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O ROCK COMO POSSIBILIDADE PARA UMA ESPIRITUALIDADE NÃO-RELIGIOSA

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Academic year: 2021

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Flávio Lages Rodrigues**

Resumo: este artigo analisa o rock como elemento principal na espiritualidade

não-reli-giosa com o ritual, sentimento de pertencimento, solidariedade e sociabilidade, para além das instituições religiosas. Nossa hipótese parte de que o crescimen-to das cidades, bem como o pensamencrescimen-to pós-moderno proporcionaram outras formas de cultura e espiritualidade na atualidade. O objetivo principal desse artigo é mostrar que o rock pode ser o elemento socializador principal nessa espiritualidade não-religiosa entre as tribos urbanas headbangers em Belo Ho-rizonte. A metodologia proposta para esse trabalho é constituída por análise da referência bibliográfica e tem como teórico principal o sociólogo Michel Maffesoli entre outros autores.

Palavras-chave: Rock. Espiritualidade não-religiosa. Tribos Urbanas. Ciências da

Re-ligião. Sociologia.

N

otamos que a religião atualmente é fonte de pesquisas nas mais variadas áreas do conhecimento. Ela tem papel fundamental na vida humana e na constituição dos laços sociais e pode ser observada tanto no modo de vida tribal de povos distantes e isolados, quanto de nações e povos que são marcados pelo avanço tecnológico. Neste percurso religioso veremos que a música rock é a base de uma espirituali-dade não-religiosa, livre e espontânea. Que a princípio ocorre entre os jovens e se estende para os adeptos desse estilo musical de todas as idades.

Essa abertura para uma espiritualidade não-religiosa e para novas cosmovisões pode ter suas bases no espiritualismo francês. De acordo com Vieillard-Baron (2003, p. 564), o espiritualismo francês do final do século XIX e do século XX, mostra –––––––––––––––––

* Recebido em: 25.11.2018. Aprovado em: 29.12.2019.

** Mestre em Ciências da Religião (PUC Minas). Graduado em Teologia (FATE – BH). E-mail: flavioposttrevor@yahoo.com.br

O ROCK COMO POSSIBILIDADE

PARA UMA ESPIRITUALIDADE

NÃO-RELIGIOSA*

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uma mudança de pensamento filosófico, no qual deixa de ser primeiramente uma filosofia moral para se tornar uma filosofia do espírito.

Para Vieillard-Baron, há um retorno às bases em todos os sentidos da vida e Henri Ber-gson (1859-1941) foi um dos pioneiros no espiritualismo francês. “O espiritu-alismo de Bergson é uma filosofia do espírito encarnado e da volta ao concreto (que penetrou todos os universos da vida intelectual e artística francesa, in-clusive a voga fenomenológica dos anos pós-guerra)” (VIEILLARD-BARON, 2003, p. 564).

Na visão de Maffesoli, a pós-modernidade ainda continua a fazer o retorno ao funda-mento da vida. O que tem “mostrado que se podia caracterizar a pós-moder-nidade pelo retorno exacerbado do arcaísmo” (MAFFESOLI, 2010a, p. 07). Ainda de acordo com Maffesoli, o arcaísmo causa um certo incomodo aos observadores sociais, que buscam um progresso linear e seguro, ao passo que o arcaísmo é um regresso que para ele caracteriza: O Tempo das Tribos. Esse regresso é um retorno em espiral de valores arcaicos unidos ao desenvolvi-mento tecnológico.

O rock pode ser visto como um desses elementos de retorno, às bases e de interação social, junto às tribos urbanas, que tem a função de ajuntamento dentro des-ses grupos. Essa coletividade participativa foi o que Maffesoli denominou como tribos urbanas: “Em face da anemia existencial suscitada por um social racionalizado demais, as tribos urbanas salientam a urgência de uma socie-dade empática: partilha das emoções, partilha dos afetos” (MAFFESOLI, 2010a, p. 11).

Esse espírito de comunidade, solidariedade, ritualidade e ajuntamento, podem apontar para uma espiritualidade não-religiosa que é gerada pela comunhão e partilha na música rock pelas tribos urbanas em Belo Horizonte. Esta como manifes-tação social, com seus rituais, necessita da repetição como parte ritual para fundamentar-se na cultura e nas tribos urbanas headbangers. As mudanças no vínculo social pós-moderno, de acordo com Maffesoli, ocorrem com duas raízes essenciais. “De um lado, o que salienta os aspectos ao mesmo tem-po ‘arcaicos’ e juvenis do tribalismo. De outro, o que salienta sua dimensão comunitária e a saturação do conceito de Indivíduo. Eis, parece-me, as duas raízes do tribalismo pós-moderno” (MAFFESOLI, 2010a, p. 05).

O rock é um desses elementos de retorno dos roqueiros ao arcaico, a busca por uma di-mensão comunitária e a saturação do conceito de indivíduo, já sinalizam para descrença e insatisfação com as instituições sociais vigentes contemporâneas. Essas duas raízes do tribalismo pós-moderno apontam para construções que são orgânicas e vivas. As leituras, releituras, novas significações e o retorno ao arcaísmo, realizado pelos roqueiros, que estão inseridos nas tribos com o rock, além de mostrar uma ruptura e o inconformismo com os padrões

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estabeleci-dos, aponta para a riqueza da dimensão comunitária, que ocorre no encontro com o outro, com o diferente, e quebra o domínio do individual e do privado.

Esta é a lição do “arcaísmo” pós-moderno: torna-se a representar, em todos os domínios, a paixão comunitária. Podemos nos defender dela, ofender-nos com ela, negá-la, proteger-nos dela, pouco importa; a tendência que nos em-purra em direção ao outro, que nos incita a imitá-lo, está presente (MAFFE-SOLI, 2010a, p. 15).

O arcaísmo pós-moderno com seu retorno às fontes, aos fundamentos e a gênese, estru-tura e forma o pensamento, com base na “paixão comunitária”. Os grupos que se amalgamam com os mesmos ideais formam as tribos urbanas headbanger da capital mineira e dos grandes centros do Brasil e do mundo, que criam e recriam suas práticas culturais na socialidade e na alteridade.

Dessa forma, a força das tribos urbanas ocorre pela sociabilidade e pelo sentimento de estar juntos. O que Maffesoli chamou de “arcaico”, podemos ver com a mú-sica rock utilizada por seus adeptos na atualidade com os movimentos que se estabelecem como contraculturais, na cena alternativa e underground. Ambas, também sinalizam para a fertilidade da vida comunitária e queda do individua-lismo. “Nesse sentido, antes de ser político, econômico ou social, o tribalismo é um fenômeno cultural” (MAFFESOLI, 2010a, p. 06).

O ROCK COMO ESPIRITUALIDADE NÃO-RELIGIOSA

Como observamos, pode parecer paradoxo, mas os movimentos contraculturais se esta-belecem justamente pelo seu retorno ao arcaico, que é convencional do grupo, marginal, fora do uso, da moda, da produção em massa e dos padrões estabe-lecidos pela sociedade. A sociabilidade da tribo com suas próprias construções e significações sinalizam para o coletivo como dimensão comunitária e para a diluição cada vez maior do individualismo.

Na visão de Vieillard-Baron (2003), esse dinamismo é constituído pela força espiritual do grupo e só pode ocorrer quando há uma abertura para criação. A espiritua-lidade não-religiosa, não aponta para uma moral fechada e uma religião social, mas busca uma figura humana que represente seus ideais e podemos observar com o rock, que os seus adeptos conseguem se espelhar no astro de rock ou em uma banda, estes depois se transformam em ídolos, heróis e por fim em santos.

A questão colocada por essa moral superior é: por que todos esses homens encontraram outros homens para imitá-los? Trata-se de uma energia diferente daquela da sociedade global, a saber um apelo, que se exprime no amor da humanidade: essa energia é a sensibilidade, única suscetível (fora o hábito e

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o instinto) de agir diretamente sobre a vontade. Toda criação humana provém de uma emoção nova, que, originando-se no âmago de uma alma excepcional, transmite-se a outras almas. A emoção criadora prolonga-se pelo entusiasmo do lado da vontade, e pela representação explicativa do lado da inteligência

(VIEILLARD-BARON, 2003, p. 565).

Não são raras as vezes que observamos o ser humano agir a cada época pelo sentimento de pertencimento, na partilha dos mesmos gostos, sensações e afetos. O fascí-nio por temas religiosos com bandas de rock pesado começou de forma mais explicita em 1970, com a banda inglesa Black Sabbath e foi mais intensificado com outras bandas nos anos 80 e 90, como ainda continuam hoje.

Desde seus primórdios, a religião tem sido uma parte central do metal. O Black Sa-bbath, os fundadores do gênero, raramente tocava sem o icônico crucifixo, um sinal em contradição com sua obsessão pela magia negra. Durante os anos 80 bandas como Slayer, Sepultura, Venom, Bathory e Possessed levaram o gênero a novos ex-tremos, e o fascínio pela religião se tornou mais óbvio (ROBERTSON, 2010, p. 01). Essa ligação do indivíduo a várias redes culturais, também ocorreu com o surgimento

do rock em 1940 nos Estados Unidos, com as canções de trabalho e gritos campais dos negros americanos que trabalhavam nos campos de algodão. Eles clamavam por liberdade e utilizaram a música como instrumento de protesto, tanto no contexto secular, quanto no religioso.

De acordo com Baggio os negros “deram desenvolvimento ao blues (tristeza) como música secular e ao gospel (evangelho) como música sacra” (BAGGIO, 1997, p. 43). Para Calvani (1998, p. 211), o nascimento do rock ocorre com a evolução dos negros spirituals e do blues e sempre esteve associado a rebeldia e contestação. Do mesmo modo, Friedlander (2017, p. 32-33), sinaliza para a força da música negra com o blues rural, depois com o blues urbano e com o gospel. O que mostra na criação da música rock uma espiritualidade não-religiosa, que impulsionou os seus adeptos a viver em comunidade, solidariedade e na partilha dos mesmos sofrimentos, como válvula de escape para as incertezas e desilusões na vida.

Verificamos que o sagrado e o profano permeiam a música rock desde o seu nascimento na década de 1940 e ainda hoje continuam a produzir os mesmos significados de seu nascimento com inúmeras bandas de rock cristão, rock secular e até mesmo com bandas de rock satânico. Dualidades quanto ao uso dessa música como forma de libertação e protesto em várias áreas da vida mostram que este estilo musical transcende até mesmo o significado que as instituições religio-sas tentam impor ao rock na atualidade.

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O rock pesado e em especial o Death Metal e o Black Metal se reinventaram, dentro dos próprios estilos musicais como elementos “sagrados” para seus adeptos como prática de uma espiritualidade não-religiosa e canal de ligação, para alcançar o transcendente.

O que é fascinante aqui é a consistência com que o black metal buscou formas religiosas. O satanismo é substituído, não por um ateísmo materialista básico, mas com quase qualquer outra coisa: ocultismo, Nietzsche, paganismo, nazis-mo místico. Esse pluralisnazis-mo religioso levanta a questão de saber se estas são apenas tentativas novas e interessantes de rebelião juvenil, ou se algo mais está se desenrolando. E, se o metal for atraído para os religiosos porque aspira a um objetivo semelhante? E se não estiver em oposição à religião, mas em com-petição com ela? No documentário de 2005 Metal: A Headbanger’s Journey (Metal: Uma Jornada Headbanger), um fã é citado dizendo: ‘O heavy metal é um sacramento? Para algumas pessoas é. Se mantém as crianças vivas, se lhes dá esperança, se lhes dá um lugar para pertencer, se lhes dá uma sensação de transcendência, então é uma força espiritual e acredito que é um canal para Deus’ (ROBERTSON, 2010, p. 02).

O que Robertson aponta aqui é para um “pluralismo religioso” fundamentado no rock e é a base pra inúmeras cosmovisões, que vão muito além das letras, do visual e do ritmo extremo e brutal. Ele aponta para os aspectos religiosos e não religiosos, com uma espiritualidade não-religiosa, que possibilita visões políticas, filosófi-cas, pagãs e ideológicas. O que torna o rock uma verdadeira religião para os seus seguidores, que dá sentido para a vida, com a esperança, pertencimento, força e ligação com o transcendente. Estes aspectos podem começar nas tribos urbanas

headbangers com o ritual e a tradição e perdurar por toda a vida.

Se alguns gêneros da música rock se estabeleceram após a sua criação desde 1940, o que verificamos com o passar dos anos foi a criação de subgêneros de estilos que pareciam sólidos no rock, bem como a mudança dos temas sobre satanis-mo abordados nas letras das músicas de Heavy Metal, a partir de 1970 e mais intensamente nos anos 80 com o Black Metal, para um politeísmo com a intro-dução do paganismo que ocorreu a partir de 1990 com a segunda onda do

Bla-ck Metal. “Tendo estabelecido essa ‘segunda onda do Black Metal’ pode pro-priamente ser caracterizada como pagã antes do que satânica, resta a pergunta do por que o paganismo é o seu tema geral” (GRANHOLM, 2011, p. 534). Ainda de acordo com Granholm (2011, p. 535):

Black Metal e Neofolk podem funcionar como um sistema cultural complexo, criando determinadas ideologias, significados, práticas, e tradições – em

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essên-cia, uma complexa e coerente visão de mundo. Eu estou relutante para caracte-rizar essa visão de mundo como “religião”, como essa contém conotações que não são completamente adequadas nesse contexto.

O sistema cultural em torno do Black Metal, do Death Metal e de outros estilos da músi-ca rock mais rápida e pesada, mostram o distanciamento que os adeptos desses grupos têm com os elementos culturais e ideológicos disponíveis na socieda-de socieda-de massa. Para Granholm (2011, p. 537), isso começa com a “rejeição da dominação ocidental cultural e social, dos seus valores e normas. Em lugar a atenção é mudada para o distanciamento do ocidente moderno e para essa que é considerada ser a mais autêntica cultura e incorrompida expressão do juízo eterno.” Neste caso, as pequenas tribos urbanas se formam na partilha da mes-ma língua ou linguagem específica do grupo e é o que os une no mesmo ideal. Portanto, o que percebemos é que o rock pode ser utilizado como fonte de uma

espi-ritualidade não-religiosa com os adeptos da cena alternativa e underground com as tribos urbanas headbangers e bandas de rock que produzem tal música como elemento socializador entre os roqueiros. Neste aspecto o rock pode apontar para um percurso em que a pessoa consegue desenvolver uma espiri-tualidade não-religiosa com rituais, músicas, bandas, danças, elementos estéti-cos, ideológicos e práticas que atendam às suas necessidades. No qual, o rock é o elemento dessa espiritualidade não-religiosa, constituída na comunidade, solidariedade, pertencimento, partilha, sensações e cosmovisões, que são ge-radas pela própria tribo urbana headbanger.

POSSIBILIDADES DE SER E PENSAR NA PÓS-MODERNIDADE

Com o crescimento e o intenso processo de urbanização ocorrido no Brasil nas últimas décadas, houve um grande impacto na vida dos cidadãos de muitas cidades. Com esse crescimento demográfico, as capitais brasileiras tiveram um aumen-to considerável de habitantes e Belo Horizonte vivencia esses problemas típi-cos das grandes cidades do Brasil e do mundo.

As tribalizações são fruto desse crescimento urbano, sendo as tribos urbanas uma das mais variadas formas de socialização e entretenimento dos mais variados gru-pos que se estabelecem pela cidade. Conforme, mostra Maffesoli (2010a, p. 18), “pode-se, em todo caso, constatar que é época de calor humano. A proxe-mia conforta os afetos. A horizontalidade fraternal, que é o tribalismo, é causa e efeito do que chamei de ‘a erótica social’”.

Essa proxemia ocorre nas distâncias físicas que os indivíduos estabelecem entre si quando interagem socialmente, bem como de seus significados e possíveis razões para as variações dessas distâncias. Para Maffesoli, essa proxemia

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es-tabelece a distância dos indivíduos entre si no convívio social, já o tribalismo, se fundamenta pelo prazer de estar juntos. Dessa forma a produção cultural desses grupos é constituída e construída socialmente na polis. Em Belo Ho-rizonte, verifica-se as mais variadas tribos urbanas e especificamente os

he-adbangers, que se socializam em torno música rock como elemento central, a partir das décadas de 1980, passando pelos anos 90 e se estendendo até os nossos dias, sendo assim, o rock nosso objeto de estudo.

A efervescência em Belo Horizonte entre as décadas de 80 e 90 com as mais variadas bandas de rock pesado já apontava para a capital mineira como celeiro de ban-das de rock, com seus subgêneros.

Essa preocupação é fácil de perceber, por ser Belo Horizonte, nessa época, con-siderada verdadeiro celeiro de bandas de estilos radicais, tais como o Rock Pro-gressivo, Rock Popular, Heavy Metal, Grind Core, Hard Core, Crossover, Punk Rock, Gótico e Grunge, entre outros (RODRIGUES, 2006, p. 130).

Nessa época Belo Horizonte foi considerada a capital do rock, devido à grande quantida-de quantida-de bandas quantida-de rock pesado quantida-de vários estilos que existiam pela cidaquantida-de. Ocorria também uma grande divulgação dessas bandas através de shows, fanzines, flyers e gravações de fitas cassetes que eram o meio de divulgação e propagação do trabalho dessas bandas. Além das bandas que existiam na cidade muitas outras eram atraídas pela possibilidade de assinar contrato com a Cogumelo Records estabelecida em Belo Horizonte. Esta começou como uma loja de discos em 1980 e em 1985 se tornou uma gravadora. Gravou trabalhos de bandas como, Sepultura, Sextrash, Sarcófago, Overdose, The Mist, entre outras, o que colocou Belo Horizonte definitivamente no mapa dos grandes shows com bandas interna-cionais de Hard Rock, Heavy Metal, Thrash Metal, Death Metal e Black Metal entre outros estilos que passaram a se apresentar na cidade.

Outros exemplos mostram a força do rock na capital mineira, entre eles, a Rádio Ter-ra e a Rede Minas de Televisão. A Rádio TerTer-ra, em Belo Horizonte ajudou em muito na divulgação e difusão da música rock na década de 80 de forma pioneira, essa emissora mantinha em sua grade um programa especializado para os jovens e tribos urbanas que ouviam rock e seus subgêneros. Ainda em Belo Horizonte, a antiga TV Minas, hoje Rede Minas de Televisão, dava seus primeiros passos na contribuição com a produção underground, que se conso-lidou nos anos 90 com o Programa Alto Falante, que divulgava tanto bandas nacionais, quanto bandas internacionais em seus programas. Muitas bandas de Heavy Metal surgiram nessa época, entre elas: Poison, Monthey Crue, Iron

Maiden e outras se afirmaram ainda mais com seu público, como o próprio

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As emissoras de rádio que viriam depois, como a Rádio 98 e a Rádio Mix não apenas difundiam o rock e seus subgêneros, mas entraram também na produção e execução de festivais de rock, que enchiam os estádios de futebol da capital mineira com milhares de adeptos dessa música.

Vários festivais de rock, por sinal, passaram a acontecer sucessivamente em Belo Horizonte, desde então, nos últimos anos. Só a Rádio 98 FM, pioneira nes-se campo, realiza há quanes-se vinte e cinco anos o Festival Pop Rock Brasil. Este evento, que começou sendo realizado no Estádio Independência, foi transferido nos últimos anos, em virtude do número cada vez maior de jovens e adolescen-tes dele participanadolescen-tes, para o Mineirão, o maior estádio de futebol de Minas Gerais, com capacidade para dezenas e dezenas de milhares de espectadores. Mais recentemente, outra emissora, a Rádio Mix FM, começou a realizar o Pop Rock Mix, que também acontece no estádio Mineirão. Isso tudo dá para mostrar a grande “paixão”, o fascínio que o rock tem exercido entre os jovens e ado-lescentes de mais de uma geração em Belo Horizonte (RODRIGUES, 2007, p. 130-131).

A banda Sepultura, de Belo Horizonte é outro exemplo da potência da capital mineira com o rock nos anos 90 ao ser considerada a maior banda de rock pesado do mundo. Na cidade havia também várias bandas de sucesso entre elas:

Overdo-se, Sex Trash, Sarcófago, Mutilator, The Mist, Eminence, Absoltute Disgrace,

Chacal e muitas outras. A cidade, pela grande quantidade de bandas, em 1994 recebe o título de “Capital do Rock” na cena alternativa e underground secu-lar. A capital mineira entra definitivamente no cenário do rock mundial com o “BHRIF” (Festival Internacional de Rock de Belo Horizonte). Ocorreu a apre-sentação de bandas nacionais e internacionais na Praça da Estação e na Serra-ria Souza Pinto. Este festival foi realizado pela Prefeitura de Belo Horizonte, em parceria com a iniciativa privada, aberto ao público em geral.

Verificamos que com toda a produção com a música rock feita pelos jovens que estão nas tribos urbanas headbangers, outras possibilidades seguiram, não apenas na produção e consumo dessa música, mas principalmente pelo seu poder de alcance ao retratar os anseios dessas tribos juvenis. Partimos do princípio de que “é a partir da vida cotidiana que ocorre a reflexão do contexto dos jo-vens e adolescentes presentes nas tribos urbanas e na cena alternativa e

under-ground.” (RODRIGUES, 2007, p. 155). A ampliação do estudo parte do rock em direção às tribos urbanas headbangers, com a espiritualidade não-religio-sa. Isso ocorre em um contexto de grandes transformações sociais, entre elas, o fenômeno religioso pós-moderno, que contribuem para ter a religião como foco de estudos.

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Como afirma Maffesoli (2010a, p. 19): “daí as sedimentações sucessivas que o cons-tituem: as características essenciais do tribalismo, o sentimento de pertenci-mento, a colocação em rede horizontal, a simbiose afetual, e os processos de contaminação que tudo isso suscita. Eis a ordem ou sua razão interna.”

Notamos que o crescimento das grandes cidades proporcionou novas possibilidades para discursos diferenciados nas mais variadas áreas da vida humana, como a social, política, econômica, cultural e também a religiosa. Mudanças eclo-diram em toda a sociedade e novas formas de saber e entender a vida surgi-ram. Na pós-modernidade, tanto o pensamento quanto a práxis humana sofrem grandes transformações. Parecem negados os antigos modelos que sustenta-ram a existência humana durante séculos. Essa transformação também se ob-serva na ciência e na tecnologia que impulsionam o progresso. O pensamento pós-moderno nega qualquer estrutura que seja erigida sobre bases absolutas. “Não há ‘verdade’, apenas verdades. Não existe a razão suprema, somente há razões. Não há uma civilização privilegiada (nem cultura, crença, norma e estilo), há somente uma multidão de culturas, de crenças, de normas e estilos” (MCGRATH apud SALINAS, 1999, p. 25).

O rock é um dos exemplos dessa abertura e diversidade, que possibilita cosmovisões diferenciadas, inclusive para expressar uma espiritualidade não-religiosa na linguagem do grupo. A linguagem é o primeiro bem cultural de um povo e a partir dela, que significações são construídas e entendidas pelo grupo. Para Maffesoli (2010a), a linguagem tem o poder de ligar os indivíduos às mais variadas redes sociais. “Sem nos pronunciarmos sobre o conteúdo dessa ten-dência, podemos considerar que a comunicação, ao mesmo tempo, verbal e não verbal, constitui uma vasta rede que liga os indivíduos entre si” (MAFFE-SOLI, 2010a, p. 139).

Entendemos que o rock proporciona essa forma de comunicação que Maffesoli descre-veu como, “verbal e não verbal”. As letras das músicas vão contra o que é pro-duzido pela cultura de massas, a forma como são executados os instrumentos e o vocal gutural, também mostram uma maneira peculiar e um rompimento com a cultura estabelecida na sociedade. As roupas, cabelos, calçados, aces-sórios como piercings e até mesmo tatuagens, mostram uma demarcação no ritual e consagração desses corpos diante da sociedade.

Com o crescimento populacional e na apropriação dos elementos culturais como o rock é que se encontra uma das possibilidades de estudar o fenômeno religioso, na partilha das mesmas emoções, gostos e expectativas e com o sentimento de pertencimento na prática de uma espiritualidade não-religiosa entre os adeptos desse estilo musical. O crescimento das cidades e a pós-modernidade ampliaram as inúmeras possibilidades de pensamentos, relacionamentos sociais e trajetórias que cada pessoa pode fazer. Essa diversificação e multiformidade

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na sociabilidade na visão de Maffesoli, teve início com a Modernidade e flo-resceu na Pós-Modernidade com o relacionamento mais aprofundado no inte-rior dos grupos ou tribos nas cidades e nos grandes centros urbanos.

A Modernidade, ao mesmo tempo que multiplicou a possibilidade das relações sociais, esvaziou-as, em parte, de todo conteúdo real. Essa foi, em particular, uma característica das metrópoles modernas. E sabemos que esse processo não contribuiu pouco para a solidão gregária sobre a qual tanto se tem fala-do. A Pós-Modernidade tende a favorecer, nas megalópoles contemporâneas, ao mesmo tempo o recolhimento do próprio grupo e um aprofundamento das relações no interior desses grupos (MAFFESOLI, 2010a, p. 153).

Essas transformações tiveram impacto direto na vida dos roqueiros que estavam à mar-gem da sociedade e de seus direitos. A pós-modernidade possibilitou espe-cialmente a esses grupos a condição de contestar e questionar as instituições e toda forma de poder que se institua como absoluta. As tribalizações também ajudaram na socialização nos grandes centros urbanos, com a partilha e com o sentimento de pertencimento entre os membros desses grupos. Neste aspecto é bom lembrar que Maffesoli utiliza o termo tribo de forma pioneira. “Em uma época em que isso não era moda, propus a metáfora da ‘tribo’ para observar a metamorfose do vínculo social” (MAFFESOLI, 2010a, p. 04).

Portanto, “o rock como possibilidade para uma espiritualidade não-religiosa”, entre os roqueiros em Belo Horizonte, sinaliza para os rituais, sociabilidade e cosmo-visão desses grupos ou tribos urbanas. Isso é o que permeia a nossa hipótese quanto a utilização desse estilo musical como fonte de espiritualidade não-re-ligiosa, alternativa e livre dos círculos religiosos. Dessa forma, o crescimento que as cidades experimentam com novas formas de socialização e vida. Como também as possibilidades que a pós-modernidade traz com inúmeras formas de crença na atualidade, abriram para o rock se estabelecer entre as tribos urbanas headbangers como uma espiritualidade não-religiosa no ritual e nas práticas cosmológicas.

TRAJETÓRIAS E VIVÊNCIAS NA CIDADE

Verificamos que o rock desde o seu nascimento produz significados ideológicos, estéti-cos, sonoros, cosmológicos e também religiosos, que ainda hoje impulsionam seus adeptos a uma atitude e postura peculiar da tribo urbana headbanger diante da sociedade. Isso pode ser observado no fenômeno religioso em que o rock também foi e ainda continua sendo utilizado como porta-voz de uma espiritualidade não-religiosa. Para Granholm isso fica mais evidente com a

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primeira onda do Black Metal, no qual temas e imagens satânicas foram in-corporados de forma explicita. “Como eu tenho mostrado, a primeira onda fez uso do heavy para temas e imagens satânicas. Na época isso era mais ou menos novo na música popular” (GRANHOLM, 2011, p. 536-537).

O salto dos anos 70 para os anos 90 com o Black Metal muda também os significados que esse tipo de rock produz entre os seus adeptos. Na visão de Granholm (2011, p. 538-539), o Black Metal é muito mais do que apenas um estilo musical:

O Black Metal é mais corretamente caracterizado como sendo pagão não satâ-nico. Além disso, eu tenho discutido o fato desse Black Metal ser considerado como mais do que um simples estilo musical. Ele pode prover grupos de ideo-logias, significados e práticas para seus adeptos, e em essência funciona como um “complexo sistema cultural” – largamente devido ao paganismo esotérico fundar a cena. Este “sistema cultural” é muito similar para o que pode ser a fundação do Neofolk. Ambos têm no paganismo profunda tristeza, e estes simi-larmente tem feito parcial convergência para os dois possíveis gêneros.

O que percebemos é que o rock em seus variados estilos musicais como o Black

Me-tal, Death MeMe-tal, Thrash MeMe-tal, Heavy Metal entre outros, apontam para uma sociabilidade em torno da música e nos mais variados rituais que ela possi-bilita aos seus adeptos. Como proposto por Michel Maffesoli em suas obras, Maffesoli (2010a), Maffesoli (2010b), Maffesoli (2004a), Maffesoli (2004b) e Maffesoli (2012), entre outras obras.

A socialização se fundamenta pelo sentimento de pertencimento, estar juntos, pela partilha dos mesmos gostos, emoções, afeto e pela empatia produzida pelo grupo social. Nessa direção, o rock se apresenta como elemento central dessa pesquisa, ao nosso ver sua força socializadora pode levar seus adeptos a uma espiritualidade não-religiosa, no sentimento de pertencimento, sociabilidade, solidariedade, partilha e no espírito comunitário que possibilitam as trocas e as interações sociais.

Nossa hipótese se fundamenta que, tanto a cidade, quanto a pós-modernidade podem abrir para novos modos e formas de vida no contexto urbano. Em termos ge-rais, esse artigo pode ser definido com O rock como possibilidade para uma

espiritualidade não-religiosa. A socialização em torno do rock pode ocorrer justamente devido este estilo musical proporcionar experiências com uma es-piritualidade não-religiosa no ritual e nas práticas cosmológicas dos roqueiros. Todas as mudanças que observamos na pesquisa com a utilização da música rock no fenô-meno religioso ampliam o campo religioso para além das instituições religiosas. “Na ordem para compreendê-lo, um entendimento de apelar para o exótico no esoterismo, e a investigação para a autenticidade e discurso de rebelião na

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mú-sica rock é requerida” (GRANHOLM, 2011, p. 539). A investigação nos ajuda a entender e compreender como e por que novas ideologias são criadas em torno da música rock. Também, como essas ideologias e cosmovisões podem gerar práticas sociais que desembocam em espiritualidades não-religiosas.

É necessário pesquisar muito mais. A atmosfera religiosa do Ocidente está mu-dando, e um resultado dessa mudança é que nós precisamos olhar para a vida religiosa como palco de alternativas. A cultura popular é tal palco, e como ou-tros tem se mostrado (GRANHOLM, 2011, p. 539).

Nesse movimento o ser humano é quem estabelece qual prática religiosa se adequa às suas necessidades, com relacionamentos cada vez mais próximos e afetivos. Como descrito por Ribeiro e Campos (2014, p. 315):

São os sujeitos os verdadeiros atores e mediadores das transações no mercado de bens e serviços religiosos. Esse controle já esteve, no passado, majoritaria-mente, com os agentes religiosos vinculados à oficialidade de suas agremiações. Além disso, em relação ao que ainda pretensamente se poderia continuar cha-mando religião, essa cultura celebra o local frente ao universal, os pequenos relatos frente aos grandes relatos, a excitação dos afetos frente às doutrinas, o amortecimento anímico frente à reflexão, paz e tranquilidade face à consciência e compromisso.

Percebemos que outras formas de religiosidade na contemporaneidade, podem ser cria-das como as espiritualidades não-religiosas que ganham novas leituras, relei-turas, roupagens e propagam para novas ressignificações como no caso da uti-lização da música rock. Observa-se ainda, que o tribalismo juvenil, proposto por Maffesoli como marca da pós-modernidade, está presente não só na cultu-ra, mas também nessas espiritualidades não-religiosas. Com os roqueiros que fazem suas próprias escolhas com ícones, objetos e símbolos, que se adaptem melhor as suas práticas religiosas e as formas de espiritualidade não-religiosas distantes de qualquer mediação das instituições religiosas.

Verificamos que o crescimento desordenado e o intenso processo de urbanização nas cidades brasileiras, como as formas de pensamento pós-moderno, trouxeram grandes impactos na vida de muitas pessoas. Nesse aspecto a socialização nas tribos urbanas que ocorre em torno da música rock como ritual, preenche uma lacuna deixada pelo Poder Público no que se refere às necessidades básicas de acesso à cultura para os adeptos dessas tribos urbanas.

Dessa forma, a cidade se torna um solo fértil para as mais variadas formas de socia-lização, que geram formas alternativas na produção cultural. De acordo com

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Camargo (1998, p. 145), a organização de grupos de iguais é proporcionada pela cultura da cidade. Lefebvre (1999, p. 158), também vê o fenômeno urba-no como movimento vivo e aberto para a socialização. Da mesma forma, Ma-ffesoli (2010a, p. 18) mostra que os mais variados fenômenos sociais servem para aglutinar as pessoas, justamente no prazer de estar juntos e partilhar das mesmas experiências sociais:

Ajudar-se mutuamente, encontrar novas formas de solidariedade, de generosi-dade, criar ocorrências caritativas, há tantas ocasiões para vibrar junto, para exprimir ruidosamente o prazer de estar-junto, ou, para retomar uma expressão trivial frequentemente nas novas gerações, para “gozar”. Expressão judiciosa no que ela ressalta bem o fim da forte identidade individual. Goza-se na efer-vescência musical, na histeria esportiva, no calor religioso, mas igualmente em uma ocasião caritativa, ou, ainda, em determinada explosão política.

Estas formas de “vibrar junto” e o “prazer de estar-junto”, sinalizam para a partilha dos iguais, com os mesmos desejos. As diversas manifestações culturais e religio-sas na pós-modernidade, mostram que as tribalizações estão abertas às mais variadas socializações e que não poucas vezes transcendem aos aspectos nor-mativos institucionais. Thompson (1998, p. 17), mostra a cultura como lugar das diferenças: “uma cultura é também um conjunto de diferentes recursos, em que há sempre uma troca entre o escrito e o oral, o dominante e o subordinado, a aldeia e a metrópole: é uma arena de elementos conflitivos.” Para Magnani (1996, p. 18-19), a cidade é o lugar de “gritantes contradições urbanas” e ao mesmo tempo é o lugar de entretenimento, sociabilidade, relacionamento e padrões culturais diferenciados.

Portanto, o que observamos é que essas contradições também ocorreram no nascimento da música rock e ainda continuam ocorrendo. Notamos ainda, que desde a sua criação, o rock teve forte ligação com à rebeldia, contestação e busca por liber-tação diante da opressão em que os negros viviam com a escravidão nos Esta-dos UniEsta-dos. Esses gritos por libertação começaEsta-dos com o blues como música profana e com o gospel como música sagrada ecoam ainda hoje com o rock e seus diversos gêneros entre os adeptos dessa música no contexto urbano. ESPIRITUALIDADE NÃO-RELIGIOSA COM O ROCK OU UM RETORNO À SUA

GÊNESE?

Verificamos que o rock em seu nascimento possibilitou tanto as manifestações religio-sas, quanto as não religiosas. Esta última pode ser verificada fora dos círculos religiosos, com uma espiritualidade não-religiosa que se fortaleceu a

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princí-pio com o blues na solidariedade dos mesmos sofrimentos em que viviam os negros norte americanos. O que mostra o poder de transformação da música negra desde o seu fundamento. Esta visão é compartilhada por Friedlander, de acordo com ele “no início do século XX, o blues existiu de inúmeras formas diferentes.” (FRIEDLANDER, 2017, p. 32). Para Friedlander, o próprio blues se reinventou ao sair do meio rural em direção aos centros urbanos. A vida nas cidades e os problemas sociais advindos da Segunda Guerra Mundial possibi-litaram essa nova leitura da vida com o blues urbano.

As apresentações de blues rural sulista nas varandas, nos bares de beira de es-trada, ou na praça das cidades perderam importância na década que se seguiu à Segunda Guerra Mundial – até serem substituídas pelos blues urbano do Norte e Oeste. O centro passou a ser os bares enfumaçados da região sul de Chica-go, assim como outras áreas urbanas e palcos teatrais. Uma maciça migração negra durante a Depressão e os anos da Segunda Guerra Mundial criaram um grande número de comunidades afro-americanas nos centros urbanos do Norte do país ao final da guerra em 1945. As novidades e a alienação da existência urbana, a ausência do lar e da família – e de seu apoio emocional e material – ajudaram a criar o cenário no qual o blues urbano floresceu (FRIEDLANDER, 2017, p. 32).

O blues urbano se desenvolveu como uma música de lamento ou escape para as adver-sidades da vida, um tipo de limpeza mental, que trouxesse alegria e esperança diante das incertezas e da opressão. Na visão de Friedlander (2017, p. 33), uma outra raiz negra do rock e não menos importante foi a música gospel:

Um estilo vocal emocionado e de complexidade harmônica caracterizou uma segunda, e importante, raiz negra do rock and roll, a música religiosa chamada gospel. Este estilo musical tem suas raízes na “igreja invisível” do final do pe-ríodo da escravidão, e era um formato que incluía palmas, chamado-e-resposta, complexidade rítmica, batidas persistentes, improvisação melódica e acompa-nhamento com percussão.

A força da música negra inicialmente com o blues rural, depois com o blues urbano e por último com o gospel como precursoras do rock, estavam abertas a outros elementos culturais e étnicos com a música folk e country dos brancos.

O folk e a música country, tradicionais estilos brancos – e eles mesmos uma síntese de formas brancas e negras –, também contribuíram com ingredientes importantes para o início do rock and roll. Em meados dos anos 50, o rockabilly,

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uma fusão sulista e branca da música country, do blues, do gospel e do rhythm and blues, proporcionou a catálise musical e emocional para que muitos bran-cos ultrapassassem os limites da tradicional música country e entrassem na era do rock and roll (FRIEDLANDER, 2017, p. 31).

Podemos observar que havia uma socialização com o sentimento de pertencimento dos negros e brancos americanos com o rock. Começava nessa época uma iden-tidade que passava pela atitude, postura e estética, e que foi abraçada pelos jovens a partir de 1950.

Na era do homem de empresa, na qual os pais trabalhadores se esforçavam para ter seu lugar e se conformar, o rock se tornou um catalisador para os adoles-centes formarem sua própria identidade de grupo – um companheirismo entre aqueles que gostam da música e se identificavam com ela (FRIEDLANDER, 2017, p. 46).

Uma nova mentalidade no que se refere ao trabalho e ao modo de socialização começa-va a surgir entre os jovens nos Estados Unidos em 1950. O rock tornou-se não apenas um estilo musical, mas foi um elemento que estimulou aqueles jovens na criação de sua própria identidade, como grupo de iguais que gostavam da música de forma ritualística com a repetição, gestos, ícones, roupas, acessó-rios, calçados, modo de falar e práticas que apontavam para uma cosmovisão em que a música rock proporciona uma espiritualidade não-religiosa.

Essa sociabilidade em torno da música rock ainda cria laços que são partilhados cada vez mais pelo grupo e não ficam estritos apenas ao estilo musical. “O falar jovem, o vestir-se de jovem, os cuidados com o corpo, as histerias sociais são, amplamente, partilhados. Cada um, quaisquer que sejam sua idade, sua classe, seu status, é, mais ou menos, contaminado pela figura da ‘criança eterna’” (MAFFESOLI, 2010a, p. 8-9).

A imitação do ritual juvenil como um verdadeiro culto social, a princípio começa entre os jovens nos grupos que expressam os mesmos desejos, vontades e sensações. No entanto, o que é produzido e partilhado por esses grupos ultrapassa os seus limites e acaba sendo incorporado pela sociedade. “Basta ver a importância da moda, do instinto de imitação, das pulsões gregárias de todos os tipos, das múltiplas histerias coletivas, dos agrupamentos musicais, esportivos, religio-sos, dos quais tenho frequentemente falado, para se convencer do contrário” (MAFFESOLI, 2010a, p. 12).

Essas mais variadas formas de sociabilidade com as tribalizações na atualidade, podem ser observadas no Senso Religioso Contemporâneo. Em que, o fiel pode não apenas construir de forma eletiva seus mais variados laços sociais, como faz

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seu próprio percurso na escolha dos objetos religiosos, na crença e na espiri-tualidade que se adapte melhor às suas necessidades cada vez mais de forma alternativa e livre da intervenção institucional religiosa.

O tribalismo então, quebra a rigidez nos laços sociais e possibilita novas redes de relaciona-mentos, onde o grupo social torna-se dinâmico e orgânico. “O tribalismo lembra, em-piricamente, a importância do sentimento de pertencimento, a um lugar, a um grupo, como fundamento essencial de toda a vida social” (MAFFESOLI, 2010a, p. 11). No aspecto religioso, Réville citado por Durkheim, aponta “a determinação da vida

humana pelo sentimento de um laço que une o espírito humano ao espírito misterioso, cuja dominação reconhece sobre o mundo e sobre si mesmo e ao qual gosta de se sentir unido” (RÉVILLE apud DURKHEIM, 1989, p. 60). O “sentimento de pertencimento” acima descrito por Maffesoli na tribalização como

alicerce para toda a vida social e o “sentimento de um laço que une” os seres humanos aos ser divino, citado por Durkheim, estabelecem um paralelo à me-dida que a socialização, tanto cultural quanto religiosa, ocorrem na coletivida-de e na ponte relacional para o outro.

E como a religião teria por função orientar as nossas relações com esses seres especiais, não poderia haver religião senão onde há orações, sacrifícios, ritos propiciatórios etc. Ter-se-ia assim um critério muito simples que permitiria dis-tinguir o que é religioso do que não o é (DURKHEIM, 1989, p. 60-61).

Tanto o rock em seu nascimento como instrumento de protesto, e às tribos urbanas na contra-cultura mostram o não conformismo aos padrões contra-culturais impostos pela sociedade. Esse inconformismo ocorre por vezes na cultura e na religião, daí a utilização do

rock como fonte de novas espiritualidades não-religiosas que nascem na atualidade. Com o individualismo crescente na Modernidade todas as manifestações são passíveis

de certa autonomia e liberdade para novas experimentações. Agora a cultura e a religião não são as bases normativas que dão sentido à vida das pessoas. Es-tas buscam suas próprias experiências, as que melhor se adaptem ao seu modo de vida com liberdade e autonomia, não aceitando mais nenhuma imposição daquelas instituições que eram o modelo ético e moral. ”A ênfase incide, en-tão, muito mais sobre o que une do que sobre o que separa. Não se trata mais da história que construo, contratualmente associado a outros indivíduos racionais, mas de um mito do qual participo” (MAFFESOLI, 2010a, p. 37).

De acordo com Durkheim (1989, p. 53), essa participação no âmbito religioso, advém da necessidade de uma representação cosmológica da humanidade:

Os homens foram obrigados a formar noção do que é religião, bem antes da ciência das religiões ter podido instituir suas comparações metódicas. As

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neces-sidades da existência obrigam-nos a todos, crentes e incrédulos, a representar, de alguma maneira, as coisas no meio das quais vivemos, sobre as quais temos sempre julgamentos a fazer e que devemos considerar no nosso comportamento.

O que Durkheim descreve como um impulsionamento do ser humano em “representar” a vida passa também por uma espiritualidade não-religiosa que faz julgamen-tos da própria existência e que gera valor normativo nas relações humanas. Ainda na visão de Durkheim, observa-se o caráter divisível da religião pelo fato da mesma ser um todo, formado por unidades: “um sistema mais ou me-nos complexo de mitos, dogmas, ritos, cerimônias. Ora, um todo só pode ser definido em relação às partes que o formam” (DURKHEIM 1989, p. 67). Os adeptos da música rock, que estão nas tribos urbanas headbangers na sociedade

atual, apontam para novas formas de cultura e religião. Isso ocorreu pelo pro-cesso de individualização, ou seja, justamente por observar a religiosidade em partes, o que possibilita novas experiências, práticas e novos sentidos para compreender a origem dos fenômenos religiosos e suas transformações. Na diversidade religiosa e no “self service” de possibilidades do Senso Religioso Contemporâneo, Durkheim (1989, p. 78) argumenta se a prática religiosa não caminha no futuro para a um culto individual:

Todos os cultos parecem, por definição, independentes de qualquer ideia de gru-po. E não apenas essas religiões individuais são muito frequentes na história, mas alguns se perguntam hoje se elas não são chamadas a se tornarem a forma eminente da vida religiosa e se não virá um dia em que não haverá outro culto senão aquele que cada um fará livremente no seu íntimo.

As manifestações juvenis em torno da música rock nas tribos urbanas headbangers fo-mentadas pela diversidade cultural proporcionam a possibilidade na pós-mo-dernidade das pequenas narrativas nas práticas religiosas, frente aos grandes

relatos. Como mostra Maffesoli. “Todo mundo vai falar como jovem, vestir-se como jovem, permanecer jovem, e poderíamos, estendo ao infinito, multiplicar as ocorrências nesse sentido” (MAFFESOLI, 2012, p. 51). As tribalizações fomentam as mais variadas formas de socialização, que posteriormente são incorporadas por outros grupos na sociedade.

O Senso Religioso Contemporâneo também mostra essa força e vitalidade que as prá-ticas religiosas têm em nossos dias, no qual a espiritualidade, a crença, bem como a diversidade dos objetos utilizados nas práticas religiosas são construí-dos de forma eletiva, com o afeto, liberdade e espontaneidade. Como descrito por Ribeiro e Campos (2014, p. 313-314): “Senso religioso, neste sentido, ultrapassa a noção de vínculo a uma instituição religiosa e abriga experiências

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e noções que são correlatas, mas que são vivenciadas em anterioridade e para além das determinações institucionalizantes das religiões”.

O rock ultrapassa as determinações impostas pelas instituições religiosas, mesmo sen-do utilizasen-do como manifestação social, cultural e religiosa em seu nascimento nas décadas de 1940 e 50, mostra como havia uma tensão da classificação das coisas entre profano e sagrado. No contexto de marginalização e opressão dos negros norte-americanos nas plantações de algodão, surgia o blues como música secular e o gospel como música sagrada, ambos, os estilos apesar de serem instrumentos de libertação, eram antagônicos.

Durkheim (1989, p. 68), mostra essas tensões quanto ao uso de objetos profanos e sagrados:

supõem uma classificação das coisas, reais e ideais, que os homens representam, em duas classes ou em dois gêneros opostos, designados, geralmente por dois termos distintos traduzidos, relativamente bem, pelas palavras profano e sagrado. [...]por coisas sagradas, não se devem entender simplesmente esses seres pesso-ais que chamamos deuses ou espíritos; um rochedo, uma árvore, uma fonte, uma pedra, uma peça de madeira, uma casa, enfim, qualquer coisa pode ser sagrada.

Dessa forma, o sagrado ocorre no âmbito religioso, com os fins que os homens como trans-formadores da cultura dão aos objetos. “O círculo dos objetos sagrados não pode pois ser determinado de uma vez por todas; sua extensão é infinitamente variável conforme as religiões” (DURKHEIM, 1989, p. 68). Não somente na religião os objetos sagrados não podem ser determinados pela sua vasta riqueza de signifi-cação. Também na sociedade existem vários ícones, signos e práticas que não es-gotam a sua riqueza, acabam por sinalizar os inúmeros sentidos da manifestação cultural e religiosa da comunidade ou do grupo. Observa-se aqui, o rock como objeto de estudo, afim de entender o fenômeno religioso com a espiritualidade não-religiosa entre os adeptos da música rock nas tribos urbanas contemporâneas. O que mostra que a espiritualidade não-religiosa com o rock na atualidade como ri-tual na socialização, solidariedade, pertencimento e partilha das mesmas sensações e gostos, também ocorreu com o blues como estilo musical que proporcionava a solidariedade, sociabilidade e espiritualidade não-religiosa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao pensarmos sobre o rock em si como uma possibilidade para uma espiritualidade não-religiosa, analisamos o poder que essa música tem na sociabilidade que começa com o ritual e a partilha dos mesmos gostos de seus adeptos. Essa so-lidariedade e pertencimento que o rock proporciona aos seus ouvintes, nos dão pistas sobre o poder dessa música, que consegue encher eventos de música em

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igrejas e comunidades cristãs, bem como em concertos de rock e até mesmo estádios de futebol em várias partes do mundo.

O ritual em torno do rock com a execução das músicas de forma rápida e ruidosa e o vocal feito de forma gutural apontam para um distanciamento dos padrões culturais estabelecidos na sociedade. As roupas diferenciadas, os cabelos, os sapatos, piercings, tatuagens o modo de falar desses grupos em nada diferem de certos padrões que muitas igrejas evangélicas utilizam para se diferenciar de outros grupos quanto ao costume que elas adotam.

As tribos urbanas headbangers mostram o poder socializador do rock e sua força para uma espiritualidade não-religiosa com o ritual e os aspectos ideoló-gicos, estéticos e a atitude gerada aos seus ouvintes de várias idades e re-alidades de vida. A urbanização das cidades e o pensamento pós-moderno permitiram essas novas formas de ser e pensar na cultura. O que abriu para novas formas de socialização e de vida para grupos diferenciados nos gran-des centros urbanos.

Portanto, o que percebemos foi que a utilização do rock como uma espiritualidade não-religiosa que parecia ser nova, inclusive fora dos círculos religiosos não tem nada de original atualmente. Essa possibilidade de leituras e re-leituras quanto ao significado que podem ser gerados pelo uso da música, também ocorreu em seu nascimento, no qual o blues foi utilizado como elemento sagrado e profano. Sendo assim, verificamos que essa espirituali-dade não-religiosa acaba sendo um retorno à gênese da música rock, com o sentimento de pertencimento, de estar juntos, na partilha das mesmas sen-sações e gostos, e acima de tudo na comunidade e solidariedade, frente as adversidades e sofrimentos enfrentados distantes dos círculos e instituições religiosas em nossos dias.

THE ROCK AS POSSIBILITY FOR A NON-RELIGIOUS SPIRITUALITY

Abstract: this article analyzes rock as the main element in non-religious spirituality with ritual, feeling of belonging, solidarity and sociability, outside of religious institutions. Our hypothesis is that the growth of cities as well as postmodern thought have provided other forms of culture and spirituality today. The main purpose of this article is to show that rock can be the main socializing element in this non-religious spirituality among the urban tribes headbangers in Belo Horizonte. The methodology proposed for this work is constituted by analysis of the bibliographical reference and has as main theoretician the sociologist Michel Maffesoli among other authors.

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