UNIVERSIDADE
FEDERAL
DE
SANTA CATARINA
cENTRo
sócio
EcoNôM1co
DEPARTAMENTO
sócio
EcoNÔMIco
fif I
AS
EXPRESSOES
DA
CULTURA
POLITICA
NAS
FORMAS
ORGANIZATIVAS
DO
Awvwas
patame
,z,ç,/Hlfií'
Cha e ao DEWÊ'
M
:'40CSE/Ufb
MoRRo
Do
HoRÁcIo
Trabalho de Conclusao do Curso apresentado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina para obtenção do Título de Assistente Social pela Acadêmica Adriana Canci, Orientado pela professora doutora Ivete Simionatto.
ADRIANA
CANCI
Florianópolis
ii "7íã¢é‹£õza.é‹at¢›z‹¢' %de{¿x‹›. «‹zz«zzé;zz¢‹zú.¿zz‹z,;z›zóz‹'«z. ãnãoexwàhánwøa. 7íaaa¢ae¢dad¢¿aumemfama,úaÓz‹'‹››¢â`¢¢'¢ › z¿¢¢‹z¿¢¢‹››z¿¢z .¡¡
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~
INTRoDUçAo
... ..Participação e cultura política ... ..
~
A
culturada
política e participaçao ... _.Cidadania
edemocracia
... ..Estado
egoverno
... _.O
Serviço Social ea construção de
uma
nova
cultura política8
de
coiltroledo
Estado e canaisde
participação populardescentralizadores
do
poder. _Nessa
perspectiva se encontra a participação popular inserida nas gestões municipais onde,“a democracia nao significa meramente a chamada democracia representativa, trata se
de avançar na perspectiva da melhoria das condições de vida da população, incluir na
esfera dos direitos, além daqueles referidos a cidadania, o direito à participação popular
direta nas gestões municipais” (Programa de Estudos
em
Serviço Social, 1996, p. 29).Assim
se constataum
crescimento político e estratégicoda
sociedade civilna
sua relaçãocom
o
Estado,que
caminha
na
construçãode
uma
nova
cidadaniaultrapassando a
concepção
liberal (igualdade jurídica e direitode
votar),caracterizada
no
direito dos cidadãosterem
direitos,não
apenaspor
meio
de
~
reivindicaçoes
de
acesso aopoder
público,mas
sim de
participar ativamenteneste.
Nesse
sentidoDagnino
(1994, p. 109) refere-seque
“as práticas políticasmais
recentes,como
por exemplo, asque
tem
surgidoem
algumas
cidadesadministradas
por
governos das frentes populares (26 prefeituras entre1988
e1992)”,
onde
a participação popular se efetiva pormeio
deConselhos
Populares, especialmente
o do orçamento
participativo(exemplo
reconhecidonacionalmente
em
Porto Alegre). Essas experiênciascontribuem
para reforçar a
-Com
aconcepção
de participaçãocomo
possibilidadede ampliação da
cidadania,
temos
a atuação de diferentes atores sociais lutando contra adiscriminação das minorias (homossexuais, negros, mulheres), pela preservação
do
meio
ambiente,além
de outras formasde
participaçãoda
sociedade civil,como
a participação comunitária,que
surge a partirde
suas necessidadeselementares (moradia, água, saneamento, saúde e outras).
Como
descreveWanderley
(1993, p. 127): “o princípio comunitárioatravessa as cidades, as sociedades, os
tempos
[...] equando
o
racional se colocaacima
do
afetivonada melhor
entãoque
acomunidade
para salvaguardar a~
intimidade, a partilha das relaçoes pessoais”.
Assim
a família surgecomo
modelo
de
comunidade, de
vida comunitária,estendendo-se à vizinhança,
ao
bairro, aogrupo
social,chegando
a transpô-lopara âmbitos
mais
abrangentes-comunidade
nacional e intemacional.Comunidade
é portantoforma
particularde
expressãoda
própria sociedade, e, paracompreendê-la
precisamoscompreender
a sociedade global emais
os elementosde
sua particularidade.Assim
acomunidade
se constitui de valores e ideologias presentesna
sociedade capitalista, delineando práticas sociais contraditórias nas suas
diferentes manifestações participativas.
Diante disso nos
questionamos
sobre a prática participativacomo
‹
f/_____~w__,i,_
10
imediatos.
Dentro
desse contexto éque passaremos
a situar acomunidade do
Morro
do
Horácio.Situada
no
Bairroda Agronômica,
acomunidade
do
Morro do
Horácio
aglutina
em
seu interioraproximadamente
500
famílias. Esta apresenta-secomo
expressão
da
evolutiva urbanização vividaem
Florianópolis a partirda década
de
70,com
a crescenteabandono
do meio
rural, pois, agrande
maioriade
seusmoradores
são originários das regiõesdo
Planalto Serrano (Lages, Curitibanos,Canoinhas)
eda
regiãodo
Oeste Catarinense (Caçador,Joaçaba
e outros), áreassignificativamente agrícolas.
Também,
moram
no
Morro
váriosgrupos
familiares
que
tem
suaorigem
do
litoral norteou
suldo
Estado.Nesse
sentidoFantin (1995, p. 37) assinala que:
“o
MdH
em
relação aos seus moradores apresentauma
particularidade que o diferenciade outros lugares na cidade de Florianópolis [...]
em
função da sua aproximação evinculação bastante estreitas
com
a Penitenciária, acarretou a construção deum
convíviodireto
com
várias pessoas que passaram pelo presídio ou seu familiares. Esse dadoconfigurou
um
aspecto muito interessante que foi o agrupamento de vários núcleofamiliares
com
raízes culturaisbem
diferenciadas, congregando pessoas dos maisdiferentes lugares do Estado isso não é muito
comum
nas favelas da região [...]encontramos todo tipo de gente, de raça, de cor. São índios, descendentes de índios, são
negros, mulatos, são serranos, brancos, negros, pardos [...] encontram-se ali famílias que
vêm
do interior da ilha e têm relação diretacom
descendentes açorianos e toda a suacultura”. '
Essa
peculiaridade denotauma
heterogeneidade cultural e socialna
formação da comunidade, que
circunscrevem sua dinâmica.Quanto
à sua condição sócio-econômica,o
relatóriodo
IPUF
(Institutode
Horácio
está entre as46
áreas mais carentesde
Florianópolis (28na
ilha e 16no
continente), “apesar
de
já apresentar diferenciações frente àsinúmeras
melhorias e bens e serviços públicos” (Fantin, 1995, p. 42).
No
que
tange aos serviços públicos básicos, acomunidade
dispõede
uma
rua pavimentada, transporte coletivo, iluminação pública, recolhimento
de
lixo,alguns telefones públicos, escola
de
primeiro 19 grau e serviçode
tratamentode
água
pelaCASAN
(Companhia
de
Águas
e Saneamento), conquistas estasque
concretamente
expressam
lutas dos moradores,que
têm
na
participação eorganização a via para a melhoria
da
qualidadede
vida.Atualmente
existem 13 (treze) grupos organizadosna comunidade,
que
são:
de
futebol (seis),de
mulheres,de
crianças,da
catequese,da
APP
(Associação
de
Pais e Professores),de
jovens, de informática,da
pastoralda
na ' . . na
saúde e
mais
aAssociaçao
de Moradores, os quaiscontam
com
a participaçaode
O5
a20
moradores,configurando
dessemodo
as práticas organizativas nessecontexto.
Nossa
inserçãona comunidade,
deu-seem
meados
de
1994
atravésdo
projetode
extensão,O
Fazer
Feminino
nas
Práticas Políticasdas
Mulheres
das
Comunidades
de
Periferiade
Florianópolis-uma
abordagem
sobre
a
questão de
gênero, vinculado aoDepartamento
de Serviço Socialda
UFSC/NESSOP
(Núcleode
Estudosem
Serviço Social eOrganização
Popular),12
-
A
princípio participamos deste projetocomo
estagiárias extracurriculares,no
qual realizamosuma
pesquisa sobreo
perfil dasmulheres moradoras
do
Morro
do
Horácio. Paralelamente a esta atividade, participamos das reuniõesdo
Grupo
de Mulheres
que, naquele período,começava
a ser organizado.Permanecemos
no
projeto até julhode
1995,sendo que
este continuou aser desenvolvido no'
grupo de
mulheres. Esta primeira faseda
experiênciasuscitou
inúmeros
questionamentos epoucos
indicativos quanto à prática sócio-educativa
do
Serviço Social junto às organizações populares.No
iniciode
1996,retomamos
ao
Morro
do Horácio
como
estagiáriacurricular,
dando
continuidade ao trabalhoque
vinhasendo
desenvolvidono
âmbito
do
Projeto Gênero.Nesse
momento,
ogrupo de mulheres
reunia-seem
tomo
da
atividadede
produção
(corte e costura), tendo por objetivo propiciaruma
altemativade
renda. Paralelamente ao
acompanhamento
desse trabalho,retomamos
as atividades referentes à temáticade
gênero,além de
outras questõesque
secolocavam
como
pertinentes à organizaçãodo
grupo.Além
disso, participamosde algumas
reuniõesda Associação de Moradores,
poistínhamos
como
pressuposto realizar
um
trabalhoque
extrapolasse a realidadedo grupo de
mulheres, ao passo que,
entendíamos que
este tinhauma
estreita vinculaçãocom
o
contexto social, político,econômico
e culturalda
comunidade
mais
O
ProjetoGênero
tinha por objetivo desenvolverum
trabalho de caráter sócio-educativo, intervindo quanto às questõesde formação
política,de
organização,
de
fortalecimento e ampliaçãodo
grupo, de gênero,além
de
estratégias altemativas
de
renda.~
Durante o desenvolvimento do
ProjetoGênero
muitas questoes fizeram sepresentes, relacionadas à participação comunitária
no
que
tange às práticas dasmulheres,
como também
à intervençãodo
Serviço Social.A
partir destas questões surgiuo
interesseem
estar investigando a culturapolítica presente tanto
no
interiordo grupo de
mulheres,como também
nasdemais formas
organizativasda comunidade.
O
conceitode
Cultura Políticano
âmbito
das Ciências Sociaistem
seudesenvolvimento polemizado
pelas diferentesabordagens
de conhecimento,em
que
nesse trabalho nos apropriaremosda concepção fundamentada na
tradiçãomarxista.
Nesta
a cultura política éconcebida
como
sendo determinada
pelainfra-estrutura e pela superestrutura, quer dizer, construída a partir
da base
econômica
da
sociedade e dos valores ideológicos.A
partir destaconcepção entendemos que
a cultura política édeterminada
para
além
das fronteiras das relações econômicas.Gramsci ao
desenvolvero
conceito de
hegemonia
“sugeriu que a forrnação de
um
bloco histórico, isto é, deum
modelo político e cultural14
propriamente no terreno das ideologias, ou seja, na esfera
em
que os homens (as classes)tomam
consciência da realidadeem
que vivem” (Gramsci apud Moisés, 1992, p. 14).De
acordocom
oipensamento gramsciano
a cultura política é delineada~
pelos diferentes extratos sociais,
onde
valores políticos sao compartilhados emanifestados pela representação social dos indivíduos a partir
do
contextoem
que
vivem.Tomaremos
as seguintes categoriasde
análiseda
cultura política paradesenvolvimento
deste trabalho: participação, política,comunidade,
govemo,
Estado, cidadania e democracia.
A
análise destas realizou-se à luzda
teoriado
Estado
Ampliado
de Gramsci,em
que: “percebeque na
sociedade capitalistamodema
o
Estado seampliou
e osproblemas
secomplexificaram
na trama da
sociedade, fazendo emergir
uma
nova
esferaque
é a sociedade civil” (Simionatto, 1995, p. 64).Sob
esta ótica,não
concebemos
o Estadocomo
um
monopólio
das classesdominantes,
mas
sim
como
sendo
permeado
pelos diferentes interessesde
classe.
As
mudanças
que
vem
acontecendono
cenário político brasileiro,têm
revelado
uma
ampliação dos espaços de atuaçãoda
sociedade civil,onde
novos
sujeitos políticos projetam a possibilidade
de
construçãode
um
nova
identidade~
participativa.
Englobando
todas estas questoes atéo
momento
apresentadas éque
procuramos
caracterizaro desenvolvimento do
nosso trabalho.'U I O
O
projeto de pesquisa intituladoAs
expressoesda
cultura politicanas
formas
organizativasdo
Morro
do
Horácio, foi desenvolvidono
períodode
agosto à
dezembro
de
1997, tendocomo
objetivos:~
0 identificar as
formas
organizativasdo
Morro
do Horácio
e as açoesdecorrentes das
mesmas;
0 identificar
como
asfonnas
organizativasdo
Morro
serelacionam
com
o poder
público;0 identificar a cultura política presente nas organizações
da
comunidade
com
oaprofundamento
das seguintes categorias:comunidade;
participação; política,govemo,
Estado, cidadania edemocracia;
0 contribuir
com
reflexões à práticade
Serviço Socialno
âmbito
comunitário.
A
amostra
do
universo pesquisado seguiu os seguintes critérios,constituídos
em
trêsmomentos:
0 primeiro
-
escolha aleatória de O3 (três)moradores
integrantesda
Associação de Moradores
ede
O1 (um)morador
participantedos
outros16
0
segundo
-
casoo
morador
entrevistado participede
O2
(dois)ou
mais
gruposnão
entrevistaríamos outros integrantes destes;0 terceiro
-
entrevistarum
integrante dos gruposde
futebol.No
totalforam
realizadas 10 (dez) entrevistas gravadas e transcritas.Os
depoimentos
dos entrevistados se constituíramna
base empíricaprincipal para tematização deste trabalho
que
é a questãoda
cultura política.As
representações sobrecomunidade,
participação, política, cidadania,Estado
egovemo
nos_fomeceram
um
lequede
indicações a cercado
objetode
pesquisa.Assim
o
presente trabalho está estruturadoem
cinco itens a saber.O
primeiro trata da' participação e cultura políticaem
que,além
de
tematizar estas duas categorias
trouxemos
e_mcena
anoção de
comunidade
esua relação
com
os processos participativos;o segundo
item tratada
noção
de
política
enquanto
categoriaampla
eque
possui estreita relaçãocom
a cidadaniae a
democracia
e este éo tema
do
item três.No
item quatro trataremos dasrepresentações sobre Estado e
govemo
e, por último,no
item cinco,indicamos
algumas
questões consideradas fundamentaisao
processode
trabalhodo
Serviço Social nos espaços coletivos. Finalmente apresentamos a bibliografia
Temos
um
avanço
político- democráticono
país, àmedida
que
seabrem
~
possibilidades concretas à intervençao
da
sociedade civilna
arenagovemamental.
Essemarco
constituiuma
ampliaçãoda
cidadania, expressapor
Dagnino
(1994, p. 109)como
a possibilidade de transcender“o conceito liberal que é a reivindicação do acesso, inclusão, membership
1 “pertencimento' (belonging) ao sistema político na medida
em
que o que está de fatoem
jogo é o direito de participar efetivamente na definição desse sistema, o direito de definir aquilo no qual queremos ser incluídos, a invenção de
uma
nova sociedade”.Contudo, o
avanço
desse processodepende de
“uma
participaçao qualificada de outra forma e de outra natureza, isto é, que nao sejaapenas reivindicativa, mas, acima de tudo, propositiva, capaz de definir e influir no
encaminhamento de políticas e ações, assegurando mecanismos de acesso à informação
e à democratização de decisões” (Nogueira
&
Simionatto, 1997, p. 29).Temos como
aspecto relevante a ser refletido, nesse sentido, aconcepção
1
~
de
participaçao, pois acreditamosque
é a partirda forma de
interpretar e concebê-la,que
os diferentes canaisda
sociedade civilpodem
ser instrumentosconcretos de democratização
do
Estadoou meros
mecanismos
de
legitimaçãode
práticas antidemocráticas e
do
próprio status quo, pois,conforme
assinalaJacobi (1993, p. 22): “as diversas formas
de
interpretar econceber
aparticipação estão estruturalmente vinculadas à diferentes
concepções
políticas25
estabelecendo vínculos de solidariedade,
de preocupação
com
as necessidades eproblemas
do
mundo
que
está ao seu redor.As
fonnas
de participação dosgrupos
do
Morro
do
Horácio, representam,de
certa fonna,uma
contrapartida aessa lógica,
A
demonstração de
interesses dosmoradores
em
melhorar
aqualidade de vida
da comunidade,
sejano
trabalho sócio-educativocom
ascrianças, -na área
do
lazer,na busca
por melhorias das condições estruturaisda
comunidade, na
discussãoda
questãodo jovem,
das mulheres, éum
bom
ponto
de
partida parao
encaminhamento
de açõesque
possibilitem capacitar essesatores sociais
na
sua intervenção paraalém da
comunidade
em
que
residem.~ ~
A
participaçaono
Morro
do
Horácio, certamente apresenta contradiçoes elirnites frente à
agenda
participativa dos anos 90,que
é ade
estar intervindode
fonna mais
efetivano
sistema político,por
meio
de
canais institucionalizadosde participação,
como
éno
caso os conselhos populares.Mas, tomando
a realidade socialcomo
uma
construção históricapermeada
de
contradições ede
detenninaçõesde
ordem
econômica,
política, social ecultural,
entendemos que
estes limitesnão
seencontram
desvinculadosda
cultura política
da
sociedade brasileira,em
que
apopulação não
teve condiçõeshistóricas devido às práticas governamentais populistas, clientelistas e
autoritárias,
de
construiruma
cidadania participativa.Por
outro lado, é essemesmo
movimento
históricoque pode
possibilitar a construçãode
sujeitosportanto,
que
a participação dos gruposdo
Morro do
Horário se colocaenquanto fundamental
à realidade presente.Outra
questão importantena concepção de
participação dosmoradores
do
Morro
do
Horácio, é a sua estreita vinculaçãocom
a próprianoção de
comunidade.
Quanto
a esta categoria,Gohn
(1990, p. 115)em
seu artigoComunidade:
a
voltado
mito
e seus significados, assinala que:“a noção de comunidade não é nova e tem sido utilizada a nível de prática concreta ou
discursiva, por agentes históricos de diferentes matizes ideológicas : nos séculos XVIIIe
XD(
esteve bastante associada às idéias dos socialistas utópicos, depois às correntes anarquistasem
várias versões, no pensamento social-democratatambém
foi importante.Em
todas essas linhas de pensamento e de ação o ideal de comunidade teria suacontribuição a partir de
uma
nova rede de relações sociais na qual a luta de classe nãoteria espaço e o conflito social seria superado por relações de solidariedade.
No
séculoXX
a noção de comunidade ressurge de duas formas. Pelas mãos dos capitalistas,como
estratégia de dominação via políticas de desenvolvimento da comunidade”.Através
da reflexão da
autora, verifica-seque
a idéiade
comunidade
estevepresente historicamente
na dinâmica
das relações sociais,dando
conteúdo
político e ideológico à
concepções
e açõesde
movimentos
populares e planosgovernamentais, tendo
uma
conotaçãode
solidariedade e participação.Consequentemente
acompreensão do termo
foi consolidando-seno
imagináriopopular.
Tal conotação
pode
ser verificadano depoimento
dos entrevistados:“... comunidade para
mim
é onde todos trabalham porum
mesmo
objetivo, eu acho que-27
“... eu acho que comunidade é o pessoal viver bem, ter respeito
um
pelo outro, nós aquimoramos numa
comunidade, somosuma
comunidade.Eu
acho que todos tem queajudar os outros, ver o que as pessoas precisam e se a gente puder a gente ajuda...” (I. P.
S.). '
“... comunidade para
mim
é quando a gente, as pessoas procuram contribuir, quandofazem as coisas no coletivo, quando eu quero fazer para toda a comunidade.
Eu
queroestar bem, mas para eu estar bem,
meu
vizinho tem que estar bem, éum
coletivo, naoposso pensar as coisas só para mim.
E
construir esse coletivo junto...” (C. C.).“... comunidade é
um
grupo lutando pelosmesmos
objetivos para melhorar o espaço dacomunidade: comum.
Mas
isso é muito relativo, esse negócio de comunidade aquitambém, porque a gente fala
em
comunidade:mesmos
objetivos, mas o interesse pessoalde cada
um
fala mais alto, mas a comunidade sou eu, vou lutar pela minha servidão, você pela tua servidão. Aí dizem que éuma
comunidade. Por isso eu digo que é muitorelativo, seria nós lutando por
uma
servidão, pela água...” (D. S.).“... comunidade para
mim
éum
lugar onde o pessoal se reúne para discutir os problemasda comunidade [...] de repente tem
um
negócio que está prejudicando:uma
rua,uma
cachoeira para limpar, de repente
uma
chuvarada está levando o terreno do outro, entãovai lá e leva para o pessoal decidir o que tem que ser feito, a gente vai para fora pede
ajuda e arruma essas coisas...” (A. G.).
Podemos
perceberque
a visãode
comunidade
relatada pelosmoradores
do
Morro
do
Horácio,tem
raízes históricas ancoradas àconcepção de
valorescomuns, sendo que
fazer partede
uma
comunidade,
significa estabelecervínculos afetivos, relações de solidariedade e
de
união, os quaisdevem
aglutinar-se
em
tomo
dosmesmos
interesses e desejos.Essa
idéiade
comunidade
fraterna e igualitária expressabem
o
pensamento de Rosseau
apud
sempre
pronta a sesubmeter
ao idealcomum,
sempre
a serviçodo
interesseda
comunidade
[...] exige-se de todos a virtudede
estarsempre
a serviçodo
bem
comum”.
Dessa
fonna, pode-se dizerque
anoção de
comunidade
expressanos
depoimentos, aponta para
uma
visão idealizadada
mesma,
pois é vistacomo
um
lugar
em
que
os objetivos de seus integrantesconvergem
entre si,configurando
um
espaço
marcado
pela harmonia,permeado
de
companheirismo
e igualdade.O
conflitoou
mesmo
o
individualismo sãoescamoteados
pela visãode
consenso
e igualdade.Ainda
que
em
algunsdepoimentos
transpareça a idéia de coletivo, ela seperde
na compreensão do
espaçogeográfico
local. Esta é anoção
positivistade
comunidade
que
tendemais
à luta corporativa, particularista e de defesados
interesses
mais
imediatos.É
particularmente nesse terrenoque
seassentam
asnovas
relações entreEstado
e sociedadena
realidade contemporânea,que
apontam
parao
retomo
àrefilantropização das ações sociais, pautada
no
ideárioda
solidariedade ede
participação localizadas. Essa
nova
lógica é facilmente incorporada pelossegmentos
sociaispenneados
poruma
visãodo
sensocomum
da
realidade.De
acordo
com
o
pensamento de Gramsci apud
Simionatto (1995, p. 79):“é no terreno do senso
comum
que as classes subaltemas incorporam as ideologiasdominantes cuja pretensa verdade se impõe às classes subaltemas
como
única,como
superstição [...] o senso
comum
é explorado é utilizado pelas classes dominantes para29
cristalizar a passividade popular, bloquear a autonomia histórica que poderia resultar,
para as massas, no acesso a
uma
filosofia superior”. 'Nesse
sentido anoção de comunidade, compreendida
pelo sensocomum
com
aspiraçãodo
idealda
fraternidade e solidariedadenuma
sociedadeconflituosa
e excludente, é utilizada pelas classes privilegiadas para aimplementação de
políticasque visam
a diminuição das funçõesdo
Estado.Sob
essa ótica a participação
da
comunidade
éconclamada
para ser protagonistana
solução das carências sociais e,
em
contrapaitida, isentao Estado
da
suaresponsabilidade.
Pode-se
dizerque
no
bojoda comunidade,
encontram-se lirnites epossibilidades
no que
se refere à ampliaçãoda democracia na
sociedadebrasileira,
uma
vezque
os processos sociaisnão acontecem
a partirdo
indivíduoisolado,
mas
deste inseridono
contexto das múltiplas relaçõesda
infra-estruturae
da
superestrutura, “da atividadede produção
ede
cultura,do
particulareconômico
edo
universal político” (Simionatto, 1995, p. 46).Assim,
“manter a unidade da comunidade participativa, toma-se
uma
tarefa imperiosa pararesistir às investidas das ações do poder público [...] a tendência é a humanização das
relações sociais não pela diminuição da exploração da força de trabalho, mas pela
melhoria das condições mínimas de sobrevivência...” (Gonh, 1990, p. 125).
Nessa
óticacompreendemos
que
aformação
eavanço da
cultura políticacomportamentos que perpassam
a experiência coletiva dos indivíduos egrupos
. z
soc1a1s.
Em
relação aos entrevistados dos gruposdo
Morro
do
Horácio, anoção de
participação e
comunidade
indica ainda, a existênciade
uma
cultura política“paroquial”, localizada,
mas
que
aponta claramente, para possibilidadesde
mudanças
a partirde
um
efetivo trabalho junto aosmesmos,
que
sejacapaz de
bloquear a crise
de
mobilizaçãoque vivemos
hoje,que não
vem
ocorrendo
sójunto aos
movimentos
populares mas,também,
atinge asdemais formas
2
A
CULTURA
DA
POLÍTICA
E
PARTICIPAÇÃO
No
dicionário Aurélio (1997, p. 373)o termo
política édefinido
como
“a ciência dosfenômenos
relativos ao Estado; arte debem
governar;o
trato dasrelações
humanas”.
Podemos
perceber assim, a sua vinculaçãocom
o
interessepúblico,
que
corresponde auma
intrínseca relaçãodo
públicocom
o
privado,voltada à organização
da
sociedade.No
entanto, écomum
ouvirmos
pessoasfalando
que não gostam de
política,que
a desprezam, e/oumesmo
que
de
política
não entendem
quase nada.Pode-se dizer então,
que na
sociedade brasileira, ao contráriodo
seusignificado etimológico, a política converteu-se
em
arena de interessesparticulares, favorecendo os interesses
de
seus “legítimos” representantes_
ospolíticos.
Encontramos na
história políticada
sociedade brasileira respostas aosequívocos
e tabus relacionados à política, que, aolongo
do
tempo, foitomada
como
“propriedade” dos representas públicos, os quais atransformaram na
“artede enganar
opovo”
-
como
é reconhecida pelo sensocomum,
talcomo
aparecenos depoimentos:
quando penso
em
política sóvem
coisa ruim na minha cabeça, os políticos estao desacreditados. Pelo o que eu conheço de política só vejo o lado ruim, obom
eu não“... política para mim, francamente é
uma
tropa de comiptos, porque todomundo
hojeem
dia, não só os políticos, todomundo
, ninguém pensa no próximo, no outro, só pensaem
si próprio.A
pessoa pensa às vezes: voume
candidatar a vereador.Mas
ele épressionado pelos outros [...] não adianta, o pensamento antes de entrar de não ser
corrupto, ele entra lá e se toma corrupto. Porque hoje
em
dia o Brasil está totalmenteperdido sobre isso.
Quem
entra lá é para se beneficiar...” (A. G.).Nesse
sentidoRezende
(1992, p. 54) assinala que, “se existeuma
unanimidade
nacional, é quanto ao descontentamento edecepção
dos brasileirosà sua classe política”, pois, “da política se espera condução, proteção,
responsabilidade e códigos interpretativos. Esses elementos
confonnam
asdemandas
de
um
bom
governo
com
os quais os cidadãosavaliam
o
fazerpolítica” (Lechner, 1994, p. 20).
De
um
modo
geral, as discussõesem
tomo
de
política focalizam-senos
políticos, os quais são vistos
como
corruptos, que, ao contrário de representar osinteresses
da
população,tomam
opoder
que
lhes é delegado para sebeneficiar
em
açõesque
vêm
ao encontro dos seus interesses individuais.Por
conseguinte,não há
por parteda população
a identificaçãode
diferentes projetos políticos partidários, representados
em
diferentes siglas partidárias.Em
virtude disso, Pinto (1994, p. 100)afirma
que:“os partidos políticos são vistos, na sua grande maioria,
como
fisiológicos atrelados aoEstado
em
suas diferentes instâncias e sem umaprogramática clara. Tais característicasseriam,
em
grande parte, definidoras do cidadão brasileiroem
sua relação aocampo
33
Em
decorrência, tem-seque
os eleitoresacabam
por votar nas pessoaspor
crédito pessoal e
não
em
seusprogramas
e projetos políticos de sociedade,afirmando
assim, a culturado
personalismo político,que
tem
por
base osvalores pessoais
do
candidatoou
mesmo
suaimagem
pública .Dessa
fonna
é desconsiderada aorigem de
classedo
candidato, osinteresses por ele defendidos, sua identificação ideológica, o projeto
de
sociedade
que
defende,o conteúdo de
seusprogramas de
govemo
e seu partidopolítico.
Como
conseqüência,temos
a própria distorção quanto a realfunção
que deve
ter a representatividade pública, contribuindo para amanutenção
de
práticas
de
trocade
favores pessoais,de
compra
de
votos dede
políticosque
fazem
com
que
os deveres públicos, própriosde
sua função pública, setransformem
em
atitudes de generosidade ebondade
política, frente àsdemandas
dossegmentos da
sociedade civilmais
excluídos.Nesse
patamar, estabelecem-se relaçõesde
clientelismo ede
patemalismo
entre
governo
e setores populares.Como
verifica-seno
depoimento:“... se eles não fizerem isso para eles é mau, a gente sabe, não conta ponto.
E
eles vãoprecisar.
É
como
se fosseum
aval para mais tarde eles daremum
passo a frente.Acho
que não é aquela coisa de doação, é
um
passo a mais a favor deles. Claro que a genteacaba sendo ajudado, favorecido...” (N. C).
Assim
os direitos de cidadania,perdem
seupoder de
transfonnação, poissão utilizados
como
barganha
política-partidária, concretizando-seem
mais
uma
Em
vista disso, as instituições públicastomam-se mecanismo
de
favorecimento pessoal e arena
de
obtençãode
vantagens eleitoreirasem
favordos seus administradores.
Ademais,
tais atitudes muitas vezes, são legitimadaspelas organizações comunitárias,
que
atépercebem
o
“jogo político” mas,em
contrapartida, são favorecidas
por
ele àmedida
que
têm alguma
de
suas ~reivindicaçoes atendidas.
A
faltade
vontade políticados
govemantes
e descasodestes frente às
demandas
da
comunidade
etambém
em
virtudeda
própriaburocracia reinante
no
aparelho estatal,que
em
muito
dificultao
acessoda
população
junto aos órgãos públicos, coloca-secomo
entrave àmudança
dessaconcepção.
Como
revelaum
dos entrevistados:“... esse negócio de vir na comunidade só acontece por acaso. Porque D. Angela
Amim
está de olho nas eleições do ano que vem, que o Esperidião
Amim
com
certeza vai sercandidato a governador. Então está arrumando o terreno.
Mas
nunca veio ninguém aquina comunidade oferecer nada, pelo contrário, a gente ficava plantado nos órgãos
públicos [...] então quer dizer, nunca veio até aqui oferecer, ao contrário, sempre foi
muito difícil, porque primeiro vai lá e marca a audiência, quando consegue marcar, eles
desmarcam
em
cima da hora, muitas vezes eles não recebem, não marcam...” (D. S.).Pode-se
dizerque
esse relatonão
seconfigura
numa
constatação isoladano
contexto
da
política brasileira,mas
sim,como
partedo
cenário políticodo
país,em
que
finnou-se a culturada
submissão,da
verticalidade entregovemantes
egovemados. Ainda
émuito
presenteo
distanciamento entregoverno
e sociedadecivil,
numa
arenaque
váriosmecanismos
são utilizadoscomo
instrumentosde
manutenção
da
ordem
vigente,na
qual, historicamente a políticatem
sido35
~
vocaçao de
alguns indivíduos considerados aptos a exercê-la.Em
contrapartida,cabe aos outros participarem
do
cenário político,enquanto
atores coadjuvantes,consolidando-se a
concepção da
políticacomo
algo exterior à vida cotidiana,relacionada apenas à sua
dimensão
político- partidária.Como
revelouum
dos
entrevistados:
“... política é quando tem eleições para vereador, prefeito...” (I. P. M.).
Em
vista disso, a própria participação dosmoradores na comunidade,
em
alguns casos,
acaba sendo compreendida
como
algoque não
tem
relaçãocom
aprática política.
Como
podemos
verificarno
relatode
um
outro morador:“... minha participação na comunidade não é participação política, isso eu faço porque gosto, por amizade, tem meus amigos.
A
maior parte se nao é parente é amigo meu. Então eu vou porque gosto, pois, nunca passou pela minha cabeça ser políticoum
dia...”(A. G.). _
No
âmago
dessa questão coloca-se que, ao invés dehaver
“uma
aproximação
entreo
Estado e a sociedade civil para catalisar as basesda
construção democrática, nota-se
o
distanciamento entreambos”
(Boquero,1994, p. 26).
Nesse
aspecto, a própria participação das pessoas nosgrupos da
comunidade, acaba
por ser vistacomo
um
ato apolítico,fundamentado na busca
moradores
da comunidade.
Tal posição indica a idéiade
participação vinculada~
à
noçao
decomunidade,
que
nos referimosno
item anterior.Por
outro lado, outrosdepoimentos
revelaramuma
visãomais
ampla
da
política:
“... eu acredito que todo o gesto nosso é política, a gente está fazendo política, toda
atividade já nos leva a fazer
uma
política. Quando eu estou nesse grupo, eu quero queeste grupo cresça, que tenha muitos membros, eu
com
aquelemeu
jeitinho: vamos participar domeu
grupo é tãobom
[...] éuma
política, fazeruma
política para ter genteno
meu
grupo. Então eu acho que política é tudo isso: é tentar te convencercom
meusargumentos. Porque a gente faz política mais no sentido de construir, mas tem política
dos dois lados: a justa e a injusta
-
a politicagem...” (C. C.).política para
mim
é referente a governo, juntocom
o povo e as regras, maisexatamente o sistema político. Política eu acho que é
uma
organização ou a comunidadejunto
com
a diretoria da Associação de Moradores, as regras feitas dentro dacomunidade, a maneira de trabalhar, a maneira de reivindicar. Até o próprio processo de
escolha da diretoria, isso aí é política, queira ou não queira. Nós vivemos política dentro
da nossa casa, dependemos da política para tudo.
O
nosso salário, a saúde, a educação,tudo depende da política...” (D. S).
onde tem discussão, essas coisas, eu já entendo que tem política.
Não
só aquelacoisa: é prefeito é político, é governador é político. Tudo é
uma
política porque temgrupo, é preciso ter discussão...” (A. N. S).
eu acho que nós somos todos leigos
em
política, e se todohomem
entendesse apolítica, o Brasil não era essa coisa que é hoje [...] para
mim
política é aquela pessoaque trabalha não pelo poder, pelo dinheiro, pela posse, mas aquela pessoa que trabalha
no sentido de ajudar, porque tem condições de fazer alguma coisa para ajudar alguém, o
país, ou o Estado. Nossos políticos hoje
em
dia, o que eles pensam é ganhar dinheiro eoque está embaixo que fique embaixo, eles não fazem mais nada para mudar isso...”
37
Nesses
depoimentos, a idéiade
política relaciona-se à questãoda
democracia, à construção social daquilo
que
sepode
definircomo
exercício esocialização
do
poder.A
política é, assim, captadaem
seu sentidomais
ampla
ese expressa
desde
às práticas mais cotidianas até à questõesdo
país, indicandoum
outromodo
de
compreender o
campo
da
política.Partindo
do
pressupostoque
a participaçãoda
sociedade civil, suasfragilidades e possibilidades estão vinculadas a
um
conjunto de fatoresque
compõem
a estrutura social, política,econômica
e cultural, aconcebemos
como
uma
categoria contraditória e ambígua,sem
a qualnão
podemos
avançar na
construção
da
cidadania.Confonne
Benevides
(1994, p. 12):“histórica e etmologicamente, cidadania é
uma
palavra quevem
de cidade, sendo estacompreendida no sentido clássico da sociedade política (cívicas para os antigos
romanos, ou polis , para os gregos antigos) na qual os cidadãos, ou seja, os
membros
livres daquela cidade, se articulavam e participavam da vida pública, visando o interesse coletivo”.
A
noção de
cidadania e cidadão nas sociedades antigas, relacionavam-senecessariamente, à participação
na
vida pública,sendo
entendidacomo
o espaço
público onde,
de
maneira
coletiva, as decisõeseram
tomadas
atravésda
participação direta dos cidadãos,
sem
amediação de
representantes.Já,
no
pensamento
liberal, a idéiade
cidadania trazem
sio
genne
da
igualdade, esta concebida
enquanto
igualdade jurídica,ou
seja, acesso àsoportunidades garantidas pela sociedade política.
A
cidadania adquiriu aquium
conteúdo
formal e legal, “decorrente deum
vínculocom
o Estado,o que
39
Nas
palavrasde
Comparato
(1993, p. 89)podemos
teruma
visãomais
clara
da
diferenciaçãoda
cidadania liberaldo
séculoXVII
com
a cidadania dassociedades antigas:
“o valor básico da cidadania
modema
- a liberdade - adquiriuum
sentido muito diversodaquele vigente no
mundo
antigo [...] na civilização grego-romana só se consideravamlivres os homens que participavam na gestão da coisa pública [...] mas esses cidadãos,
soberanos na esfera pública, eram súditos obedientes da coletividade
em
sua vidaprivada.
No
mundo modemo,
ao contrário, a liberdade consiste nãoem
participar dagestão da coisa pública, mas não ser molestado abusivamente pelo Estado na vida
pública”.
Portanto,
na
visão liberal,o
princípioda
cidadania abrange exclusivamentea cidadania civil e política e
o
seu exercício resideexclusivamenteno
voto.Dessa
fonna, ocorreuma
formalizaçãoda
igualdade de direitos entre osindivíduos garantida por
meio
da
igualdade jurídica e a conquistado
sufrágiouniversal,
que
contribuem,na
sociedade capitalista, à naturalizaçãoda
desigualdade, das contradições e conflitos sociais emergentes
da
lutade
classe.Em
vista disso, a cidadania coloca-seacima do patamar da
desigualdade geradapela relação capital trabalho, disserninando, consequentemente, a idéia
de
que,ser cidadão apenas corresponde à
noção
fonnalde
direitos legais prescritosem
lei.
Contudo,
em
um
paíscomo
o
Brasil,marcado
pela desigualdade social, pelaacumulação
de renda, pela discriminação das minorias, a igualdade liberal sóserve para escamotear a realidade e
tomar
os indivíduos sociaisem
pacatos~
Sob
este prisma,sabemos que
faltamuito
para a concretizaçaoda
cidadania
num
paíscomo
o Brasil que,mesmo
dispondo
deuma
ConstituiçãoCidadã, esta é incompatível
com
a realidade vigente,em
que o agravamento
dasdesigualdades econômicas, a fome, a miséria e a concentração
de renda
sãovisíveis
fenômenos no
nosso cotidiano.Contudo, não
estamos questionando os direitos sociaisfonnalmente
reconhecidos, afinal, acreditamos
que
esses são resultadosde
longas lutastravadas pelos
movimentos
sociaisna busca
poruma
melhor
qualidadede
vida.Defendemos,
sim,uma
nova
cidadania,que
“não se limite, portanto, à conquistas legais ou o acesso a direitos previamente
definidos, ou à implementação efetiva de direitos abstratos e formais, e inclua
fortemente a invenção/criação de novos direitos .que emergem de lutas específicas e de
sua prática concreta” (Dagnino, 1994, p. 108).
Enfim,
uma
cidadaniaque
tenhacomo
pressuposto a socializaçãoda renda
~ ~
e
do
poder
político e a participaçao qualitativa dos cidadaos.Pode-se
dizerque
, atualmente, estána
ordem
do
dia falarem
cidadania,tanto
que
essa expressão está presenteno
cenário político, apropriada dasmais
~
diferentes formas,
demostrando
sua importânciana
construçaode
uma
sociedade
mais
humana
e justa.Contudo Dagnino
(1994, p. 104) apontaque
“asapropriações e a crescente banalização desse
termo não
sóabrigam
diferentesprojetos
no
interiorda
sociedade,mas também
tentativasde esvaziamento
do
41
De
acordo
com
as palavrasda
autora,pensamos
que,no
contexto das~
transfonnaçoes
que
vem
passando
a sociedade capitalistacontemporânea,
tanto~
em
nível político,econômico,
social e cultural a questaoda
cidadania trazno
seu bojo ambigüidades, as quais
expressam
a “disputa histórica pelafixação
de
seu significado” (Dagnino, 1994, p. 103),
no
confrontode
classes.Nesse
sentido, a categoria cidadania se faz presente nas diferentes
concepções
ideológicas,
sendo
apropriada eevocada
tanto pela direitacomo
pela esquerdapolítica.
Nesse
sentidoDagnino
(1994, p. 104-107) apontaque
“a conseqüência dessa perspectiva é a necessidade de distinguir a nova cidadania dos
anos 90 da visão liberal que, tendo gerado esse termo nos fins do século XVII
como
resposta do Estado às reivindicações da sociedade, acabou por essencializar a noção de
cidadania. Essa °essência', de cunho liberal, continua vigente até hoje”.
Conforme
assinala a autora,sabemos que
a cultura política brasileiradorninada pelo
pensamento
conservador encarregou-se de disseminar econsolidar a “essência” liberal
de
cidadaniano
“imaginário coletivo”da
população
brasileira.Ademais,
a cidadania coloca-sena
sociedade brasileiracomo
um
processo fragmentado,pouco
presentena
história políticado
país,em
que
os direitos políticosforam
caçadoscom
a ditadura militar e a conquistade
direitos sociais vinculou-se à relação de
emprego. Assim,
tivemos a“incorporação parcial e seletiva de determinados segmentos sociais, especialmente os
nos processos decisórios quanto à apropriação da riqueza nacional.,Essa incorporação
seletiva baseava-se, então, no -critério da estratificação ocupacional, que mantinha os
direitos do indivíduo vinculados ao lugar que o indivíduo ocupava no processo
produtivo, através de dispositivos
como
a posse da carteira de trabalho assinadaenquanto passaporte imprescindível à obtenção de direitos sociais...” (Paiva, 1993, p.
125).
Processo este,
que
Santos (1987, p. 68) descrevecomo
o
conceitode
cidadania regulada “cujas raízes, encontram-se,
não
num
códigode
valores~
políticos,
mas
em
um
sistemade
estratificaçao ocupacional, eque
ademais, talsistema
de
estratificação édefinido
pornonnas
legais [...] são cidadãos todosaqueles
membros
reconhecidos e definidos por lei”.~ ~ .-.z
Assim
tomam-se
pré- cidadaos osque
nao
tem
suaocupaçao
reconhecidalegalmente.
Nesse
sentido, Trindade -(1994, p. 51) assinalaque
“esse tiposingular
de
cidadania subordinada àprofissão
legal nasceuda
políticaeconôrnica-social
do
varguismo, restringindo os direitosdo
cidadãoao
lugarque
ocupa no
processo produtivo”.~
Em
vista disso,temos
que
a trajetóriada
constituiçaoda
ordem
burguesa
no
Brasil, assinalao
reconhecimento parcialdo
princípioda
cidadania pelasclasses
dominantes
e pelo Estado. Portanto,o
processo históricoem
nosso
país,“subverte a
ordem
cronológica de conquistade
direitos, talcomo
édefinída por
Marschal”
(Paiva, 1993, p. 124).Vale
ressaltar, contudo,que
com
o processode
abertura democrática,que
culminou na promulgação da
Constituição Federalde
1988,o
país teveum
43
passa a ser reconhecida
como
um
direito universal etambém
a assistência,que
~
desde
entao, passa a fazer partedo
tripéda
seguridade social (saúde,previdência e assistência),
sendo
reconhecidacomo
política públicanão
contributiva,
ou
seja,como
deverdo
Estado e direitodo
cidadão. 9~
Em
vista disso,temos
uma
ampliaçaoda
cidadania, aindaque
reconheçamos que
sejade
forma
legal, pois,mesmo
com
a garantia destesdireitos
na
Constituição, sabe-sedo agravamento
das questões sociaisna
~
sociedade brasileira, principalmente
na
áreada
saúde eda
educaçao,que
revelam
a ineficiênciagovemamental
frente à problemática. Portanto,muito
falta à consolidação
da plena
cidadanianum
paíscomo
o
nosso,de
uma
cidadania
que
ultrapasseo
direito de votar, eque
representeum
processode
~
incorporaçao das
demandas
sociais,conforme
apareceem
algunsdos
depoimentos
dosmoradores
entrevistadosdo
Morro
do
Horácio:cidadania é gozar do direito de participar, de usar as coisas do Estado, de participar
da política, dos direitos civis, políticos e sociais, de ter saúde, educação, ter todas as
coisas que existem no país para serem usadas pelo cidadão...” (D. S.).
“... penso que ser cidadão não é só votar, é eu ter o
meu
espaço, trabalho, empregogarantido. Cidadania é ter direitos na sociedade, que eu possa ficar doente, procurar a
saúde e ser atendida [...] a cidadania no Brasil está muito pobre, porque não tem saúde,
educação e lazer. Falando da nossa comunidade, nós não temos nenhuma área de lazer
para as nossas crianças. Então que cidadão, que futuros cidadãos serão esses? [...] no
sentido de questionar, porque tem que existir o questionamento para a gente crescer.
Porque se tu não questionar, tu diz
amém
para tudo, então está tudo bom, não precisa mudar...” (C. C.)Os
depoimentos
referem-se anoção
de cidadania vinculada à idéiado
público,enquanto
um
conjuntode
direitosque
devem
ser assegurados peloEstado, sugerindo importantes elementos à
reflexão
da
cidadaniaque
defendemos.
Ultrapassam a visão liberalda
mesma,
tratando-anuma
outradimensão, que
reconheceo
serhumano
em
sua totalidade, construído a partirde
~
sua existência histórica, aludindo assim, à visao
de
que
ter cidadania implicano
direito à liberdade,
no
direito de participarda
vida política,de
ter trabalho econdições
de
uma
vida digna a todos os indivíduos.Nesse
sentido,de acordo
com
Benevides
(1994, p. 14-15),“as classes privilegiadas não tem
medo
da cidadania quando ela está restrita aos direitos'
do cidadão eleitor.
Temem
apenas a cidadania- democrática, a cidadania ativa.Há
um
grande salto qualitativo entre o cidadão meramente eleitor, contribuinte e obediente, e o
cidadão que exige a igualdade através da participação, da criação de novos direitos,
novos espaços [...] podemos defender a cidadania ativa no contexto da democratização
do Estado e da sociedade.
O
conceito de cidadania nao precisa necessariamente serestringir àquela visão juridicamente correta e politicamente consistente”.
Outros depoimentos revelam
que:eu acho que cidadania é usufruir dos seus direitos, no Estado, no país, é o direito que
cada
um
tem de escolher para si e para comunidade...” (N. C.).“... o cidadão tem direito e dever e já 'que tu tem dever, tem o dever de participar, de
ajudar na comunidade.
Eu
acho que tem muita gente que só quer saber de cobrar,mas
esquecem
um
pouco dos deveres, porque eu acho que cidadania tem a vercom
participar, exercer sua cidadania...” (A. N. S.).
45
eu acho que é a liberdade de
uma
pessoa , ou do próprio Estado, cidadãocom
seusdireitos e
com
suas obrigações...” (N. C.).Essas
noções de
cidadania,embora
multifacetadas, oraapontando
parao
alargamento dos direitos sociais, ora se restringindo aos limites comunitários,
revela
que
o seuconteúdo
se coloca paraalém da
garantia de direitos civis epolíticos e portanto,
da ampliação da
cidadania.Não
se evidencia contudo,que
cidadania implica,
também,
na
participação e fiscalização das políticas públicas,~
do
controle socialda populaçao no
encaminhamento
da
coisa pública ena
efetiva concretização política
dos
direitos sociais apontados.Mas,
pareceque
não
é forçoso admitir que,embora
os entrevistadosindiquem
em
seus~ ~
depoimentos
a idéiade
inclusao, as suas representaçoesfundamentadas
nasexperiências,
na
suafonna
organizativa, nas suas visõesde
realidade que, aindanão
inclui a cidadaniacomo
luta política ecomo
construção democráticamais
ampla, este é
um
processo construídono
movimento
da
prática política eque
exige a intervenção
com
outros sujeitos sociaisque
Gramsci
denomina
de
“intelectuais orgânicos”.
Dentro
deste contexto é importante lembrarque
pensar a cidadaniana
sua~
concepçao mais
modema,
conforme
indica CarlosNelson Coutinho
(1997)significa pensá-la
em
suaprofunda
articulaçãocom
a democracia.Entendemos
que
a construçãode
um
Estado- Democrático' pressupõe pensaruma
nova
liberal,
ou
seja, possa ser definida“como
a presença efetiva dascondições
sociais e institucionais
que
possibilitem ao conjunto dos cidadãos a participaçãoativa nas forças
do
govemo
e,em
conseqüência,no
controleda
vida social”(Coutinho, p. 141).
No
entanto, ademocracia
nem
sempre
assim é entendida, principalmentena
realidade brasileira que, devido às suas peculiaridades históricas,impediram
o
crescimento de idéias e práticas democráticas.Dessa
fonna,na
maioria dasvezes a
noção de democracia
se restringe à institucionalização jurídica-formalde
eleições,de
liberdade de votar, corrformedemostram
os depoimentos:“... democracia é a gente ter mais liberdade de conversar, porque fora da democracia a
gente é obrigada e dentro dela a gente é livre. Por exemplo: a gente conversa
com
quem
quer ou trabalha
com
quem
quer.Sem
democracia o Estado vai dizer: você tem quefazer isso, fazer aquilo...” (J. M).
“... é onde todos
podem
ter osmesmos
direitos, chegar e poder falar, expor ossentimentos, ou dizer sem
medo
deuma
represá1ia...” (M. S. M.).quando eu posso colocar minhas idéias, que tenho o direito ao voto, de escolher para
quem
eu quero votar...” (C. C.).é onde todos tem o direito d falar, no caso do voto, todos tem direito.
Eu
acho quenão é
um
poder absoluto...” (A. N. S.).democracia é a .pessoa ter mais expressão de fala, de jogar para fora o que pensa,
porque antigamente isso não podia, a ditadura não deixava, hoje