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O dispositivo do afeto: uma análise do discurso jurídico brasileiro de reconhecimento do casamento lésbico-gay

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS. ERIKA OLIVEIRA MAIA BATALHA. O dispositivo do afeto: Uma análise do discurso jurídico brasileiro de reconhecimento do casamento lésbico-gay. NATAL/RN 2017.

(2) ERIKA OLIVEIRA MAIA BATALHA. O dispositivo do afeto: Uma análise do discurso jurídico brasileiro de reconhecimento do casamento lésbico-gay. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – PPGCS/CCHLA/UFRN, como requisito final para a obtenção do título de Mestra. Orientadora: Profa. Dra. Lore Fortes Coorientador: Prof. Dr. Alipio de Sousa Filho. NATAL/RN 2017.

(3) Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA Batalha, Erika Oliveira Maia. O dispositivo do afeto: uma análise do discurso jurídico brasileiro de reconhecimento do casamento lésbico-gay / Erika Oliveira Maia Batalha. - 2017. 130f.: il. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, 2017. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Lore Fortes. Coorientador: Prof. Dr. Alipio de Sousa Filho.. 1. Casamento lésbico-gay. 2. União estável lésbico-gay. 3. Reconhecimento LGBT (direitos). 4. Queer. I. Fortes, Lore. II. Sousa Filho, Alipio de. III. Título. RN/UF/BS-CCHLA. CDU 316.811.115.

(4) ERIKA OLIVEIRA MAIA BATALHA. O DISPOSITIVO DO AFETO: UMA ANÁLISE DO DISCURSO JURÍDICO BRASILEIRO DE RECONHECIMENTO DO CASAMENTO LÉSBICO-GAY. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – PPGCS/CCHLA/UFRN, como requisito final para a obtenção do título de Mestra. Orientadora: Profa. Dra. Lore Fortes Coorientador: Prof. Dr. Alipio de Sousa Filho. Aprovada em ____/____/____ BANCA EXAMINADORA. ___________________________________________________________ Profª. Drª. Lore Fortes (UFRN) Orientadora. ___________________________________________________________ Prof. Dr. Lincoln Morais de Souza (UFRN) Examinador interno. ____________________________________________________________ Prof. Dr. Felipe Bruno Martins Fernandes (UFBA) Examinador externo.

(5) DEDICATÓRIA. O que me motiva politicamente e o que quero alcançar é aquele momento no qual um sujeito – uma pessoa, um coletivo – afirma seu direito a uma vida habitável na ausência de uma autorização prévia, de uma convenção que o possibilite (Judith Butler, 2006)..

(6) AGRADECIMENTOS É muito comum ouvir falar que o curso de mestrado se restringe a um trabalho solitário, obviamente que a escrita é uma atividade que exige concentração, pois é realizada de forma individual, mas essa dissertação e suas diversas etapas contaram com uma série de contribuições. Assim, exponho meus sinceros agradecimentos a essas pessoas que foram essenciais no processo de idealização, reflexão e escrita dessa dissertação. Sou grata a minha mãe, Zita, pelo apoio em toda minha caminhada acadêmica e de vida. Agradeço também a Pedrinho pelo afeto e pelas cantorias. A Amanda, minha namorada e melhor amiga, que me incentiva, apoia e discute comigo minhas ideias, agradeço infinitamente por me potencializar a sair da minha zona de conforto e compreender possibilidades além. Obrigada por tudo. Agradeço as amigas do mestrado, Marlla, pelas discussões na madrugada e, Rayane, por estar sempre disponível a ajudar. Nossos corujões virtuais foram os melhores. Agradeço a professora Lore Fortes, orientadora e grande companheira nessa trajetória, pela receptividade comigo e pelo carinho que conduziu nossos encontros. Grata ao professor Alipio Sousa Filho, pessoa essencial na constituição desse trabalho, que admiro e respeito como teórico e pesquisador. Obrigada por me receber como orientanda. Agradeço ao CNPq pelo financiamento dessa pesquisa..

(7) RESUMO No campo do conflito, do dilema, instaura-se a discussão do presente trabalho, que tem por finalidade realizar a análise do discurso jurídico brasileiro relativo à decisão da união estável aprovada pelo Superior Tribunal Federal (STF) e a resolução do casamento lésbico-gay, aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nos anos de 2011 e 2013, respectivamente. A reflexão permitida pela pesquisa pretende situar e problematizar a luta pelo reconhecimento dos direitos LGBT no âmbito da tensão que a temática suscita, por um lado, pela repercussão positiva junto ao movimento, que toma a decisão como um ato de reconhecimento pleno e, por outro lado, o questionamento feito por alguns atores sociais que afirmam que o reconhecimento das uniões de pessoas do mesmo sexo, nos termos jurídicos atuais, ocorre a partir de uma equiparação ao modelo monogâmico e heterossexual, o que levanta a preocupação com os riscos da normalização, higienização e controle social dessas relações e uniões. Segundo estes últimos, um enquadramento das relações homossexuais que implicaria a exclusão das demais sexualidades dissidentes, acarretando a ilegitimidade destas últimas e, consequentemente, a produção de novos excluídos da lei, do direito. A reflexão em torno a esse dilema impulsiona a pesquisa, embora não se pretenda definir posicionamentos conclusivos: a intenção é pensar a partir dos paradoxos que a luta por reconhecimento termina por produzir. Para isso, foram analisados artigos produzidos por juristas sobre o tema da união estável e o casamento lésbico-gay no Brasil. Para esta análise, foram utilizadas como principais referências as teorizações do filósofo Michel Foucault sobre poder e discurso, as reflexões sobre Reconhecimento dos filósofos Nancy Fraser e Axel Honneth, além da perspectiva dos estudos Queer, tomando a filósofa Judith Butler como principal referência. Palavras-chave: Reconhecimento; União estável lésbico-gay; Casamento lésbico-gay; Queer; LGBT..

(8) RESUMEN En el campo del conflicto, del dilema, se instaura la discusión del presente trabajo, que tiene por objetivo analizar el discurso jurídico brasileño relativo a la decisión de la unión estable aprobada por el Superior Tribunal Federal (STF) y la resolución del matrimonio lesbiano-gay aprobada por el Conselho Nacional de Justiça (CNJ) en Los años 2011 y 2013, respectivamente. La reflexión permitida por la investigación pretende situar y problematizar la lucha por el reconocimiento de los derechos LGBT en el marco de la tensión que la temática suscita, de un lado, por la repercusión positiva junto al movimiento, que lleva la decisión como un acto de reconocimiento pleno y, de otro lado, el cuestionamiento hecho por algunos actores sociales que aseguran que el reconocimiento de las uniones de personas del mismo sexo, en los términos jurídicos actuales, suceden a partir de una comparación al modelo monogámico y heterosexual, lo que lleva a la preocupación con los riesgos de la normalización, higienazición y control social de las relaciones y uniones. Según estos últimos, un marco de las relaciones homosexuales que implicaría la exclusión de las demás sexualidades disidentes, acarreando la ilegitimidad de estas últimas y consecuentemente la producción de nuevos exudados de la ley, del derecho. La reflexión acerca de este dilema impulsiona la investigación, aunque no se pretende definir posicionamientos conclusivos, la intención es pensar a partir de las paradojas que la lucha por reconocimiento termina por producir. Para ello, fueron analisados artículos producidos por juristas sobre el tema de la unión estable y el matrimonio lesbiano-gay en Brasil. Para esta análisis, fueron utilizados como principales referencias las teorías del filósofo Michel Foucault sobre poder y discurso, las reflexiones sobre Reconocimiento de los filósofos, Nancy Frases y Axel Henneth, además de la perspectiva de los estudios Queer, tomando la filosofa Judith Butler como principal referencia. Palabras clave: Reconocimiento, unión estable lesbiano-gay, matrimonio lesbiano-gay, Queer, LGBT.

(9) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO ..............................................................................................................9 CAPÍTULO 1 - DISCUSSÕES INICIAIS...................................................................14 1.1 A invenção social da sexualidade ............................................................................ 14 1.2 O reconhecimento múltiplo – discorrendo sobre as teorias do reconhecimento.......18 1.3 Demanda por reconhecimento no movimento lgbt e a contestação queer................25 1.4 Poder e discurso no âmbito jurídico..........................................................................29 1.5 Conceitos adotados no discurso jurídico brasileiro – o reconhecimento da união civil lésbico-gay em questão................................................................................................... 35 CAPÍTULO 2 - O DISPOSITIVO DO AFETO E RESISTÊNCIA ........................42 2.1 Compreensões sobre o dispositivo (do afeto)............................................................42 2.2 Injúria e afeto ............................................................................................................50 2.3 Implicações do dispositivo do afeto..........................................................................53 2.4 Identidade e subjetivação...........................................................................................55 2.5 Desestabilização da heteronorma: resistência e subversão........................................62 CAPÍTULO 3 - METODOLOGIA EM AÇÃO.........................................................71 3.1 Análise discursiva em Foucault.................................................................................71 3.2 Materiais de análise ..................................................................................................85 3.3 Análise dos textos jurídicos relativos a união estável e a o casamento lésbicogay...................................................................................................................................86 3.3.1 O discurso da orientação sexual e substancialização das sexualidades................. 87 3.3.2 Pirâmide sexual o heterossexual como parâmetro normativo..............................103 3.3.3 O dispositivo do afeto...........................................................................................112 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................121 REFERÊNCIAS...........................................................................................................123.

(10) 9. INTRODUÇÃO Diversas questões relativas ao campo LGBT, no que se refere às lésbicas, gays, pessoas trans, têm tomado corpo nas pautas de discussões públicas, sejam elas no campo da mídia, na área da educação ou do direito. Algumas dessas discussões são alicerçadas em perspectivas ainda conservadoras, substancializadas, e acabam por reforçar posições deterministas, a exemplo da transexualidade e a possibilidade de mudança do sexo biológico a partir de um alvará médico, por meio do qual pessoas trans se submetem a um processo árduo de questionários e questionamentos que se pautam na naturalização do gênero, na perspectiva patológica. Pensando, especificamente, as discussões no âmbito jurídico, o Superior Tribunal Federal (STF) aprovou a união estável para casais do mesmo sexo no Brasil, no ano de 2011; dois anos depois, a Resolução nº 175, deferida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), habilitava a conversão de união estável em casamento e a obrigatoriedade dos cartórios em realizá-los. Essas decisões refletem o cenário de reivindicações que partem do movimento LGBT, sendo o ponto da união estável/casamento lésbico-gay um dos mais importantes na pauta do movimento. O movimento LGBT e teóricos1 afirmam que a aprovação da união estável e de outros direitos relativos ao público LGBT significam um grande passo para a inclusão e o reconhecimento, e ainda, rompem. as barreiras antes estabelecidas a partir das leis. heteronormativas excludentes. O ato de reconhecimento perante a lei indicaria uma inclusão participativa de todos os indivíduos e uma equiparação de participação igualitária. Por outro lado, argumenta-se que o reconhecimento das uniões de pessoas do mesmo sexo, nos termos jurídicos atuais, se dá a partir de uma equiparação ao modelo monogâmico e heterossexual, um enquadramento das relações homossexuais que implicaria a exclusão das demais sexualidades dissidentes, acarretando a ilegitimidade destas últimas e, consequentemente, a produção de novos excluídos da lei, do direito. Nesse sentido, esta pesquisa propõe realizar uma análise de discurso no âmbito jurídico brasileiro relativo à união estável lésbico-gay, problematizando em que se fundamenta esse discurso. Para este trabalho, são analisados artigos produzidos pelo corpo jurídico brasileiro sobre o tema da união estável e casamento lésbico-gay no Brasil. Inevitavelmente, ao falar de lei, direito e Estado se faz necessário pensar a perspectiva do poder nessas esferas, sendo este compreendido como “a multiplicidade de correlações de. 1. Consultar a perspectiva de reconhecimento da Nancy Fraser. A autora apresenta a união estável lésbico-gay como uma conquista de paridade participativa com os heterossexuais..

(11) 10. forças imanentes ao domínio onde se exercem e constitutivas de sua organização” (FOUCAULT, 2015, p.100), que tomam corpo nos aparelhos do Estado, na formulação de leis. O poder não é uma instituição soberana, mas se manifesta em múltiplas correlações de forças, nesse sentido, as leis são formas terminais de manifestação de poder, instauram-se para uma constituição da organização da esfera social, e são, portanto, formas de cristalização institucional. Assim, as leis, além de reguladoras, geram a necessidade de inclusão dos indivíduos na esfera pública de participação, com isso, as normas de reconhecimento tornamse necessárias para a viabilidade como humano, pois à medida que indivíduos têm seu reconhecimento reprimido podem ocorrer danos não somente sociais, mas também psíquicos, “[...] nuestras propias vidas y la persistencia de nuestro deseo dependen de que haya normas de reconocimento que produzcan y sostenga nuestra viabilidad como humanos” (BUTLER, 2006, p. 57-58). Podemos ainda pensar a ideia de reconhecimento recusado em Axel Honneth e os déficits psíquicos que acompanham a negação desse reconhecimento, o autor afirma que a degradação de padrões de autorrealização apresenta consequências, entre elas, a de não vincular sua vida a um caráter positivo, na perspectiva de uma coletividade, nesse sentido, afirma: “[...] vai de par com a experiência de uma tal desvalorização social, de maneira típica, uma perda de autoestima pessoal, ou seja, uma perda de possibilidade de se entender a si próprio como um ser estimado por suas propriedades e capacidades características” (HONNETH, 2003, p. 218). O autor fala ainda, da dita “morte social” que seria essa privação de direitos e da exclusão social, para explicitar os danos de não ser reconhecido. As recentes decisões jurídicas sobre a união civil lésbico-gay pressupõem o reconhecimento desse grupo em seus direitos, nesse sentido, o fato significou para grande parte do movimento LGBT, reconhecimento dos direitos lésbico-gays diante do Estado, que antes lhes eram negados. A perspectiva de reconhecimento, para Nancy Fraser, requer pensar no reconhecimento das diferenças, da diversidade, para beneficiar juridicamente o indivíduo em termos de participação, inclusão. Para a autora, o reconhecimento está voltado, além da questão de compreensão das diferenças, para a necessidade de paridade participativa, à medida que se dá aos indivíduos ferramentas para a equiparação do lugar de participação: “Concebendo o reconhecimento como uma questão de igualdade de status, definido então como paridade participativa, ele fornece uma abordagem deontológica do reconhecimento” (FRASER, 2007, p.109-110). A autora ainda propõe que o reconhecimento só ocorrerá de forma plena a partir da aliança com a política de redistribuição, sendo esta uma redistribuição de recursos econômicos de forma a promover paridade..

(12) 11. A partir de Taylor, as identidades devem ser reconhecidas por suas particularidades, nesse aspecto, o autor se debruça sobre o desenvolvimento de uma teoria dialógica na qual a fundação do sujeito ocorre com a interação com o outro (TAYLOR, 1993, p. 55). O autor propõe, portanto, um reconhecimento por meio do qual “todos reconheçam o valor igual das diferentes culturas, que não somente as deixemos sobreviver, mas que as reconheçamos seu valor.” (TAYLOR, 1993, p. 94-95). Pensado a partir disso a questão da união estável lésbico-gay, Fraser fala sobre a necessidade de equiparação de direitos dos homossexuais aos dos heterossexuais. Com isso, a autora expõe: [...] na lei matrimonial, a institucionalização de uma norma cultural heterossexista nega a paridade de participação a gays e lésbicas. Para o modelo de status,2 então, essa situação é patentemente injusta, e uma reivindicação por reconhecimento é, em princípio, justificada. Tal reivindicação busca remediar a injustiça por meio da desinstitucionalização do padrão de valor heteronormativo e sua substituição por uma alternativa que promove a paridade (FRASER, 2007, p. 127).. Com a hegemônica cultura heteronormativa, outras possibilidades de manifestações de sexualidade tornam-se excluídas e não ocorre uma participação na vida jurídica de forma igualitária. Nesse sentido, a autora afirma que há a necessidade de compreensão dessas manifestações e consequentemente da equiparação desses direitos a partir da paridade participativa, que seria colocar os indivíduos em uma mesma posição juridicamente, politicamente e socialmente. A autora propõe ainda a ideia de reconhecimento de status, que visa superar a subordinação, significando, portanto, uma política que faz o sujeito um membro integral da sociedade, sendo ele capaz de participar com os outros membros como igual (FRASER, 2007, p.109). Axel Honneth ao discorrer sobre reconhecimento, afirma, a partir da perspectiva hegeliana, que a formação da identidade humana pressupõe a experiência do reconhecimento intersubjetivo (HONNETH, 2003). Nesse sentido, reconhecimento torna-se fundamental para a perspectiva da identidade, de pertencimento, evitando por sua vez danos sociais e até psíquicos: “O não reconhecimento consiste na depreciação de tal identidade pela cultura dominante e o consequente dano à subjetividade dos membros do grupo. Reparar esse dano significa reivindicar reconhecimento” (FRASER, 2007, p.106). 2. O modelo de status que Fraser propõe compreende superar as subordinações promovendo paridade participativa, ou seja, o indivíduo, antes falsamente reconhecido, pode participar de forma igual com os outros membros da sociedade. Esse modelo rejeita ainda os padrões institucionalizados de valoração cultural, pois para a autora, esses padrões colocam outros atores como excluídos, inferiores e até invisíveis (FRASER, 2007, p. 108)..

(13) 12. Judith Butler, ao problematizar quais vidas são consideradas humanas, convida a pensar se o reconhecimento é dado a todos de forma igual: Os mesmos termos que conferem a qualidade de ‘humano’ a certos indivíduos são aqueles que privam outros da possibilidade de conseguir o mesmo status, produzindo assim um diferencial entre o humano e o menos que humano [...] O humano se concebe de forma diferente dependendo de sua raça e da visibilidade de dita raça; sua morfologia e a medida em que se reconhece dita morfologia; seu sexo e a verificação perceptiva de dito sexo; sua etnicidade e a categorização de dita etnicidade. Alguns humanos são reconhecidos como menos que humanos e dita forma de reconhecimento com emendas não conduz a uma vida viável. A alguns humanos não se lhes reconhece em absoluto como humanos e isso conduz a outra ordem de vida inviável (Butler, 2006, p. 14-15).. Butler afirma ainda, que o alvará que o Estado detém, sobre a liberação do casamento de casais não heterossexuais, deveria ser concedido de maneira não discriminatória (BUTLER, 2003, p.244). Na perspectiva de Butler, o que ocorre, a partir da “liberação” prescrita por lei relativa aos direitos de lésbicas e gays, é o enquadramento do que é legal, permitido, regulado, no qual outras manifestações de dissidências sexuais são, além de abafadas em sua existência, tidas como anômalas, caóticas e até monstruosas. Pensando a perspectiva do discurso em Foucault, observa-se que os discursos não traduzem necessariamente sistemas de dominação, mas evidenciam aquilo pelo que se luta. A apropriação de discursos proferidos por instituições de poder traduz, na verdade, aquilo pelo que se acredita; havendo, nesse sentido, uma ritualização de validação e disseminação de discursos que tornam um pronunciamento aceito, são as chamadas produções de verdade em Foucault, ponto que será problematizado posteriormente. Para discutir os diversos pontos que convergem nessa discussão, adentra-se de forma mais específica nos conceitos que foram apresentados inicialmente sobre reconhecimento, além de discorrer sobre os estudos críticos de gênero e sexualidade e ainda sobre os conceitos de discurso e poder em Michel Foucault. Assim, os capítulos foram organizados da seguinte maneira: o primeiro capítulo se debruça sobre a problemática da pesquisa, apresentação do problema de estudo, fundamentação e discursão teórica, discorrendo sobre a construção social da sexualidade, as teorias do reconhecimento, a tensão entre o movimento LGBT e a teoria Queer, a perspectiva de poder e discurso jurídico e, por fim, um breve ensaio sobre os conceitos adotados pelo discurso jurídico relativo ao cenário de reconhecimento da união estável/casamento lésbico-gay. No segundo capítulo, apresenta-se uma explanação de conceitos importantes identificados na pesquisa, como o dispositivo do afeto, construção alusiva ao dispositivo da.

(14) 13. sexualidade em Michel Foucault, e como o referido conceito emerge, adentrando, posteriormente, no terceiro capítulo, no qual é apresentada a metodologia da pesquisa em ação na aplicação da análise dos textos, discorre-se sobre a hipótese central “qual a fundamentação do discurso jurídico no tocante à união lésbico-gay”. No próximo capítulo, discute-se sobre os principais conceitos e ideias extraídas na análise do capítulo anterior e, realiza-se uma reflexão geral sobre as questões que se destacaram na pesquisa..

(15) 14. 1.. DISCUSSÕES INICIAIS. 1.1. A INVENÇÃO SOCIAL DA SEXUALIDADE A atribuição do sexo, gênero e sexualidade se dá ainda antes do nascimento, a partir da. indagação “é menina ou menino? ”, nas idas ao médico e exames realizados com mecanismos tecnológicos, é possível estabelecer uma posição a partir da indagação binária compulsória. É o que Beatriz Preciado chama de primeira mesa de atribuições performativas, afirmando que os efeitos dessa atribuição delimitam e reiteram os órgãos e suas funções (PRECIADO, 2014, p.130). Há nesse aspecto um fazer corporal, uma construção dos corpos, bem como seu sexo e sua delimitação sequencial do gênero e sexualidade. A sexualidade é uma invenção social, assim como são construídas as possibilidades de erotismo, prazer e também determinados o gênero como uma atribuição sequencial do sexo, e ainda, na padronização das relações binárias, pautadas no “homem e mulher” como únicas possibilidades imagináveis, reforçando, por sua vez, a consequente heteronormatividade. A construção de uma sexualidade verdadeira, na perspectiva de Foucault, funciona como mecanismo de poder que se instaura nas diversas instituições de poder, inclusive na jurídica. Quando Foucault propõe uma genealogia da sexualidade, ou do dispositivo da sexualidade, em A História da Sexualidade I o autor deixa claro - embora sua obra se debruce sobre a perspectiva dos discursos que produzem o sexo e a sexualidade - que a sexualidade é uma invenção social, resultante de construção sócio, histórica e cultural, que nada se aproxima de essencialismos ou natureza biológica. A compreensão do sexo, gênero e sexualidade construto é antecipadamente necessária para questionar, portanto, o discurso da sexualidade. Foucault se debruça sobre um panorama histórico para falar de uma superprodução de saber social e cultural, o saber coletivo sobre a sexualidade, que emerge no final do Século XVIII, tendo este assumido uma forma de saber científico, a scientia sexualis que se pauta na busca pela verdade do sexo e da sexualidade, uma busca pela verdade que resulta na eleição de uma sexualidade verdadeira (FOUCAULT, 2015, p. 59-60). Pode-se compreender que até o final do século XVIII o direito canônico, a pastoral cristã e a lei civil regiam as práticas sexuais, demarcando a fronteira entre o que era lícito e ilícito, especificamente situado nas relações de matrimônio em todas as exigências, deveres, práticas indevidas, regras e recomendações, era dessa relação que se falava e estava sobre clara vigilância (FOUCAULT, 2015, p. 41). Prazeres alheios ao matrimônio ou desvios em relação à genitalidade eram condenados, mas o falar sobre essas práticas ainda estava envolto a um contexto nebuloso. Foucault discorre que a “explosão discursiva” do século XVIII e.

(16) 15. XIX sobre o sexo ocasionou modificações nesse sistema anterior centrado no casamento ou na aliança legítima, como o autor denomina. Nesse sentido, fala-se menos na monogamia heterossexual, sendo esta colocada agora com sobriedade. A monogamia heterossexual é colocada como uma sexualidade legítima e funciona como regra, embora silenciosa, não menos rigorosa. De contrapartida, “[...] o que se interroga é a sexualidade das crianças, a dos loucos e dos criminosos; é o prazer dos que não amam o outro sexo; os devaneios, as obsessões, as pequenas manias ou as grandes raivas” (FOUCAULT, 2015, p. 42-43). O interrogar dessas manifestações dissidentes sinaliza a existência do que é não normativo, surgem, nesse sentido, as infrações à legislação, as violações morais contra o casamento e a família e também danos à regularidade de uma ordem natural, aparece o que Foucault denomina de “gentalha diferente”, estes:. Do final do século XVIII até o XX, eles correm através dos interstícios da sociedade perseguidos pelas leis, mas nem sempre são encerrados frequentemente nas prisões, talvez doentes, mas vítimas escandalosas e perigosas presas de um estranho mal que traz também o nome de vício e, às vezes, de “delito” (FOUCAULT, 2015, p.43).. Essa categorização das sexualidades divergentes contribuiu para um enquadramento do que é da ordem do patológico, anômalo, monstruoso, pautado em um poder médico, medicalizável. O que contribuiu ainda para a exclusão dessas manifestações de uma perspectiva normalizante e reforçou a atribuição da monogamia sexual como ideal, linear, institucional. A emergência da monogamia heterossexual foi demarcada um pouco antes do cristianismo. Muito se fala no protagonismo da Igreja na constituição da sexualidade conjugal, de fato, o cristianismo contribuiu para a inserção de novas técnicas para fixar uma moral sexual monogâmica, reprodutora. No entanto, ela já fora introduzida no Império Romano, como afirma Foucault ao analisar os trabalhos do historiador Paul Veyne. Nesse sentido, “A poligamia, o prazer fora do casamento, a valorização do prazer, a indiferença em relação aos filhos já havia desaparecido, no essencial, do mundo romano, antes do cristianismo [...]” (FOUCAULT, 2014a, p.63). As técnicas elementares de submissão ou resistência sobre a sexualidade emergem nas práticas de penitência do cristianismo medieval, constituída pela confissão obrigatória imposta pelo Concílio de Latrão e também pelos métodos do ascetismo no Império Romano (FOUCAULT, 2015, p.126). É possível, a partir disso, compreender que a construção da sexualidade, na perspectiva do enquadramento normativo heterossexual reprodutor, foi fixada em período anterior ao cristianismo, estando presente já na Roma Antiga. Esse dado facilita a.

(17) 16. compreensão de como a sexualidade, o sexo, os prazeres moldaram-se a partir de discursos, e a monogamia baseada na reprodução se inscreveu como ordem moral. Conforme afirma Foucault, a sexualidade não deve ser concebida como um dado natural que o poder é tentado a pôr em xeque ou um domínio envolto de obscuridade que o saber tentaria desvelar. A sexualidade é, ao contrário, um dispositivo histórico, não é uma realidade que se aprende com dificuldade, “[...] mas, a grande rede da superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e de poder” (FOUCAULT, 2015, p.115). Sendo assim, a sexualidade é resultante de produção social, e os atos inerentes a ela são construídos conforme estratégia discursiva de poder. Para pensar a sexualidade nos moldes da construção, podemos agregar a ideia sexo/gênero/desejo como categorias construídas e não determinadas biologicamente. De acordo com Judith Butler, “[...] a distinção sexo/gênero sugere uma descontinuidade radical entre corpos sexuados e gêneros culturalmente construídos” (BUTLER, 2013, p.24), são, portanto, gênero/sexo categorizações não fixas, independentes entre si. Richard Parker, ao realizar um apanhado sobre pesquisas referentes à construção social da sexualidade, em seu texto Cultura, Economia Política e Construção Social da Sexualidade, apresenta, além da discussão do caráter construído da sexualidade, mediado por fatores sociais e históricos, a perspectiva de descontinuidade entre sexo, gênero e sexualidade, proposta por Butler. Para sintetizar, Parker fala que é a partir de um processo de socialização sexual que os indivíduos aprendem os desejos, sentimentos, papéis e práticas sexuais (PARKER, 2013, p.135). A teoria construcionista crítica3 se alinha à perspectiva da sexualidade de Foucault e da teoria Queer, sendo o Construcionismo Crítico uma teoria radical que afirma que as práticas humanas, em todos os aspectos e diversidade, são produções sociais, culturais e históricas, e, portanto, “[...] as práticas eróticas e sexuais, assim como as identidades de gênero, inscrevem-se igualmente no rol de todas as criações humanas, constituindo objetos sociais da ordem da linguagem, da cultura, do simbólico” (SOUZA FILHO, 2009, p. 27). Ainda bastante corriqueira, a abordagem da sexualidade e do gênero como algo que é da ordem da substancialização, que compete a determinações biológicas, hormonais, que têm inscrição nos genes, perspectiva que é possível herança da patologização da sexualidade na 3. Conceito desenvolvido pelo pesquisador Alipio Sousa Filho (2007) que toma como base a ideia de construção social de Berger e Luckman..

(18) 17. biomédica. Essa caracterização da sexualidade demarca o séc. XIX, período no qual o poder médico se apropriou do diagnóstico das sexualidades atípicas, pois a confissão ultrapassava as paredes da igreja, e servia também como um mecanismo de controle no âmbito jurídico e médico. Devemos à medicina o estigma de doença, transtorno e disfunção pelo qual a homossexualidade esteve e talvez ainda esteja atrelada, pois “[...] inventou toda uma patologia orgânica, funcional ou mental originada nas práticas ‘sexuais’ incompletas; classificou com desvelo todas as formas de prazeres anexos; integrou-os ao ‘desenvolvimento’ e às perturbações do instinto [...]” (FOUCAULT, 2015, p.45-46). Ocorreu a partir disso, uma forma de gestão, controle sob as sexualidades que divergiam da norma. Embora a homossexualidade não seja tratada como doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS) desde 1990, há ainda uma forte ligação sobre a substancialização, naturalização das sexualidades dissidentes, por exemplo, o processo de transgenitalização pelo qual a pessoa transexual se submete, sendo diagnosticada por um transtorno de identidade de gênero, sugere algo que é da ordem do patológico. Nesse sentido, pode-se pensar em uma transferência da patologização da homossexualidade agora para a pessoa trans? Judith Butler argumenta que, dentro de uma lógica binária gênero/sexo, o diagnóstico de transtorno de identidade de gênero pressupõe uma lógica de homossexualidade, com isso a autora afirma “[...] el diagnóstico de GID es, en la mayoría de los casos, un diagnóstico de homosexualidad, y el transtorno que conlleva tal diagnóstico ímplica que la homosexualidad permanece también como un trastorno” (BUTLER, 2006, p.118). Esse contexto de naturalização, patologização pelo qual a homossexualidade e outras possibilidades sexuais dissidentes são enquadradas, impulsiona a heterossexualidade como norma, como ideal, o que Michel Warner denominou de heteronormatividade, sendo esta compreendida como:. (...) instituciones, estructuras de comprensión y orientación práctica que no sólo hacen que la heterosexualidad parecen compatibles - es decir, organizado de la sexualidad - sino también para ser privilegiada. Su consistencia es siempre provisional y su privilegio puede adoptar diversas formas (que a veces son contradictorias): pasa desapercibido como el lenguaje básico de los aspectos sociales y personales; Se percibe como un estado natural; También se proyecta como una meta ideal o moral (BERLANT; WARNER, 2002, p.230).. Todas as múltiplas manifestações de sexualidade que diferem da heterossexualidade obrigatória são, portanto, consideradas desvios, anomalias e disfunções que reforçam uma ordem única de prazer, de erotismo, de padrões de gênero, sempre baseados no binário. Igualmente a isto, instauram-se padrões do que se é permitido na ordem da constituição de.

(19) 18. “famílias”, por exemplo. Nesse caso, a família é instituída a partir de um núcleo formador binário homem-mulher, sendo estes formadores da família nuclear, reprodutora e monogâmica. A reprodução, os laços sanguíneos sustentam-se aí como determinantes fundantes para a ideia de parentesco e, portanto, legitimador do que se denomina “família”. Esse ponto de vista, de acordo com Butler, tem o objetivo de:. [...] sustentar que a sexualidade deve se prestar às relações reprodutivas e que o casamento, que confere estatuto legal à forma da família, ou, antes, é concebido de modo a dever assegurar essa instituição, conferindo-lhe esse estatuto legal, deve permanecer como o fulcro que mantém essas instituições em equilíbrio (BUTLER, 2003, p.221).. Embora essa sustentação heteronormativa dos pilares da família e do casamento seja tomada como legítima, outras configurações familiares emergem, não apenas no Brasil, mas também no mundo, modelos que fogem ao padrão nuclear familiar anunciado anteriormente. A reivindicação de emergência dessas diferentes formas familiares tem sido frequentemente pautada pelo movimento LGBT, relativo à petição pela liberação de adoção de crianças e também pelo reconhecimento da união estável, casamento lésbico-gay. O Estado, nesse sentido, retém um alvará de permissão que, para Butler poderia ter sido concedido, anteriormente, sem distinção e de maneira não discriminatória (BUTLER, 2003, p.224). Recentemente, no Brasil, foi concedido o direito de pessoas lésbico-gays terem suas relações reconhecidas através da união estável e também do casamento, posteriormente. No ano de 2011, foi habilitado o direito à união estável, e em 2013, tornou-se obrigatória a conversão da união estável em casamento, para aqueles que assim desejarem, nos cartórios de todo o país. Essa decisão foi fruto de constantes reivindicações por parte do movimento LGBT, que reivindica a inclusão, a participação nos direitos já concedidos aos heterossexuais, como, além do casamento, a adoção de crianças. Não apenas a comunidade LGBT, mas alguns juristas abraçam a causa e proliferam discursos em favor dessas reivindicações.. 1.2. O RECONHECIMENTO MÚLTIPLO – DISCORRENDO SOBRE AS TEORIAS DO. RECONHECIMENTO Para pensar o discurso jurídico brasileiro no âmbito do casamento lésbico-gay, é necessário discorrer sobre a ideia de reconhecimento, neste caso, abordam-se alguns autores que apresentam esse conceito, como Hegel, um dos primeiros teóricos a conceituar reconhecimento; Axel Honneth, um dos principais estudiosos da teoria de Hegel e que trouxe contribuições necessárias para a discussão; e para falar mais especificamente do.

(20) 19. reconhecimento nas esferas LGBTs, Nancy Fraser e Judith Butler, estas que apresentam certas tensões em suas respectivas compreensões sobre reconhecimento, fato que permitirá a ampliação da reflexão sobre a pesquisa. Axel Honneth, no livro Luta por reconhecimento, discorre sobre a teoria do reconhecimento em Hegel, de forma a apresentar três instâncias pelas quais o reconhecimento perpassa, sendo estas o amor, o direito e a solidariedade. A primeira é tida como a primeira etapa de reconhecimento, nela são cunhadas as relações amorosas, afetivas e emotivas, como as relações entre poucas pessoas, de amizades, familiares. Nesse aspecto, o amor encontra-se como relação interativa, adquirido desde a infância a partir da construção de laços afetivos, o que Hegel ao ser citado por Honneth chamou de “o amor como ser-si-mesmo em um outro”4 (HONNETH, 2003, p.160). Para o autor o processo de estar em si mesmo é possibilitado a partir de um fenômeno simbiótico, de fusão, Honneth se alicerça em pesquisas de Winnicott sobre a ideia de afeto a partir da infância e a quebra da simbiose, para discorrer sobre o que torna um sujeito autônomo. Para Honneth “a referencialidade do eu e a simbiose representam aí os contrapesos mutualmente exigidos que, tomados em conjunto, possibilitam um recíproco estar-consigo-mesmo no outro” (HONNETH, 2003, p. 175). O amor representa para o autor uma quebra simbiótica a partir de uma individualização reciproca, o reconhecimento do outro é uma aceitação da autonomia do outro. Nesse caso, o reconhecimento tem um duplo aspecto, o de liberação, autonomia e o de ligação emotiva, com isso, a autoconfiança individual é determinante para a participação na vida pública (HONNETH, 2003, p. 278). A relação jurídica no reconhecimento descrita por Honneth toma como base a ideia reciprocidade proposta por Hegel, na qual afirma que, para a compreensão de nós mesmos como portadores de direitos, é necessário reconhecer o outro como também portador de direitos. Para Hegel o sistema jurídico tem que ser compreendido como expressão de direitos universalizáveis, que não se admita pretensão, exceções e privilégios, desse modo, a obediência das normas jurídicas só pode ser alcançada a partir de parceiros de interação, percebidos como seres iguais, uma relação de reciprocidade, na qual os indivíduos podem decidir com autonomia, de forma individual sobre normas morais (HONNETH, 2003 p. 181-182). Em relação à solidariedade proposta por Honneth, Hegel fala em eticidade a qual significa a estima pelo outro, segundo a qual as propriedades e as capacidades dos outros aparecem como significativas para a prática comum, as quais Honneth chama de solidárias (HONNETH, 2003, p. 208): “[...] por ‘solidariedade’ pode se entender, 4. Honneth apresenta esta citação a partir da obra de Hegel System der Sittlichkeit, p.17..

(21) 20. [...], uma espécie de relação interativa em que os sujeitos tomam interesses reciprocamente por seus modos distintos de vida, já que eles se estimam de maneira simétrica” (HONNETH, 2003, p.209). Axel Honneth propõe compreender a teoria do reconhecimento em Hegel a partir de três dimensões, o amor, o direito e a solidariedade, na qual as interações geram a autoconfiança, o autorrespeito e a autoestima, sendo a violação desses por meio do desrespeito, o gerador de impulso para a chamada resistência política. Honneth afirma que a teoria do reconhecimento de Hegel está pautada no reconhecimento recíproco, de interação com o outro; o chamado “ser em si mesmo” é uma assimilação com o outro, e consequente, aceitação, com isso, a negação de direitos, a violação, gera a luta por reconhecimento. Honneth se baseia em Hegel e também em Mead para pensar a ideia de reconhecimento:. A reprodução da vida social se efetua sob o imperativo de um reconhecimento recíproco porque os sujeitos só podem chegar a uma autorrelação prática quando aprendem a se conceber, da perspectiva normativa em seus parceiros de interação, como seus destinatários sociais (HONNETH, 2003, p. 155).. A teoria do reconhecimento em Honneth se baseia nas ideias de reconhecimento propostas por Hegel e da psicologia moral de Mead, e assim se configura como uma interpelação subjetiva das três etapas do reconhecimento que são amor, direito e solidariedade, para a geração de autoconfiança, autorrespeito e autoestima, no entanto, a cada forma de reconhecimento está prevista uma negação a um reconhecimento recusado, que são os maus-tratos, a exclusão de direitos e a degradação social (HONNETH, 2003, p.213). O reconhecimento recusado, para o autor, impulsiona a luta por reconhecimento, ou a chamada resistência política. Nancy Fraser discorre sobre reconhecimento pautado não apenas na abrangência multicultural, mas aliado também à justiça social e à redistribuição econômica. Para a autora, há uma tarefa em aliar esses dois pontos, “a tarefa, em parte, é elaborar um conceito amplo de justiça que consiga acomodar tanto as reivindicações defensáveis de igualdade social quanto as reivindicações defensáveis de reconhecimento da diferença” (FRASER, 2007, p.103). A autora propõe compreender o reconhecimento como uma questão de status, que ela afirma ser a forma para se conseguir paridade participativa de todos. Para explicar o modelo de status, a autora recorre a uma oposição ao termo identidade:. O ponto central da minha estratégia é romper com o modelo padrão de reconhecimento, o da “identidade”. Nesse modelo, o que exige reconhecimento é a.

(22) 21. identidade cultural específica de um grupo. O não reconhecimento consiste na depreciação de tal identidade pela cultura dominante e o consequente dano à subjetividade dos membros do grupo. Reparar esse dano significa reivindicar “reconhecimento”. Isso, por sua vez, requer que os membros do grupo se unam a fim de remodelar sua identidade coletiva, por meio da criação de uma cultura própria auto-afirmativa (FRASER, 2007, p. 106).. A problematização que a autora faz à ideia de identidade na busca por reconhecimento é que esta instaura uma espécie de singularidade de grupo, de forma a simplificar a complexidade, a multiplicidade e as intersecções das vidas dos diversos indivíduos inseridos nele, e afirma com isso que esse modelo ignora “as interações transculturais, ele trata as culturas como profundamente definidas, separadas e não interativas, como se fosse óbvio onde uma termina e a outra começa” (FRASER, 2007, p. 107). Essa perspectiva dá margem para pensar a ideia de intersecionalidade da pesquisadora, Kimberle Crenshaw. Ao refletir sobre os direitos humanos de gênero, a autora sugere pensar os direitos a partir de sobreposições, ou seja, pensar a categoria de direitos humanos baseados no gênero a partir das variadas maneiras pelos quais o gênero se intersecta “com uma gama de outras identidades e ao modo pelo qual essas intersecções contribuem para a vulnerabilidade particular de diferentes grupos de mulheres” (CRENSHAW, 2002, p.174). A autora ainda afirma que experiências específicas são silenciadas dentro de categorias amplas, questões como raça e posição social são absorvidas dentro de uma posição ampla de gênero, por exemplo (CRENSHAW, 2002, p. 174). A posição de Crenshaw converge e amplia uma discussão proposta por Fraser, que é a de pensar categorias plurais dentro de uma luta por reconhecimento. Retomando, portanto, o modelo de status, Nancy Fraser afirma que a partir desse modelo há uma luta por paridade participativa, que é superar as desigualdades:. Entender o reconhecimento como uma questão de status significa examinar os padrões institucionalizados de valoração cultural em função de seus efeitos sobre a posição relativa dos atores sociais. Se e quando tais padrões constituem os atores como parceiros, capazes de participar como iguais, com os outros membros, na vida social, aí nós podemos falar de reconhecimento recíproco e igualdade de status (FRASER, 2007, p. 108).. Além de superar a subordinação, para a autora, o modelo de status evita essencializar as identidades e também:. [...] ao focar nos efeitos das normas institucionalizadas sobre as capacidades para a interação, ele resiste à tentação de substituir a mudança social pela reengenharia da consciência. Em terceiro lugar, ao enfatizar a igualdade de status no sentido da.

(23) 22. paridade de participação, ele valoriza a interação entre os grupos, em oposição ao separatismo e ao enclausuramento. Em quarto lugar, o modelo de status evita reificar a cultura – sem negar a sua importância política (FRASER, 2007, p. 109).. O reconhecimento em Nancy Fraser tem, portanto, a proposta de um reconhecimento de status, que “[...] procura desinstitucionalizar os padrões que impedem a paridade de participação e os substituem por padrões que a promovam” (FRASER, 2007, p. 109). Diante dessa explanação dos respectivos teóricos do reconhecimento, é possível notar que Fraser, ao propor uma luta por reconhecimento a partir de um viés bidimensional “reconhecimento x distribuição”, se afasta da perspectiva teórica sobre reconhecimento de Axel Honneth, à medida que o autor se baseia em uma tríade para ilustrar as três etapas do reconhecimento. Nancy Fraser, por sua vez, se afasta da questão psicológica de autorreconhecimento e estima social que Honneth apresenta a partir das pesquisas de psicologia moral de Mead. Esses pontos evidenciam claras divergências teóricas, no entanto, há possíveis aproximações nas respectivas teorias do reconhecimento, como a superação das atuais formas de dominação, sendo a luta por reconhecimento um ponto central de superação. Judith Butler tem explorado a temática do reconhecimento na perspectiva da fragmentação, da dispersão, das flutuações, ou seja, ao promover o questionamento de uma identidade fixa, a autora questiona o sistema por luta por reconhecimento, ou no caso específico, a legitimação do Estado:. [...] a legitimação tem uma dupla fronteira: é crucial que, politicamente, reivindiquemos inteligibilidade e reconhecimento; é crucial que, politicamente, mantenhamos uma relação crítica e transformadora em relação às normas que governam o que irá ou não irá contar como aliança e parentesco inteligíveis e reconhecíveis (BUTLER, 2003, p.242).. Essa perspectiva paradoxal da autora permite indagar em que está pautada a legitimação do Estado. Com isso, pode-se pensar o que Butler chama de gêneros inteligíveis, que mantém relações de coerência, de continuidade entre sexo/gênero/prática sexual/desejo, a partir de práticas reguladoras que geram identidades coerentes (BUTLER, 2013, p. 38). Nesse aspecto, a autora dá a possibilidade de pensar as resistências, ao falar das certas “identidades de gênero” tidas como falhas ou desvios, afirmando que:. [...] sua persistência e proliferação criam oportunidades críticas de expor os limites e os objetivos reguladores desse campo de inteligibilidade e, consequentemente, de disseminar, nos próprios termos dessa matriz de inteligibilidade, matrizes rivais e subversivas de desordem de gênero (BUTLER, 2013, p.39)..

(24) 23. O que Butler chama de persistência pode ser pensado como resistência e também como potencialidade crítica de questionamento das premissas do Estado. A autora, por outro lado, não se desvincula dos possíveis danos causados a partir da desrealização, apagamentos e perda de direitos, afirmando: “Se você não é real, pode ser difícil manter-se como tal com o passar do tempo; o sentido de deslegitimação pode tornar ainda mais difícil manter um vínculo” (BUTLER, 2003, p. 238). O que Butler parece propor é uma relação de criticidade em relação às leis e ao Estado e nesse caso, com o reconhecimento. A autora está ciente dos possíveis danos que a negação de reconhecimento pode causar, mas questiona: “Não existem outras maneiras de sentimento possíveis, inteligíveis ou mesmo reais, além da esfera do reconhecimento do Estado? Não deveriam existir outras maneiras? ” (BUTLER, 2003, p. 239). Há, nesse aspecto, uma espécie de preocupação da autora com as possíveis produções de novas hierarquias sociais, de novos excluídos do Estado, e propõe, portanto, que o reconhecimento seja pensado de forma crítica em relação ao desejo de legitimação, ressaltando a necessidade de se estabelecer uma relação crítica com as normas sociais, morais e legais. Retomando Fraser, ao falar que uma identidade coletiva acaba por suprimir outras manifestações de um grupo e que as políticas de identidade geram exclusões, a autora se afina com a ideia Butler que questiona sobre a produção de novos excluídos na distinção do que é ou não legítimo. Essa convergência nas respectivas teorias ressaltam a necessidade de repensar a perspectiva hegemônica das lutas por reconhecimento. Judith Butler (1997) afirma que a identidade é produto de uma imposição normativa e que a incorporação dessa identidade ocorre para um reconhecimento social. Ao pensar por este viés, pode-se notar clara sintonia com a ideia Fraser ao falar de um padrão institucionalizado de valoração cultural que constitui categorias normativas e produz os deficientes ou inferiores (FRASER, 2007, p. 108). Fraser aproxima-se da perspectiva de Butler quando afirma que essa supressão a partir de identidades homogêneas: “[...] obscurece as disputas, dentro dos grupos sociais, por autoridade para representá-los, assim como por poder. Consequentemente, isso encobre o poder das facções dominantes e reforça a dominação interna” (FRASER, 2007, p.107). As autoras tomam rumos diferentes para pensar o enfrentamento dessas exclusões. De um lado, Butler fala que é mais proveitoso, em vez de buscar coerência e estabilidade da identidade, que se sustente uma identidade incoerente, instável (BUTLER, 1997, p.150). Fraser, por sua vez, propõe a ideia de paridade participativa, que visa superar a subordinação à medida que se coloca todos em uma posição de igual participação:.

(25) 24. [...] visando a não valorizar a identidade de grupo, mas superar a subordinação, as reivindicações por reconhecimento no modelo de status procuram tornar o sujeito subordinado um parceiro integral na vida social, capaz de interagir com os outros como um par. Elas objetivam, assim, desinstitucionalizar padrões de valoração cultural que impedem a paridade de participação e substituí-los por padrões que a promovam (FRASER, 2007, p. 109).. Para Butler, o reconhecimento de um grupo, é sempre determinante para a exclusão de outro, essa ideia para Fraser é incompatível para superação das exclusões. Nesse sentido, superar a subordinação poderá contribuir para a produção de novos subordinados, conforme a perspectiva de produções de assimetrias que Butler discorre. Por outro lado, Axel Honneth propõe a superação dessa subordinação, afirmando que a injustiça do desrespeito pode tornarse uma fonte de motivação para resistência política a partir de um movimento social articulado, que tenha convicção política e moral em comum (Honneth, 2003, p.224). Não seria então a apropriação Queer5 de termos tidos como socialmente pejorativos e sua ressignificação como algo que não mais agredirá aquele que tem uma sexualidade dissidente, uma expressão de resistência e logo, luta por reconhecimento? Nota-se que a premissa da desconstrução de uma identidade hegemônica que gera certo apagamento, silenciamento de outras manifestações possíveis dentro de um grande grupo, perpassa a noção de reconhecimento em Nancy Fraser, Honneth Axel e também em Judith Butler. Assim, pode-se utilizar o conceito da interseccionalidade de Kimberly Crenshaw (2002) para traçar a ideia de reconhecimento na qual este trabalho se pauta. Compreende-se que em um grande grupo outras diversas formas de subordinação estão em jogo; para Crenshaw, o problema da interseccionalidade está no fato de que uma gama de violações de direitos humanos fica obscurecida (CRENSHAL, 2002, p.178). No geral, as respectivas teorias do reconhecimento convergem para a ideia de apagamento das possibilidades não unificadas de um grupo, o que converge com a ideia de dominação interna proposta por Fraser, já exposta anteriormente. Dialogando com as teorias do reconhecimento apresentadas por Axel Honneth, Nancy Fraser e Judith Butler, é possível compreender que o reconhecimento não está pautado na luta pela unidade, nem de uma identidade fixa, homogênea, mas percebido em sua multiplicidade, no que é da ordem da fragmentação, do individualizado. O reconhecimento nesse aspecto tem 5. O movimento Queer pautado nas premissas de Judith Butler, propõe a ressignificação e subversão de termos tidos como xingamentos para as sexualidades dissidentes como forma a esses termos não mais causarem danos. Para melhor compreensão, consultar, Problemas de Gênero – Feminismo e Subversão da Identidade de Judith Butler..

(26) 25. que ser pensado também a partir de fissuras, questões que evidenciem a multiplicidade de fatores, não centrado em uma homogeneização cultural.. 1.3. DEMANDA POR RECONHECIMENTO NO MOVIMENTO LGBT E A. CONTESTAÇÃO QUEER O movimento LGBT tem forte protagonismo na luta pelo reconhecimento das uniões civis lésbico-gays, pois esta se sustenta como ponto relevante na pauta de luta por direitos. A emergência da militância Homossexual6 no Brasil demarca os anos 70 com o grupo Somos, composto, formado apenas por homens e que posteriormente, passou a ser frequentado por mulheres, que por sua vez, nos anos 80 fundaram um grupo separado, denominado Grupo lésbico-feminista. Foi nos anos 80 que, com o surgimento de outros grupos, foram formuladas algumas demandas, entre elas a do casamento homossexual (FACCHINI; FRANÇA, 2009, p. 59). O GGB – Grupo Gay da Bahia é também considerado um dos importantes coletivos gays com significativo papel no cenário de luta por direitos homossexuais no Brasil, criado no ano de 1980, tendo como um dos seus principais idealizadores o conhecido ativista Luiz Mott, o grupo funciona como uma entidade maior que agrega outras entidades que trabalham com temas de combate a homofobia e prevenção do HIV e aids7. Após um período de declínio em relação às mobilizações, tendo em vista as amplas divergências sobre a AIDS e o forte estigma da sua atribuição a uma doença gay, nos anos 90 ocorre uma nova reorganização e um crescimento do número de grupos e mobilizações, esse período também esteve marcado pela forte articulação social com novos atores, instituições e partidos políticos. O movimento LGBT estava, nesse sentido, articulado com diversas esferas sociais e pode-se falar nas primeiras transformações em busca da garantia de direitos, entre eles, a proposição do projeto de lei de parceria civil entre pessoas do mesmo sexo, elaborado em 1995 (FACCHINI; FRANÇA, 2009, p. 62). É importante ressaltar que ainda nos anos 90 ocorreu a multiplicação de categorias de referência na representação do movimento. Em 1993, o movimento se descreve como MGL 6. O termo Militância Homossexual foi utilizado nos primeiros movimentos de militância de gays e lésbicas no Brasil. Consultar Direitos e políticas Sexuais no Brasil: mapeamento e diagnóstico (2004), de Adriana Viana e Paula Lacerda. 7. O GGB foi nomeado em 1988 membro da Comissão Nacional de Aids do Ministério da Saúde do Brasil e desde 1995 faz parte do comitê da Comissão Internacional de Direitos Humanos de Gays e Lésbicas (IGLHRC). Ocupa, ainda, desde 1995 a Secretaria de Direitos Humanos da ABGLT, e desde 1998 a Secretaria de Saúde da mesma. http://www.ggb.org.br/ggb.html, acesso em 20 de abril de 2017..

(27) 26. Movimento de gays e lésbicas; depois, em 1995, a mudança sugere a sigla GLT que indica “gays, lésbicas e travestis”; para posteriormente, a partir do ano de 1999, adotar-se o GLBT que traduz Gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros, passando por variações hierárquicas GLTB ou LGBT, a fim de promover visibilidade dos segmentos. Em 2005, ocorreu uma deliberação para a letra T da sigla indicar travestis, transexuais e transgêneros. Retomando a questão dos direitos LGBT, pode-se falar que o ano de 2003 impulsionou uma primeira iniciativa prática na luta por reconhecimento, sendo esta a Frente Parlamentar Mista pela Livre Expressão Sexual, posteriormente denominada Frente Parlamentar Pela Cidadania LGBT, instaurada em outubro de 2003 pela Câmara dos Deputados. De acordo com Carrara, ocorreu um impasse no Congresso Nacional frente à discussão da união estável igualitária, e com isso também uma transferência dessa reivindicação para maior preocupação com a criminalização da homofobia. O argumento do movimento nesse aspecto era a maior facilidade da aprovação da criminalização de violência homofóbica em relação à união estável lésbico-gay (CARRARA, 2005, p. 136). Os primeiros casos de reconhecimento dos chamados direitos da família, direito previdenciário, adoção, registro de filhos com nomes de dois pais ou duas mães foram protagonizados pelos Estados do Rio Grande do Sul, Acre, São Paulo, Distrito Federal e Rio Grande do Norte. Esse último estado é considerado o pioneiro no quesito adoção de crianças por casal homossexual em um caso específico, sendo no ano de 2008, aprovada a decisão que concedia a adoção de crianças por dois homens, o fato resultaria, pouco tempo depois em um livro8. Em 2008, por iniciativa do Governador do Rio de Janeiro, foi apresentada ao Superior Tribunal Federal (STF) uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF132) que busca assegurar que aos tribunais do estado que estendam as relações afetivas entre servidores estaduais do mesmo sexo, os direitos iguais relativos às uniões estáveis (CARRARA, 2005, p. 138). Finalmente, o ano de 2011 significou, aos olhos do movimento LGBT, uma crescente conquista por reconhecimento, tendo em vista a aprovação da união estável lésbico-gay, a partir da decisão do STF que julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, e logo, em 2013, ocorreu a conversão da união em casamento a partir da Resolução nº 175 do CNJ.. 8. Maiores notícias sobre o caso estão disponibilizadas no site http://www.planetajota.jor.br/livroduasfilhas.php, acessado em 20 de abril de 2017..

(28) 27. Nota-se, a partir do que foi exposto, que a demanda por reconhecimento LGBT no tocante à união estável/casamento acompanha o movimento desde a década de 70, ganhando maior força nos anos 80. Percebe-se ainda o protagonismo do movimento social organizado em torno dessa demanda. Conforme afirma Axel Honneth (2003), a articulação social, o conflito, é condição para luta por reconhecimento e para o que ele chama de evolução moral. O autor, ao discorrer sobre o reconhecimento jurídico, afirma que ele “[...] contém em si um potencial moral capaz de ser desdobrado através de lutas sociais, na direção de um aumento tanto de universalidade quanto de sensibilidade para o contexto” (HONNETH, 2003, p. 277). Esse desdobramento ao qual Honneth se refere, reafirma o papel dos movimentos sociais em potencializar mudanças, nesse caso, em termos jurídicos. Embora a luta por reconhecimento por parte do movimento LGBT indique forte protagonismo no contexto político brasileiro, existe certa tensão entre o movimento LGBT e a perspectiva queer no que diz respeito, nesse caso especifico, à união estável/casamento lésbico-gay. Com isso, se faz necessário discorrer sobre esses impasses para uma compreensão ampla do contexto do reconhecimento. Para Judith Butler há um impasse sobre o casamento gay que vai além de abraçar a busca por ser reconhecido perante o Estado. Para a autora, em relação “[...] ao tema do casamento gay, é cada vez mais importante manter a tensão viva entre guardar uma perspectiva crítica e fazer uma reivindicação politicamente legível” (BUTLER, 2003, p. 230). Judith Butler concorda que o casamento lésbico-gay rompe a linearidade de legitimação do Estado em relação aos investimentos específicos de casais heterossexuais, mas reafirma a necessidade de pensar essa conjuntura de forma crítica (BUTLER, 2003, p. 226). A preocupação de Butler se situa na perspectiva de pensar “[...] quem pode desejar o Estado, quem pode desejar o desejo do Estado” (BUTLER, 2003, p. 233). As especulações da autora a respeito do reconhecimento do casamento gay problematizam sobre as possíveis exclusões que esse alvará do Estado pode acarretar e ainda a formação de novas hierarquias sexuais. Sara Salih, autora do livro Judith Butler e a Teoria Queer, propõe um apanhado minucioso sobre as obras de Butler e uma análise de suas principais teorias. Salih apresenta alguns questionamentos da teórica queer sobre as leis existentes. Podem elas serem subvertidas? É possível ter uma relação crítica com as normas? E ensaia uma resposta, afirmando que Butler propõe um posicionamento crítico dos sujeitos em relação aos discursos e as normas de governo (SALIH, 2015, p. 192). Judith Butler propõe algumas reflexões sobre a demanda por direitos: seria a reivindicação por reconhecimento perante o Estado uma resposta da comunidade gay em.

(29) 28. busca de parecerem saudáveis e normais, capazes de ter relações duradouras e monogâmicas? E ainda, será que o reconhecimento estatal do casamento gay não produz novas formas de hierarquias sexuais? (BUTLER, 2003, p.239). Embora a autora questione esses lugares sociais de reconhecimento, ela não sugere um posicionamento fechado sobre a temática do casamento gay, embora haja uma clara indicação sobre manter uma tensão viva entre uma perspectiva crítica e realizar uma reivindicação legível, por isso sugere “[...] uma política que incorpore uma compreensão crítica – a única que se pode reivindicar enquanto auto-reflexiva e nãodogmática. Ser político não significa tomar uma única “posição” firme e duradoura (BUTLER, 2003, p. 230). Novamente citando Sérgio Carrara sobre as políticas e direitos sexuais, este menciona alguns impasses que a luta por direitos pautados em um contrato com o Estado pode causar. O autor considera o impacto dos movimentos sociais na luta por direitos e pela mudança moral sexual no Brasil (CARRARA, 2010, p. 143-144), mas alerta: “De um lado, se o estreitamento dos laços entre organizações da sociedade civil e o Estado pode ‘empoderar’ tais organizações, de outro, pode também limitar seu potencial crítico, criando situações de clientelismo e cooptação” (CARRARA, 2010, p. 144). Fica claro que a tensão Queer que se instaura em relação ao tema casamento gay vai além da incorporação desse reconhecimento diante do Estado, a proposição da reflexão Queer é tomar uma perspectiva que questione a estrutura estatal e sua posse de alvará de reconhecimento, pensando a reivindicação por direitos politicamente engajada.. 1.4. PODER E DISCURSO NO ÂMBITO JURÍDICO A velha máxima da compreensão do poder como repressivo envolto a uma instância. maior é desconstruída a partir da análise de Michel Foucault, ao desestabilizar a ideia de que o poder ocorre a partir de situações de sujeição e de controle, estruturado por uma grande instituição, de um sistema geral de dominação exercido de forma unilateral, o autor propõe pensar o poder a partir de diversas correlações de forças que:. (...) através de lutas e afrontamentos incessantes, as transforma, reforça, inverte; os apoios que tais correlações de forças encontram umas nas outras, formando cadeias ou sistemas, ou ao contrário, as defasagens e contradições que as isolam entre si; enfim, as estratégias em que se originam e cujo esboço geral ou cristalização institucional toma corpo nos aparelhos estatais, na formulação da lei, nas hegemonias sociais (FOUCAULT, 2015, p.100 - 101)..

Referências

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