fotos: 1. Fecho sul da bacia da Longroiva; 2. Bacia da Vilariça.

Numa visão geral pode dizer-se que o encaixe do Douro se imprime so-bre blocos deformados separados por escarpas de falha rígidas, que afectam formações cenozóicas, constituindo uma das paisagens mais interessantes sob o ponto de vista geomorfológico da Península Ibérica, como atesta a di-versidade de estudos antigos e recentes (Ferreira, 1971, 2007; Ribeiro, 1974, 2004; Cabral, 1989; Pereira e Azevedo, 1995; Pereira, 1997; Pereira et al, 2000; Santos, 2005; Rockwell et al, 2009).

Para quem está habituado às paisagens verdes e movimentadas do No-roeste de Portugal, a viagem para leste, ao encontro de uma realidade muito diversa é, por si só, fascinante. A nossa intenção é partilhar os fundamentos geomorfológicos de uma paisagem que muitas vezes só é conhecida super-ficialmente, face à sua distância em relação aos centros urbanos do litoral, onde se concentra a maior parte da população portuguesa.

II. OS CONTRASTES GEOMORFOLÓGICOS

O clima da região norte de Portugal muda drasticamente quando nos deslocamos para leste. Mas não é apenas o clima. A compartimentação do relevo, marcada por desligamentos tardi-variscos importantes, define três grandes unidades geomorfológicas (Ferreira, 1991):

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1 - As Montanhas Ocidentais do Noroeste de Portugal, marcadas por um relevo acidentado que se caracteriza por importantes desníveis, vertentes extensas de forte declive e vales profundamente encaixados que explo-ram linhas de fragilidade tectónica. Tudo se passa como se, a norte da Cordilheira Central, a movimentação tectónica da periferia da Península originasse uma série de blocos, funcionado como ‘peças de dominó’ des-niveladas, numa faixa litoral de algumas dezenas de kms (Ribeiro, 2002);

2 - Para leste desta área de forte movimentação topográfica, a falha Verín-Régua-Penacova define um ‘limite’ a partir do qual a movimenta-ção topográfica/tectónica se concentra ao longo dos grandes acidentes (desligamentos) herdados dos tempos tardi-hercínicos4 originando uma

área de morfologia mais aplanada - os designados Planaltos Centrais – que definem o planalto transmontano e o seu prolongamento para sul do Douro.

3 - A uma distância de cerca de 50 km do desligamento anterior um novo alinhamento tectónico de grande dimensão marca a ‘paisagem’, a já referida falha Manteigas-Vilariça-Bragança (muitas vezes designa-da, na literatura nacional e internacional, como falha da Vilariça), uma das estruturas mais extensas da península (prolongando-se por mais de 180 km). É sem dúvida o acidente tectónico mais importante nesta área, correspondendo, segundo Cabral (1995), a uma falha de desligamento esquerdo, com orientação NNE-SSW, reativada durante o Quaternário e expressando-se claramente na morfologia. A falha da Vilariça marca a transição entre paisagens planálticas onde a movimentação topográfi-ca se concentra ao longo dos grandes alinhamentos tectónicos, para uma outra área onde se inicia o imenso aplanamento da Meseta e onde apenas o encaixe do Douro e de alguns dos seus afluentes entalha a superfície. A Meseta Setentrional pode ser entendida como um extenso planalto in-terior geralmente rodeado por montanhas (fig. 3). Trata-se de uma superfície que se prolonga por uma área muito extensa que integra, além de sectores aplanados afeiçoados sobre rochas antigas (região de Miranda do Douro e de Figueira de Castelo Rodrigo), uma área muito maior, coberta com sedi-mentos de idade cenozóica (menos de 65 milhões de anos). Embora na sua parte ocidental a regularidade da superfície da Meseta seja perturbada pelos

4 Os desligamentos terão ocorrido no final da orogenia varisca ou hercínica, no final do Paleozóico, há cerca de 280 milhões de anos.

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encaixes do Douro e seus afluentes, ela representa um profundo contraste com a acentuada movimentação topográfica das Montanhas Ocidentais e mesmo com o desnivelamento e balanceamento das superfícies que se en-contram nos Planaltos Centrais, entre as falhas de Verín-Penacova e Vilariça. Com efeito, a leste desta última, pode dizer-se que começa a Meseta Seten-trional e os seus aplanamentos a perder de vista, alcandorados a altitudes de 700-800m.

Fig. 3 – Morfologia do sector percorrido pelo Douro em Portugal e na parte ocidental da Meseta. A marca dos grandes desligamentos tardi-hercínicos. Integração da Meseta no Norte da Península. Fonte: imagem Global Mapper do Norte da Península Ibérica (http://www.globalmapper.com/).

Naturalmente, esta é, apenas, uma primeira visão que se pode adquirir em mapas de pequena escala como o da figura 3, que mostra as caracte-rísticas gerais do Norte e parte do Centro da Península Ibérica. Utilizando mapas de maior escala, verificamos que há uma série de degraus entre a superfície da Meseta e os retalhos aplanados que se situam na sua proximi-dade. Efectivamente, a análise do terreno parece demonstrar que a superfície da Meseta foi deformada, originando uma série de patamares situados a cotas variáveis. Poderá ser esse o caso do planalto de Vila Nova de Foz Côa em que a superfície geral da Meseta parece abatida perto da passagem da falha da Vilariça, atingindo altitudes médias à volta dos 400 m (figs. 4 e 5).

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Figura 5: O perfil topográfico começa por ter uma direção aproximadamente oeste-este, passando pelo Castanheiro do Vento - Castelo Velho - Foz Côa - crista quartzítica de S. Gabriel. A partir de S. Gabriel, o perfil inflete para Sul mostrando a subida para superfície da Meseta e o relevo residual da serra da Marofa.

Muitas fracturas tardi-variscas, geralmente com a direção NNE-SSW, atravessam o rio Douro (fig. 6). Este parece não se adaptar às orientações da rede de fracturação, a não ser em alguns casos pontuais, tal como o notável traçado que se verifica na área do Pocinho: junto da falha principal o Douro ‘conforma-se’ à falha, sendo nitidamente controlado pela tectónica. No res-tante percurso parece sobrepor-se a uma estrutura geológica pré-existente, como se, aquando da sua instalação, ela fosse imperceptível, num fenómeno que em geomorfologia se designa de sobre-imposição. Curiosamente, são os cursos de água menos importantes que parecem adaptados à rede de fractu-ração, como se o Douro tivesse força suficiente para escapar aos ditames da estrutura geológica.

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Fig. 6 - Traçado do Douro na área estudada, com destaque para a falha da Vilariça e a respec-tiva depressão tectónica, evidenciada pelo traçado rigidamente alinhado da Ribeira do vale da Vila e a bacia da Longroiva, no limite sul da imagem.

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A superfície da Meseta foi interpretada, na região de Zamora, como re-sultante de um processo de etchplain ou superfície gravada (Martín-Serrano, 1988), cujo desenvolvimento se encontra esquematizado na figura 7.

Figura 7 – Modelo de morfogénese dos relevos residuais do Maciço Hespérico. 1. Soco Her-cínico; 2. Manto de alteração; 3. Sedimentos paleocénicos; 4. Superfície gravada; 5. Superfície inicial; 6. Perfis topográficos sucessivos. Adaptado de Martín-Serrano, 1988.

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Após a formação de uma cadeia de montanhas durante o Paleozóico (cadeia Hercínica ou Varisca), esta vai ser submetida à erosão durante muitos milhões de anos. No decurso do Mesozóico o clima foi variando, mas, de um modo geral, era mais quente e húmido que o atual. Sob estas condi-ções (de um clima de características tropicais) ocorre uma intensa alteração das rochas mais vulneráveis à alteração química, que pode atingir profun-didades até 200 m. Com um longo tempo de exposição acaba por se de-senvolver uma superfície aplanada, que em alguns sectores corresponde a rocha praticamente sã, subsistindo outros em que a rocha se encontra pro-fundamente alterada (princípio da dupla superfície). Algumas rochas mais resistentes (granitos menos fracturados, de grão mais fino ou rochas muito resistentes como os quartzitos e as corneanas) sofrem uma alteração mínima. Uma variação climática no sentido da maior secura ou uma descida relativa do nível do mar poderá promover uma ‘limpeza’ ou remoção da rocha alte-rada (alterito), pelo que os sectores que tinham sofrido menos alteração cor-respondem a restos conservados da primitiva superfície de erosão (superfície

inicial) e ficam a dominar claramente os sectores talhados em rochas menos

resistentes que irão constituir a maior parte da superfície de aplanamento, que poderemos designar como superfície fundamental. Este processo ajuda a explicar como, acima da superfície fundamental da Meseta, se encontram relevos residuais como a serra da Marofa e a crista de S. Gabriel a sul do Douro (cf. fig. 5), e as serras de Reboredo e Poiares, a norte. A chamada superfície culminante teria sido elaborada ao longo de todo o Mesozóico e os seus retoques finais seriam correlativos do Paleogénico, uma vez que em Nave de Haver, arcoses tidas como eocénicas fossilizam a superfície da Meseta (Ribeiro, 2004).

A superfície da Meseta tanto pode corresponder a áreas aplanadas por acção da erosão como a áreas preenchidas por sedimentos. A bacia de Castela-a-Velha ou do Douro interior é, justamente, uma grande área sedimentar correspondendo a um enchimento elaborado durante o Cenozóico. Durante esse longo período de tempo (mais de 60 milhões de anos), formou-se no interior da Península Ibérica uma depressão para o qual convergiam di-versos cursos de água, alimentando-a em sedimentos e, por vezes, formando lagos na área deprimida central. Assim, os cursos de água em vez de se diri-girem para o mar dirigiam-se para o centro da península, criando uma bacia endorreica.

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Neste contexto, é provável que do Cretácico superior ao Eocénico superior a superfície da Meseta constituísse uma superfície de enchimento, bastante regular, com drenagem endorreica que se situaria pouco acima do nível do mar. Porém, os movimentos tectónicos que se iniciaram durante o Eocénico-Oligocénico e que originariam os Pirinéus, bem como os movimen-tos posteriores (Miocénico final) que resultaram do choque da mini-placa ibérica com a África ao nível do estreito de Gibraltar e criaram a Cordilheira Central (serras da Estrela-Açor-Lousã e Gardunha), provocaram movimen-tações nessa superfície e deformaram-na de modos vários. Como é possível observar na fig. 8 terão ocorrido deformações de grande raio de curvatura (áreas de empolamento), assim como, através da reactivação dos desliga-mentos tardi-hercínicos, se produziu uma alternância de blocos levantados (horsts como as serras da Nogueira e Bornes) e depressões tectónicas (graben da Vilariça e da Longroiva).

Fig. 8 – Deformações sofridas pela superfície da Meseta. Tipos de falhas e curvas envolventes da superfície em hectómetros (Adaptado de Ribeiro, 2004).

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Porém, no final do Cenozóico, o levantamento de conjunto da Meseta até às cotas hoje registadas inverteu o sentido da drenagem: uma vez que a área do interior passou a estar soerguida e foi, entretanto, balanceada para oeste, deixou de ‘atrair’ os cursos de água. Assim, começou a desenvolver-se no litoral da península uma nova rede de drenagem exorreica, a favor dos níveis do mar progressivamente mais baixos que se foram desenvolvendo durante o Quaternário. Este processo resultou na captura da drenagem endorreica a partir destes cursos de água, cuja nascente foi remontando, partindo do litoral até atingirem o interior da Meseta. Terá sido justamente este processo que conduziu ao novo percurso do rio Douro e ao seu vigoroso encaixe, que se foi desenvolvendo a partir da foz, num processo de erosão regressiva até atingir a superfície da Meseta. Uma vez que a área atravessada pelo rio so-freu uma subida notória, o encaixe do Douro atingiu valores de centenas de metros ao longo do Douro internacional. A jusante da Barragem de Aldea-dávila, a superfície do topo desenvolve-se a cerca de 670 m e o leito do rio a 205 m, o que dá um comando para as vertentes de 465 m. Basicamente e de acordo com Ribeiro (2004), foi o processo de subida da Meseta que originou a captura, pelo Douro, da antiga rede de drenagem endorreica que se terá desenvolvido ao longo do Cenozóico no interior da Península.

A preservação da superfície da Meseta é atestada pela existência de depó-sitos paleogénicos em áreas abatidas (Longroiva, Vilariça). As áreas inicial-mente cobertas por esses depósitos terão sofrido alguns retoques erosivos no Pliocénico e Quaternário antigo, quando tiveram lugar os movimentos verticais responsáveis pelo levantamento em bloco da Meseta Norte, a uma taxa compreendida entre 0,13 e 0,35 mm/ano (Cabral, 1995).

III. CONTEXTO CLIMÁTICO

A este complexo enquadramento estrutural, associam-se características climáticas igualmente singulares. O clima de todo o vale superior do Douro e dos seus afluentes é influenciado pela situação a sotavento de áreas monta-nhosas ou planálticas (Marão/Alvão, Montemuro, planalto transmontano), sendo por isso afectadas pelo chamado efeito de Foehn. Os ventos húmidos de Noroeste, Oeste e Sudoeste são obrigados a subir para ultrapassaram as áreas montanhosas, provocando, aí, uma precipitação abundante. Ao descerem

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as vertentes a sotavento, as massas de ar, já desprovidas de uma boa parte da sua humidade, sofrem um aquecimento pela simples compressão das partí-culas de ar (aquecimento adiabático) e, deste modo, afastam-se do ponto de condensação, tornando-se bastante secas e relativamente quentes.

É esse fenómeno geral que está na origem das baixas precipitações existentes em toda a área a leste do conjunto Montemuro-Marão e também das elevadas temperaturas durante o Verão que propiciam o desenvolvimento da vinha no vale do Douro (fig. 9). Com efeito, se as temperaturas médias anuais (TMA) revelam um acréscimo de cerca de 1ºC à medida que nos deslocamos para o interior (considerando a estação meteorológica do Porto-Serra do Pilar, em con-traponto com estações da Régua, Pinhão e Moncorvo), verifica-se, igualmente, um aumento das amplitudes térmicas, que se pode deduzir a partir da diferença entre a média das temperaturas máximas e mínimas de cada mês.

Fig. 9 – Comparação de parâmetros associados à temperatura em 4 estações meteorológicas situadas a distâncias crescentes do mar (km). Tmín=Temp. mínima absoluta; Mmín=média das mínimas; Tmm=média mensal; Mmax=média das máximas; Tmáx=Temp. máxima abso-luta. Fonte: Normais Climatológicas, H. Ferreira, 1965.

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Os parâmetros precipitação-temperatura permitem-nos exemplificar de forma ainda mais clara as variações climáticas anteriores (fig. 10). Os diagra-mas foram construídos de modo a que os meses em que o valor da tempera-tura (em graus centígrados) é inferior ao dobro do valor da precipitação (em mm) fiquem claramente assinalados, assim como se procurou demonstrar as variações registadas de oeste para este. A diminuição da precipitação é notó-ria, demonstrando não só o efeito que a barreira orográfica impõe, comparan-do os valores médios anuais desta variável para o Porto (1235,5 mm) e para a Régua (950 mm), mas também o progressivo decréscimo da penetração dos ventos húmidos ao longo do vale do Douro (505,7 mm em Moncorvo). Esta imagem gráfica ajuda-nos ainda a identificar os meses em que a eva-potranspiração potencial é superior à precipitação, isto é, os meses biolo-gicamente secos, designadamente Junho, Julho, Agosto e Setembro nas es-tações ‘interiores’, o que caracteriza o clima da área como mediterrânico. As precipitações são sobretudo baixas ao longo dos vales afluentes do Douro, sendo que no vale do Côa, a alguns km do Castelo Velho (fig. 11), se atinge o mínimo de precipitação em Portugal continental (menos de 300 mm/ano).

Fig. 10 – Gráficos termopluviométricos de alguns locais próximos de Vila Nova de Foz Côa. Fonte: SNIRH.

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Fig. 11 - Precipitação da área a leste do alinhamento Marão/Montemuro.

A ocupação humana adaptou-se, decerto, a esta ambiência climática, ela própria condicionante de todo um conjunto de recursos necessários à so-brevivência das comunidades que aqui se instalaram ao longo do tempo. A secura do clima (bem marcada nas áreas marcadas a vermelho no mapa da fig. 11), pouco favorável à pedogénese, reflecte-se nos solos pouco espessos bem como sobre a vegetação um tanto rarefeita, de que resulta uma grande transparência da paisagem relativamente à sua ossatura tectónica, criando surpreendentes paisagens estruturais.

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De acordo com S. Jorge (2004), durante a primeira fase de ‘vivência’ do sítio de Castelo Velho (edificado por volta de 3000 A.C. e permanecendo activo até cerca de 1300 A. C.), estaríamos perante uma ‘ambiência mediter-rânica’, embora ‘ligeiramente mais húmida do que na actualidade’, ambiência que parece manter-se na fase subsequente (de 2900 A. C. até ao início do 2º milénio A. C.) mas que se altera na última, como demonstra o aumen-to relativo de determinadas espécies vegetais em detrimenaumen-to de outras. Mas esta modificação não é fácil de explicar, podendo tanto estar associa-da a aspectos ‘naturais’ como a uma seleção operaassocia-da pelo Ser Humanono contexto de atividades específicas.

IV. O TERRITÓRIO DO CASTELO VELHO

O sítio de Castelo Velho fica situado a uma cota aproximada de 680 m, justamente no topo da vertente que desce para a Ribeira do Vale da Veiga que, mais a norte, passa a chamar-se do Vale da Vila. Este vale rigidamente alinhado, com a direcção NNE-SSW, marca a passagem da FMVB, cujo tra-çado se pode reconhecer ao longo de cerca de 200 km, definindo, a sul do Douro, a transição da Meseta para os Planaltos Centrais (fig. 12).

A superfície da Meseta, que na área de Algodres e Chãs se encontra relativamente bem conservada nos granitóides sintectónicos, evidencia um comportamento distinto em direcção ao vale do Douro, marcado pela tran-sição para os metassedimentos e por uma série de desligamentos NNE-SSW e WNW-ESE que configuram um conjunto de superfícies desniveladas de cotas progressivamente mais baixas para norte, em que se destaca, pela sua extensão, a de Foz Côa.

Do ponto de vista estrutural, a região em estudo integra-se no Maciço Varisco, (…) um bloco rígido de forma aproximadamente triangular, que constitui a

“ossatura” da Península Ibérica (Ribeiro, 2001, p. 5), ou seja, o núcleo primitivo

e fundamental deste território, considerando-se, de forma simplificada, que o seu registo geológico abrange essencialmente dois períodos sedimentares:

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Fig. 12 – Enquadramento geomorfológico do sítio de Castelo Velho.

• Um período inicial mais antigo, que de acordo com Ribeiro (2001) terá ocorrido entre o Pré-câmbrico superior e o Ordovícico inferior, mas que se integra no contexto mais vasto da fase geossinclinal do ciclo varis-co que se estende até ao Devónivaris-co médio, e em que se assiste à deposição de espessas séries sedimentares;

• Um período mais recente (Cenozóico) que compreende a sedimenta-ção actual e subactual, e cujo registo, face a uma (…) tendência dominante

de soerguimento [do Norte de Portugal, apenas] ficou preservado em diferen-tes contextos morfotectónicos: em áreas tectónicas deprimidas (estreitas bacias de desligamento ou em blocos abatidos), preenchendo paleovales escavados no soco, cuja drenagem se tornou deficiente por acção tectónica ou pela evolução morfoló-gica do sistema fluvial, ou dispersos na forma de mantos aluviais no sopé de áreas em soerguimento (Pereira et al., 2000, p. 74).

Como durante o tempo que decorreu entre estes dois períodos ocorre-ram fases de tectogénese que atingiocorre-ram os terrenos que agora constituem o nosso país (designadamente a que culminou com o soerguimento da Cadeia Hercínica ou Varisca, no final do Paleozóico), acompanhadas por processos de metamorfismo e magmatismo sin e pós-orogénico, o registo desses acon-tecimentos ficou marcado sobretudo nas rochas mais antigas, que sofreram intensa deformação. Assim, para além das formações sedimentares que se

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depositaram nos últimos 65 milhões de anos (Era Cenozóica), os afloramen-tos da área estudada compreendem:

• Rochas metamórficas (ou metassedimentares), resultantes da trans-formação dos sedimentos pré-câmbricos e paleozóicos, por acção do calor e da pressão associada aos movimentos hercínicos;

• Rochas magmáticas, maioritariamente granitóides, filões associados e filões basálticos, (…) agora visíveis porque os vários quilómetros de

sedimen-tos, que lhes serviram de cobertura, foram, entretanto, removidos pela acção dos agentes erosivos (Ribeiro, ob. cit., p. 4).

Contextualizando as subdivisões do orógeno hercínico no Maciço Hespé-rico, a área do sítio de Castelo Velho integra-se na Zona Centro Ibérica (ZCI), de acordo com o zonamento proposto por Julivert et al. (1972). O substrato geológico (fig. 13) é constituído por diversas fácies de granitóides, na sua maioria de duas micas e sin-orogénicos, instalados sob condicionamento da terceira fase de deformação hercínica (D3), intruindo formações metassedi-mentares pré-câmbricas, câmbricas e ordovícicas. Na fase final da orogenia todo este conjunto foi afectado por acidentes tectónicos ditos tardi-hercínicos, em que se destaca o desligamento esquerdo Manteigas-Vilariça-Bragança, constituído por vários ramos paralelos (Santos et al., 1999).

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No domínio dos materiais metamórficos, desde logo se destaca o facto de ocuparem uma vasta área, assumindo particular destaque as formações autóctones (formadas in situ) – de Bateiras e Ervedosa do Douro - e alóctones (transportadas do seu local de origem através de mantos de carreamento) - Rio Pinhão, Pinhão e Desejosa - que se integram no Grupo do Douro do Supergrupo Dúrico-Beirão (SGDB, anteriormente designado ‘complexo xis-to-grauváquico’), de acordo com a sequência cronológica expressa na legen-da legen-da figura 13. Segundo Pereira (s/d, p. 2), a diferenciação destas forma-ções (…) faz-se pelo conteúdo sedimentológico, variação da percentagem de argila

e areia que origina os litotipos pelitos e grauvaques e … pela natureza e intensidade dos ritmos turbidíticos (torrentes de turbidez que invadem o sub-fosso do Douro),

salientando que as autóctones são as mais antigas, datando provavelmente do Neo-proterozóico (Ediacariano), enquanto as de carácter alóctone serão de idade câmbrica. As formações de Bateiras e Ervedosa do Douro, essen-cialmente constituídas por filitos e metaquartzograuvaques, restringem-se ao sector mais ocidental da área representada (Vilarouco e área a norte de Souto), contactando entre si ou com a unidade de Rio Pinhão (metagrauva-ques com intercalações de filitos), através de falhas WNW-ESSE. Esta última unidade e a de Pinhão (filitos e metaquartzovaques) representam os equi-valentes laterais das formações de Bateiras e Ervedosa do Douro, respec-tivamente, o que justifica a similaridade litológica de todas estas unidades (Silva, Rebelo e Ribeiro, 1989)5. Finalizando o cortejo de fácies do Grupo do

Douro, encontram-se os materiais que fazem parte da Formação da Desejosa (Câmbrico Superior), a que ocupa maior área e sobre a qual ‘assenta’ o sítio de Castelo Velho: filitos de cor escura alternando (…) com finos leitos,

milimé-tricos a centimémilimé-tricos, esbranquiçados (quartzosos) formando ritmos, dando à rocha um aspecto listrado característico (Silva, Rebelo e Ribeiro, ob. cit., p.20). É

im-portante salientar que todas as formações referidas sofreram diversos rejeitos por acção das falhas tardi-hercínicas NNE-SSW (posteriormente reactivadas

5 Segundo Moreira et al (2010, p.150-151), vários trabalhos têm demonstrado que algumas das formações que integram o Grupo do Douro do SGDB (da base para o topo, as formações de Bateiras, Ervedosa, Rio Pinhão, Pinhão, Desejosa e S. Domingos, tal como foram definidas por Sousa, 1982), se encontram (…) duplicadas tectonicamente devido ao carreamento gravítico

sin-sedimentar da S.ª do Viso [o que permite explicar] a semelhança de fácies entre a Formação da Ervedosa e a Formação do Pinhão e entre a Formação Bateiras e a Formação de Rio Pinhão, pelo que actualmente se considera a existência de apenas quatro formações: Bateiras, Ervedosa, Desejosa e S. Domingos.

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durante o ciclo alpino), com destaque, como já referimos, para a FMVB, que implicou uma movimentação do sector oriental de cerca de 5,5 km para nor-te, assim como são truncadas pelos granitóides do Maciço de Numão e por vários filões e massas aplíticas e aplito-pegmatíticas (Ribeiro e Silva, 2000)6.

No sector oriental, e ainda no contexto metassedimentar, destacam-se for-mações ordovícicas e silúricas em que assumem particular relevância as de fácies quartzítica, pelas implicações morfológicas expressas pela Serra do Reboredo e pela crista de S. Gabriel, a que se associa, já fora dos limites da área estudada, a Serra da Marofa (cf. fig. 5). Estes alinhamentos destacam-se claramente na topografia, constituindo relevos residuais resultantes de um processo de erosão diferencial que actua sobre o afloramento de rochas muito resistentes (os quartzitos do Ordovícico), fortemente contrastantes com os ‘xistos’ (s. l.) sobre os quais assentam.

Os granitóides que afloram nesta área apresentam uma grande diversi-dade de fácies, que, de acordo com Ribeiro (2001, p. 28-29), reflectem (…) a

natureza das rochas originalmente fundidas na produção dos magmas, as profun-didades a que se atingiu a fusão e as percentagens relativas entre materiais fundi-dos e não-fundifundi-dos [salientando ainda a possibilidade de se terem verificado

interferências] devidas a misturas de magmas e à estruturação dos próprios corpos

intrusivos (...). Assim, correspondem a granitos cuja génese está associada à

fusão parcial de materiais crustais, processando-se a ascensão dos magmas derivados na dependência da terceira fase da tectogénese hercínica. Na área em estudo, as várias fácies distribuem-se por quatro afloramentos principais (quadro 1): no sector central, a ocidente da falha da Vilariça, as fácies que integram os maciços de Freixo de Numão e Numão; a norte do rio Douro, os granitóides que integram a antiforma de Vila Real-Carviçais; no extremo sul, os diversos tipos englobados na antiforma de Lamego-Penedono-Escalhão.

6 De acordo com Pereira et al (2010), o valor máximo de desligamento é atingido no segmento central de Vilariça, correspondendo a cerca de 9km, em resultado de várias fases de movimentação tectónica que afectaram esta área desde a orogenia hercínica à actualidade.

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Quadro 1 – Granitóides enquadrantes do sítio de Castelo Velho.

Neste contexto e como já referimos, predominam os granitos de duas micas de idades compreendidas entre os 320 e os 280 milhões de anos, evi-denciando geralmente contactos transicionais associados a uma sequência progressiva de instalação em diferentes momentos da D3 hercínica, com os termos mais recentes a intruírem os mais antigos (Ribeiro e Silva, 2000). As fácies mais antigas, sin D3, observam-se sobretudo no sector sul, destacan-do-se pela sua extensão o granito de Meda, que constitui o substrato prin-cipal dos níveis da Meseta (aqui bem conservados entre Chãs e Algodres) e dos planaltos que se configuram a ocidente (Ranhados-Meda), indiciando que a estruturação em blocos se deve à densa fracturação NNE-SSW que corta indiferentemente as rochas granitóides e orienta o encaixe da rede de

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drenagem (fig. 14). Na margem norte do Douro afloram os granitos inte-grados na antiforma Vila Real-Carviçais, assumindo maior destaque o de Lousa-Larinho (considerada a fácies tipo dos granitóides tardi D3) e Cam-pelos, este último constituindo o substrato de São Salvador do Mundo, (…)

garganta selvagem numa nesga de granito (…) nas palavras que Ribeiro (1991,

p. 57) utiliza para caracterizar o encaixe do Douro nas rochas graníticas. Sa-lientam-se ainda os granitos de Zedes-Cabeça Boa (sin D3) e de Quinta de Vale Meã (tardi D3), que afloram precisamente na área onde o Douro confi-gura uma curva pronunciada em função do desligamento esquerdo e falhas associadas que marcam profundamente este sector. No âmbito específico dos granitóides que constituem os maciços de Numão e Freixo de Numão, parece-nos sobretudo importante salientar o último pelas suas implicações morfológicas.

Fig. 14 – Corte geológico no sector sul da área em estudo, ilustrando os níveis de aplanamento e o encaixe da rede hidrográfica explorando a rede de fracturação.

Com efeito, sobre este corpo granítico intrusivo e de configuração sub-circular, desenvolve-se um nível de aplanamento bastante bem con-servado a cotas cujo valor médio ronda os 550 m, aparentemente embutido na superfície dos planaltos e em torno do qual se destacam alguns relevos residuais talhados nos metassedimentos mais resistentes, o que configura um processo de erosão diferencial (fig. 15).

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Para além destas rochas ígneas e metamórficas, salientam-se ainda nesta área um conjunto de formações superficiais das quais se destacam: as arco-ses da Vilariça-Longroiva, (…) unidade arenoconglomerática, imatura, de cor

esbranquiçada ou cinzento-esverdeada, medianamente consolidada e de composição quartzo-feldspática, considerada uma das formações cenozóicas mais antigas

(paleogénica) que se encontra preservada nas bacias tectónicas associadas ao acidente referido (Pereira et al., 2000, p. 75); um conjunto de materiais plistocénicos e holocénicos, englobando, os primeiros, cascalheiras poligé-nicas, arenitos e argilas que se concentram sobretudo na bacia da Vilariça, e os segundos depósitos de vertente – localizados nas encostas de declive acentuado ou na base dos relevos talhados em materiais ordovícicos do sector mais oriental, designadamente na Serra do Reboredo e nos alinha-mentos sobranceiros a Urros e Algodres - e fluviais, estes acompanhando o curso dos rios principais (Silva, Rebelo e Ribeiro, 1989).

Em toda a área são evidentes os traços da tectónica, marcados quer pelo encaixe da rede hidrográfica, quer pela existência de níveis escalonados a altitudes diferenciadas. A rede de falhas e fracturas, de que se destaca a direcção NNE-SSW, bem como o enquadramento da área num sector de importante actividade neotectónica (fig. 16), condicionam de forma clara a sua morfologia, impondo uma estruturação em blocos e orientando a dispo-sição de vários elementos do relevo.

Neste domínio, em que se destaca a FMVB, são assim evidentes os refle-xos estruturais sobre os traços morfológicos, indiciando uma movimentação

Fig. 15 – Maciço intrusivo de Freixo de Numão, enquadrado pelos afloramentos de rochas metassedimentares mais resistentes (quartzitos e corneanas).

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recente do relevo cuja baliza temporal, ao nível da actividade neotectóni-ca, corresponde aos últimos 2Ma (Cabral, 1995). Os indicadores geomorfo-lógicos da actividade quaternária nesta falha são variados, destacando-se: a existência de um corredor deprimido contínuo limitado por frentes mon-tanhosas de fraca sinuosidade; os importantes ressaltos topográficos que marcam escarpas de falha bem definidas e rectilíneas; as inflexões bruscas na direcção dos cursos de água e os traçados rígidos da rede hidrográfica; a localização de nascentes termais na base de escarpas importantes; o desni-velamento e basculamento de superfícies de aplanamento do substrato.

Fig. 16 – Enquadramento da área no contexto dos acidentes que demonstram actividade recente.

Para além das evidências geológicas e geomorfológicas da FBVM, a actividade neotectónica na região da Vilariça é também confirmada pela

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sua importante actividade sísmica (fig. 17), histórica e instrumental (Cabral e Ribeiro, 1988). São conhecidos vários terramotos históricos com epicentro na área próxima de Torre de Moncorvo, salientando-se os ocorridos em 1751 (intensidade VI-VII, na escala de Mercalli Modificada), 1752 (intensidade IV-V, MM) e 1858 (intensidade VII, MM), assim como os terramotos com registo instrumental, localizados na área da Vilariça, em 1918 (magnitude estimada em 5,7), em 1945 e 1949 (ambos com magnitude estimada de 3,6).

Fig. 17 – Localização dos epicentros sísmicos ocorridos ao longo da FBVM e área envolvente (Fontes: Sismicidade (1751 - 1989) - Martins & Mendes Victor (2001), Baptista (1998); Sismici-dade (>1992): IGN (www.ign.es), IM (www.meteo.pt).

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Neste contexto morfoestrutural, o Castelo Velho é um sítio particular-mente interessante: a conjugação da passagem da falha da Vilariça com um outro grande acidente geomorfológico, o profundo encaixe do Douro, esculpe uma paisagem magnífica, onde a estrutura (litologia e tectónica) se adivinha sob a fina pele dos solos magros e de algumas formações superficiais, em regra pouco espessas.

O facto de se localizar numa área de transição com clima, paisagens e re-cursos naturais diversos, pode ter exercido alguma influência na localização do vasto património arqueológico de diversas cronologias que se encontra na área (fig. 18). Por outro lado, a extensa bacia da Vilariça condiciona, natural-mente, a circulação dos Seres Humanos, propiciando a existência de caminhos “naturais” que podem ter contribuído para o desenvolvimento de actividades económicas de forma recorrente ao longo dos últimos milhares de anos.

Fig. 18 – Localização dos sítios arqueológicos calcolíticos na área de Vila Nova de Foz Côa (alterado de Cardoso, J. M. 2007).

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Se o determinismo geográfico deixou de fazer sentido a partir do mo-mento em que o Ser Humano consegue ultrapassar os constrangimo-mentos do meio ‘natural’, não há dúvida que, em tempos pré-históricos, exerceu uma forte influência na distribuição dos povoados. A necessidade de protecção e acesso aos recursos estão na base da implantação de vários sítios referencia-dos na bibliografia de âmbito arqueológico, principalmente referencia-dos que remon-tam à Pré-História Antiga. Mas esta dependência face às características dos territórios vai permanecer uma constante, embora seguindo critérios locati-vos diferenciados, que acompanham o progresso e aspirações civilizacionais. É um facto que, a partir do momento em que o Ser Humano se torna seden-tário, garantir a posse e domínio do seu território se transforma num objec-tivo primordial. E se esta posse integra, necessariamente, a salvaguarda de pessoas e bens, está também, provavelmente, na base da monumentalização de vários sítios, impondo ‘marcas’ na paisagem susceptíveis de serem vistas e constituírem locais privilegiados de observação, monitorização e controle do espaço (Soares, Costa e Gomes, 2010).

O Castelo Velho de Freixo de Numão parece integrar-se perfeitamente nesta interpretação. Como referem Figueiral e S. O. Jorge (2008, p. 130) (…)

this site should be considered as a physical reference point, a monument built to be seen, and not as a fortified settlement. Ou seja, pelas suas características

(loca-lização, dimensões, arquitectura e artefactos arqueológicos), muito dificil-mente Castelo Velho teria sido construído como dispositivo de defesa ou de acesso a recursos vitais. Na verdade, ele (…) foi premeditadamente implantado

num lugar visível de muito longe [o] que seria uma vulnerabilidade se estivéssemos em presença dum ‘povoado fortificado’ [apresentando-se mais como um] sítio que joga com a visibilidade/monumentalidade do seu dispositivo arquitectónico (…) certamente um sítio mediador de sentidos, de grande impacto visual, congregador das populações, polarizador de negociações intercomunitárias (S. O. Jorge, 2004,

p. 595 e 598). Assim sendo, teria resultado de um projecto de arquitectura bem planeado, ‘construído para ser visto’, mas também, pelo vasto horizonte de visão que abarca, como local privilegiado de observação.

Neste último contexto, Castelo Velho não deve ser encarado isoladamente, mas sim em articulação com um vasto conjunto de sítios identificados na sua proximidade, e enquadrados na Pré-História Recente. Embora Coixão (1999) saliente que não existem ainda dados que permitam concluir sobre a existência de uma ‘malha’ de povoados distribuídos de acordo com uma lógica

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distribuição/localização versus comunicação visual, não parece descurar esta hipótese. Com efeito, ao salientar a densidade de ocupação desta área, parece deixar em aberto uma estrutura de localização estratégica dos povoa-dos, em que o objectivo seria criar um sistema articulado de monitorização, definindo bacias de visão que permitissem abarcar toda a área ocupada, de acordo com uma lógica que já não seria apenas de domínio territorial. Aliás, S. O. Jorge (2004, p. 596), refere que os recintos murados edificados durante o 2º e 3º milénios A.C., (…) resultavam de programas arquitectónicos planeados

previamente segundo uma concepção global de conjunto, constituindo, na acepção

de V. O. Jorge (citado por Coixão, 1999, p. 38), (…) sítios de referência no

terri-tório, que deles podia ser observado e como tal monitorizados para fins de controle, de defesa, de produção, numa palavra, de apropriação cultural.

Efectivamente, conjugando as bacias de visão de alguns dos sítios arqueológicos referenciados por vários autores (fig. 19)7, observa-se que,

mesmo com base num número restrito, há um controle visual extremamente vasto do território. A este controle escapam apenas os grandes vales mais encaixados e algumas plataformas intermédias na margem sul do Douro. Note-se que, neste ensaio cartográfico, apenas foram utilizados cinco sítios. No entanto, como refere Carvalho (2003), os sectores referidos não parecem ter sido ocupados de forma permanente, mas antes e apenas pontualmente, o que pode justificar o facto de não implicarem uma vigilância constante e daí não serem abarcados pelas bacias de visão.

7 Para além dos autores já citados, salientam-se ainda J. Muralha Cardoso (2007) e G. Leite Velho (2009).

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Fig. 19 – Bacias de visão de alguns sítios arqueológicos da área de Vila Nova de Foz Côa.

No entanto, esta ‘leitura’ é fruto do imaginário geográfico dos autores… pelo que, embora permitida, impõe uma análise crítica e interdisciplinar. Como refere Antrop (2003, p. 52), the nature of landscape demands a basic research

approach that is holistic, dynamic and multi-scale. The landscape conceived as the perceivable whole that is the result of the interaction between natural processes and human actions cannot be studied by one discipline using a particular set of methods and concepts. Landscape is also the perceivable environment of all considered as a common heritage. However, no one really possesses it or takes care of it (…) A trans-disciplinary approach is obvious and logic here.

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Imagem

Fig. 1 – Enquadramento do sítio de Castelo Velho.
Fig. 2 – Os grandes compartimentos geomorfológicos do Norte de Portugal: plataforma litoral, mon- mon-tanhas ocidentais, planaltos centrais e superfície da Meseta
Fig.  3  –  Morfologia  do  sector  percorrido  pelo  Douro  em  Portugal  e  na  parte  ocidental  da Meseta
Figura 4 – Hipsometria da área enquadrante de Vila Nova de Foz Côa.
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