• Nenhum resultado encontrado

Risco de transmissão de zoonoses ocupacionais em centros de recuperação de animais silvestres : estudo de caso em macacos-prego no Brasil

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Risco de transmissão de zoonoses ocupacionais em centros de recuperação de animais silvestres : estudo de caso em macacos-prego no Brasil"

Copied!
174
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA

RISCO DE TRANSMISSÃO DE ZOONOSES OCUPACIONAIS

EM CENTROS DE RECUPERAÇÃO DE ANIMAIS SILVESTRES

– ESTUDO DE CASO EM MACACOS-PREGO NO BRASIL

SANDRA MARGARIDA RODRIGUES PEREIRA CURADO

ORIENTADORA:

Doutora Ana Paula Neuschrank Albano

COORIENTADOR:

Doutor Virgílio da Silva Almeida

(2)

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA

RISCO DE TRANSMISSÃO DE ZOONOSES OCUPACIONAIS

EM CENTROS DE RECUPERAÇÃO DE ANIMAIS SILVESTRES

– ESTUDO DE CASO EM MACACOS-PREGO NO BRASIL

SANDRA MARGARIDA RODRIGUES PEREIRA CURADO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO INTEGRADO EM MEDICINA VETERINÁRIA

JÚRI

ORIENTADORA:

PRESIDENTE:

Doutora Ana Paula Neuschrank Albano

Doutora Maria Manuela Castilho

COORIENTADOR:

Monteiro de Oliveira

Doutor Virgílio da Silva Almeida

VOGAIS:

Doutor Virgílio da Silva Almeida

Doutora Ana Rita Barroso Cunha

de Sá Henriques

(3)

i 7

Sandra Margarida Rodrigues Pereira Curado

Risco de transmissão de zoonoses ocupacionais em centros de recuperação de animais silvestres – estudo de caso em macacos-prego no Brasil

Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

X

X

(4)

i

Agradecimentos

À Doutora Ana Paula, por me conceder a oportunidade de trabalhar consigo e por toda a sua dedicação em tornar a minha formação enriquecedora. Agradeço-lhe a amizade e confiança e os muitos quilómetros na sua “caminhonete”, relembrarei sempre a paixão que deposita naquilo que faz, a generosidade e o cuidado.

Ao Professor Doutor Virgílio da Silva Almeida, por me aceitar como sua co-orientanda, pela sua paciência, compreensão e empatia, por valorizar os detalhes e conseguir ver para além do visível, pela motivação, e pelo seu profissionalismo, conselhos, objectividade e rigor científico.

Ao NURFS e a toda a equipa, por me acolherem no vosso projecto, pela apoio em todo o meu percurso no centro, pelo respeito e reconhecimento. Obrigada por me fazerem sentir bem vinda e ajudarem na integração à faculdade e cultura brasileira.

À FMV, pelos professores e instrumentos que tornaram a minha formação desafiante e me tornaram mais autónoma, capaz de reflexões mais críticas e livre a construir-me continuamente com uma professional melhor.

Ao Programa de Bolsas Luso-Brasileiras Santander Universidades, pela oportunidade de aprofundar a minha formação académica num país de excelência na área de recuperação e reabilitação de animais silvestres e de conhecer e vivenciar uma cultura distinta, de traços tão únicos, mas de carácter inclusivo e muito caloroso.

A todos aqueles, professores, colegas, família e amigos, que sempre acreditaram na minha capacidade de concretização, que me aceitaram incondicionalmente, que acompanharam e viveram comigo o derrubar de crenças, o ultrapassar de dificuldades, o criar de resiliência, o encerramento de um ciclo interior tão maior que toda a extensão das palavras aqui escritas. Porque um trabalho destes tem o tamanho e importância que lhe atribuímos e, este, foi gigante para mim. E a todos estes, porque enaltecem o melhor de mim e partilham comigo o sabor da vida.

(5)

ii

RESUMO

Risco de transmissão de zoonoses ocupacionais em centros de recuperação de

animais silvestres – estudo de caso em macacos-prego no Brasil

Aproximadamente 75% das doenças infeciosas emergentes nos humanos têm origem em animais silvestres e quase 66% dos agentes patogénicos humanos são zoonóticos. A “One Health” reconhece a complexidade multidimensional inerente ao estado de saúde, integrando as relações entre humanos, animais domésticos e animais silvestres, indissociáveis do meio social e ecológico em que estão inseridos. O Médico Veterinário tem a missão de promover a conservação da fauna silvestre, quer através da preservação de ecossistemas, quer pelo resgate e reabilitação de animais silvestres. Intervenções específicas como o exame clínico, a colheita de amostras biológicas, cirurgias, necropsias ou a manipulação de crias recém-nascidas, aumentam a exposição e o risco de zoonose ocupacional em médicos veterinários e tratadores de animais silvestres. Na presença de primatas não humanos há que ter em conta as várias doenças infeciosas de grande expressão patogénica comuns aos dois hospedeiros. Embora de ocorrência rara em primatas não humanos em ambiente silvestre, a tuberculose é uma das doenças infeciosas mais letais nos primatas não humanos em cativeiro e uma de carácter zoonótico. A biossegurança é uma ferramenta que estabelece estratégias que visem a prevenção, o controlo e a eliminação ou a mitigação para um nível seguro e aceitável do risco de introdução, emergência ou dispersão de agentes patogénicos com impacto para os humanos, animais domésticos e selvagens e/ou ambiente. Em outubro de 2012, um grupo de cinco animais da espécie Sapajus apella deu entrada no Núcleo de Reabilitação da Fauna Silvestre (NURFS), da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), para avaliação e resgate. Em fevereiro de 2013, detetou-se entre esses animais um potencial episódio de tuberculose. Essa suspeita desencadeou a investigação do processo de reabilitação desses animais, bem como a identificação e análise crítica de elementos de controlo e potenciais vias de introdução e disseminação de agentes infeciosos zoonóticos a trabalhadores e/ou animais. Elaboraram-se fichas de recolha de dados para suporte à rastreabilidade de episódios de doença zoonótica e preencheram-se as mesmas para o caso de estudo presente. Analisaram-se práticas de isolamento, rastreio clínico de animais e trabalhadores, maneio, utilização de equipamento de proteção individual, conceção de instalações, movimento de pessoas, animais, equipamento, amostras e resíduos, controlo de pestes, limpeza e desinfeção, tratamento de resíduos, e habilitação de funcionários. Esta análise reconheceu a vulnerabilidade dos mecanismos de biossegurança do NURFS e colocaram em evidência os elementos de maior fragilidade.

Palavras-chave: One Health; conservação; zoonoses ocupacionais; biossegurança; Sapajus apella

(6)

iii

ABSTRACT

Risk of transmission of occupational zoonoses in wildlife rehabilitation centers

- a case study on tufted capuchin in Brazil

Approximately 75% of emerging infectious diseases in humans originate from wild animals, and almost 66% of human pathogens are zoonotic. The “One Health” concept recognizes the multidimensional complexity inherent to the health state, integrating the relationships between humans, domestic and wild animals, linked to the social and ecological environment in which they live. The veterinarian’s mission is to promote the conservation of wild fauna, either through the preservation of ecosystems, or through the rescue and rehabilitation of wild animals. Specific interventions such as clinical examinations, collection of biological samples, surgeries, necropsies or the manipulation of newborn cubs, increase the exposure and the risk of occupational zoonoses in veterinarians and wild animal handlers. When rehabilitating non-human primates, it is necessary to take into account the various infectious diseases of great pathogenic expression common to the two hosts. Although rare in non-human primates in the wild, tuberculosis is one of the most lethal infectious diseases in captive non-human primates, and one of zoonotic character. Biosecurity is a tool that establishes strategies aimed at preventing, controlling and eliminating/mitigating, to an acceptable level of risk, the introduction, emergence or dispersion of pathogens that may have an impact on humans, domestic and wild animals and/or the environment.

In October 2012, a group of five primates of the species Sapajus apella was admitted at the Núcleo de Reabilitação da Fauna Silvestre (NURFS), at the Federal University of Pelotas, for evaluation and rehabilitation. In February 2013, a clinical suspicion of tuberculosis was raised among these animals. This suspicion triggered an investigation into the rehabilitation process of these animals, which consisted in the identification and critical analysis of control elements and potential ways of introduction and dissemination of zoonotic infectious agents to workers and/or animals. Data collection forms were developed to support the traceability of zoonotic disease episodes, which were filled out for the present case study. A critical analysis of isolation practices, medical screening of animals and workers, handling, use of personal protective equipment, design of facilities, movement of people, animals, equipment, samples and waste, pest control, cleaning and disinfection, waste treatment, and employee qualification was performed. This analysis acknowledged the vulnerability of NURFS’ biosecurity mechanisms and highlighted the elements of greatest fragility.

(7)

iv

Índice Geral

Agradecimentos……… ………..i Resumo ………...ii Abstract ………..iii Índice………...iv

Índice de Figuras ..………vi

Lista de Abreviaturas e Símbolos ..………...viii

1. Descrição das Atividades de Estágio……….1

1.1. Estágio Curricular………..1 1.2. Estágio Extracurricular ……….6 2. Introdução………..8 3. Objetivos………8 4. Revisão Bibliográfica ……….…9 4.1. One Health ……….…9

4.2. Conservação da Fauna Silvestre ………10

4.2.1. Brasil………10

4.3. Macaco-prego - Sapajus apella……… …………12

4.3.1. Taxonomia………..…………12 4.3.2. Distribuição……….………13 4.3.3. Morfologia………...14 4.3.4. Ciclo de vida………...15 4.3.5. Reprodução………15 4.3.6. Comportamento……….16 4.3.7. Alimentação………16 4.3.8. Conservação………..17 4.4. Zoonoses Ocupacionais……….17 4.5. Tuberculose……….…20 4.6. Nocardiose………...24 4.7. Biossegurança……….27 5. Materiais e Métodos………...31 5.1. Amostra……….31 5.2. Fontes de Dados……….31 5.3. Organização de Dados………...31

5.4. Breve Descrição das Fichas Elaboradas……….31

6. Resultados………..35

6.1. Procedimentos de Recuperação e de Vigilância do Estado de Saúde dos Cinco Macacos-prego………33

(8)

v

6.2. Avaliação das Medidas de Biossegurança no Caso de Suspeita de Zoonose no

NURFS – UFPEL………40

7. Discussão ………48

8. Conclusões………..57

Referências Bibliográficas………..59

Anexos………ix

Anexo 1 - Lista de Avaliação Interna das Medidas de Biossegurança em Caso de Suspeita ou Confirmação de Zoonose em Primatas, no NURFS – UFPEL………..ix

Anexo 2 - Fichas de Registo de Procedimentos de Recuperação e de Vigilância do Estado de Saúde de Primatas……….xxii Anexo 3 - Registo de Procedimentos de Recuperação e de Vigilância do Estado de Saúde dos Cinco Macacos-prego………..xl Anexo 4 - Avaliação das Medidas de Biossegurança no Caso de Suspeita de Zoonose

no NURFS – UFPEL ………..………lvii

Anexo 5 - Referências Bibliográficas de Normas, Legislação, Regulamentação e Protocolos……….lxxiii Anexo 6 - Plantas das Instalações do NURFS……….lxxv Anexo 7 - Fichas Oficiais………...…lxxviii

(9)

vi

Índice de Figuras

Figura 1 – Mapa de localização do Núcleo de Reabilitação da Fauna Silvestre………1

Figura 2 – Cirurgia maxilo-facial a bugio-ruivo (Alouatta guariba). (a) Trauma com lesão do lábio e fratura da mandíbula, por ataque de cão. (b) Animal após reconstrução cirúrgica…..…2

Figura 3 – Necropsia a papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva)………...…2

Figura 4 – Aves em recuperação, colocadas no exterior para período diário de exposição solar……….3

Figura 5 – Maneio de crias órfãs. (a) Veado-virá (Mazama gouazoubira). (b) Mão-pelada (Procyon cancrivorus) ……….….3

Figura 6 – Acção de educação ambiental junto da comunidade escolar. Libertação de aves recuperadas………4

Figura 7 – Libertação de animais reabilitados. (a) Gato-maracajá (Leopardus wiedii). (b)Capivara (Hydrochoerus hydrochaeris). (c) Tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla)…...4

Figura 8 - Animais de companhia em consulta no NURFS. (a) Caturrita (Myiopsitta monachus) com sobrecrescimento do bico. (b) Hamster-chinês (Cricetulus griséus) com tumor cutâneo na cabeça, em procedimento de sedação para excisão cirúrgica………...5

Figura 9 – Animais em Reabilitação no Centro de Recuperação de Animais Marinhos do Museu Oceanográfico “Prof. Eliézer de C. Rios”. (a) tartaruga-verde (Chelonia mydas). (b) Da esquerda para a direita, pinguim adulto (Spheniscus magellanicus), ave marinha pelágica e pinguim juvenil (Spheniscus magellanicus)………...6

Figura 10 – Tartarugas (Trachemys dorbigni) de ovos enterrados em criadouros clandestinos………6

Figura 11 – Atividades no Intistituo EKKO Brasil. (a) Atividade de procura de vestígios de lontra (Lontra longicaudis) em potenciais pontos de abrigo na Lagoa do Peri. (b) Alimentação de animais do instituto. (c) Acção de educação ambiental………7

Figura 12 - (a) Distribuição dos géneros Cebus e Sapajus. (b) Macaco-prego Sapajus apella……….13

Figura 13 – (a) Macho adulto, animal nº11234. (b) Fêmea adulta, animal nº 11235. (c) Juvenís, animais nos11236, 11237, 11238………...34

Figura 14 – Viveiro de alojamento na residência em Bagé………..34

Figura 15 – (a) Viveiro S2-5. (b) Viveiro S2-2/A-4………..35

Figura 16 – Macaco-prego juvenil à chegada ao NURFS………..35

Figura 17 – Exame clínico do macho adulto, animal nº 11234. (a) Estado emanciado do animal. (b) Avaliação da pelagem e exame de mucosas. (c) Auscultação torácica……….36

Figura 18 – Linfadenomegália inguinal bilateral no macaco-prego fêmea adulto……….36

Figura 19 – Pulmão, exame post mortem ao animal nº 11235………..37

(10)

vii

Figura 21 – Linfonodo mediastínico, exame post mortem ao animal nº 11235………38

Figura 22 – Linfonodos da cadeia mesentérica, exame post mortem ao animal nº 11235……38

Figura 23 – Prova de tuberculinização. (a) Inoculação de tuberculina, no animal nº11237. (b) Leitura da induração à hora 0, no animal nº11237. (c) Leitura da induração à hora 0, no animal nº 11234. (d) Leitura da induração à hora 0, no animal nº 11238………..39

Figura 24 – Plano geográfico do campus do Capão do Leão da UFPEL……….40

Figura 25 – Plano de circulação de veículos no Campus do Capão do Leão da UFPEL……...41

Figura 26 – Funcionária responsável pelas aves………42

Figura 27 – (a) Preparação para a prova de tuberculinização. (b) Contenção física…………..42

Figura 28 – Sinalização da porta de entrada do edifício 40………43

Figura 29 – Contentores de armazenamento temporário de resíduos……….44

Figura 30 – Viveiro S2-5………..45

Figura 31 - Viveiro S2-2/A-4………...45

Figura 32 – Vedação exterior do setor 2………...46

Figura 33 – Sala de ambulatório………46

(11)

viii

Lista de Abreviaturas e Símbolos

Bid - Bis in die BR - Brasil ºC - Grau Celsius

CETAS - Centros de Triagem de Animais Silvestres cm - Centímetro

CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente ADN - Ácido desoxirribonucleico

EPI - Equipamento de proteção individual ha - Hectare

HEPA - High Efficiency Particulate Arrestance HCV - Hospital de Clínicas Veterinárias

IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBDF - Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal

kg - Quilograma km - Quilómetro m - Metro mg - Miligrama ml - Mililitro mm - Milímetro

NUPEMM - Núcleo de Pesquisa em Microbiologia Médica NURFS - Núcleo de Reabilitação da Fauna Silvestre PO - Per os

PPD - Purified Protein Derivative

PPD-RT - Purified Protein Derivative - Reset Tuberculin PCR - Polymerase Chain Reaction

q12h - A cada 12 horas RS - Rio Grande do Sul

SEMA - Secretaria Especial do Meio Ambiente SISNAMA - Sistema Nacional do Meio Ambiente STLV-1 - Vírus linfotrópico T tipo 1 símio

UFPEL - Universidade Federal de Pelotas UT - Unidades de tuberculina

(12)

1

1. Descrição das Atividades de Estágio

1.1. Estágio Curricular

Com a dupla finalidade de adquirir aprendizagem e aprofundar conhecimentos na área da Medicina de Animais Silvestres e cumprir os requisitos necessários para elaboração da dissertação do Mestrado Integrado em Medicina Veterinária, realizei o Estágio Curricular no Núcleo de Reabilitação da Fauna Silvestre (NURFS), integrado na Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) – Rio Grande do Sul, Brasil (Figura 1), sob orientação da Doutora Ana Paula Neuschrank Albano, no período de 26 de Fevereiro de 2013 até 26 de Agosto de 2013, completando uma carga horária de 1056 horas. Durante este período foram assistidos no NURFS aproximadamente 480 animais, sendo a classe das aves a mais representativa com 74%, seguida dos mamíferos com 21% e dos répteis com 5%.

Figura 1 – Mapa de localização do Núcleo de Reabilitação da Fauna Silvestre (Fonte: Google maps).

De gestão partilhada entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e a UFPEL, o NURFS foi institucionalizado como Centro de Triagem de Animais Silvestres, tendo a responsabilidade de acolher, identificar, marcar, triar, avaliar, recuperar, reabilitar e destinar animais silvestres apreendidos por órgãos fiscalizadores ou entregues por particulares. O cumprimento de tais funções depende indubitavelmente de um trabalho interdisciplinar. Neste âmbito, o meu Estágio Curricular consistiu essencialmente no acompanhamento diário das rotinas da Dra. Ana Paula, bem como de outras atividades no NURFS, trabalhando em conjunto com os biólogos, estagiários e tratadores.

A componente médico-veterinária baseou-se na recolha e interpretação de sinais clínicos, construção de diagnósticos diferenciais, colheita de amostras biológicas e realização de exames complementares de diagnóstico, tratamento e monitorização de pacientes.

(13)

2

Nos procedimentos clínicos efetuados incluíram-se: a contenção física e química; o exame físico; a recolha, preparação e envio de amostras biológicas para análise laboratorial ou para análise laboratorial no NURFS (exame de fezes, urina e microhematócrito); a realização e interpretação de exames imagiológicos, nomeadamente radiografias e ecografias; a preparação e administração de fármacos; o tratamento de lesões; o acompanhamento de cirurgias (Figura 2); a realização de necropsias (Figura 3).

(a) (b)

Figura 2 – Cirurgia maxilo-facial a bugio-ruivo (Alouatta guariba). (a) Trauma com lesão do lábio e fratura da mandíbula, por ataque de cão (Original). (b) Animal após reconstrução cirúrgica (Original).

Figura 3 – Necropsia a papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) (Original).

Também fiz uma ronda diária dos animais residentes, realizando tratamentos, monitorizando e ajustando o seu maneio sanitário e nutricional (Figuras 4 e 5).

(14)

3

Figura 4 – Aves em recuperação, colocadas no exterior para período diário de exposição solar (Original).

(a) (b)

Figura 5 – Maneio de crias órfãs. (a) Veado-virá (Mazama gouazoubira) (Original). (b) Mão-pelada (Procyon cancrivorus) (Original).

No decurso do Estágio Curricular foi ainda enfatizada a importância das espécies nativas, a legislação brasileira relativa a animais silvestres, bem como, a educação da comunidade e a ação das entidades policiais.

No contexto educativo, realizei com a equipa do NURFS sessões de sensibilização e de informação ambiental para o desenvolvimento de uma consciência ecológica e sustentável junto de escolas e da comunidade, explicando a repercussão do comércio ilegal de animais silvestres e da prática de caça e de captura de fauna silvestre, alertando sobre as responsabilidades da posse de um animal silvestre como animal de estimação e incentivando à participação em campanhas de preservação da fauna local e da sua recuperação (Figura 6).

(15)

4

Figura 6 – Acção de educação ambiental junto da comunidade escolar. Libertação de aves recuperadas (Original).

O trabalho direto com a Polícia Civil, o IBAMA, a Polícia Federal, a Brigada Militar e o Centro de Recuperação de Animais Marinhos da Universidade Federal do Rio Grande permitiu-me conhecer e aplicar os procedimentos exigidos ao Médico Veterinário na receção, manutenção e tratamento de animais provenientes do tráfico ilegal ou fruto de denúncias ou apreensões. O NURFS tem a responsabilidade de colaborar com os órgãos de fiscalização ambiental e Ministério Público através de pareceres e de peritagens, os quais pude também aprender e realizar.

Relativamente às ações da equipa fora do NURFS, colaborei na captura de animais, aplicando métodos de contenção físicos e/ou químicos, e na libertação de animais reabilitados (Figura 7).

(a) (b)

(c)

Figura 7 – Libertação de animais reabilitados. (a) Gato-maracajá (Leopardus wiedii) (Original). (b) Capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) (Original). (c) Tamanduá-mirim (Tamandua

(16)

5

Uma vez que o NURFS está integrado na UFPEL, é muitas vezes envolvido em atividades e iniciativas de departamentos da Faculdade de Veterinária, nomeadamente do Departamento de Imagiologia, do Departamento de Microbiologia e Parasitologia e do Departamento de Patologia Animal. Assim sendo, foi-me possível acompanhar alguns dos procedimentos realizados em cada um desses departamentos, bem como na discussão de casos clínicos com investigadores destas áreas.

Durante o Estágio Curricular tive igualmente a possibilidade de participar em consultas de animais de companhia (Figura 8), exóticos e silvestres, sob a orientação da Doutora Ana Paula, e de integrar atividades desenvolvidas pela organização não governamental “SOS Animal Pelotas” responsável pelo programa de controlo populacional de cães e gatos no município.

(a) (b)

Figura 8 - Animais de companhia em consulta no NURFS. (a) Caturrita (Myiopsitta monachus) com sobrecrescimento do bico (Original). (b) Hamster-chinês (Cricetulus griséus) com tumor cutâneo na cabeça, em procedimento de sedação para excisão cirúrgica (Original).

A convite do Doutor Rodolfo Pinho da Silva Filho participei no projeto de reabilitação e recuperação de animais silvestres em curso no Centro de Recuperação de Animais Marinhos da Universidade Federal do Rio Grande, no período de 1 de abril de 2013 a 7 de abril de 2013. Com o médico veterinário, biólogos e tratadores realizei e monitorizei o maneio alimentar de uma pardela-preta (Procellaria aequinoctialis) e de um mandrião-chileno (Stercorarius chilensis), procedi ao tratamento de tartarugas (Caretta, Chelonia mydas, Eretmochelys imbricata) resgatadas por ingestão de lixo, realizei a biometria de albatrozes (Thalassarche chlororhynchos) e reabilitei pinguins (Spheniscus magellanicus) petrolizados (Figura 9).

(17)

6

(a) (b)

Figura 9 – Animais em Reabilitação no Centro de Recuperação de Animais Marinhos do Museu Oceanográfico “Prof. Eliézer de C. Rios”. (a) tartaruga-verde (Chelonia mydas) (Original). (b) Da esquerda para a direita, pinguim adulto (Spheniscus magellanicus), ave marinha pelágica e pinguim juvenil (Spheniscus magellanicus) (Original).

Da casuística referida, reuni três casos clínicos num relatório de final de estágio e apresentei-os a um júri composto por professores do curso de medicina veterinária da UFPEL.

1.2 Estágio Extracurricular

No período de 10 de fevereiro a 21 de fevereiro de 2014, voltei a integrar a equipa do NURFS como estagiária. Entre as atividades desenvolvidas, semelhantes às realizadas durante o estágio curricular, destaco a apanha e incubação de 2000 ovos de tartaruga da espécie Trachemys dorbigni, numa ação conjunta com o IBAMA e a Polícia Federal para a apreensão de animais silvestres em redes de tráfico (Figura 10).

Figura 10 – Tartarugas (Trachemys dorbigni) de ovos enterrados em criadouros clandestinos (Fonte: Maurício Gasparetto/RBS TV).

No período de 30 de Março a 20 de Abril, por recomendação da Doutora Ana Paula Neuschrank Albano participei no Projecto Lontra, no Instituto EKKO Brasil (Figura 11).

(18)

7

(a) (b)

(c)

Figura 11 – Atividades no Instituto EKKO Brasil. (a) Procura de vestígios de lontra (Lontra

longicaudis) em potenciais pontos de abrigo na Lagoa do Peri (Original). (b) Alimentação de

animais do instituto (Original). (c) Acção de educação ambiental (Original). Aluna indicada pela seta preta.

(19)

8

2. Introdução

Qualquer entidade cuja atividade envolva animais silvestres tem de avaliar o risco de ocorrência de doenças infeciosas, incluindo zoonoses (WHA 2018) e as suas consequências, criar e implementar medidas de biossegurança que garantam práticas e condições adequadas de prevenção de doenças infeciosas, mediante estratégias de contenção, de proteção e de controlo. Assim, mitiga-se o risco de transmissão ocupacional e/ou nosocomial de agentes patogénicos a trabalhadores e/ou a animais (FAO et al. 2006). Estas estratégias alicerçam-se na quarentena de novos animais, no isolamento de animais suspeitos de doença infeciosa, no rastreio clínico de animais e trabalhadores, na qualidade do maneio animal, na utilização de equipamento de proteção individual pelos trabalhadores, no controlo do movimento de pessoas, animais, veículos, equipamento, amostras biológicas e resíduos, no controlo de pragas, na higienização, desinfeção e desinsetização de instalações e equipamento e no tratamento adequado dos resíduos (AAFC 1996; EC 2008; Bushmitz et al. 2009). O desenvolvimento de políticas de biossegurança adequadas a primatas não humanos é da responsabilidade da instituição que os recebe. Essas políticas deverão ser adequadas aos condicionalismos geográficos, aos objetivos e âmbito de reabilitação dos animais acolhidos, às especificidades das instalações, às práticas laborais e aos recursos humanos e materiais disponíveis, entre os quais, as ferramentas de diagnóstico e terapêuticas disponíveis (AAZV 2013; OIE 2014; AHA 2015)

Uma conduta que pondere perigos e riscos desde a aproximação inicial promove apreciações e decisões objetivas, que se traduzem numa maior probabilidade de evitar a entrada de agentes patogénicos e de reduzir a sua disseminação num espaço físico, e dessa forma, prevenir a morbilidade e mortalidade humana (AAZV 2013).

3. Objetivos

O presente estudo-de-caso tem como objetivo investigar um potencial episódio de tuberculose em macacos-prego detetado no Núcleo de Reabilitação da Fauna Silvestre – UFPEL, Rio Grande do Sul, Brasil, em 2013. Vinculado ao processo de reabilitação desses animais, este trabalho propõe também a identificação e análise crítica de elementos de controlo e potenciais vias de introdução e disseminação de agentes infeciosos zoonóticos.

A necessidade de realizar este estudo adveio da suspeita de ocorrência de doença infeciosa zoonótica, da necessidade de aferir o risco de transmissão a outros animais do NURFS e aos seus trabalhadores, num contexto de ausência de um protocolo oficial de avaliação e de gestão de risco zoonótico.

A sua utilidade é relevante considerando a missão do NURFS e o seu vínculo com a Universidade Federal de Pelotas, e a extensa área geográfica abrangida, que compreende a região sul do Estado do Rio Grande do Sul.

(20)

9

4. Revisão Bibliográfica

4.1. One Health

As interfaces entre humanos, animais domésticos e animais silvestres são indissociáveis do meio social e ecológico que integram e relevantes no cenário atual de transformações globais complexas (Zinsstag et al. 2011).

A urgência em investigar as interfaces que favorecem o contato de humanos e animais domésticos com animais silvestres surgiu do aumento da frequência de doenças infeciosas emergentes, zoonóticas, verificado nos últimos 50 anos, algumas das quais resultaram em surtos epidémicos com elevadas taxas de mortalidade (Cunningham et al. 2017). Destaque para o vírus da imunodeficiência humana (Kahn et al. 2008), os hantavírus que causam a

Febre hemorrágica com síndrome renal e a Síndrome pulmonar por hantavírus, o vírus Ébola,

o subtipo H1N1 do vírus da gripe, os subtipos H5N1 e H7N9 do vírus da gripe aviária, altamente patogénica, o vírus do Nilo Ocidental, o vírus Toscana, o norovírus, o vírus de Marburg e Escherichia coli O157:H7 (Gebreyes et al. 2014). Aproximadamente 75% das doenças infeciosas emergentes nos humanos têm origem em animais silvestres e quase 66% dos agentes patogénicos humanos são zoonóticos (Morens et al. 2008; Morens et al. 2004).

Embora a cooperação entre os cuidados da saúde humana e animal se verifique desde há muito na história, remetendo a papiros dos antigos egipsíos, a curandeiros antigos e à dinastia de Zhou com o seu sistema de saúde pública (Zinsstag et al. 2011), foi Calvin Schwabe que, no século XX, cunhou o conceito de “One Medicine” no qual ele reconhece que não existe diferença de paradigma entre a medicina humana e a medicina veterinária e que uma abordagem integrada acrescentaria valor à Saúde Pública através da segurança alimentar e nutricional, da investigação de zoonoses, da investigação médica comparada, da epidemiologia e da medicina das populações, da qualidade ambiental, da saúde mental humana e da ética (Schwab 1984). Na perspectiva da “One Health”, a saúde é abordada num contexto socio-ecológico que ultrapassa o contato direto entre o Homem e os animais, mas que relaciona questões da saúde e de bem-estar com os sistemas biológicos e as ligações entre populações e processos moleculares, e inclui princípios da ecosaúde, de agroecossistemas, de resiliência, gestão adaptativa e sustentabilidade, elementos sociais, culturais, económicos e políticos (Zinsstag et al. 2011; Cunningham et al. 2017)

Nos últimos anos, diferentes fatores promotores da emergência de doenças infeciosas foram identificados, nomeadamente: (i) fatores antropogénicos (invasão e destruição de habitats silvestres por pressão da população humana, introdução e dispersão de agentes patogénicos associados à mobilidade das pessoas e consumo de carne e de produtos de animais silvestres); (ii) fatores genéticos e biológicos (alterações dos agentes patogénicos por adaptação a variações macro e micro ambientais, e do leque de hospedeiros suscetíveis); (iii) fatores ecológicos (efeitos das alterações climáticas nos ecossistemas e na densidade

(21)

10

populacional); (iv) fatores socioeconómicos (a globalização e o comércio global, a desigualdade social, a fome, conflitos, alterações no desenvolvimento económico, depleção acelerada de recursos, crises energéticas, produções vegetais e animais intensivas); (v) fatores climáticos (Daszak et al. 2000; Kahn et al. 2008; Zinsstag et al. 2011; FAO 2012; OIE [2016]; WHO 2017b).

Actualmente as doenças infeciosas emergentes foram identificadas como ameaça constante à conservação da vida selvagem (Daszak et al. 2000), tendo já sido confirmado a implicação de alguns agentes na extinção ou quase extinção de espécies (Cunningham et al. 2017).

4.2. Conservação da Fauna Silvestre

Um programa de conservação de ecossistemas deve contemplar todas as “frentes” de pressão sobre as espécies potenciando conceitos de preservação, conservação, utilização sustentável, recuperação e reforço do ambiente natural (IUCN-SCPSC 2017).

A conservação in situ tem um papel de destaque, uma vez que a probabilidade de sobrevivência de uma espécie está relacionada com a sua maior funcionalidade e adaptabilidade na natureza (Stokes 2018).

Nalguns casos e para alguns animais silvestres é necessário recorrer à conservação ex situ, a qual pode ser realizada em jardins zoológicos, instalações científicas ou comerciais, onde são mantidas populações de animais geneticamente saudáveis. Outro modo de conservação ex situ é o resgate temporário como resposta imediata a animais vítimas de ações antrópicas, entre estas, atropelamento, perda de habitat, derramamento de petróleo e trauma, e a animais doentes, órfãos e/ou apreendidos em atividades de tráfico. Posteriormente procede-se à sua libertação em habitats naturais apropriados (Miller 2012; Cubas et al. 2014; IUCN-SCPSC 2017).

No Brasil, esta aproximação à conservação é praticada por Centros de Triagem de Animais Silvestres (CETAS) (Cubas et al. 2014).

4.2.1. Brasil

A elevada riqueza de espécies e ecossistemas conferem ao Brasil, a par da Indonésia, a condição de países com a maior biodiversidade. O Brasil integra seis importantes biomas terrestres e o maior sistema fluvial do mundo (Mittermeier et al. 2005). Estima-se que reúne pelo menos 13,2% da biota mundial, representando 1,8 milhões de espécies, das quais apenas cerca de 10% serão conhecidas (Lewinsohn and Prado 2005). Relativamente à fauna estão descritas 530 espécies de mamíferos, 1.800 de aves, 680 de répteis, 800 de anfíbios e 3.000 espécies de peixes e um ainda imensurável número de invertebrados (MMA 2008). A

(22)

11

Lei de Proteção à Fauna, Lei 5.197/67, determina a condição da fauna silvestres como propriedade do Estado e proíbe a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou captura.

Contudo, há evidências da perda desse património natural. A Mata Atlântica foi o bioma que sofreu maiores mudanças desde o período colonial, restando somente 27% da fauna e flora originais. O Cerrado, a Amazónia, a Caatinga e o Pantanal mostram também sinais de profundas alterações. A devastação florestal, a exploração madeireira, as queimadas, a conversão de florestas em pastagens, o domínio de monoculturas, a poluição de rios e oceanos, a construção de hidroelétricas, a introdução de espécies exóticas invasoras, a caça, a pesca e o comércio ilegal de espécies de avifauna foram os catalisadores da alteração nos ecossistemas brasileiros, com efeitos irreversíveis sobre a sua biodiversidade (MMA 2008). ([CSL STYLE ERROR: reference with no printed form.])

Embora as ameaças à vida silvestre e à paisagem natural do país sejam enormes e com repercussão internacional, o Brasil revelou-se igualmente um país líder na conservação da biodiversidade (Mittermeier et al. 2005), verificando-se uma crescente consciencialização ambiental a partir das décadas de 70 e 80 do século passado (IBAMA 2018). Neste período, a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) em conjunto com o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) dedicaram-se à projeção de um plano de conservação no país. Como resultado, entre 1974 e 1989 foram construídos 22 parques nacionais, 20 reservas biológicas e 25 estações ecológicas, abrangendo uma área de 144.180km² (Mittermeier et al. 2005). Este trabalho foi consolidado com a Lei 6.938/81 que definiu a Política Nacional do Meio Ambiente e instituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). Da estrutura do SISNAMA destacam-se o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e o IBAMA, sendo que o primeiro funciona como órgão consultor e deliberativo do sistema, e o segundo como órgão executor (MMA [2016]). ([CSL STYLE ERROR: reference with no printed form.])

O IBAMA surgiu em 1989, substituindo o SEMA e o IBDF para proporcionar uma gestão ambiental mais integrada e centralizada. O IBAMA atua como polícia ambiental, tendo as funções de propor e redigir normas e padrões de qualidade ambiental; conceder licenças ambientais; proceder à fiscalização, monitorização e controlo ambiental; executar programas de educação ambiental (IBAMA 2018). Os Centros de Triagem de Animais Silvestres estão integrados no IBAMA. Estes centros recebem, fazem a triagem e tratam animais silvestres resgatados, apreendidos por órgãos fiscalizadores ou entregues por particulares que mantinham ilegalmente animais silvestres em cativeiro (Cubas et al. 2014)

O Médico Veterinário faz parte integrante da maioria dos projetos das entidades enunciadas anteriormente. Neste âmbito, foi formalizada em 1995 a Associação Brasileira de Veterinários de Animais Silvestres, com a missão de promover o conhecimento sobre animais silvestres priorizando a conservação da fauna e o bem-estar animal e de assegurar a defesa dos interesses dos médicos veterinários de animais silvestres (ABRAVAS c2015).

(23)

12

4.3. Macaco-prego - Sapajus apella

Comummente designados por macacos-prego, os animais da espécie Sapajus apella distinguem-se de outros macacos do Novo Mundo pela sua adaptabilidade ecológica, variabilidade comportamental e caraterísticas anatómicas, que justificam o sucesso biológico dos mesmos (Galetti and Pedroni 1994; Garber 2006; Boubli et al. 2018). A sustentar tal referem-se a longa história evolutiva e divergência no grupo Platyrrhini, a sua ampla 69+999distribuição geográfica e a sua presença em habitats díspares, desde zonas arbustivas a florestas muito densas, de altitudes ao nível do mar aos 2700m nas montanhas Colombianas, bem como à sua sobrevivência em locais de grandes distúrbios antropogénicos, onde revelam grande resiliência. A técnica de forrageio alimentar que pratica atribui-lhe vantagem competitiva com outras espécies animais pois são generalistas-oportunistas. Anatomicamente, destaca-se o grande tamanho do cérebro em relação às dimensões do corpo num adulto e o maior peso do cerebelo, do neocórtex e do núcleo dorsal do tálamo do tronco cerebral em relação ao peso corporal do animal adulto (Fragaszy et al. 1990).

4.3.1. Taxonomia

A atual sistematização taxonómica dos primatas de Novo Mundo, referente à Infraordem Platyrrhini, considera-a a radiação de primatas mais diversa, não apenas taxonomicamente, mas também anatómica e comportamental, mencionando-se 152 espécies diferentes de primatas. Nos últimos 30 anos esta sistematização sofreu constantes reformulações devidas à integração de conceitos inéditos de filogenia, citogenia e de genética molecular na classificação dos taxons, pelo reconhecimento mais criterioso de diferenças entre grupos de animais, e pela descoberta de novas espécies (Rylands et al. 2012). As revisões mais recentes e importantes para esta Infraordem foram propostas por Groves, C.P., (Groves 2001), Schneider, H. (Schneider and Sampaio 2013), e Rylands & Mittenmier (Rylands et al. 2012). (Hershkovitz 1955)

A subfamília Cebinae, integrante da família Cebidae, foi durante algum tempo alvo de confusão em relação à sua organização taxonómica (Rylands et al. 2012). Durante várias décadas o género Cebus englobava todos os macacos-prego e a espécie Cebus apella incluía generalizadamente todos os macacos-prego considerados robustos. Contudo, uma reclassificação desses animais atribuiu a esses últimos o género Sapajus (Alfaro et al. 2012).

A resolução da sistematização da subfamília Cebinae adveio, em grande parte, de estudos realizados por Hershkovitz (1949, 1955) sobre a presença de “tufos” ou a “ausência de tufos” nos macacos-prego, isto é, sem crista sagital craniana. Não obstante a concordância crescente, a taxonomia, a identificação e a nomenclatura de géneros e espécies manteve-se dúbia, pela grande variabilidade entre animais desta subfamília (Alfaro et al. 2012). Lynch Alfaro et al. (2010) confirmaram por meio de estudos genéticos moleculares do ácido

(24)

13

desoxirribonucleico (ADN) mitocondrial, a ocorrência de uma divergência dentro do género até aí considerado Cebus, há mais de 6 milhões de anos, validando a hipótese da existência de dois géneros. O seu trabalho continuou com a revisão exaustiva das evidências morfológicas, genéticas, comportamentais e ecológicas e biogeográficas, permitindo assim estabelecer uma divisão formal em macacos-prego robustos “tufados”, Sapajus Kerr, 1792, e macacos-prego gráceis “não tufados”, Cebus Erxleben, 1777. (Hershkovitz 1949)

Do género Sapajus fazem parte 8 espécies: Sapajus apella (Linnaeus, 1758), Sapajus cay (Illiger, 1815), Sapajus flavius (Schreber, 1774), Sapajus libidinosus (Spix, 1823), Sapajus macrocephalus (Spix, 1823), Sapajus nigritus (Goldfuss, 1809), Sapajus robustus (Kuhl, 1820) e Sapajus xanthosternos (Wied-Neuwied, 1826) (Alfaro et al. 2012).

4.3.2. Distribuição

O seu limite geográfico na América Central e do Sul é quase inexistente, no entanto o mapeamento exato da sua distribuição é dificultado pela fragmentação do território, resultante da destruição de florestas nesses subcontinentes (Rosenberger et al. 2009). A sua presença foi confirmada na Colômbia, estendendo-se até à fronteira com a Venezuela, na Amazónia Peruana, nas Guianas (Rylands et al. 2005), no Suriname (Alfaro et al. 2012) e no Brasil, nos estados do Amapá, do Amazonas, do Maranhão, do Mato Grosso, do Pará, da Rondônia e da Roraima (Figura 12) (Alves et al. 2012). Nesses locais, habitam quer nas florestas tropicais da Amazónia e da Mata Atlântica, quer nas pradarias esparsamente florestadas do Cerrado e dos Llanos (Rosenberger et al. 2009) ou a 1300m de altura nos Andes, na Colômbia (Rylands et al. 2005).

Os seus territórios são extensos, de 70 a 250ha, mas a disponibilidade de alimento pode alterar a sua dimensão e forçar a exploração de outras regiões (Di Bitetti and Janson 2001). Esta espécie é capaz de coexistir em simpatria com outras, no mesmo local, em grande parte pela sua adaptação morfológica e comportamental à durofagia, que os distingue de várias espécies (Alfaro et al. 2012).

(a) (b)

Figura 12 - (a) Distribuição dos géneros Cebus e Sapajus (Fonte: (Alfaro et al. 2012)). Verde: distribuição simpátrica ou sobreposta dos géneros Cebus e Sapajus. Azul: Cebus. Lima: Sapajus. (b) Macaco-prego Sapajus apella (Fonte: Tiago Falótico).

(25)

14

4.3.3. Morfologia

Os macacos-prego têm uma grande longevidade, firmada por uma esperança média de vida de 45 anos (Blomquist et al. 2009; Alfaro et al. 2012). Têm um ciclo de vida longo, consequência de um início tardio da puberdade (Izar et al. 2009), moroso desenvolvimento ósseo (Fragaszy et al. 1990), baixas taxas de fertilidade e longos períodos de lactação em relação ao tempo de gestação (Izar et al. 2009).

O peso corporal médio é 2,7 kg. Os machos distinguem-se das fêmeas por terem mais 25-35% de peso corporal (Janson e Boinski 1992; Fedigan e Rose 1995).

Em relação aos caracteres morfológicos da espécie destaca-se pela sua especificidade: a robustez dos membros, sendo os anteriores mais curtos que os posteriores; a pequena dimensão das mãos e dos pés; o formato da cabeça, com uma grande constrição pós-orbital que lhe dá uma aparência mais estreita na coroa e uma acentuada crista sagital; as mandíbulas pequenas, de corpo compato; os dentes molares, de coroa ampla e com esmalte dentário muito denso; a cauda semi-preênsil (Alfaro et al. 2012; Janson e Boinski 1992; Hershkovitz 1955).

O fenótipo da pelagem é indubitável na identificação do género Sapajus, distinguindo-se pela banda pré-auricular de pelos preta ou castanha escura que continua lateralmente numa curva até às bochechas e que se estende da coroa ao queixo, num perfil contrastante com a estreita faixa superciliar que é mais clara (Figura 12). Estes animais têm barba de dimensão variável, e muitas vezes, apresentam tufos de pelos na coroa da cabeça, que podem ser curtos ou longos, em pequena ou grande densidade e assumir a forma de hastes, cristas, topetes e poupas, caracter, no entanto, muito variável entre os espécimes do sudeste do Brasil (Hershkovitz 1955).

Alguns elementos anatómicos refletem a dieta desta espécie. O comprimento do intestino grosso é reduzido quando comparado com o do intestino delgado, e com o tamanho corporal, tendo como referencial os mesmos parâmetros para outros primatas. A relação da sua dimensão é semelhante aos humanos e é indicativa de uma elevada dependência de alimentos de maior qualidade, isto é, facilmente digeríveis e energeticamente ricos (Fragaszy et al. 1990), pois área de absorção menor, sugere menor eficiência em digerir hidratos de carbono estruturais (Janson e Boinski 1992). Por sua vez, estruturas ósseas cranianas e pós cranianas exibem caraterísticas indicativas da sua especialização na exploração de alimento duro e resistente, ou seja na durofagia. Destacam-se a grande crista sagital, a ampla fossa temporal e a arcada zigomática proeminente, que permitem a fixação dos músculos temporal e masséter. A dimensão destes músculos permite a aplicação de maiores forças mecânicas. Em consonância, as caraterísticas das mandíbulas e dos dentes molares permitem-lhes quebrar alimentos mais resistentes e de maior dureza. Tal combinado com a grande amplitude

(26)

15

de boca, dá-lhes uma maior possibilidade de escolha do alimento (alimentos com 10 a 15 cm de dimensão) (Norconk et al. 2009; Rosenberger et al. 2009; Alfaro et al. 2012).

Os macacos-prego, em similitude aos humanos, apresentam valores acentuados em dois índices anatómicos com implicações comportamentais significativas, o quociente de encefalização e a dimensão do cerebelo, neocórtex e núcleo dorsal do tálamo proporcionalmente ao tamanho do tronco cerebal e ao peso corporal do animal (Fragaszy et al. 1990; Alfaro et al. 2012). Uma dessas expressões corresponde à elevada destreza manual, constatando-se um controlo motor fino dos dígitos e uma capacidade em coordenar ações diferentes em simultâneo, combinando elementos. Esta última caraterística dá-lhes uma habilidade adicional no processamento de alimentos, sendo capazes de utilizar ou criar instrumentos que lhes proporcionem o acesso ao alimento (Christel e Fragaszy 2000; Garber 2006).

4.3.4. Ciclo de vida

Como antes referido, o ciclo de vida desta espécie é longo e uma das razões está associada ao período juvenil prolongado, entre os 6 meses e os 6-7 anos de idade, quando atingem a maturidade sexual. Este justifica-se por limitações ligadas à massa corporal, à massa cerebral, às exigências metabólicas e à demografia, traduzido num lento desenvolvimento do esqueleto, num longo período de crescimento cerebral e numa dependência materna social e nutricional morosa (Fragaszy et al. 1990; Bezanson 2009).

4.3.5. Reprodução

O perfil comportamental sexual no género Sapajus é ricamente diferenciado do de outros primatas não humanos. A corte distingue-se pela relutância inicial do macho alfa em acasalar e a obstinada persistência da fêmea em solicitar o seu interesse, através de vocalizações, posturas, gestos, expressões faciais hiperbólicas, brincadeiras elaboradas ou mesmo ataques violentos a fim de conseguir que o macho lhe seja responsivo (Fragaszy et al. 1990; Alfaro et al. 2012). A procetividade feminina pode durar 4 a 6 dias e a recetividade sexual do macho alfa aparenta ser seletiva e estratégica. Adicionalmente, após a escolha, os machos optam por não acasalar mais do que uma vez por dia. O ato de acasalamento abarca um conjunto variável de posições copulatórias, assumidas em repetidas montas. Não obstante a ocorrência de acasalamentos ao longo de todo o ano, há uma maior concentração de nascimentos na estação húmida, referentes a conceções na época seca. Este fato é concordante com maiores níveis de testosterona nos machos e com maior número de fêmeas na fase recetiva do ciclo éstrico, nesta estação do ano, confirmando a sazonalidade (Alfaro 2005). O sucesso reprodutivo está associado essencialmente ao macho dominante, uma vez

(27)

16

que o sistema de acasalamento é uni-macho, com restrições grandes aos outros machos que de modo tático conseguem acasalar (Izar et al. 2009).

Embora as fêmeas iniciem a fase reprodutiva nos primeiros anos de vida, o primeiro parto ocorre em média aos 7 anos de idade. De um modo geral, os ciclos éstricos duram 22 dias e, caso ocorra gestação, essa durará 153 dias e suportará o nascimento de uma cria. O período de lactação médio é de 629 dias e o intervalo entre partos de 768 dias (Fedigan e Rose 1995; Alfaro 2005; Izar et al. 2009).

4.3.6. Comportamento

Os comportamentos sociais, a gestão do tipo de alimentação e do tempo dedicado a tal, a utilização do espaço disponível e a coordenação de movimentos entre indivíduos, bem como o sucesso reprodutivo, são relevantes na sobrevivência da espécie e na funcionalidade de um grupo de animais. Os grupos de macacos-prego são formados normalmente por 10 indivíduos (Fragaszy et al. 1990), demarcados por agrupamentos de fêmeas e pela presença de alguns machos. O papel central de dominância está reservado ao macho alfa e os outros machos estão resignados a ele (Di Bitetti e Janson 2001).

4.3.7. Alimentação

Omnívoros de dieta generalista-oportunista revelam grande plasticidade na sua alimentação, tanto em relação ao alimento como aos modos de exploração do mesmo, respondendo à condicionante da disponibilidade e acessibilidade. A sua capacidade de adaptação à variação sazonal das estruturas e de fenómenos no seu habitat, a aptidão para explorar um largo conjunto de tecidos vegetais de múltiplas durezas e a ausência de preferência (exclusiva) para um recurso específico são vantagens perante outras espécies de primatas, que resulta numa maior probabilidade de resposta às suas necessidades nutricionais (Brown e Zunino 1990; Fragaszy et al. 1990; Di Bitetti e Janson 2001; Addessi 2008; Norconk et al. 2009; Gómez-Posada 2012).

A variabilidade de substratos é um critério importante na formulação da dieta, pelo que a existência de uma predisposição à monotonia alimentar leva-os a escolher dietas variadas em vez de refeições equicalóricas, mas de apenas um tipo de alimento (Addessi 2008). As frutas polposas sobrelevam-se na sua dieta, mas essa inclui também uma grande multiplicidade de alimentos, desde sementes, a flores, a folhas e a pequenos animais, em proporções variáveis consoante o habitat e a imposição de períodos de escassez. Um estudo realizado na Amazónia Colombiana reportou o consumo de 96 espécies de plantas diferentes e mais de 20 espécies de frutos por mês, em época de abundância. Entre outros alimentos consumidos mencionam frutos secos (por exemplo, Cariniana legalis, Cariniana micrantha, Hymenaea courbaril, Metrodorea stipularis); sementes (por exemplo, Cariniana micrantha,

(28)

17

Micrandra spruceana, Cuoroupita guianensis, Sandwithia heterocalyx, Gustavia hexapetala e das famílias Musaceae, Bignoniaceae); flores (por exemplo, da família Bignoniaceae); folhas (por exemplo Astrocaryum aculeatum, Iris ventricosa, Socratea exorrhiza, das famílias Bromeliaceae, Araceae e Cyclanthaceae); pequenos elementos vegetais (plântulas, talos e medula de palmeiras jovens, rebentos de bambu, rebentos de bromélias, raízes); animais invertebrados (aranhas, gafanhotos (adultos), escaravelhos (larvas), formigas (adultos, pupas, larvas e ovos), térmitas (adultos, ninfas e ovos), lepidópteros (larvas), vespas (larvas e mel); e pequenos animais vertebrados (crias de aves, rãs, lagartos e morcegos) (Izawa 1979; Brown e Zunino 1990; Fragaszy et al. 1990; Janson e Boinski 1992; Galetti e Pedroni 1994; Di Bitetti e Janson 2001; Gómez-Posada 2012).

A procura, manipulação e a ingestão de alimentos ocupam aproximadamente metade do dia dos animais desta espécie (Gómez-Posada 2012).

4.3.8. Conservação

O estatuto de conservação do género Sapajus difere entre as espécies que o constituem. Os animais da espécie Sapajus xanthosternos estão criticamente em perigo, correndo um risco extremamente alto de extinção a curto prazo (Kierulff et al. 2015). As espécies Sapajus robustus e Sapajus flavius foram consideradas em perigo (Martins et al. 2020; Montenegro et al. 2020) e, as Sapajus nigritus e Sapajus libidinosus em baixo risco de extinção (J.N. Martins et al. 2019; A.B. Martins et al. 2019). Já os animais das espécies Sapajus apella, Sapajus cay e Sapajus macrocephalus foram classificados como espécies pouco preocupantes (Boubli et al. 2018; Rímoli et al. 2018).

Apesar do estatuto de conservação de baixo risco de extinção dos animais da espécie Sapajus apella é importante relembrar que a destruição florestal, e dos seus potenciais habitats, é crescente e ameaça a sobrevivência destas populações. É por isso importante conjugarem-se esforços de proteção (Fragaszy et al. 1990; Boubli et al. 2018).

4.4. Zoonoses Ocupacionais

A exposição a agentes zoonóticos é um dos mais importantes riscos ocupacionais entre os profissionais da saúde animal. Veterinários e outros profissionais contatam diretamente com os animais e são expostos a fezes, urina, secreções, sangue, ectoparasitas e insetos vetores de doença, que potenciam o risco de infeção (Lipton et al. 2008; Baker e Gray 2009; Epp e Waldner 2012; Forsyth et al. 2012; Garland-Lewis et al. 2017). Intervenções específicas como o exame clínico, a colheita de amostras biológicas, cirurgias, necropsias ou a manipulação de crias recém-nascidas, aumentam a exposição e o risco de contágio do médico veterinário (Bengis et al. 2004; Kumar et al. 2013). (Kumar et al. 2013)

(29)

18

Considerando que a maioria das doenças infeciosas emergentes têm animais silvestres como hospedeiros reservatórios (Morens et al. 2008; Dowd et al. 2013), o risco de infeção zoonótica ocupacional assume maior significado para médicos veterinários e tratadores de animais silvestres (Wild e Pape 1996; Terrell 2005; Kumar et al. 2013; Garland-Lewis et al. 2017).

Não obstante, poucos estudos foram realizados para avaliação da exposição dos médicos veterinários a agentes zoonóticos e a maioria tem como alvo médicos veterinários de animais domésticos (Epp e Waldner 2012; Garland-Lewis et al. 2017). Um inquérito realizado a médicos veterinários de animais domésticos no Condado de King, no Estado de Washington, nos Estados Unidos da América, revelou que 28% dos médicos veterinários já tinham contraído uma zoonose (Lipton et al. 2008), enquanto que no estado do Illinois essa proporção subiu para 42,7% (Baker e Gray 2009). Por sua vez, na sequência de inquéritos epidemiológicos, 44,9% dos veterinários na Austrália confirmaram ter contraído uma doença zoonótica ocupacional (Dowd et al. 2013), 16,6% no Canadá (Epp e Waldner 2012) e 63,6% na África do Sul (Gummow 2003). Estudos realizados em médicos veterinários de jardins zoológicos e reservas naturais revelaram frequências muito baixas de zoonoses (Forsyth et al. 2012; Kumar et al. 2013). Esta variabilidade de prevalência de zoonoses ocupacionais pode ser justificada pelas espécies animais com as quais os médicos veterinários interagem, pela frequência de infeção na população animal local e circulação de agentes zoonóticos na região, pela probabilidade de transmissão de agentes patogénicos e pela qualidade de biossegurança das instalações e rigor do cumprimento de boas práticas pelos profissionais (Hill et al. 1998; Lipton et al. 2008; Baker e Gray 2009).

Diferentes autores referem como principais fatores de risco à exposição zoonótica ocupacional nos profissionais da saúde animal, os anos de experiência laboral, o número de horas de trabalho por semana, mordeduras e arranhadelas, feridas por instrumento (por exemplo, punção com agulha), insuficiente formação sobre segurança no trabalho, o uso incorreto ou incompleto de equipamento de proteção individual, profilaxia médica inadequada ou incompleta, deficiente nível de higiene e de sanitização dos espaços, eliminação de resíduos hospitalares, e ausência de unidades de isolamento para confinar animais infetados (Hill et al. 1998; Gummow 2003; Lipton et al. 2008; Baker e Gray 2009; Epp e Waldner 2012; Kumar et al. 2013; Dowd et al. 2013; Garland-Lewis et al. 2017).

Aquando da chegada de um animal silvestre a um centro de recuperação e reabilitação, a história clínica é quase sempre desconhecida e algumas vezes não é possível realizar exames complementares de diagnóstico para confirmar suspeitas clínicas (Terrell 2005). A prevenção assume, por isso, um papel crucial nos protocolos de reabilitação (Wild e Pape 1996). Para providenciar um local de trabalho seguro e mitigar a exposição a perigos biológicos é preciso um conhecimento básico das doenças mais frequentes em cada zona

(30)

19

geográfica (Garland-Lewis et al. 2017), da suscetibilidade dos animais a doenças e da sua microbiota natural (Rhyan e Spraker 2010).

Os procedimentos seguidos devem promover tanto a saúde dos trabalhadores como a saúde humana e animal global pois o primeiro individuo infetado (index case) pode criar uma cadeia de transmissão na comunidade (Kumar et al. 2013). Por estarem na linha da frente do contato com animais domésticos e silvestres e insetos vetores, os médicos veterinários podem funcionar como sentinelas da circulação de agentes patogénicos numa zona geográfica (Baker e Gray 2009).

Em contrapartida, más práticas repetidas em centros de reabilitação de animais silvestres podem despoletar episódios de doença e causar surtos epidémicos. A sobrepopulação de animais, a mistura de animais de diferentes espécies e proveniências num mesmo espaço, métodos de contenção inadequados, transporte de animais para novos espaços ou alterações da dieta, são situações que induzem stress e alteram comportamentos que podem facilitar a transmissão de doenças (Rhyan e Spraker 2010).

Por outro lado, o contato dos médicos veterinários e tratadores com os animais silvestres pode resultar em infeções zoonóticas antropogénicas e convergir na emergência de novas doenças infeciosas nos animais silvestres, de severidade variável, ou na reinfeção da população humana, no caso dos agentes capazes de persistir na população animal (Epstein e Price 2009). Após a reabilitação de um animal silvestre, a sua subsequente libertação com translocação do animal para um novo habitat implica a introdução da microbiota e de parasitas desse animal nesse habitat. Esta fase deve ser planeada de modo a mitigar o risco de introdução de agentes patogénicos para outros animais ou espécies (Rhyan e Spraker 2010). No panorama brasileiro, as doenças/agentes infeciosos que acometem os primatas do Novo Mundo com maior importância, face ao seu impacto na saúde animal e/ou na saúde humana, são:

Agentes zoonóticos – vírus da raiva (Sousa et al. 2013), Cercopithecine herpesvirus 1 (vírus B) (Coulibaly et al. 2004; Tischer e Osterrieder 2010), vírus do sarampo (Jones-Engel et al. 2006; Sesa 2015), Herpesvirus simplex tipo 1 e tipo 2 (Mätz-Rensing et al. 2003), Yatapoxvirus (Balansard et al. 2019), vírus sincicial respiratório, vírus da influenza A (Santos 2011), vírus linfotrópico T tipo 1 símio (STLV-1), Mycobacterium spp. (Balansard et al. 2019), Klebsiella spp., Salmonella spp., Shigella spp., Yersinia spp., Campylobacter spp., Trypanossoma spp. (Verona e Pissinatti 2014), Strongyloides stercoralis (CDC 2019) e Trichophyton spp. (Balansard et al. 2019);

Agentes zoonóticos oportunistas – Citomegalovirus (Reuter et al. 2004; Peter A. Barry e Chang 2007; Junior 2010; Cannon et al. 2011), vírus espumoso símio (Pinto-Santini et al. 2017);

(31)

20

Doenças cujo carácter zoonótico constitui ainda uma hipótese científica - Febre de Ilhéus (Pereira et al. 2001), Febre de Mayaro (Ministério da Saúde 2015);

Agentes de elevada morbilidade nos animais - Gammaherpesvirus callitrichine 3 (Bonfim 2019), vírus da parainfluenza tipo 1 (Santos 2011);

Agente altamente patogénico para algumas espécies, mas de expressão assintomática para outras - Herpesvirus saimiri-1 (Souvignet et al. 2019);

Agente de efeito imunossupressor – Retrovirus D (retrovírus tipo D símio) (Balansard et al. 2019);

Doenças associadas às condições de maneio ambiental e principalmente aos sistemas de cativeiro - hepatite do Calitriquídeos (Montali et al. 1993; Rovid Spickler 2010), hepatite A, B e C (Woodford 2000; Bonvicino et al. 2014), toxoplasmose (Casagrande et al. 2013);

E doenças em que os primatas atuam como animais sentinela – Febre Amarela (CIEVS 2016).

4.5. Tuberculose

Em 2018 registaram-se aproximadamente 1,5 milhões de mortes humanas por tuberculose (WHO 2019). Embora a maioria da população infetada não desenvolva a doença nem se torne infeciosa, estima-se que 1/3 da população humana é portadora de Mycobacterium tuberculosis, sobrelevando a sua importância no domínio da Saúde Pública e relevo enquanto doença infeciosa reemergente (Kaufmann 2001; LoBue et al. 2010; WHO 2017a).

Juntamente com a Federação Russa, a Índia, a China e a África do Sul, o Brasil integra 48% dos casos de tuberculose reportados mundialmente. No ano de 2012, estimou-se uma incidência de 92.000 casos de tuberculose no Brasil. Em adição, o país regista reduzidas taxas de sucesso no tratamento, justificado em parte pelo elevado número de casos de tuberculose multirresistente (850 novos casos e 860 reincidentes, no ano de 2012) (WHO 2013).

O termo tuberculose designa a doença causada por um pequeno grupo relacionado de microrganismos que compõem o complexo Mycobacterium tuberculosis. Correspondem a grupos de bactérias de estrutura estritamente clonal, semelhantes em 99,95% da sua sequência nucleotídica e que derivam de um ancestral comum, sugerido como uma estirpe exclusivamente adaptada ao Homem (Smith et al. 2009). Do complexo Mycobacterium tuberculosis fazem parte oito espécies e subespécies de relevo em saúde humana e animal: Mycobacterium tuberculosis, Mycobacterium canettii, Mycobacterium africanum subtipo 1 (grupo 1 e grupo 2), Mycobacterium pinnipedii, Mycobacterium microti, Mycobacterium bovis subsp. caprae comb. nov. e Mycobacterium bovis (O’Reilly e Daborn 1995; Montali et al. 2001; Barragán e Brieva 2005; Smith et al. 2009; LoBue et al. 2010).

(32)

21

Apesar da sua evolução genética com adaptação a diferentes espécies, não se verifica uma especificidade restrita das estirpes a um hospedeiro, mas antes uma preferência (Smith et al. 2009). O Homem é o hospedeiro natural e o hospedeiro reservatório do M. tuberculosis, o M. bovis é primordialmente isolado em bovinos, o M. microti em roedores silvestres e o M. pinnipedii em mamíferos marinhos. Os hospedeiros do grupo do M. africanum ainda não foram confirmados, mas as evidências científicas disponíveis sugerem que o subtipo 1 seja uma estirpe adaptada ao Homem. O M. africanum é o principal agente de tuberculose humana no continente africano (Montali et al. 2001; Cavanagh et al. 2002; Smith et al. 2009). No entanto, todas estas micobactérias têm a capacidade de causar doença no Homem e muitas foram isoladas de animais não considerados hospedeiros primários, relatando-se casos em peixes, répteis, aves, mamíferos terrestres e marinhos (Niemann et al. 2000; Vervenne et al. 2004; Une e Mori 2007; Smith et al. 2009).

Numa perspetiva zoonótica, o Mycobacterium tuberculosis e o Mycobacterium bovis são os agentes patogénicos de maior significado para o Homem, quer pela sua patogenicidade, quer por serem capazes de infetar um número considerável de espécies animais num ecossistema (Une e Mori 2007). O Mycobacterium tuberculosis é o agente etiológico mais importante (Montali et al. 2001). Infeções por Mycobacterium tuberculosis estão descritas em primatas não humanos, elefantes, rinocerontes, antas e outros ungulados não domésticos, bovinos domésticos, carnívoros silvestres, cães, gatos, porquinhos-da-Índia, coelhos e aves. Porém a suscetibilidade ao Mycobacterium tuberculosis varia entre os diferentes grupos taxonómicos: maior suscetibilidade nos primatas do Velho Mundo, gibão, elefante, hamster e porquinho-da-Índia; suscetibilidade moderada em grandes primatas, primatas do Novo Mundo, canídeos, anta, rinoceronte, porco, ratazana e rato; suscetibilidade baixa em prossímios, felídeos, equídeos, ungulados, coelhos, aves e répteis (Walsh et al. 1996; Michalak et al. 1998; Une e Mori 2007; LoBue et al. 2010; Stephens et al. 2013).

Embora de ocorrência rara em primatas não humanos em ambiente silvestre (O’Reilly e Daborn 1995) e sem casos reportados na América do Sul (Marieke et al. 2015), a tuberculose é uma das doenças infeciosas mais letais nos primatas não humanos em cativeiro (Montali et al. 2001). Os casos relatados de tuberculose em cebídeos que mantém contato próximo com os humanos são crescentes (Calle e Joslin 2015). Com a agravante de os cebídeos poderem ser infetados por diferentes estirpes do complexo Mycobacterium tuberculosis, nomeadamente por M. bovis (Vervenne et al. 2004) e por M. microtti, mas a maioria dos casos investigados são causados por M. tuberculosis (Barragán e Brieva 2005; Une e Mori 2007; Michel et al. 2013).

Para que ocorra a infeção por M. tuberculosis é necessário um contágio a partir de um paciente humano com infeção ativa, por contato próximo e/ou prolongado (O’Reilly e Daborn 1995; Une e Mori 2007; Michel et al. 2013; Stephens et al. 2013; Calle e Joslin 2015). As

(33)

22

demais espécies, que não o Homem, são consideradas hospedeiros acidentais, infetados ocasionalmente. Esses têm potencial de transmitir doença ao Homem e a outros animais, mesmo que de espécies diferentes, representando uma ameaça para as colónias onde estão inseridos. Vários estudos confirmam a transmissão ao Homem de M. tuberculosis por primatas não humanos, elefantes, psitacídeos e cães (Michalak et al. 1998; Montali et al. 2001; Une e Mori 2007; Posthaus et al. 2011; Stephens et al. 2013). Os primatas não humanos são a procedência zoonótica mais importante e os tratadores e veterinários, as profissões de risco mais elevado (Michalak et al. 1998; Montali et al. 2001; Une e Mori 2007).

A transmissão ocorre sobretudo por aerossóis com pequenos núcleos contendo 1 a 3 bacilos de M. tuberculosis, os quais são inalados e envolvidos no tecido pulmonar. A progressão da doença depende do número de bacilos disseminados, da duração da exposição, do tamanho das partículas de aerossóis formados, da persistência dos aerossóis no espaço físico e do estado imunitário do hospedeiro exposto, seja humano ou animal (Stephens et al. 2013). O contato direto entre animais ou animais e humanos, a ingestão de alimentos contaminados com o agente e o contato indireto com fomites são outras vias de transmissão possíveis (Montali et al. 2001; Barragán e Brieva 2005; Wolf et al. 2014).

O decurso da doença e os sinais clínicos dos diferentes grupos do complexo Mycobacterium tuberculosis nos mamíferos é semelhante (Walsh et al. 1996; Smith et al. 2009).

No Homem a resposta imunitária origina na maioria dos indivíduos um estado de equilíbrio com desenvolvimento de uma bacteriostase e um estado de latência de infeção, sem sinais clínicos evidentes, mas com lesões granulomatosas que contêm as micobactérias (O’Reilly e Daborn 1995; Kaufmann 2001; Smith et al. 2009). Apenas 5% a 15% dos humanos infetados desenvolvem doença nalguma fase da sua vida, podendo esta revelar uma dinâmica subaguda ou crónica (WHO 2017a).

Embora com variações entre diferentes espécies de primatas, a dinâmica da infeção por M. tuberculosis é geralmente lenta e progressiva, sem sinais clínicos até estágios avançados da doença (Vervenne et al. 2004). Os sinais clínicos são inespecíficos e compreendem letargia progressiva, anorexia, emaciação progressiva e acentuada, e sinais respiratórios, como taquipneia e tosse, sendo este último o sinal mais tardio (Montali et al. 2001). Podem registar-se flutuações de temperatura com febre vespertina. Outros sinais clínicos, menos comuns, espelham a presença de lesões extrapulmonares, como panoftalmite, astenia, ataxia motora e comportamentos anormais, e espondilite com paralisia dos membros posteriores por meningite tuberculosa (Walsh et al. 1996). Podem verificar-se alterações intestinais, hepáticas, renais, do baço e dos linfonodos, uma vez que todos estes tecidos podem ser acometidos por lesões tuberculosas (Barragán e Brieva 2005; LoBue et al. 2010).

Imagem

Figura  1  – Mapa de localização do Núcleo de Reabilitação da Fauna  Silvestre (Fonte: Google  maps)
Figura 2 – Cirurgia maxilo-facial a bugio-ruivo (Alouatta guariba).  (a) Trauma com lesão do lábio e  fratura da mandíbula, por ataque de cão (Original)
Figura 4 – Aves em recuperação, colocadas no exterior para período diário de exposição solar  (Original)
Figura  6  –  Acção  de  educação  ambiental  junto  da  comunidade  escolar.  Libertação  de  aves  recuperadas (Original)
+7

Referências

Documentos relacionados

É possível estabelecer um elo de ligação e comparação entre o sangue periférico e a saliva, no que concerne a diferentes estados fisiológicos e patológicos

O mecanismo de competição atribuído aos antagonistas como responsável pelo controle da doença faz com que meios que promovam restrições de elementos essenciais ao desenvolvimento

As relações hídricas das cultivares de amendoim foram significativamente influenciadas pela a deficiência hídrica, reduzindo o potencial hídrico foliar e o conteúdo relativo de

Figura A.164 – Custos de Exploração por metro cúbico de água faturada em função do número médio de trabalhadores para EG de gestão direta por grau de fiabilidade dos dados.

Widespread cigarette smoking will exacerbate worldwide health disparities between nations, leading to an increasing burden of non-communicable diseases in

Apresenta a Campanha Obra-Prima, que visa a mudança comportamental por meio da conscientização diante de algumas atitudes recorrentes nas bibliotecas da

A baixa disponibilidade de alimento e baixa densidade de parceiros reprodutivos, aliadas à impossibilidade do uso da visão para localização, a baixa pressão de

(2013 B) avaliaram a microbiota bucal de oito pacientes submetidos à radioterapia na região de cabeça e pescoço através de pirosequenciamento e observaram alterações na