MARIA
DA GRAÇA
DOS SANTOS
DIAS
Tese apresentada
ao
Curso de Pós-Graduaçãoem
Direito
da
Universidade Federal de Santa Catarinacomo
requisito à obtençãodo
títulode
Doutoraem
Direito.Orientador: Prof. Dr. Osvaldo Ferreira
de
Melo
~ Co-orientadora: Prof”. Dr”.
Olga Maria
Aguiar de OliveiraFlorianópolis
2000
CURSO
DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM
DIREITO
A
TESE
A
JUSTIÇA
E
o
1MAGrNÁR1o soc1AL
Elaborada por
MARIA
DA
GRAÇA
DOS SANTOS
DIAS
e aprovada por todos osmembros
da Banca
Examinadora, foi julgadaadequada
para a obtençãodo
título dedoutora
em
DIREITO
Florianópolis,
26
de setembrode
2000.BANCA
EXAM
O
Prof. _ svíldo Ferreira de
Melo
/
- Orientador-
Prof”. Dra. Creusa
Capalbo
»
~Qã
~l~
O1
a Í/šgíâiiar e 'geíiâríai6*
Prof
Dr. Indio zzšàzäzziProf
Dr. Roberto Fragale ÍProf
Dr.I
~.|
-
Coordenad
rdo
ursodenunciar
eldogmatismo
jurídicopor
sus presupuestos mágicos:o
tratarde
explicarsemiológicamente
losmecanismos
de
la interpretaciónde
la ley.Tampoco
essufciente ver al
Derecho
como
acpresión del Estado.Hay
un
“plus”ignoradoen
todos estos intentosque
es necesario desmenuzar.Un
“plus”altamente compleio.Una
exigenciade
ética,
de
justiciay
de
estéticaque
no
pueden
sersimplemente
reducidos
a
la instancia instituída del Derecho.Hay
un
“plus”de
ética,de
justiciay
de
estéticaque
tienenque
ser referidosa
los (no)lugares
a
losque
estan siendocondenados
lo social, lo políticoy
lo subjetivoen
el fin del milenio.LUIS
ALBERTO
WARAT
Ao
professor Dr. Osvaldo Ferreirade
Melo
que
noscontemplou
com
suasábia e profunda orientação.
À
professora Dra.Olga
Maria
Aguiar de Oliveira pela disponibilidade e peloapoio através
de
sua co-orientação.Aos
professores Dr. Luis AlbertoWarat
e Dr. Leonel Rocha, referênciasfundamentais
em
nossafonnação
neste doutorado.À
professora Dra. Creusa Capalbo, por sua especial atenção eproficua
orientação nos domíniosda
Fenomenologia.Ao
assistente social Luiz Carlos Chaves, nosso ex-aluno e grande amigo, por toda a contribuição prestada durante a realização de nossa pesquisa decampo.
À
comunidade
Promorar,em
especial ao senhoresmembros
da
Associação de Moradores, pela acolhida e riquezada
convivência.À
Sra.Vera
Lúcia Cassel Peres pela delicadeza e apoio oferecidos nesteslongos
meses
em
que
digitando este trabalho partilhoude
nossa luta.Aos
meus
sobrinhos Cristiam eMônica
pelo apoio prestadona
digitaçãoda
pesquisa
de
campo.
presenças
fiatemas
em
minha
vida.A
primeira brindou-mecom
a revisão desta tese e as outrascom
a conferência dos trabalhos de digitação.Aos
colegasdo
Doutorado, pela grata e carinhosa convivência e aosfuncionários
da
CPGD
pela atenção e delicadeza.Aos
meus
familiares pelo apoiona
realização deste trabalho.Da
ProfessoraGeney
MítíkaKarazawa
Takashina,m1nh` a amiga-irmã.
“Amigo
é coisapara
seguardar do
lado esquerdodo
peito, dentro
do
coração”.vi
A
meus
filhos Michelle e Túlio César, motivosfundamentais
do
meu
existir.O
presente trabalho tematiza a Justiça enquanto categoria ético-filosófica,de
caráter histórico-cultural,
que
permite a avaliação críticado
Direito.A
Justiça é aqui apreendidaem
uma
dimensão
teórico-prática»Na
perspectiva teórica enfatiza-se, primeiramente,o embate
entre distintasposturas filosóficas. Destaca-se a posição
do
jusfilósofoGIORGIO
DEL
VECCHIO,
que
identifica a Justiça enquantoftmdamento
intrínseco, referente axiológico einstrumento de legitimação
do
Direito Positivo. Aborda-se, por outro lado,o paradigma
positivista, focalizando-se
o
normativismo deHANS
KELSEN,
que
postulaa
validadeda
norma
jurídicasomente
quando
sua criação estiver respaldada pornorma
superior efor
emanada
pelo poder competente.Reflete-se sobre os limites
de
uma
teoria jurídicaque
reduzo fenômeno
jurídico
amera
questão de legalidade. Busca-se, assim,num
segtmdomomento,
apoio,ainda teórico, nas
compreensões de
NICOLAS
MARIA
LOPEZ
CALERA
e deOTFRIED
HOFFE,
para afirmar-se a Justiçacomo
tema
fundamentalda
Filosofiado
Direito.
CALERA
argumenta o
caráter, necessariamente, democráticode que
sedeve
HÕFFE
destaca a categoria Justiça Política enquanto referente de crítica éticado
Direito. Desvelao
caráter teórico interdisciplinardo
discursoda
Justiça,bem
como
suadimensão
de práxis, pois esta, enquanto discurso ético-político, deve refletiros problemas sociais e políticos de cada época, buscando sua superação.
Passa-se, então,
em
um
terceiromomento,
a refletir sobre a Justiça enquantopráxis, explicitando-se
algumas
considerações sobre a realidade social brasileira elevantando-se os desafios
que
se apresentam para a concreçãoda
Justiça,ou
seja, para a viabilização deuma
vidacom
qualidade,com
dignidade,com
eticidade. Expõe-se,também, o
motivo de nossaopção
poruma
atitude metodológica fundadana
Fenomenologia, pois, esta privilegia a vida (tal
como
vividana
cotidianeidade)como
referência para a construção
do
conhecimento dosfenômenos
humano-sociais.A
Justiça é refletida, assim,não
como
uma
categoria metafisica,mas
como
uma
categoriaexistencial- histórico-cultural
-
que
se desvelana
vida democrática,no
estilo ético eestético de convivialidade.
Reflete-se, ainda, recorrendo-se ao jusfilósofo
FERREIRA
DE
MELO,
sobrea
Política Jurídicacomo
o
instrumentoque
permite a avaliação contínuada
congruência das
normas
jurídicas àsdemandas
sempre
renovadasde
Justiça,que a
sociedade apresenta
Assim
sendo,o
processo de criação e de avaliaçãodo
Direitodeve
ser perpassado não apenas pela reflexão teórica mas,
também,
fimdamentado
na
práxis.Nesta
perspectiva a Justiça está referida às reais condições de existência, revelando-seFinahnente, a partir
da compreensão
supra citada, apresenta-seuma
pesquisa
de campo,
realizadaem
comunidade
de periferia,onde
as condiçõesde
existência são limitadoras de
uma
vidacom
qualidade,com
Justiça. Intenciona-se,com
a pesquisa, desvelar os significados de Justiça constitutivos
do
imaginário socialda
comunidade,
compreendendo-se
os apelos existenciais por esta manifestados,compreensão
estaque
se faz imprescindível para todo estudiosoque
pensao
Direitocomo
instrumento de democratizaçãoda
vida social,como
asseguradorde
um
estilo ético e estético de convivialidade ecomo
garantidorda
realização dos ideaisde
Justiça.This paper presents as its
theme
the Justice asan
ethicaland
philosophicalcategory,
of
historicand
cultural character that allows a critical evaluationof
Law.
The
Justice is learned here in a theoretical
-
pratical dimension.The
theoretical perspective emphasizes, at first, the collisionamong
different philosophical postures.The
positionof
the jusphilosopher GiorgioDel
Vecchio
stands out. It identifies Justice asan
inherent foundation, basedon
values,and
a legitimacy instrument
of
the PositiveLaw.
On
the other hand, the positivismparadigm
is approached, focusing
Hans
Kelsen”s nonnativism that postulates the validityof
ajuridical
norm
onlywhen
its creation is supportedby
a superiornonn
and
itemanates
fiom
the suitable authority.A
reflection is carried out over the limitsof a
juridica] theory that reducesthe juridical
phenomenon
to amere
legality issue.The
second partof
this paper seeksfor theoretical support, in the rmderstanding
of
NicolasMaria
Lopez
Caleraand Otfiied
Höfi`e, toaflirm
the justice as the fundamentaltheme of
theLaw
Philosophy. Calera argues the character, necessarily democratic,which must
involve the creationof
theHöffe stands out the Political Justice category as basis for the ethical criticism
of Law.
He
also unveils the interdisciplinary theoretical characterof
theJustice discourse as
wel
as its customary dimensions because this, asan
ethicaland
political discourse, should reflect the social
and
political problemsof
each epoch, tryingto
overcome
them.I
In a third
moment
this paper reflects about Justice as a routine, statingsome
considerations about the Brazilian social reality
and
raising the challenges thatoppose
the Justice solidification, that is, the viability
of
a life with quality, dignityand
ethics. Italso exposes the reason
of
the option fora
methodological attitude basedon
thePhenomenology
since this privileges life (as livid daily) as reference to theknowledge
constructionof
the human-socialphenomena.
In thisway
Justice is reflected not as ametaphysic category, but as
an
existencial-
historical cultural-
one, that unveils in thedemocratic life, in the ethical and aesthetic style
of
living together.A
reflection is alsomade,
according to the jusphilosopher Ferreirade
Melo, about the instrument that allows the constant evaluationof
the coherenceof
the juridicalnonns
to the Justicedemands
presentedby
the society. Consequently theLaw
creationand
evaluation processmust
focus not only the theoretical reflections but also be wellgrounded
on
practice. In perspective Justice is referred to the real existenceconditions, being revealed in the social irnaginary as the avaluation
between
the realitylived daily
and
the conscienceof
the fair (Justice ideal).and
justiceof
life.The
intentionof
the research is to unveil the Justicemeanings
existent in the
community
social imaginary, understanding the existential appealmanifested
by
them. Thiscomprehension
is essential for all the studious that understandLaw
asa
social life democratization instrument, asan
assuranceof an
ethicaland
aesthetic styleof
living together and the realizationof
the Justice ideals.Le
présent travail apour thème
la Justiceen
tantque
catégorie éthique- philosophique, à caractère historique-culturel, ce quipermet une
évaluation critiquedu
Droit.
La
Justice est ici abordée dansune
dimension théorique-pratique.Dans
la perspective théorique nous rnettonsen
valeur, dansun
premiermoment,
Popposition entre de dififérentes positions philosophiques.Nous
mettonsen
relief la position
du
jusphilosopheGIORGIO
DEL
VECCHIO,
qui identifie la Justice,en
tantque fondement
intrinsèque, référent axiologique et instrumentde
légitimationdu
Droit Positifi
Nous
traitons,en
outre, le paradigme positiviste,en nous
concentrant surle normativisme
de
HANS
KELSEN,
quand
il ditque
lanorme
juridiquene
sera valideque
lorsque sa création sera soutenue par unenorme
supérieure et qu°el1eémanera
du
pouvoir compétent.
Nous
réfléchissons sur les limites d”une théorie juridique qui réduit lephénomène
juridique àune
simple questionde
légalité.On
cherche ainsi, dansun
deuxième
moment, un
soutien, encore théorique, dans les compréhensions deNICOLAS
MARIA
LOPEZ
CALERA
et deOTFRIED
HÕFFE,
pour
afiirmer lad°un caractère nécessairement démocratique.
La
Justice démocratique constitue leréférent d°évaluation et de définition
du
Droit juste.HÕFFE
met en
relief la catégorie Justice Politique,en
tantque
référent decritique éthique
du
Droit. Il dévoile le caractere théoriquc interdisciplinairedu
discoursde la Justice, ainsi
que
sa dimension de praxis, car celle-ci,en
tantque
discours éthique-politique, doit être le reflet des problèmes sociaux et politiques de
chaque
époque, touten
cherchant à se dépasser.Dans un
troisièmemoment, nous
réfléchissons sur la Justiceen
tantque
praxis,
en
explicitant quelques considérations sur la réalité sociale brésilienne eten
soulevant les défits qui se présentent
pour
la concrétisation de la Justice, c'est-à-dire,pour
la viabilisation d°une vie digne, éthique et debonne
qualité.Nous
exposons aussi les raisons de notre choixen
faveur d'une attitude méthodologique fondée sur laPhénoménologie, étant
donné
qu”elle privilégie la vie (telle qu”elle est vécue dans lequotidien),
comme
une
référencepour
la constructionde
la connaissance desphénomènes
humains
et sociaux.La
Justice est pensée alors,non
pascomme
une
catégorie métaphysique,
mais
comme
une
catégorie existentielle - historique-culturelle -qui se révèle dans la vie démocratique, dans le style éthique et esthétique de
convivialité.
En
faisant référenceau
jusphilosopheFERREIRA
DE
MELO,
nous
réfléchissons également sur la Politique Juridique
comme
Pinstrument qui permetl'évaluation continue
de
la pertínence desnormes
juridiques relativesaux
demandes
dedoit aussi être basé sur la praxis.
Dans
cette perspective, la Justice se réíëreaux
réellesconditions d°existence,
en
se montrant dans Pimaginaire socialcomme
une
évaluationentre la réalité
vécue au
quotidien et la. consciencedu
Juste (idéal de Justice).Finalement, à partir de la
compréhension
citée ci-dessus,nous
présentonsune
recherche de terrain réalisée dansune
communauté
de périphérie,ou
les conditions d°existence imposent des limites àune
vie de qualité et juste.Nous
avons Pintention,au
moyen
de cette recherche, de révéler les signifiants de Justice, constitutifs dePimaginaire social de la
communauté, en comprenant
leurs appels existentiels,une
compréhension
qui s°impose puisque indispensablepour
tout chercheur qui pense leDroit
comme
instrumentde
démocratisation de la vie sociale,comme
élément sür d”unstyle éthique et esthétique de convivialité et
cormne
garantde
la réalisation des idéaux de Justice.Rflsmuo
..."úü
zunRAcT
...uú
RÉmnuÉ
...W
...“úv
INTRODUÇÃOW
....oi
CAP.
I -SOBRE
O
DIREITO E
A
JUSTIÇA
... ..l31.1 Considerações preliminares ... .. 13
1.2
DEL
VECCPHO:
Uma
Nova
Metafisica do
Direito ... .. 191.3
O
paradigmado
positivismo jurídico e a idéiade
justiça ... ..40
1.4 Síntese crítica ... ..
56
ÉTICA E
POLÍTICA
DO
DIREITO
65
2.1 Considerações preliminares ... ..2.2
A
justiça democrática e a legitimação socialdo
Direito ... ..2.3 Justiça Política ... ..
2.4 Síntese compreensiva sobre a categoria Justiça ... ..
CAP.
III -A
JUSTIÇA
COMO
PRÁXIS
... .. 3.1A
realidade social e as condições de possibilidadeda
Justiça ... ..3.2 Critérios objetivos
de
Justiça:uma
abordagem
político-jurídica ... ..~
3.3
Um
enfoque fenomenológicono
processo de construçaodo
conhecimento. .... ..CAP.
'IV -SENTIDOS
DE
JUSTIÇA
ENUNCIADOS
NA
COMUNIDADE
PROMORAR
... ..4.1 Considerações sobre a
comunidade
... ..4.2 Descrição e análise compreensiva dos encontros comunitários ... ..
4.3 Síntese interpretativa ... ..
CONSIDERAÇOES
FINAIS
... ... ..228
RI:F1:RÊNCIAs
BIBLIOGRÁFICAS
... ..Intencionamos
com
este estudo refletir sobre a Justiça enquanto referencialde legitimação
do
Direito.A
Justiça desvela-secomo
uma
das categorias fundantesdo
debate /\filosófico
desde a Antigüidade clássica Observa-se a perrnanência deste debateem
todo1
o processo de desenvolvimento
do
pensamento
filosófico, político e jurídicodo
mundo
` ocidental. Constitui, assim,um
dos
grandes temas teórico-filosóficos de todosos~
tempos. 'A
Semiologia Jurídica apresentacomo
um
de
seus vetoreso
debate sobre aJustiça. Identifica-se
em
determinadosmomentos
do
desenvolvimentodo pensamento
jurídico
uma
imbricação proftmda entre Direito e Justiça-
estacompreendida
como
fimdamento
intrínsecodo
Direito-
jáem
outrosmomentos
evidencia-seuma
postura dicotômica, pelaafirmação da autonomia da
Ciência Jurídicaem
relação a este referenteético-filosófico
-
a JustiçaNeste trabalho,
com
a
intenção de inaugurarmos nossareflexão
sobrea
relação Direito e Justiça, confrontamos, inicialmente,o pensamento
jusnaturalístacom
o
pensamento
dogmático, mostrando as possíveis contribuições à Semiologia Jurídica.Para esta tarefa recorremos a
DEL
VECCHIO
e aKELSEN.
DEL
VECCHIO,
com
seus estudos de Filosofiado
Direito,tem
como
projeto a construção
do
conceitode
Direito edo
ideal jurídico. Restaurao
DireitoNatural
com
baseem
uma
nova compreensão da
naturezahumana. Enquanto na
visãojusnaturalista clássica a epistemologia juridica fundava-se
em
bases metafisicas-
afirmando
o Direito Naturalcomo
ideal de Direito-
DEL
VECCHIO
supera estapostura tradicional
dada
a suacompreensão
de naturezahumana.
Esta, para o autor,não
constitui
uma
realidadepuramente
empírica,nem
mera
idéia racional. Percebe 0homem
enquanto realidade psicológica e espiritual, que não se submete pacificamente ao Direito, mas,o
avalia, por sua capacidade de ajuizar e pelo sentimento de justiçaque
porta.
Destaca a Justiça
como
um
dos mais altos valores espirituaisda
vidahumana
e ressalta o' sentimentode
Justiçacomo
originárioda
naturezahumana, vendo
nelea
fonte primária de evoluçãodo
Direito. Critica tantoo
Jusnaturalismo1
-
porconfimdir o
conceito metafisicocom
o
conceito físico de natureza-
quantoo
Positivismo Jurídico, quenegou o
fimdamento
intrínsecodo
Direito.Fundamentado no
caráter ético e antropológicodo
Direito Natural,o
autor,afirma-o
como
princípio deontológico,como
critérioque
permite valorar a intrínseca Justiçado
Direito Positivo.Este eminente jusfilósofo resgata
o
valorda
subjetividadehumana,
mostrando
que
éna
correlação entredado
empírico(mundo
da
vida) e consciênciaDireito. Este se caracterizaria
como
um
fenômeno
profundamente enraizadona
convivência social, manifestando-se
como
criaçãoda
inteligência eda
vontadehumana.
Embora
reconheçao
valordo
Direito Positivo_
por regular as relações empíricasda
existência
humana,
constituindo-seem
mediação
para a realizaçãoda
Justiça-
admiteseja o
mesmo
passível de crítica, a partir dos princípiosdo
Direito Natural e deum
fundamento
deordem
subjetiva: o sentimento e a consciênciado
justo. Parao
autor, o grande projetoda
Filosofiado
Direito consistena
construçãoda
críticada
legitimidadee
da
racionalidadedo
Direito a partirdo
referente Justiça.~
À
postura filosófica jusnaturalista opoe-se o nonnativismo kelseniano.KELSEN
apontaum
novo paradigma
para a Ciênciado
Direito.Não
questiona osfundamentos
axiológicosdo
Direito,nem
identifica a Justiça enquanto elementointrínseco à sua constituição.
Sua
atenção centra-sena
construção epistemológicada
Ciência Jurídica, pretendendo determinar a natureza
do
Direito dentro dos critérios deobjetividade e de precisão.
Assim
sendo, sua teoria-
Teoria purado
Direito-
está referida ao Direito Positivoem
geral. Situa a Ciênciado
Direitono
quadro das CiênciasSociais,
dado que
osfenômenos
jurídicos sãofenômenos
sociais.O
objetoda
Ciênciado
Direito é anorma
jurídica, estando excluídas de seu âmbito todas as questões deordem
moral, políticaou
ideológica.Para
o
autor somenteo
Direito Positivopode
constituir-seem
objetoda
Ciência Jurídica. Acrescenta
que
anorma
jurídica será válidasomente quando
suacriação for respaldada por
norma
superior eemanada
deum
poder legítimo.A
Justiça, para ele,não pode
caracterizar-secomo
conteúdoda
Ciênciapretensão desta Ciência
não
consisteem
emitir juízo de valor mas, somente,compreender
a natureza e analisar a estruturado
Direito Positivo.A
construção teórica deKELSEN
tem
a manifesta intenção de libertaro
Direitode
todo juízo de valor ético e político, desvinculando-0 deum
fundamento
moral.
Afirma
a Ciência Jurídica enquantouma
ciência dogmática, excluindo a Justiçado
estatuto epistemológicodo
Direito,ou
seja, esta deixade
constituir-seem
instrtunento de avaliação ética e de legitirnaçãodo
Direito.A
construçãoda
Ciência Jurídicaem
KELSEN
guarda profunda coerênciacom
o modelo
positivista de Ciência,onde
a neutralidade axiológica, a objetividade, aracionalidade, a universalidade, a
hegemonia vigoram
como
referentes basilares.A
análise reflexiva dascompreensões
deDEL
VECCHIO
eKELSEN
leva-nos a considerar a necessidade de aproximarmo-nos'
do
sentido existencialda
Justiça,bem
como
de superar a visão dogmática e legalistado
Direito.Por
considerarmos a Justiçauma
categoria de caráter existencial-
referidaao
mundo
histórico-cultural-
buscamos compreender
os sentidos que lhe sãoatribuídos pelos jusfilósofos
CALERA
E
HÕFFE.
CALERA
reflete sobre a necessidade de legitimação socialdo
Direito, jáque
este instituium
condicionanteda
liberdadedo
homem
eda
sociedade. Legítimo,para
o
autor, éo
Direitoque
viabiliza a realizaçãoda
Justiça. Utiliza a categoria JustiçaDemocrática para explicitar a necessidade
de
justificação democráticado
Direito.Destaca
que
este deve fundamentar-seem
razões socialmente compartilhadas e aceitasO
caráter democráticodo
Direito expressa-se, assim,quando
este se instituilevando
em
consideração aquilo que a sociedade deseja e valoracomo
justo, eqüitativo e saudável para a realização de seus ideais políticos e sociais.A
Justiça é compreendida porCALERA
como
uma
produção culturalda
sociedade.
Por
isso, a Justiça,como
valorque
referendao
Direito,que
o legitima socialmente, apresenta significados que setransformam
no tempo
e espaço.A
compreensão
e o sentidoda
Justiça, dessemodo,
revelam-secomo
relativos, pois, distintas sociedades eem
diferentesmomentos
históricos expressam-se necessidades,interesses, sentimentos e valores
também
diferenciados.É
de fimdarnental importânciaque o
atode
criação e de avaliaçãodo
Direito instituído considere essas necessidades,valores e interesses
da
sociedade.Para
CALERA
a exigência de legitimação socialdo
Direito desvela-secomo
uma
demanda
vivada
práxis jurídica, pois, caso contrário, a sociedadesomente
sesubmeterá ao Direito pelo uso
da
forçaou
poruma
atitudede
passividade.A
questãoda
valoraçãodo
Direito, portanto, está referida à sua justificação ética, à sua implícitaJustiça, à sua adequação às
demandas
existenciais e aos valoresque
porta a sociedade.A
relação entreMoral
e Direito éafirmada
pelo autor, enfatizando que a moralidadedeste está referida à sua racionalização social, à sua legitimação democrática.
A
finalidade última
do
Direito consistiriaem
realizar a Justiça, assegurandouma
ordem
social justa, apesar
da
conflitividade própriada
vida social.Fundamentados
em
CALERA
podemos
realizar a grande síntese entre Direito, Justiça e Democracia, pois justo é atributodo
Direitoque
tenhauma
origem
democrática,ou
seja,quando
houver participação igualitária nas tarefas de sua criação.O
autor nos acena ainda paraa
necessidade de síntese entre o caráter teóricoe a
dimensão de
práxisda
Justiça, aoafirmar que o
caráter democráticodo
Direitofunda-se
em
sua possibilidade de resolução das questões práticasda
vida.A
Justiçaapresenta relação direta e concreta
com
asdemandas
existenciais doshomens
eda
sociedade
como
um
todo.Em
decorrência, a legitimação democráticado
Direito refere- se a sua politização, daí a necessidade de efetivaçãonão
apenasda
democracia políticamas,
também, da
democracia econômica;bem
como
do
permanente diálogo entresociedade e poder.
Muitos
são os desafiosque
hoje seimpõem
auma
vida socialverdadeiramente democrática. Crítica
pode
ser feita à sujeiçãodo
poder político-jurídicoao poder econômico,
bem
como
à incapacidadedo
Direito de atuar significativamentena
promoção
demudanças
sociais-
realizando os ideais de Justiça.O
Direito deve constituir-seem
expressão dos interesses e dos valores defendidos, majoritariamente, pela sociedade, pois, éfundamentada no
sentidodo
bom
edo
justoque
a sociedade vai legitimá-lo.O
sentidode
justiçado
Direito está, assim,referido à legitimação democrática de sua criação e aplicação.
Não
sepode
admitir outraalternativa
de
racionalizaçãodo
Direito senão a democrática, caso contrário,como
afirma
CALERA,
“outros” definirão pelopovo
oque
ébom
ou
mau,
justoou
injusto.Para
o
referido autor,embora
com
limites e imperfeições, é fundamental para a construção deuma
ordem
político-jurídicamais
justaque
não se deixe de reconhecera
igualdadeformal
e universal de todos os cidadãos.A
Justiça e aDemocracia
não se constituemem
meras
categorias teóricas,inscrevem-se
no
mundo
da
vida, guardando estreita correlaçãocom
as reais condiçõesde
existênciada
sociedade.A
partirda compreensão da
Justiçacomo
práxis,fomos
também
procurarapoio
na
teoriada
Justiça formulada porHÕFFE.
Este jusfilósofo, ao refletir sobre os limites tanto
do
Positivismo quantodo
Anarquismo, expressa a Justiça enquanto referente de crítica ética e política
do
Direito edo
Estado.A
Justiça é considerada, portanto, instrumento de crítica éticada
dominação.O
autor destaca a categoria Justiça Políticacomo
proposição de superaçãoda
oposição entredogmatismo
e ceticismo político.Afirma
que não pode
haveruma
separação absoluta entre Direito e
Moral
mas, apenas relativamente,na
perspectivada
dogmática jurídica.
A
Justiça faz-se indispensávelna
definição dos princípios positivosdo
Direito,que
devem
fundamentar-se nas convicções jurídicasda
sociedade.No
dizer deHÕFFE,
todaordem
social quenão
tenhafundamento na
Justiçapoderá
sertomada
como
coerção estranhaou
pura
violência por aqueles aos quais ela afeta.Conforme
este jurista, a Justiça Políticatem
como
princípio básicoa
coexistênciada
liberdade distributivamente vantajosa. Assim, se a coerção é insuprimívelda
coexistênciahumana,
mister se fazque
ela seja vantajosa para todas as pessoas afetadas poruma
dada
ordem
positiva.Em
decorrência,o
Direito Positivo legitima-se,mesmo
enquantouma
ordem
de
caráter coercitivo,quando
historicamente realizar a Justiça.A
JustiçaAtravés
de
estratégias de Justiça Política, envolvendo tarefas de positivaçãoe de julgamento
do
Direito, torna-se possível garantir a Democracia. Isto sedá
tantopela organização dos poderes
do
Estado,com
baseem
referentesde
Justiça quanto pela possibilidade de participação políticado
povo.Os
princípiosde
Justiça para terem efetividadedevem
ser positivados, encontrando maior segurançano
EstadoConstitucional
Democrático
e Social,como
postulaHOFFE.
As
condições sócio-históricas afetam o processode
positivação dosprincipios de Justiça, por isso
há
um
sentido de incompletudena
tarefa de positivação,que
se deve ir suprindocom
novas estratégias de avaliaçãodo
Direito Positivo.HÕFFE
sustentaque
os princípiosde
Justiça constituempadrões
deavaliação crítica para se julgar ética e politicamente o Direito e as estratégias de Justiça
servem
para transformar os Princípiosde
Justiçaem
Direitos Fundamentais. Estesprecisam estar
em
sintoniacom
as exigências,sempre
atuais, dos diversos setoresda
vida social ecom
as condições histórico-marginaisda
sociedade.As
novasdemandas
que
se vão colocando,bem
como
as novas possibilidades de ação, precisam serrefletidas para
que
sechegue
auma
síntese entre a generalidadedos
Princípios e as singularidades das exigências postas pelas comunidades.Assim
sendo, observa-seque
a Justiça apresenta,além de
seu caráterteórica
-
indisciplinar-
uma
dimensão
de práxis, referida aos problemas políticos e sociais ~_específicos
de
cadaépoca
eque
demandam
solução.O
discurso sobre a Justiça revela, Ç2%)
portanto,
um
sentido profundamente existencial- enão
apenas ideal-
pois refere-seàs condições
de
existência,que
são determinadas historicamente. I.Para expressar a Justiça nesta
dimensão
de práxis, desenvolvemos,no
terceiro capítulo desta tese,
uma
reflexão sobre as condiçõesde
vidaem
nossasociedade.
A
realidade socialmarcada
porum
modelo
de desenvolvimentoeconômico
centralizador e, por isso
mesmo,
altamente excludente, leva parcela significativa denossa população a experienciar limites
profimdos
em
todas asdimensões da
vida.O
fenômeno da
pobreza,marcado
pela exclusão social, política e econômica, reduz,concreta e objetivamente, as possibilidades de realização
da
JustiçaCom
fundamento
nas reflexões teóricas,bem como
na
realidade social quese desvela
em
nossa sociedade, tematizamos a Justiça enquantoum
fenômeno da
ordem
da
existencialidade, referido às reais condições de existência das pessoas ecomunidades, e
que
se manifestano
imaginário social a partirda
avaliação entre as reaiscondições
de
existência e os ideais deuma
vida justa.A
Justiça apresentaum
caráter histórico-cultural, tendo seus sentidos transformadosno tempo
e espaço,devendo
vir acaracterizar-se
como
um
estilo ético e estético de convivialidadehumana. Por
revelar-se, a Justiça,
um
valor éticoda
vidada
sociedade, deve constituir-seem
firndamento
decriação e
de
avaliaçãodo
Direito. Decorre destas características a necessidade dereconstrução constante
do
Direito, afim
deque
asdemandas sempre
renovadas deJustiça sejam atendidas.
Conforme
FERREIRA
DE
MELO,
cabe à Política Jurídica a tarefa deavaliação
do
Direito vigente e de proposição das transformações necessárias para arealização das
demandas de
JustiçaNa
buscade compreensão do
sentido existencialda
Justiça realizamosuma
efetuada
em uma
comunidade
de periferia de Florianópolis, justamente porque aí aspessoas vivenciam condições sócio-históricas marginais,
que
limitam as possibilidadesde concreção
da
utopiada
vidacom
qualidade,com
Justiça.Optamos
pela Fenomenologia, enquanto atitude metodológica, para aefetivação
da
pesquisa decampo.
Nossa
intenção é de analisaro tema
Justiçanão
nossituando
em uma
perspectiva essencialista (que busca a construção de conceito) mas, visando-oem
seu caráter de discursividade,buscando
a significação deuma
essênciaexistencial.
Enquanto
fenômeno que
sedá na
existência, nossa preocupação é decompreender
a Justiçaem
seu caráter polissêmico e de densidade semântica.A
pesquisa de inspiração fenomenológica caracteriza-secomo
uma
pesquisaqualitativa e participante.
Com
fundamento na
fenomenologia deHUSSERL
(1859-1938), privilegiamos, neste estudo,
o
caráter existencialdo fenômeno
Justiça. Através de entrevistas e reuniões estabelecemosuma
relação dialógicacom
acomunidade
e,centrando-nos
no
vivido das pessoas,buscamos compreender
as significaçõesdesveladas sobre o
fenômeno
Justiça.Os
significados, referidos ao fenômeno, fundamentam-se, portanto,no
vivido,
ou
seja, nas experiências existenciais das pessoas.Assim
sendo, a pesquisa decampo
possibilitou-noscompreender o fenômeno
em
suadimensão
de práxis,ou
seja,em
suadimensão
de existencialidade.Ressaltamos
que
aopção
pela realizaçãoda
pesquisana comunidade
PROMORAR,
bairroMonte
Cristo, deu-se por constituir-se, esta,em
uma
daslocalidades
onde o Departamento de
Serviço Socialda
Universidade Federal de Santaatravés
do Núcleo
de Estudosem
Serviço Social e Organização Popular.Os
primeiros contatoscom
os líderes comunitários sobre nosso projeto de pesquisaforam
efetuados pelo assistente social Luiz Carlos Chaves, ex-alunodo
Curso de Serviço Social,que
estagiou
na comunidade
eque
continua assessorando, voluntariamente, a Associação deMoradores do
PROMORAR.
O
referido assistente socialacompanhou-nos
em
toda apesquisa de
campo.
A
pesquisa, realizadano
período de agosto adezembro
de 1997, permitiu-nos perceber a expressão de
uma
consciência crítica a respeito das condições deexistência
-
ou
seja,da
falta de justiçaque
marca
a vida cotidiana dos moradores destacomunidade
de periferiaPor
outro lado, urna consciência histórica étambém
manifesta, pois as pessoas seengajam
em
projetos quevisam
melhorar a qualidade de vidada
comunidade.
É
exatamente a consciência críticaque
provoca a consciência histórica-
consciência
comprometida
com
a açãode
transformaçãoda
realidade.A
luta pela Justiça,na
experiência vivida, coincidecom
o
esforço pelademocratização das relações políticas, econômicas e sociais.
A
participação social, a solidariedade, o respeito à identidade eà
autonomia comimitária são reivindicadas eassumidas
como
condiçãode
superação das situações de injustiça.Esta pesquisa, por fundamentar-se
em
referentesda
Fenomenologia,não
poderia deixar de contemplaro
tema
Justiçaem
suas dimensões cognitiva, afetiva eda
ação (práxis).
Com
o
presente estudo,temos a
intenção de contribuir parao
aprofimdamento
da
temáticada
Justiça, identificando questões existenciais desveladasConsideramos que
só assim sepode
justificar a importânciada
Justiça constituir-seem
referente ético-político para apermanente
criação e avaliaçãodo
Direito,Ao mesmo
tempo
afirma-se,também,
a vocaçãodo
Direito Positivo de assegurar a concreção dos1
soBRE
o
DIREITO
E
A
JUSTIÇA
1.1
Considerações
preliminares
O
Direito configura-secomo
uma
construção histórico-social dospovos
enão
apenascomo
produtodo
poder estatal,como
urnaordem
jurídica positivada e assegurada, coercitivamente, pelo Estado.A
trajetóriado
Direito émarcada
pelas lutase oposições às situaçõesde
injustiça, miséria e opressão, estabelecidas pelos privilégios edesigualdades vividos através dos
tempos
nas diferentes sociedades.IHERING
chega aafirmar que
as situações de injustiça são própriasda
realidadeda
vida, por isso,a
vidado
Direito éuma
luta: luta dos povos,do
Estado, das classes,dos
indivíduosl1
A
compreensão do
justo edo
injusto aflora à consciênciahumana
apartir¬
dos desafios provocados pelas reais condições de existência dos
homens.
Estes,fundamentados na compreensão do que
seja justo, reivindicam direitos e avaliam os jáinstituídos.
A
experiênciahumana
social dospovos
leva-os à constituiçãoda
consciência jurídica,
que
se reveste, portanto, deum
caráter histórico, cultural,antropológico.
O
homem,
sendoum
serda
ordem
da
história eda
cultura, e não apenasum
ser natural,em
sua convivência social constrói valoresque
orientam sua existênciaA
Justiça constituiuma
categoria cultural etem
atravessado, através dos tempos, os debates jusfilosóficos.A
reflexão sobre a relação Direito e Justiça revela-se,historicamente, dicotômica. Esta dicotomia entre os paradigmas
do
Direito Natural edo
Direito Positivo sustentou e alimentou a reflexão metajurídica
na
civilização ocidental.2Observa-se,
no
decorrer de sua vigência multissecular,que
nãohá
univocidadena
compreensão do
que seja Direito Natural.Uma
pluralidade de concepções, sentidos efunções caracterizaram este saber metacientífico sobre
o
Direito.Conforme
CALERA,
Talvez, poderia dizer-se
que o
saberdominante
na
cultura jurídica até o séculoEX'
foium
saberde
natureza fllosófica.Este foi principalmente
o
Direito Naturalcomo
saber filoso'fico-jurídicas ~
Este saber filosófico-juridico preocupava-se
em
explicaro
ser eo
dever serdo
Direito pormeio da compreensão da
ordem
ontológicada
naturezahumana.
Assim,2 Ver a respeito
LAFER,
Celso.A
reconstrução dos direitos humanos:
um
diálogo com o pensamento deHannah Arendt. São Paulo: Cia. das Letras, 1988. 3
CALERA,
Nicolas Maria Lopez. Introducción al Estudio del Derecho. 2. ed. Granada: Gráficas del Sur,acreditava-se
na
existência de princípios universais de justiçaque
se identificavamcom
a própria naturezahumana
e se expressavamcomo
Direito Natural.A
Justiça constituía, portanto, o sentido de todo direito histórico,humano
e positivo.CALERA
assinalaque
Talvez poderia resumir-se
o
sentidoou a função
destemodelo
cognoscitivo,com
riscode
graves imprecisões,como
aqueleesforço teorético
que
trata decompreender
e explicara
existênciade
uma
legalidade natural, universal e imutável,da
qual se fazdepender
a compreensão
ea
justificação de qualquer outra leiou
direito criado e estabelecido pelohomem.4
Este
pensamento
jurídico apresenta características plurais e heterogêneasdadas às várias e até contraditórias
compreensões da
legalidade natural.O
Direito Natural, enquantoparadigma
de pensamento, apresentaum
ñmdamento
centradona
idéiada
imutabilidade de seus princípios,da
universalidade destes princípios metatemporais e, ainda,na compreensão
deque
o acesso a estesprincípios se
dá
pela viada
razão,da
intuiçãoou
revelação. E, finalmente,no
entendimento
de que
o
Direitotem
como
função prirnordial qualificarcomo
boa
e justaou
má
e injustauma
atitude.O
Direito revelavauma
aproximação e vinculaçãoprofimda
à Moral.Assim
sendo, neste paradigma,o
Direito Naturaltem
preeminênciaem
relação ao Direito Positivo.Enquanto o
Direito Positivo caracteriza-se por sua particularidade etemporalidade, o Direito Natural diferencia-se pelos seus princípios e jurisdição e pelo seu valor, pois,
0
Direito Natural,ao
contráriodo
Direito Positivo, seriacomum
a
4
todos e, ligado
à
própria origemda
humanidade, representariaum
padrão
geral,a
servir
como
ponto
deArquimedes
na
avaliação de qualquerordem
jurídica positivas_
Conforme
LAFER,
o Direito Natural
não
existiu propriamentecomo
sabersistemático e organizado até
o
inícioda
IdadeMédia
Apareciacomo
temática das obrasde
teologia,uma
vezque
era reconhecidocomo
expressãoda
ordem
universal estabelecida por Deus,que
se realizavaou
devia se realizarna
vida social.No
finalda
Idade
Média
ena
IdadeModema
éque
vão surgir os tratados sobre a lei (lei eterna, leinatural e lei
humana)
e os estudos sistemáticos sobreo
Direito Natural.A
concepçãojusnaturalista transforma-se a partir das
mudanças
ocorridasno
cenárioda
teologia eda
filosofia,
com
novos
elementos críticos e heterodoxos, considerados prelúdiodo
Jusnaturalísmo racionalista e empirista.O
adventoda Modernidade
destaca a importância e significadoda
razaohumana
paraa compreensão
e resolução das grandes questões morais e jurídicas.t
Com
o aparecimentodo
EstadoModemo
(séculoXVI), o
Jusnaturalismosofie
processosnão
apenas de secularizaçãomas
também
de
sistematização, positivação e historicizaçãodo
Direito.O
Jusnaturalismomoderno,
elaborado nos séculosXVII
e XVIII, realizaum
deslocamento
do
objeto de pensamento,da
natureza para ohomem,
caracterizando-se,neste
momento,
por sua secularização, suacompreensão mais
realista e individualistada
natureza
humana.
5
LAFER,
C.
A
reconstrução dos direitos humanos:um
diálogo com o pensammto deA
concepção corrente dehomem
na
Modernidade dá
ênfase a seu caráter individual e racional e o Direito Natural, identificado agoracomo
racional, é fonte de todo Direito.O
processo de secularizaçãodo
Direito fimda-se nos conceitos desabedoria e razão-de-Estado,
bem
como
na
Reforma
Protestante.A
ruptura entre Direito e Teologia leva à busca deum
fundamento
parao
Direito independenteda
afirmação
daexistência de
Deus ou
não.O
recurso à razão natural constitui a possibilidade deconstrução de
um
fundamento
laico eautônomo do
Direito-
Direito das Gentes-
podendo,no
plano internacional, ser aceito por todos oshomens
e Estados,independentemente
da
crençaou
nãoem
uma
ordem
transcendental.Na
doutrina contratualista, o apelo à razão natural tinhacomo
pretensãochegar a urna justificação para o Estado e o Direito
fundamentada na
ação doshomens
enão
no
poder transcendental de Deus. Esta doutrina-
baseadana compreensão
dehomem
politico, enquanto sujeitoautônomo
-
contribuicom
o
processo desecularização
do
Direito, sendouma
das fontes inspiradorasda
elaboração Jusnaturalistamoderna.
Na
Modemidade,
osfenômenos
de secularização, sistematização e positivaçãodo
Direito, juntamentecom
o
desenvolvimentoda
Escola Histórica, vão levar à corrosãodo
paradigma jusnaturalista.As
aspirações de universalidade e imutabilidadedo
Jusnaturalismo são criticadas pelaafirmação da
historicidadeda
experiência jurídica.
BOBBIO
destaca:Se o
jusnaturalísmo acreditarapoder
descobrir leis universaisda
condutapara
além
da
história, remontando-seà
naturezado
homem
abstraída das condiçõesque determinam
as leismutáveis de
povo
para
povo, deépoca
para
época, e,ao
fazer isso,combatera
uma
memorável
batalha contrao
princípio deautoridade, dominante
no
estudodo
direito,o
historicismo_-
em
suas váriasformas
-
repôsem
posiçãode
honra, contraa
crítica racionalista,
a
autoridadeda
história,condenando
em
bloco, indiscriminadamente, todos osque
mesmo
pertencendoa
orientações metaƒisicas diversas,mesmo
chegando a
conclusõespolíticas opostas,
mas
igualmente fascinados pelo sucesso dasciências fisicas e atraídos pela idéia
de
encontraruma
ordem
racionalno
mundo
humano,
talcomo
osgrandes
cientistas, deDescartes
a
Newton,haviam
encontradouma
ordem
racionalno
cosmo, tinham se
empenhado
no
sentido de construirum
sistema universaldo
direito,ou
seja,um
sistema válidopara
qualquer
tempo
epara
qualquer lugar.6A
crisedo
Direito Natural é expressa, concretamente,na
substituiçãodo
termo Direito Natural por Filosofia
do
Direito, a partirdo
séculoXIX
na
Europa
As
transfonnações sócio-políticas dos séculos
XIX
eXX
impõem
a necessidadede
um
novo
paradigma teórico e a própriadenominação
Filosofiado
Direito constituiuma
categoria histórica. 4
A
promulgação
doCódigo
deNapoleão
e amorte de
KANT
são identificadascomo
marcos
quepontuam
o
encerramentodo paradigma do
DireitoNatural.
À
medida
em
que o
Direito se positivana
modernidade, pela codificação, perde significadoa compreensão
anterior de Direito.A
ênfase passa a serdada
à vontadedo
legislador,em
detrimentodo fundamento da
razão.Afirma-se,
entretanto, apartir deste
momento
o
autoritarismodo
poderdo
Direito edo
Estado,ou
seja,o
processo de laicização e sistematização
do
Direito levou à positivaçãodo
Direito edo
Estado.
O
Direito passaa
identificar-secom
0
poder.O
Direitonão
tem
mais6
BOll3ä39IÊ), Nšarberto. et al. Sociedade e estado na filosofia política moderna. São Paulo: Brasiliense, .p. l.
fundamento na
razao dos indivíduos,nem
na
vivênciada
sociedade,mas
sim,na
vontade soberana
do
Estado, constituindo-senum
instrumentoda
gestão governamental.Assiste-se, assim, a desvinculação entre
Moral
e Direito.A
reflexão
sobre a relação Justiça e Direitoassume
nesta teseuma
importância ftmdamental, assim sendo, analisaremos, a seguir, o
pensamento do
jusfilósofo italiano
GIORGIO
DEL
VECCHIO
que
aponta a Justiçacomo
um
valorcultural (espiritual), produto
da
consciênciahumana, fundamento
de criação e referênciade avaliação
do
Direito Positivo,bem
como
tematizaremos opensamento do
juristaHANS KELSEN
_queempreende
o esforço teórico de construção do Direito enquantociência autônoma, independente
da
moral e de toda ideologia política.Nossa
intenção, apoiando-nos nestes dois teóricos, éde
marcar a distinçãoentre o
pensamento que
explicita a Justiçacomo
fimdamento
do
Direito e opensamento
cientificista, dogrnático,
que
estabelece a ruptura entre Direito e Justiça. Esta reflexãoconstituir-se-á
em
fundamento
primeiro para o desenvolvimento desta tese.1.2
DEL
VECCHIO:
uma
nova
metafísica
do
Direito
DEL VECCHIO
toma
como
temas fundamentais, objetode
investigação deseus estudos de Filosofia
do
Direito, a determinaçãodo
conceitode
Direito edo
idealjurídico.
Ao
questionaro que
éo
Direito, levantauma
questão lógico-gnoseológica.E
primeira questão refere-se ao conhecer e ao conhecimento e a segunda
ao
dever ser e aofazer. Acrescenta
uma
terceira questão, empírico-fenomenológica, relativa ao ser histórico-socialdo
direito,onde
também
se afastado
kantismo, deixando transparecercertos resíduos das correntes
do
sociologismo naturalistado
séculoXIX
(positivismo ehistoricismo),
que
influenciaram sua formação.Pode
ser consideradoum
neo-kantiano(da Escola de
Malburgo)
pelaabordagem do
primeiro tema;no
segimdo, ao analisar oideal jurídico, supera
o
kantismo, fundandouma
nova
metafisica.No
que se refere à Filosofiado
Direito (determinaçãodo
ideal jurídico),o
autor reage ao positivismo jurídico e naturalismo (Direito Natural Clássico), sendo consideradoum
restauradorda
idéia deum
novo
Direito Natural.CABRAL DE
MONÇADA,
ao prefaciar a obra Lições de Filosofiado
Direitode
DEL
VECCHIO,
afirma
que anatureza
humana
à
qualDel
Vecchio vai buscar definiro
ideal jurídico,o
direito justo,com
efeito,nem
éuma
realidadepuramente
empírica,como
erapara
muitos dos jusnaturalistasclássicos,
nem
mera
idéia racional eapenas
formal,como
erapara
Kant.É
antesuma
realidade espiritual orientadapor
fins efazendo
parte deum
universotambém
teologicamenteestruturado.7
Para
DEL
VECCHIO,
a históriada
Filosofiado
Direito mostra-nosque
todas as épocasforam
atravessadas pela meditação sobreo problema do
Direito eda
Justiça,
o que
revela ser estauma
preocupação
natural e constantedo
espíritohumano.
Situacomo
fontes clássicasda
Filosofiado
Direito, afilosofia
grega e ajurisprudência
romana
e enfatizatambém
a
influênciado
cristianismo sobrea
F
ilosofia7
VECCHIO,
do
Direito na Idade Média,uma
vezque provocou
profunda transformação nas concepçõesdo
Direito edo
Estado. Destacaque
a Filosofiado
Direitotem
por objetivoo
Direito enquanto estudadono
seu aspecto universal,ou
seja, busca a definiçãodo
Direito in genere. Já a Ciência Jurídica estuda o Direitoem
seu aspecto particular,ou
seja,como
um
sistema positivo de Direitoque
se referesempre
aum
determinadopovo
em
detemiinada época.Compreende
o Direito Positivocomo
um
fenômeno
presenteem
todas as sociedades, decorrenteda
própria naturezahumana.
O
Direitopode
sercompreendido
como
fenômeno
humano
universal, enraizadopermanentemente
em
toda convivênciahumana.
O
homem,
no
entanto,não assume
uma
atitude puramente passiva diantedo
Direito,
mas
o
julga eo
avalia, pois todohomem
possuio
sentimento de justiça. Indagarsobre a Justiça significa questionar
como
deveou
deveria ser o Direito.Enquanto
a Ciência Jurídicatem
por objetivocompreender
e interpretaro
sistema jurídico vigente, a Filosofiado
Direito realiza a cn'ticada
legitimidade eracionalidade
do
Direito a partirdo
referente Justiça, assim sendo, contrapõeuma
verdade ideal auma
realidade empírica.A
Filosofiado
Direito estudao
Direitona
suauniversalidade lógica, nos seus
fimdamentos,
caracteres gerais, desenvolvimentohistórico, e
o
avaliasegundo o
ideal de justiça. Questiona se o Direitopode
ser justoou
injusto.Segundo
DEL
VECCI-IIO,
seconfirmamos
que
o Direito Positivoemerge
sempre que
aparece urna sociedade,não
émenos
verdade a existênciada
tradiçãojusfilosófica, insurgindo-se
em
todos ostempos
contra a opressãode govemantes
eafirmando
os ideaisda
liberdade eda
igualdadehumana.
Para o autor, enquanto subsistir a tirania
do
homem
sobreo
homem,
a Filosofiado
Direito seráuma
philosoƒia militans. Esta é a vocaçãoda
Filosofiado
Direito: questionar a antítese entre
0
justo natural e 0 justo legal.Reconhece,
o
autor,uma
relação entre a Filosofiado
Direito eo
DireitoNatural
-_
ius naturaleda
antigüidade clássica.O
séculoXIX
porém,marcado
pelo racionalismo, trouxe reações contrao
Direito Natural dadas as suas especulaçõesmetañsicas. Entretanto, tão importante quanto conhecer e interpretar o Direito Positivo
é, para ele, investigar o justo
em
si. Este,ou
seja, o idealda
justiça-
representaum
dos
mais
altos valores espirituais, senão o mais alto, juntoao da
caridade.Sem
eleperde
a
vida todo o valor.8Segimdo
DEL
VECCHIO,
é a Filosofiado
Direito que fornece ao Direitosuas razões e fundamento, por isso existe estreita relação entre o Direito Positivo e a Filosofia
do
Direito. Ressalta a importânciada
Filosofiado
Direito considerar arealidade histórica
que
a ciência jurídica investiga, afim
de poder oferecer-lhe seuscritérios diretivos.
A
validade e legitimidade dos sistemas jurídicos deve ser avaliada,conforme
seaproxima mais
ou
menos
do
ideal de justiça.DEL
VECCI-110
defende a relaçãoda
Filosofiado
Direitocom
a Psicologia,pelo fato de
o
mundo
civil ter sido criado pelohomem
e estar inscritona
própriamente
humana.
O
ato de ajuizar éuma
fimção
da mente humana.
O
Direito origina-sena mente
humana
e,quando
se positiva, dirige-se à consciênciahumana
que
deve obedecê-lo.Tanto o Direito
como
os ideais jurídicosna
doutrina delvecchiana são consideradoscomo
sendoda
ordem
dos
fatos psíquicos.8
VECCHIO,
O
homem
porta sentimentos ambivalentes deegoísmo
e altruísmo.0
Direito,em
especial, implicasempre
o reconhecimentoexpresso
da pessoa do
'outro é,por
essência, 'metaegoista' eas instituições políticas
não
são máquinas,ou
instrumentosexclusivamente
mecânicos
das coações impostas aos homens,que
só devidoa
estas evitariama
auto-exterminaçãoda
espécie:mas
são antes produtos espontâneosdo
espíritohumano.9
DEL
VECCHIO
vêo
Estadocomo
instrumento de regulaçãodo egoísmo
hmnano.
Além
do
estudodo
fenômeno
jurídico, propõe-se,o
autor, a obter a definição lógicado
Direito e a investigação deontológica,ou
seja, a determinaçãodo
conceito e
do
idealdo
Direito. Assinalaque
temos
de admitirque
o Direito Positivo dequalquer
povo
ou
época pertenceà ordem
fenomênica, é, pois, fato natural,ou
seja:determinado
por
causas eficientes e conexocom
osdemais
aspectosda
realidadeexperimental.”
As
análises das instituições jurídicas positivasdevem
levarem
consideração os determinantes históricos
que
asproduziram
Critica as análises dosjuristas que dão valor quase absoluto a determinados dados particulares atuais,
como,
por exemplo, as
normas
vigentes.Embora
sendo distintas as instituições jurídicas,em
cada
tempo
e época, encontramos,no
Direito Positivo de cada povo, elementosuniversais
em
que
se refletea
naturezahumana
comum.
DEL
VECCHIO
buscauma
definição lógica, universaldo
Direito.Afirma
que o
Direito Natural éum
sistema de Direito, por isso deve ser levadoem
consideração,
como
osdemais
sistemas,na
definição lógica e universaldo
Direito.A
9VECCHIO,
G. D. Lições de filosofia do Direito, p. 314. l°