Umretratodaidentidade
masculinabrasileira
nocomercialWilson
AsdrúbalBorgesFormigaSobrinho
1RESUMO
Estetrabalhopropõe-seaanalisar,pormeiodasemióticadacul-turaedequestõesrelacionadasaestudosdegêneroeidentidade, umpersonagemdapropaganda,comosignocapazderepresen-tarmarcas,valoresegrupossociais.Comomediadordodiálogo entreeleseoanunciante,opersonagemeoconjuntodesignos correlatosfacilitamafixaçãodamensagemnoimaginárioede-terminamoefeitopersuasivodapropaganda.
Palavras-chave: Personagem; propaganda; carência; dicotomia; identidade.
ABSTRACT
Thisarticleintendstoanalyse,withtheapproachofculturalsemio-ticsandquestionsrelatedtogenderandidentitystudies,acharacter ofanadvertisement,asasigncapableofrepresentingtrademarks, valuesandsocialgroups.Asmediatorofthedialogueamongthem andtheadvertiser,thecharacterandthegroupofsignscorrelate makeeasiertofixthemessageinthepublicmindanddeterminethe persuasiveeffectoftheadvertisement.
Keywords:Character;advertisement;lack;dichotomy;identity.
1
Introdução
Quando o personagem caracteriza-se como “condutor da ação”(Brait1999:49),podeternascidodeumdesejo,deuma necessidadeoudeumacarência.Masdequemseriaacarência: danarrativa,doanunciante,dospúblicos?Poroutrolado,deque seriaacarência:deproduto,deaceitação–oureconhecimento –social,deentretenimento?
Pretendemosanalisarcomoéconstruídaeempregadaafi-guradopersonagem,napropaganda,pararespondermosaessas perguntasebuscarmosesclareceraimportânciadeleedeou-trossignoscomponentesdareferidamensagem,naconstrução, reproduçãoouconsolidaçãodevaloressociais.Nossaprincipal fundamentaçãoéasemióticadacultura,devertenterussa.
ParaMachado(2003:47),“asemióticapodeserdefinidaco-mociênciadossistemasdesignostransmissoresdeinformações”, ouseja,comociênciavoltadaparaestudosdelinguagens.Estas, porsuavez,compõemumsistemamaisamploecomplexo:acul- tura,que“pressupõesistemasdesignoscujaorganizaçãorepro-duz comportamentos distintos daqueles considerados naturais, que são, assim, culturalizados por algum tipo de codificação” (Machado2003:39).Oprocessodeculturalizaçãooucodifica-çãoéquedáorigemaotexto,compreendidocomo“mecanismo elementarqueconjugasistemase,comisso,confereunidadepe- latransformaçãodaexperiênciaemcultura,comoconceitofun-damentaldamodernasemiótica”(Machado2003:168).
Escolhemos como objeto de análise o comercial Wilson2,
integrante da campanha institucionalNonsense, criada para a
fabricantedecelularesNokiaeveiculada,em2003,emcanais comoredeGlobo;MTV;eemalgunsoutrosdaTVpaga.
Noenredo,umjovemsaidecasa(somdeportafechando,se-guidoporumsolodepianoquepermaneceatéofinal),andando decostas,eassimcaminhanarua.Umbebêengatinhaparatrás,
2WILSON. CriaçãodeMarco Versolato,Bráulio Kubawara,André LaurentinoeFábio Abran.Direçãode criaçãodeJaques LewkowicseMarco Versolato.São Paulo:Zeppelin Filmes,2003. 1videocassete (1min.),VHS, son.,color.
diantedasurpresadamãe.Naacademia,omesmojovempratica esteiraergométricanosentidocontrárioecausaestranhamento numamulher.Narua,cruzaafaixadepedestrese,aochegar numacalçada,decostas,bateacabeçaemumtoldo(somda pancada)eénotadoporumagarota.Passeiacomumcachorro, puxando-oparatrás.Saipelaportagiratóriadeumprédioeé vistoporumsenhor,quetambémsesurpreende.Deumapas-sarela,contemplaaavenidaesai,andandoparatrás,atéchegar emfrenteàvitrinedeumarevendedoraNokia.Eleseespantae dáumpassoadianteparaveronovoaparelho.Aoperceberoque fez,olhaparaosladosepassaamãonacabeça,embaraçado.
Noquadrodeassinatura,umamão,comonomedamarcae oslogantatuados,retira-sedafrentedonovoaparelho.Alocução queacompanhaasimagenséaseguinte:
Wilsonandaparatrás.Desde1978,Wilsonandaparatrás.Sim, issotrazproblemasaoWilson.Mesmoassim,elejuraquenunca deuumpassoparafrente.[Trilhasonoraéinterrompidaelogo
retorna.]OK,Wilson,issoficaentrenós.Nokia2280.Falapor
A análise parte do mapeamento de: carências apresentadas peloconjuntodamensagem,incluindooprocessodeelaboração ouleitura;associaçõespossíveiscomacaracterísticacentraldo signopersonagem;dicotomiasapresentadasnoenredoenoesta- belecimentoderelaçõesentreeleeelementosdocontextoexter-no.Portanto,trata-sedaanálisesemióticadeumamensagemde propaganda,textoquetransformaoutrostextosouelementosdo cotidiano–pessoas,cenários,sonsetc.–emficção.Nossoponto dereferênciaparabuscarmoscompreenderasrepresentaçõesdo cotidianonoenredoéopersonagem.
2
Fazendogêneros
NocomercialWilson,aoapresentarojovemcomoalguém queandaparatrásenarrarcenasquemostramoestranhamento causadoporele,naruaeemambientescoletivos,olocutorjásu-gereotipodesujeitorepresentado.Sugeretambém,juntocoma seqüênciadeimagensvisuais,umsignosupostamenteconstruí-do“aoredordeumaúnicaidéiaouqualidade”(Brait1999:41)e caracterizadocomopersonagemplana.Aconstruçãoécomum empropaganda,principalmenteemrazãodabrevidadeedaob-jetividadeinerentesàmensageme,muitasvezes,determinantes desuaeficácia.
Masnãoéapenasempropagandaqueserepresentampes-soasdessamaneira.Alinguagememquestãoreproduzpráticas sociais,emboranãoselimiteaessapráticanemtampoucodeva comporumargumentoparalivrarosagentesdapropagandada responsabilidadepelaformacomoretratampessoas.Teriameles como manter a eficácia da mensagem, apresentando persona- gensnãocommúltiplascaracterísticas–aparentementeinvia-bilizadaspelaprópriaestruturadalinguagem,bemcomopelas formasdetransmissãoerecepçãodela–,mascomcaracterísticas quesurpreendessemospúblicos?
Vamoscomeçararesponderàperguntaabordandoquestões referentesàsidentidades.SegundoHall(1992:07),
Aassimchamada“crisedeidentidade”évistacomopartedeum processomaisamplodemudança,queestádeslocandoasestru-turaseprocessoscentraisdassociedadesmodernaseabalandoos quadrosdereferênciaquedavamaosindivíduosumaancoragem estávelnomundosocial.
Oautorconsideratambémafragmentaçãodasmatrizesiden-titárias–gênero,classesocial,raça,etniaenacionalidade–como reflexodemudançasocorridasnaprópriasociedadeerefletidas noindivíduo,ouvice-versa.Mesmoassim,nestetexto,daremos atençãoaumadasmatrizesdaidentidadedosujeitoeaumdes- locamentoocorridonela,verificávelnocotidianoenarepresen-taçãodopersonagemnoenredodapropagandaanalisada.
Porumlado,seatémesmoapercepçãodepessoas,muitas vezes,reduzaidentidadedeoutrasaumaúnicacaracterística ouaumnúmerolimitadodequalidades–profissão,idade,sexu- alidadeetc.–,comoquererquearepresentaçãodelas,napropa-ganda,sejadiferente?Oriscodemudançasestariarelacionado àchancedeospúblicosnãoreconheceremoenterepresentado, oumesmodenelenãosereconhecerem,ouseja,denãohaver identificaçãocomamensagem.
Deoutraperspectiva,sealinguagemdapropagandaconsti-tuiumdosespaçosmaisacessíveisparaconsumodecriatividade,
asurpresaasercausadanoespectadorpodeestarjustamentena maneiradefazê-loperceber-se,ouperceberosdemais,nafigura dospersonagens.Trata-sedeumapossibilidade,eventualmente, tolhidaporprazosreduzidosepelodesejodegerarresultadosem curtoprazo,associadoafatorescomoomedodeanunciantese agênciasarriscaremnummomentotãodelicadodaeconomia;e àformacomosãointerpretadosdadosdepesquisasdemercado,
daspossibilidadescriativas–,ondeépossívelbuscaralternativas diversas.
Oespaçoparacriatividade,porsuavez,nãoéumprivilégio dotextodapropaganda,massimcaracterísticodostextoscultu-raisemgeral,pois:
Doconceitosemióticodetextonãoseeliminaaseqüênciade signos,pelocontrário,omodernosistemaaudiovisualdacultura opera com essa potencialidade dos textos contínuos orientados para o receptor. A cultura como texto implica a existência de uma memória coletiva que não apenas armazena informações comotambémfuncionacomoumprogramageradordenovos textos,garantindoassimacontinuidade(Machado2003:54).
Aorientaçãoparaoreceptor,que,principalmentenoâmbito persuasivo, caracteriza a função conativa da linguagem (Cha-lhub2001:22-25),éinerenteàmensagemdepropaganda.Esta deve refletir um acompanhamento das mudanças vividas pelo espectador,pararepresentá-loadequadamenteeinfluenciarpar-tedeseucomportamento.
OexemplodeWilsonapresentaumacontradiçãorecorren-teempersonagensplanas,poissuasupostacaracterísticaúnica –andar para trás – pode ser analisada somente em relação a outras,internaseexternasàmensagem.Acorrelaçãoreproduza constituiçãodaidentidadedeumsujeitoougruporepresentado pelopersonagem,bemcomodosdemaisatoressociaisquecom
osujeito,grupoepersonagemrelacionam-se–eisarazãodeem-pregarmospúblicos,emvezdepúblico
,paratratardarepresenta-ção;eespectador,emvezdeespectadores,paratratardarecepção.
Sendoassim,aidentidadeéconstruídacombaseemrelações entresignos,emboraumaqualidadepossasermaisdeterminan-tequeoutraparaserepresentarouperceberumaidentidade.
Oserficcionaléapresentadocomoumestranho,queanda
paratrás,oquenospermiteanalisar:talcaracterísticacomo fundamental na construção de sua masculinidade; o gênero
como uma das principais matrizes da identidade do sujeito; oshábitosdeconsumo–materiaisesimbólicos–comocom-ponentes de uma das principais matrizes do gênero; e a re-produção de modelos de construção de identidade e gênero vigentesemnossasociedade,naconstruçãodepersonagensda propaganda.
Portanto,oquevemoscomolinguagemresultatambémde relaçõeseconstruçõessociais.Ascaracterísticasinerentesasujei- tosegrupossãocódigosprimários(Machado2003:39)–senatu-rais–quesetornam“secundários”(Machado2003:109)quando
culturalizadospelotextodapropaganda,jáque,nosenredosou
naanálise,podemapresentartambémsignificadosdiferentesdos primários,pararepresentaroespectadoroualgumasituaçãoco-tidianaassociadaaumamarcaouproduto.
PodemosobservaraindaaspectosdaaparênciadeWilson.Ele temocabelodespenteado.SegundoDaMatta(1997:34),“cabe-lossoltos,despenteadosegrandesindicamdescasopelasnormas sociais,sendoamarcaregistradadosrebeldesoudosquesesi-tuammarginalecriticamenteemrelaçãoaosistema”.Embora oautortenhasereferidoavaloresvigentesemdécadaspassadas, muitosaindaestãopresentesemnossoimaginário,tantoquefo- ramusadoscomoargumentodepropaganda.Aafirmação,entre-tanto,nãodecorreapenasdaaparênciadopersonagem,masda previsãodoefeitodeseupólooposto,jáenraizadanapercepção doespectador,ouseja,ocabelo“deveriaserusadocurtoebem-penteado,denotandodisciplinaecontrole”(DaMatta1997:37).
Decorretambémdeumconjuntodefatoresrelacionadosàapa-rência,nocontexto,pois,alémdeandarparatrás,opersonagem
apresenta-sedespenteado.
generalizando-a,nemmesmoempropaganda,poisemliteratu- ra,hámuitotempo,jásecriamediscutempersonagensdesloca-dosdeumreferenteconhecido,comoumcorpoouumapessoa (Tadié1992).Entretanto,noexemploescolhido,nãohácomo ignorarmos esse referente, pois o deslocamento de Wilson co-meçanosentidoliteraldapalavra–nanarração–edaimagem –noscenáriosdofilme–ealcançaoutrosreferentesàmedida quelevamosaanáliseadiante.
Amaioriadascenasocorreemespaçoscoletivosepúblicos comoarua,onde,nocotidiano,acredita-sequeohomemtenha maispoder,diferentementedamulher,supostaresponsávelpela casaepelosespaçosdaintimidade.Podemosentãosuporjogos da linguagem na escolha dos cenários em que o personagem
masculinodesloca-se,associadosaomodocomoseusmovimen-tosocorrem,poisandarparatrás
denotadescuidoemaiorsujei- çãoaproblemas,comooprópriolocutordiz,quandoopersona-gembateacabeçanumtoldodeumaloja.Ocomportamento indicaqueojovempersonagemcontrariaumaantigaconcepção de identidade masculina baseada na constante “vigilância das emoções, dos gestos e do próprio corpo” (DaMatta 1997: 37), bemcomonasegurançaoudeterminaçãonormalmenteespera- dasdafiguramasculinaetratadascomopreçodaaparentesupe-rioridadedosexo.
Portanto,odescasocomaaparência–cabelosdespenteados
–ecomocorpo–andarparatrás
–apontamparaumamas-culinidade–e,conseqüentemente,umaidentidade–aindaem construção,caracterizadaporumacarênciacentral.Avertente semióticaemquesebaseianossaanálisepropõequeotextoé
culturalquando“preencheascarênciasdaconsciênciaindivi-dual”(Lotmanapud
Machado2003:84),nosentidodepro- porcionarapreservaçãodenossaexistênciaimaterialouima-ginária.Jáqueopersonageméempregadopararesolveruma carênciadoenredo,dospúblicosedoanunciante,oquepoderá resolverumacarênciadele,ouporelerepresentada?
3
Consumoconsciente?
Comodissemosanteriormente,oconsumotambéméuma dasmatrizesdaidentidademasculina,jáquemediarelaçõesso-ciaiseécapazdeagregarpessoasemtornodeinteressescomuns edapartilhadeexperiênciascomelesrelacionadas.Entretanto, muitoshábitosnecessitamdeumobjetomaterialparacaracteri- zarem-secomomediadoresderelações,assimcomooespecta- dorprecisavernafiguradopersonagemumaespéciedemateria-lizaçãodecaracterísticaseaçõesdesereshumanos.Assimsendo, tantooconsumoquantoarepresentaçãodospúblicosdependem dalinguagemedecomparaçõescomsituaçõesvividasoupossí- veis.Dependemaindadeconstruçõesemtornodestasedapró-priaorganizaçãodosdemaiscódigos,associadosaopersonagem, nocontextodamensagemdapropaganda.
AndarparatrásapontatambémparaofatodeWilsonnão
possuiroproduto,sendoesteumdosquêsdacarênciadoenredo,
dopersonagemedequemseidentificarpelomenoscomoque faltaaeleouànarrativa.Paraessespúblicos,oenredoapresenta – de maneira caricata, bem-humorada e exagerada – um per-sonagem caracterizado por um deslocamento gerador de uma formapersonalizadadeserpercebido,mutávelapenasemdecor-rênciadeumaescolhaentreadquirirounãooproduto.Aopção mudariaodestinodopersonagem,masnãoocorrenoenredoe talvezdevaserfeitapeloconsumidor.Porém,oargumentouti-lizado tende a direcionar a escolha, restando-nos buscar saber seoespectadorlevaasutilameaçadamensagemasérioouseé seduzidopelohumor,porexemplo.Apenaselepoderáoptarpor darcontinuidadeaosdeslocamentosouapagarossinaisdelesem suamenteouemseucorpo,inclusiveporqueocelulartornou-se maisumacessório,muitasvezesusadojuntocomaroupa.
comparação,sejaestarealizadapeloproprietárioouporoutras pessoas,conscienteouinconscientemente.Podesermaisum sinaldeprestígiooupoder,culturalizadopelapropaganda,a pontodetersidotransferidodopênisparaocelular,porexem-plo,poisoprocessode“transmissãodeumamarcaaumoutro textoéumdosmeiosessenciaisdaformaçãodesignificações novas”(Lotman1978:105).
Aassociaçãoencontrasustento,emprincípio,nofatodeo órgãosexualmasculino,emoposiçãoaofeminino,serexposto e, por isso, sujeito a comparações e inferências a respeito do portador.Alémdisso,ocelularpodeestarrelacionadoaocon-textovividoatualmentepelosjovens–públicodacampanhae gruporepresentadopelopersonagem.Muitotemsidoexigido dosegmento,emtermosdeinvestimentoemformação,cuida-doscomaaparênciaeasaúde,buscadeemprego,dedicaçãoao trabalho,aprimoramentoprofissionaletc.Nessecontexto,po-de-sesuporumapossibilidadededeslocamentodotempoeda energiaquepoderiamserempregadosnoatosexualparaoutras
atividades;edeoconsumovisarpreenchercarênciasouneces-sidadesreais,aindaquecombaseemfantasias.Estaspodemser
estimuladaspelapropagandaeporoutrosconteúdosmidiáticos voltadosparaoentretenimento,comofilmes,nocinema,eno- velas,naTV.Podemosdarcontinuidadeàcomparaçãoconsi-derandoofatodeopênisser:
umatorsocialaserpermanentementetestado,experimentado econsumido.Comoórgãocentraleexplícitodamasculinidade, comotraçodistintivodacondiçãode“homem”,ofaloeraum elementopermanentedeconsciência(DaMatta1997:39).
Nessesentido,aindapodeserassociadoaumproduto,mais precisamente,aumaparelhodotadodefunçõesepossibilidades quepodemdaraohomem–primeiramente,porconstituirogê-neroescolhidoparaospersonagensdostrêsfilmesdacampanha – a idéia de comando ou controle – inadequada ao pênis, de
fato,maspossibilitadapelocelular–e,principalmente,deuma consciênciatemporal.Estaconstituiumefeitodofenômenoda moda,cujanaturezaconsisteem“lidarcomoritmodotempoe fazê-losemprepresente”(Chalhub2001:52),oquetambémpo-deseraplicadoaoconsumo,comomeioseguroe,muitasvezes, acessível–emborasuperficial–deseatingirareferidaconsciên- cia.Noentanto,complementarmenteaoquefoipropostoaofi-nal do item anterior, a propaganda – assim como a moda ou aoqueelaseassocia–geraconsumo,quepodecontribuirpara preservaraexistênciaimaterial,emboracombaseemprodutos materiaiseemvaloresdelesprovenientes.
Pelofatodeocelulartersetornadomaisumacessórioaser carregadopelocorpo,assimcomooutrosobjetos,elepode,alia-
doapreferênciaspordeterminadosalimentosebebidas,deno-taronível
demasculinidadeoudeinstruçãodoindivíduo,den-trodopadrãoestabelecidopelanossacultura.Se,antigamente, “qualquerfugaaopadrãoeraconsideradaumdesviodaquiloque
deveriasercamisa,calça,meia,gravata,relógioousapatode
ho-mem
”(DaMatta1997:40),hojepartedesseenquadramentopa-recepermanecernoconsumodeprodutoscomoocelular.Eesta éumadasprincipaisrazõesdenossaabordagemdopersonagem construídocombasenogênero;edamasculinidade,combase noconsumo.Afinal,comopodealguémnegarosvaloressociais, principalmente colocando em risco uma identidade baseada tambémemclassificaçãodegênero?
Sairdopadrão,muitasvezes,significanegarosvaloresso-ciaiscompartilhadosetrairogrupoaoqualsepertence.No
casodeWilson,ocorreumainfidelidadenãoapenasaogênero
masculino,poisopersonagemédesprovidodosentimentode pertenceraqualquergrupo.Mesmoassim,quandoeledáseu
en-tremembrosdeumgrupoqualquer.Caracterizatambémcerto consoloparaacondiçãodopersonagemouumalívioparao possívelsentimentodepenageradonoespectador,jáqueoser ficcionaltinhaescolha.
Comonãosãoapenaspersonagensdogêneromasculinoque
oestranham,casosetratassedeumasituaçãoreal,asurpresaou
rejeiçãopoderiadecorrerdeumadificuldadedecategorizaro indivíduo.Essefatorconstituiumacontradição,poispormais queimaginemosmudançasnaspercepçõesdoqueémasculino
ouaceitosocialmente,deacordocomoenredodesenvolvidopara
umamarcaeumprodutoaparentementemodernos,osvalores
nãomudaramtantoemrelaçãoadécadasanteriores–eisarazão deincluirmosumaabordagemdamasculinidadevigenteduran-teaadolescênciadeRobertoDaMatta.
Oretornoouapermanênciadosvaloresestádeacordocom acircularidadedamoda,paraaqual“anovidadenãoéonovo, éorepetido”(Chalhub2001:52);epodelimitaraexpressãode criatividade,nalinguagemdapropaganda,aosargumentosde venda,dandomenorimportânciaàreconstruçãodevalores,por exemplo.Seriamaisfácil,paraosagentesdalinguagem,emais rentável,paraosanunciantes,trabalharemmoldesconservado- res,ouaindaexistemchancesdeapropagandalivrar-sedosex-tremosdedicotomias?
4
Silêncios
Emborapossaserobservadaaimportânciaatribuídaaopro-duto,principalmentepelopúblicojovem,nãosepodereduzi-la àassociaçãoanterior,umavezqueelerealmentecontribuipara asocializaçãodoindivíduoe,nessesentido,podegerarbenefí-ciosfundamentaisparaaconstruçãodesuaidentidade.Portanto, casosejapossíveladquiriroproduto,nãoéprecisomuitoesforço paraseintegrarcomoscolegas,porexemplo.
Oexagerodoenredorelaciona-setantoàexclusãodoperso-nagemnãoconsumidorquantoàpromessadesocializaçãocomo curadeseusaparentesproblemascomportamentais.Benjamin (1987:223)jádizia–emrelaçãoànarrativadahistóriae,indi- retamente,àreligiosa–que“aimagemdafelicidadeestáindis-soluvelmenteligadaàdasalvação”.Nanarrativadapropaganda –entreoutrasvigentese,dealgumamaneira,geradorasdecons- ciênciadetempovivido–nãoédiferente.Noexemplo,adificul-dadedeintegraçãodopersonagempodeserresolvidanãoapenas
comaaquisiçãodeumproduto,mascomoqueoprodutopode
fazerporele:ajudaraaproveitaravidaeevitarsuacondenaçãoa umaexclusãodecorrentedonão-compartilhamentodeumhá-bitodeconsumo.
Assimapropagandaprocurafazeroespectador
aderiràcau-sa.Nãoéporacasoqueoslogan
dosprodutosdamarcaé“Fa-laporvocê”.Nissopodemosobservartambémaambigüidade,
muitocomumemslogans,poisopersonageméfeitoapenasde
imagemecarecedevoz.Eleédesprovidodeumdeseusprin- cipaiselementos–afala–,esuaimagemdestina-seadesempe-nhar“umafunçãodescritivaeexplicativa”(Betton1987:38)–às vezesredundante–emrelaçãoànarração.Oempregodesta,por suavez,foiinevitável,principalmentepelofatodeopersonagem apresentar-se de forma caricaturada e necessitar de “credibili-dadematerial”(Betton1987:39),atributoqueapenasumafala –nãonecessariamenteadele–poderiadaràsuaimagem.
opçãodeconsumo–easvertentesestãoestreitamenterelacio- nadas–parecemindefinidas,emtransiçãooumestiças,refle-tindocaracterísticasfundamentaisdaidentidadebrasileira.Isso contribuiparaoutraambigüidadenoenredo,bemcomopara a chance de fornecer alternativas que permitam ao
persona-gemacabarcomsuaimpossibilidadedecomunicação,pormeio
dafala.Enãosetratadeumafalaqualquer,masviatelefone
celular,damarcaNokia,conformeacarênciaapresentadana propagandasugereouestimula.
Cabedestacarmostambémque,paraexplicarnãoapenasa
característicaandar para trás, em forma de imagem, devemos
evitarqueabuscaexaustivadecausasparaestamenosprezeseu caráterinesperadooumesmoaadesãoqueumaimagemécapaz degerar,numespectadorquedesconheceosmodosdecriação dela.DeacordocomPessanha(1970:XXVI-XXVII),“Comoal-gonovo,elaépuropresente,purapresença”.Eéporissoque devemosprocuraralgomaisqueantecedentesparacompreender aimagemoutorná-lacompreensívelaosoutros.
Andarparatrás ,portanto,mesmoquedemaneiracaricatura- daouexagerada–oujustamenteporisso–,constituiumaima-gemnova,principalmenteporcontrariar,emprincípio,opróprio movimentonatural.Este,comofoiditoanteriormente,foicul-turalizadopelapropaganda.Alémdomais,acaracterísticanão estáassociadaaumpersonagembaseadonomodelodevence-dor,tãoproclamadopelanarrativadahistória(Benjamin1987: 235),porséculos,comopelapropaganda,nasúltimasdécadas; etambémrecorrente–pelomenosemformadecobranças–na construçãodaidentidademasculina.
5
Conclusão
Numaépocaemqueasidentidades,inclusivedegênero,es-tãosendonegociadas,eocorponãoésuficienteparaimpora
condiçãomasculinaoumesmodeindivíduo,oconsumoéoúni-coapeloqueresta?Temosmesmoqueconvivercomessetipode valor,napropagandaenavidacotidiana,ounãodevemoslevar amensagemtãoasério?
Ocaráterpoéticoabordadofoiviávelnolimite–comodeli-mitaçãodoespaçoestruturaleexpressivodotexto,emoposição aodeoutros(Lotman1978:105)–dapropaganda.Efoicom base na qualidade geradora do signo personagem que analisa-mosapeçaesuapropostadeinteraçãocomoespectador,coma finalidadedecompreendermelhoropersonagempelamaneira comorepresentaoespectador.
Cabe lembrarmos que não é necessário ter vivido momen-tos como os representados no enredo para compreendermos a propostapresente,nãoapenasnanarração,nemparanossentir-mosconfortáveis,desconfortáveisouindiferentesdiantedoque oconjuntodesignos–sonorosevisuais–nosdiz.Issoporqueo enredoapresentatambémcarênciasdopróprioautorouespec-tador,comsoluçõesmaterializadaspelaformaoupelasfunções doproduto;ecarênciasdopróprioconteúdoficcional,que,de acordocomasemióticadacultura,constituiumabuscadesupe-raçãodanossafindávelefrágilvidabiológica.
Questionamo-nossenãoháoutraalternativaaserproposta aoespectador,baseadaemnovoscódigosoucombinaçõesase-rembuscadasnocotidianoeassociadasaoprodutoeàmarca, paraproduzirnovossentidos.Naanáliseapresentada,foipossível
verificarmos um conjunto de sentidos associados a umaúnica
característica.Acreditamosquemuitosdossignificadossãopre-vistos, conhecidos pelos agentes da linguagem e baseados em códigoscriteriosamenteselecionados.Issocaracterizaariqueza eopotencialdalinguagemdapropaganda,pois:
Emrelaçãoàpeçaselecionada,consideramos–tantonoque dizrespeitoàconstruçãoquantoàanálise–aexistênciadepon-tosintermediáriosentreosdoispólos–terounãoteroproduto, ser ou não ser aceito. A dicotomia, por sua vez, não constitui umproblemadapropaganda,nemmesmoumproblemaqueela
possaresolver
sozinha,masalgoquepodecontarcomsuasigni-ficativacontribuiçãoe,possivelmente,comocompartilhamento dosresultadosdenossosestudoscomprofissionaisdaárea,pro-curandosupriralgumasdascarênciasdelesenossas,refletidas pelalinguagemdapropaganda.
Atéomomento,foifeitaumaconstruçãosobreoqueestáre- presentadonumaseqüênciadeimagensrepletadetempopresen-teecapazde,pormeiodeassociaçõesoudeslocamentos,fornecer noçõesdeoutrospresentesoumesmopassados.Comisso,preten-demosgerarmaneirasdeseconstruirumfuturomelhorparaa atividadedapropagandaeavidadoespectador;possivelmente, seissonãoforquererdemaisdalinguagem,deseusagenteseda própriasociedade,naformacomoprocessaamensagem.
Talutopiapartedo“legadodeLomonóssov,segundooqual oeloqueunedomíniosdiferentesdavidanoplanetaéalingua-gem”(Machado2003:24).Estátambémassociadaàpremissade queapropaganda,atualmente,podeserumagrandegeradorade conhecimentoeautoconhecimento,emrazãodesuarepercus- sãonavidasocial,nosentidodecriarhábitos,construiroudes-construirvaloreseproduziroulegitimarsubjetividades.
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