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O Discurso e a Prática Pedagógica em Alfabetização: Construindo Competências ou Reproduzindo Modelos?

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Academic year: 2021

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(1)O Discurso e a Prática Pedagógica em Alfabetização: Construindo Competências ou Reproduzindo Modelos? Adriana Dibbern Capicotto. Revista de Educação. Especialista em Alfabetização - UNESP Coordenadora do Curso de Pedagogia da Faculdade Comunitária de Limeira e-mail: adriana.capicotto@unianhanguera.edu.br. Resumo. Abstract. Mudanças significativas ocorreram nas concepções sobre o ensino da língua escrita, influenciadas pela psicologia genética e pelas ciências lingüísticas. Estas concepções e suas interpretações acabam permeando a prática dos professores, que muitas vezes provocam a contradição entre o discurso defendido e as metodologias adotadas em sala de aula. A concepção de escrita adotada pelo professor determina a forma como o processo de alfabetização é desenvolvido no cotidiano escolar. Entender a escrita somente como apropriação de um código refletirá em metodologias que valorizam apenas a memorização e o treino motor. Ao contrário de compreender a escrita como um sistema de representação, por meio do qual a criança utiliza a escrita em contextos de usos sociais, agindo com e sobre este objeto de conhecimento.. Significant changes have occurred in the concepts of teaching written language, influenced by genetic psychology and linguistics science. These concepts and its interpretations permeate teaching practise, which many times show the contradiction between the defended discourse and the adopted methodologies in the classroom. The concept of writing adopted by the teacher determines the form in which the process of reading readness develops in the learning process. Understanding the written language just as a coding system will reflect on a choice of a methodology which value only memorization and mechanical training, instead of understanding the written language as a representation system by which the child, upon this knowledge, uses the written language in social contexts.. Palavras-chave: Alfabetização, Sistema de Escrita, Concepção de Linguagem.. Key-words: Reading readness, Writing system, Language concepts.. Um dos grandes desafios da educação é combater a discriminação que a escola opera atualmente não só quando gera o fracasso explícito daqueles que não conseguem alfabetizar, mas também quando impede aos outros - aos que aparentemente não fracassam chegar a ser leitores e produtores de textos competentes, quando deixa de promover a apropriação da leitura e 70. da escrita como ferramentas essenciais de progresso cognitivo e do desfrute pessoal. D. LERNER. Concepções de Língua Escrita A década de 1980 é marcada por mudanças significativas no ensino da Língua Portuguesa, pesquisas surgem nesta época.

(2) O Discurso e a Prática Pedagógica em Alfabetização: Construindo Competências ou Reproduzindo Modelos?. Princípios de Alfabetização Novas metodologias de ensino surgem influenciadas por essas concepções de linguagem. Para compreender as implicações das ciências lingüísticas e da psicologia genética no cotidiano escolar cabe destacar alguns princípios: • Todos os alunos aprendem a ler e escrever se lhes forem dadas condições para que isso se efetive. Da mesma forma que a criança aprende falar interagindo com pessoas que conversam com ela, a criança aprende a escrever interagindo com pessoas e com objetos escritos; quanto maior for o contato com a língua escrita e sua reflexão sobre os modos e usos da linguagem escrita, maior será a probabilidade de que rapidamente compreenda o funcionamento deste complexo sistema de representação. O conhecimento da escrita é extra-escolar, pois a criança vive num mundo letrado e faz algumas suposições sobre o seu funcionamento.. • Ao chegar à escola, a criança sabe muito sobre a Língua Portuguesa, pois é seu falante nativo. Todo falante da língua materna conhece sua estrutura e funcionamento, utiliza seu vocabulário com adequação nas diferentes situações que participa, interpreta textos orais presentes na comunicação diária com outros falantes, interfere em conversas de outras pessoas de modo significativo. Assim, a criança ao ingressar na escola tem conhecimento sobre muitas das regras de construção da língua portuguesa e também sobre as regras presentes na conversação. • O diagnóstico do nível de conhecimento que as crianças têm sobre a escrita deve ser o ponto de partida do trabalho docente. Numa concepção tradicional de alfabetização, o professor planeja, estabelece e controla todo o processo de aprendizagem, decidindo quais fases sucessivas a criança deve vencer até atingir o domínio da base alfabética. Atualmente, o diagnóstico sobre o conhecimento dos alunos deve ser realizado em vários momentos do ano letivo, em todas as séries. No processo de alfabetização o docente deve promover situações nas quais as crianças possam falar sobre algum assunto comum, e também escrever, do modo como conseguem. A avaliação tem a função de apresentar o que o aluno já sabe e ainda não sabe sobre o sistema de escrita, sendo esses dados suporte para o planejamento das atividades. • O professor deve saber interpretar a escrita que a criança realiza para conduzir o processo em direção à aquisição da base alfabética. É possível caracterizar as fases desse processo em três grandes períodos, conforme Emília Ferreiro (p. 16-28, 1986): „1º Período - criança estabelece a distinção entre desenhar e escrever, elas diferenciam as marcas gráficas figurativas das não figurativas. „2º Período - construção de formas de diferenciação entre as escritas, criam-se modos de promover esta diferenciação: variar a quantidade, o repertório e a posição das letras. „3º Período - fonetização da escrita, as crianças começam a dar valor às. Revista de Educação. questionando a metodologia adotada para o ensino da língua escrita. Duas correntes influenciaram estas mudanças: • As ciências lingüísticas começam a ser influenciar o ensino da língua materna. Passa-se a valorizar a situação discursiva, destacando o papel do locutor e do interlocutor, o contexto em que se produz o discurso, a linguagem oral e as variantes lingüísticas. • As pesquisas de Emília Ferreiro deram um novo enfoque para a apropriação do sistema de escrita, valorizando as hipóteses que as crianças constroem sobre a escrita. Assim, o erro passou a ser analisado como reflexo das concepções das crianças sobre a escrita, fornecendo elementos para o professor atuar como mediador desse processo. Tais concepções provocaram mudança no papel do aluno e no processo de alfabetização. Ele deixa de ser apenas um receptor,que deve repetir, memorizar, associar e copiar, para assumir a postura de sujeito aprendiz,participante do processo, age com e sobre a língua escrita. Assim, as atividades de leitura e escrita se inserem nas atividades dos alunos, tornam-se necessidades com finalidades específicas e não meros exercícios escolares.. 71.

(3) Adriana Dibbern Capicotto. propriedades sonoras dos significantes, descobrindo a relação entre quantidade de letras com que se vai escrever uma palavra e quantidade de partes reconhecidas na fala.. Revista de Educação. • É importante combinar diferentes tipos. 72. de conhecimentos no trabalho pedagógico. A criança desde cedo vivencia nas trocas sociais experiências com textos veiculados pela escrita, assim, independente de estar alfabetizada, a criança é letrada. Cabe realizar uma diferenciação entre linguagem escrita e escrita para compreender melhor a afirmação. A linguagem escrita diz respeito ao uso do código na produção de textos, a forma composicional e seqüencial dos textos escritos, já a escrita diz respeito apenas ao código, ou seja, ao sistema notacional. O conhecimento do sistema notacional ocorre principalmente na escola. Dessa forma, o professor deve valorizar os diversos conhecimentos que o aluno traz ao entrar na escola: conhecimento sobre o sistema de representação, sistema notacional e sobre o conhecimento textual. • Aprender a escrever exige que aquilo que se escreve possa ser lido pelo outro, para firmar a convenção. A escrita é uma convenção, estabelecida por um acordo entre indivíduos de uma mesma comunidade lingüística. Assim, o texto escrito por uma criança deve ser lido por outra, caso não consiga, é um momento para o professor trabalhar o conflito. • Ler e escrever são faces de um mesmo trabalho de linguagem. Tradicionalmente, a criança precisava aprender a ler para depois escrever. Porém, quando se trabalha com textos não há uma separação radical entre essas duas atividades, desde o início deve-se promover atividades de linguagem, com leitura e escrita de textos em que ambas se inter-relacionem, pois a criança aprende a ler lendo e a escrever escrevendo. • A aquisição da linguagem escrita deve ocorrer em situações nas quais as crianças interajam com texto. A linguagem concebida como atividade e meio de interação se manifesta sob a forma de textos, que serão tomados como unidades do ensino de língua, destacados as suas. funções, especificidades, seus modos de construção, os portadores em que aparecem. • Compreender a função social da escrita implica em oportunidades de interagir com diversos tipos de textos, produzidos em diferentes situações discursivas. Uma grande diversidade de textos deve estar presente no trabalho pedagógico como forma de possibilitar aos alunos uma compreensão ampla do processo de produzir e ler textos. • Fundamentar o ensino nas experiências anteriores das crianças. O papel do professor é organizar situações de leitura e escrita que sejam significativas para seus alunos, é servir de consultor para todas as dúvidas dos alunos, é ser apoiador do desenvolvimento de todas as atividades, sendo mediador entre o aluno e o objeto de conhecimento. Portanto, somente um ambiente com cartazes, textos escritos não são suficientes para que a criança se alfabetize, é necessário que as crianças façam tentativas para compreender o que significa essa escrita, e nessa situação, o professor tem papel fundamental. Esses princípios acabam incorporando-se ao discurso do professor, contudo interpretações equivocadas promovem uma grande distância entre o ideal e o real. É possível constatar posturas que vão de um ensino mecanizado, no qual ler e escrever se reduzem a apropriação uma técnica, até interpretações ditas “ construtivistas”, mas que consolidam-se em práticas espontaneístas, cujo papel do professor se resume em observar o desenvolvimento dos alunos, sem interferir, pois os alunos aprendem sozinhos. O discurso e a prática docente A concepção sobre a escrita que o professor assume ao ensinar influenciará o resultado da aprendizagem dos alunos. Se o professor entende a escrita como apenas um código de transcrição gráfica das unidades sonoras tenderá a reduzir a alfabetização num processo de codificação em que tanto os elementos como as relações já estão prédeterminados. Assim, a aprendizagem da escrita será concebida como aquisição de apenas uma técnica..

(4) O Discurso e a Prática Pedagógica em Alfabetização: Construindo Competências ou Reproduzindo Modelos?. Totó é o cachorro do Fábio. Fábio joga uma banana. Totó pega a banana. Fábio joga uma caneta. Totó pega a caneta... (LIMA, B.A . de. Caminho Suave - Alfabetização pela Imagem. São Paulo: Caminho Suave, 1976, p.20) Aplicam-se muitas críticas a este tipo de texto: são frases justapostas, período simples, os verbos no presente do indicativo servem à descrição de cena, mas não à narração seqüencial de fatos, não há marcas temporais e nem mesmo espaciais. Portanto, não se pode dizer que é um bom modelo de história. As crianças, mesmo sem dominar a escrita, são capazes de produzirem narrativas orais encadeando os fatos numa ordem temporal, situam espacialmente o que contam, além de caracterizar os personagens. Entretanto, nesta concepção o conhecimento prévio sobre a escrita é desconsiderado, ao se apresentar textos como o referido e exigir que a criança produza sem erros ortográficos. O ensino da escrita conduz o aluno pelo caminho de sucessivas correspondências entre o oral e o escrito. No ensino tradicional o trabalho com um texto mais complexo, que apresenta as chamadas dificuldades (sílabas complexas), só é. apresentado após o término da cartilha, desconsiderando o contato da criança fora da escola com textos que circulam socialmente. Segundo esta visão, é privilegiada somente a aquisição do código, entendendo a escrita como representação de fonemas em grafemas e leitura apenas como um processo de decodificação. Quando a referência passa a ser este tipo de texto, os alunos acabam por reproduzi-los, principalmente os que não fazem uso da linguagem escrita em outros contextos. Dessa forma, a competência de se produzir textos considerando a situação discursiva é desenvolvida somente por alunos que puderam vivenciar práticas de escrita e leitura dentro de seu contexto social. Breve recorte da realidade O acesso ao ensino fundamental foi uma das metas alcançadas nas últimas décadas. Contudo muitos indicadores mostram que, no Brasil, as práticas de ensino de Língua Portuguesa não estão atingindo o seu principal objetivo que é o de formar cidadãos leitores e produtores de textos orais e escritos. Segundo o INAF- Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional- temos 9% de analfabetos absolutos, 31,3% são pessoas que fazem um uso da leitura e escrita em sua vida diária, demonstrando ter uma compreensão mínima de um texto escrito, e somente 26,2% atingem níveis mais elevados dessa habilidade e fazem uso mais intenso e diversificado da linguagem escrita, por exemplo, lendo jornais periodicamente ou utilizando meios escritos para planejar atividades. A escola não é a única responsável pela formação das futuras gerações, porém tem papel fundamental, principalmente quando se trata da aprendizagem da leitura e da produção de textos. Assim, promover a reflexão sobre práticas de ensino utilizadas para alfabetizar e seus resultados, torna-se um importante meio para o docente entender que muito além do decifrar, alfabetizar é realizar o amplo processo de ajudar a criança a assumir seu lugar social no mundo. Formar escritores competentes, capazes de produzir textos coesos e coerentes, adequados à situação comunicativa é um dos. Revista de Educação. O domínio do código como pré-requisito para o início do ensino da língua faz com que a alfabetização seja um processo que deve partir de unidades menores (letras e sílabas) para depois chegar ao complexo ( texto). A linguagem escrita é reduzida ao domínio de uma técnica. “ A criança escreve nada para ninguém. Todo esforço que a escola tradicional pede à criança é o de aprender a escrever para demonstrar que sabe escrever.” (TONUCCI, apud GERALDI, p.71,1995). Essas concepções traduzem-se em práticas no cotidiano das escolas, as quais promovem a formação de reprodutores de textos apresentados em sala de aula. Textos que não passam de frases justapostas, com muita repetição e poucos elementos de coesão. Como é o caso do exemplo:. 73.

(5) Revista de Educação. Adriana Dibbern Capicotto. 74. objetivos da escola. Contudo, a prática desenvolvida em sala de aula, muitas vezes não é um meio para que o aluno construa tal competência. O ensino e a aprendizagem de Língua Portuguesa são resultantes da articulação de três variáveis: o aluno, a língua e o ensino. (PCN de Língua Portuguesa-1a. a 4a. série, p. 29) A primeira variável é o aluno que se constituí sujeito do ato de aprender. Ao chegar à escola já traz conhecimentos sobre a Língua Portuguesa, pois é seu falante nativo. Utiliza o seu vocabulário com adequação nas diferentes situações em que participa, interpreta textos orais, consegue ser atendido, interfere em conversas de outras pessoas . Assim, independente de estar alfabetizada, a criança é letrada, conhece a linguagem escrita, pois vivencia nas trocas sociais experiências com textos veiculados pela escrita e pela tradição literária da comunidade em que está inserida. A outra variável é a Língua Portuguesa que corresponde ao objeto do conhecimento. Esta será aprendida em situações de atividade e interação, tendo como unidade de ensino os textos ( orais e escritos), destacadas suas funções especificidades, seus modos de construção, os portadores etc. A última variável e sobre a qual gostaríamos de centrar o nosso olhar é o ensino, que mediará o sujeito ( aluno) e objeto do conhecimento (Ling. Port.). Uma grande diversidade de textos deve estar presente no trabalho pedagógico como forma de possibilitar aos alunos uma compreensão ampla sobre o processo de ler e produzir textos. Quanto maior for a vivência da criança com diversos tipos de textos, produzidos em diferentes situações discursivas, maior será sua compreensão sobre os usos e funções sociais da escrita. Trabalhar neste contexto exige muito planejamento, interação e reflexão sobre os textos que circulam socialmente, desde o início do processo de alfabetização. Aprender a escrever exige tempo, paciência, maturidade e participação em situações reais de interlocução com pessoas e objetos escritos. Quanto maior a familiaridade com língua escrita maior será a probabilidade de que rapidamente compreenda. o funcionamento deste complexo sistema de representação. Nesse sentido, alfabetizar-se quer dizer dominar o sistema de representação de escrita da língua para utilizá-lo em diversas situações de interlocução. Portanto, não envolve somente a aquisição de um código (sistema notacional), mas o emprego deste código em várias situações comunicativas, considerando o interlocutor e a finalidade do texto. Diferentes textos, diferentes contextos Os indicadores mais claros das explorações que as crianças realizam para compreender a natureza da escrita são suas produções espontâneas. Toda produção reflete um pouco dos modelos de textos que a criança vivenciou. É importante explicitar a concepção de texto que norteia a análise das produções. Texto é uma unidade lingüística concreta (perceptível pela visão ou audição), que é tomada pelos usuários da língua (falante, escritor/ouvinte, leitor), em uma situação de interação comunicativa, como uma unidade de sentido e como preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reconhecida, independente de sua extensão (KOCH e TRAVAGLIA, 1990, p.10).. A análise de duas produções de alunos de 1ª série tem a finalidade de identificar posturas, métodos e diferentes concepções sobre o processo de alfabetização, utilizando como referência a concepção de texto explicitada. Texto 1: produzido por um aluno ao final da primeira série, cuja proposta de produção foi falar sobre um animal de estimação. A professora deste aluno não utilizou uma cartilha para alfabetizar seus alunos, porém os textos apresentados eram compostos de frases com estrutura simples (sujeito-verbo-predicado), poucos elementos de coesão (pronomes e repetição de termos), e algumas vezes não havia coerência. Utiliza o texto como “ pre-texto” para trabalhar as famílias silábicas e segue a seqüência do alfabeto para selecioná-los, ou seja, depois.

(6) de trabalhar com a família silábica da letra B, passa-se para um texto que apresente muitas palavras com a letra C. O método de alfabetização adotado é o silábico, portanto há uma valorização da técnica, ou seja, no processo de ensino é contemplado o trabalho com a escrita.. A concepção de escrita utilizada no processo de alfabetização é de que o aluno deve imitar, reproduzir, só deve escrever palavras conhecidas. O erro deve ser evitado, portanto somente as palavras já copiadas e conhecidas são escolhidas. Esta escolha acaba limitando o vocabulário utilizado na produção. Com certeza, se fosse solicitado ao aluno que falasse sobre seu gato, teríamos um texto bem mais elaborado e rico em descrição. Os recursos coesivos apresentados no texto se reduzem à repetição e ao uso do pronome “ele”. Não há utilização de recursos coesivos seqüenciais. Com certeza para essa criança que sabe que entrou na escola para aprender a ler e escrever e recebeu os textos contidos na cartilha como único modelo de escrita, construirá uma concepção de texto escrito que combina com esse modelo. Dessa forma, a escola passa a idéia de que coesão e coerência não são fatores necessários para a construção de um texto escrito, apesar dos alunos fazerem uso desses elementos na produção de discursos orais. O texto escrito é apenas uma seqüência aleatória de frases, sem nenhuma conexão lógica, semântica ou discursiva necessária. Para cartilha, organizar um texto é muito fácil, basta juntar as sílabas para formar as palavras, juntar as palavras para formar frase, e frases para formar. um texto. Portanto, a cartilha nunca leva em consideração que o texto não é uma mera seqüência de palavras ou frases, mas envolve relações entre palavras, frases e trechos inteiros do texto. Texto 2: produção de um aluno ao final da 1ª série, cuja professora apresentou como proposta: falar sobre um pescador que encontrou um grande tesouro. A professora não adotou nenhum livro didático para o processo de alfabetização, utilizou muito literatura infantil em suas aulas: leitura de histórias, reprodução oral e escrita feita pelos alunos, além de aproveitar todas as situações em que foi necessário o uso da escrita. Situações estas que podem ser: produzir um bilhete para o colega, um convite para a festa do sorvete, um cartaz sobre a prevenção da dengue etc. O trabalho com a escrita (código) é realizado dentro dessas situações discursivas, sempre avaliando o nível de aquisição da base alfabética para propor atividades desafiadoras que conduzam o aluno à reflexão. O ato de escrever não é para apenas dominar uma técnica, mas é apresentado em um contexto em que a escrita tem sua função social evidenciada.. Revista de Educação. O Discurso e a Prática Pedagógica em Alfabetização: Construindo Competências ou Reproduzindo Modelos?. Ao contrário da visão anterior, o pressuposto revelado por este texto é de que não é preciso esperar que a criança tenha aprendido a escrever para que escreva, pois é escrevendo que ela aprenderá a escrever. O aluno usa no texto as palavras de que necessita, erra, mas seus erros permitem conhecer o processo pelo qual está se apropriando do sistema de escrita. Por exemplo, os erros em “naqueli, 75.

(7) Revista de Educação. Adriana Dibbern Capicotto. 76. dumigo, cubeto” revelam que a criança ainda não percebeu as distinções entre fala e escrita, ou seja, não é porque eu falo “naqueli” que escrevo dessa forma. Este texto poderia ser considerado péssimo por alguns, considerando somente os aspectos ortográficos, contudo ele supera o primeiro texto, em termos de coesão e coerência. Apesar de utilizar algumas repetições, faz uso de recursos coesivos como elipse no trecho “ foi pescar um peixe”; utiliza recursos coesivos referenciais : dele, ele; recursos coesivos seqüenciais: todo, naquele. Além de apresentar uma seqüência lógica: um pescador pescava todo domingo; no dia do seu aniversário encontrou um peixe coberto de ouro; levou o peixe para casa; ele e a namorada ficaram felizes; o pescador e a namorada se casaram e tiveram um filho. Todos essas características do texto superam em muito aos modelos apresentados pelas cartilhas. A grande diferença entre alfabetizar pela cartilha ou por meio de atividades significativas de leitura e produção de textos é que, enquanto a cartilha privilegia um domínio “técnico” da leitura e da escrita que permite decodificar as palavras, o segundo modo de alfabetizar (partindo da leitura e produção de textos) entende que ler e escrever exige a compreensão de um sistema de representação, portanto não se esgota na mecanização do traçado das letras, na cópia, exigindo a construção das noções sobre esse sistema, pensando por que e como ele se constitui, realizando generalizações que a levam a abandonar hipóteses e formular outras. Trata-se de um processo singular de aprendizagem, não de simples “adestramento” para ler e escrever. Enfim, as concepções de texto escrito veiculadas pela escola desde a alfabetização conduzem a resultados diferentes e a diferentes posturas: a concepção veiculada pelas cartilhas deixa para a vida depois da escola dificuldades para produzir textos; a outra, possibilita estabelecer analogia entre a produção oral e escrita, além de apresentar os textos dentro de uma situação discursiva, explicitando a função social da linguagem escrita, e portanto, evitando que as pessoas tenham maiores problemas na hora de construir um texto.. Considerações Finais Alfabetizar, utilizando o texto como unidade básica de ensino não é um processo que a criança se apropria de forma espontânea, embora esta interpretação acaba permeando o cotidiano escolar. Exige conhecimento sobre as relações entre o sistema fonológico e o sistema ortográfico, compreensão da escrita como representação e não como transcrição da língua oral, além de conhecer o processo lingüístico e psicolingüístico de aprendizagem da língua escrita. Todos estes conhecimentos são necessários para que o docente possa dirigir e orientar com segurança os ensaios de escrita da criança. Por outro lado, o professor deve ter compreendido e assumido uma concepção de língua como discurso, de língua escrita como atividade enunciativa, precisa dominar as características dos diferentes gêneros textuais. Assim, o professor deverá proporcionar experiências, nas quais a criança seja estimulada a desenvolver a linguagem oral; a agir e a refletir sobre a língua escrita/falada; a refletir sobre a função e importância de ler e a escrever, não só como habilidade de decodificação e de codificação, mas principalmente como apreensão/ compreensão/ expressão da língua; a fazer uso da língua oral e escrita, em todos os níveis de complexidade e em todos os usos sociais/individuais, respeitando-se as variações lingüísticas apresentadas pelos alunos.A compreensão e a articulação desses saberes são fundamentais para definir os critérios de avaliação e de intervenção junto às crianças e encaminhar um processo de alfabetização com mais chances de ser bem sucedido. Referências Bibliográficas CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Lingüística. São Paulo: Scipione, 1996. 9a. edição. FERREIRO, Emília. e TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986. GERALDI, João Wanderley (org.) O texto na sala de aula: leitura e produção.São Paulo:Ática, 1999. _______. (org). Portos de passagem. 3a. edição. São Paulo: Martins Fontes, 1995. JOLIBERT, Josette P.( coord.). Formando criança leitoras. Trad. B. C. Magne. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. _______.( coord.). Formando criança produtoras de.

(8) O Discurso e a Prática Pedagógica em Alfabetização: Construindo Competências ou Reproduzindo Modelos?. Revista de Educação. texto. Trad. B. C. Magne. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. KATO, Mary A . (org). A concepção da escrita pela criança . 2a. edição. Campinas: Pontes, 1992. KAUFMAN, Ana M. & RODRIGUEZ, M.H. Escola, leitura e produção de textos. Tradução Inajara Rodrigues. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. KOCK, Ingedore G.V. A inter-ação pela linguagem. 3a. edição. São Paulo: Contexto, 1997. KOCK, Ingedore G.V. e TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 1990. LERNER, Délia. Projeto renovação de práticas pedagógicas na formação de leitores e escritores. Apresentação no Encontro de Especialistas –CERLAL. Bogotá: 6 a 10 de outubro/93. LIMA, Branca Alves de. Caminho Suave – Alfabetização pela Imagem. São Paulo: Caminho Suave, 1976. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS LÍNGUA PORTUGUESA. MEC- Secretaria do Ensino Fundamental, 1997.. 77.

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