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NARRATIVAS EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS: UM OLHAR PARA A TRAJETÓRIA DE FORMAÇÃO INICIAL

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Academic year: 2021

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NARRATIVAS EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS: UM OLHAR PARA A TRAJETÓRIA DE FORMAÇÃO INICIAL

Tamini Wyzykowski (Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, Bolsista PIBID Ciências Biológicas/CAPES

Roque Ismael da Costa Güllich (UFFS, Coordenador do PIBID Ciências Biológicas/CAPES)

Resumo

O trabalho apresenta uma reflexão a respeito da constituição na docência em Ciências de uma licencianda, a partir da análise das narrativas registradas no seu Diário de Bordo. Os excertos do diário selecionados englobam várias experiências formativas vivenciadas desde o ingresso da licenciatura na graduação até a 9a fase do Curso de Graduação em Ciências Biológicas – Licenciatura. A partir desse relato podemos destacar o quanto pode ser válido o hábito de fazer o uso do diário de bordo na formação inicial de professores a fim de ressignificar concepções e ideários de docência, bem como guiar uma reflexão crítica e investigativa que configura a constituição de Professora de Ciências Biológicas.

Palavras chave: diário de bordo, formação de professores, reflexão

De onde narro

Sou licencianda da 9ª fase do Curso Graduação em Ciências Biológicas – Licenciatura, da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) – Campus Cerro Largo-RS. Meu relato apresenta algumas experiências formativas que vivenciei durante a formação inicial, registradas em meu diário de bordo e que neste momento passam a ser uma metarreflexão narrativa. Através da minha história descrita busco destacar o papel do diário de bordo, que vem servindo como instrumento propulsor para refletir ao longo do meu processo formativo, a fim de melhor ressignificar meus ideários e concepções de docência, qualificando a minha própria constituição docente pela via investigativa.

Essa história começa longe...

Ser professora é algo que me despertou interesse desde criança e isso se confirmou nos anos finais do Ensino Fundamental quando comecei a pensar em seguir na área de Biologia, embora que minha família e meus professores da Educação Básica não tenham dado muito incentivo para seguir a carreira pelo fato de ser pouco valorizada socialmente. Levando em conta a opinião das pessoas que conviviam comigo, conclui o Ensino Médio um pouco confusa quanto a qual profissão eu realmente deveria optar. Uma das minhas alternativas frustradas, foi prestar vestibular para um curso de Direito em uma Universidade Federal, no qual não fui aprovada. Logo após, resolvi inscrever-me no processo seletivo da UFFS, mesmo

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não tendo muito incentivo da minha família. Realizei minha inscrição na véspera do prazo final de inscrições para a Licenciatura em Biologia e fiquei muito feliz ao ser aprovada. Iniciei minha formação no primeiro semestre de 2010, mas para minha surpresa havia ingressado no Curso de Graduação em Ciências: Biologia, Física e Química – Licenciatura e não em Licenciatura em Biologia como eu pensava inicialmente.

As três áreas das Ciências não me despertavam interesse, tive muita dificuldade na graduação em disciplinas de Química II, Física I e Física II, contudo esforcei-me para ser aprovada em todas as disciplinas pois, teria que me formar em Ciências nos quatro primeiros anos para posteriormente poder cursar e formar-me em Biologia em um ano e meio.

O Curso de Graduação em Ciências, assim como a instituição de ensino em que eu havia me matriculado eram novos e isso gerava várias dúvidas, discussões entre colegas e professores e também dificultava compreender o que era a carreira docente. Nossas aulas eram muito conceituais, geralmente não relacionavam as três áreas das Ciências e infelizmente não tivemos os componentes curriculares de Prática de Ensino e Didática nos primeiros semestres do Curso.

Em meio às implicações do Curso, logo no primeiro semestre vários colegas começaram a desistir. Apesar de não estar muito satisfeita e sem compreender bem o processo que estava vivenciando, continuei, sem muitas expectativas convincentes de estar aderindo uma formação qualificada. Contudo, no segundo semestre de 2010 tive a oportunidade de ingressar numa bolsa de iniciação acadêmica e a partir dessa experiência minha formação e minha visão sobre a carreira ganharam novos sentidos. Além de aprender a investigar, também fui desafiada a criar o hábito de escrever as narrativas no diário de bordo e esse instrumento desde então tem acompanhado e guiado a reflexão sobre minha formação, além de guardar a história desta formação. “O diário de bordo é um guia para a reflexão sobre a prática, que favorece ao professor a consciência sobre seu processo de evolução e sobre seus modelos de referência” (PORLÁN; MARTÍN, 1998, p. 20).

Durante a vigência da bolsa de iniciação científica investiguei o papel da experimentação no ensino de ciências. A fim de construir os dados da pesquisa, realizava revisão da literatura da área e analisava episódios das degravações de alguns encontros com professores da educação básica de ciências, que eu acompanhava junto com o professor formador que é co-autor deste relato. Os professores investigados, juntamente com formadores da UFFS e licenciandos em Ciências, faziam parte do Grupo de Estudos e Pesquisa no Ensino de Ciências e Matemática (GEPECIEM) que é um fórum de discussão permanente que utiliza como referência o modelo formativo de investigação-ação

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(ALARCÃO, 2011; CARR; KEMMIS, 1988). Neste grupo as três categorias de sujeitos professores – licenciandos, professores de educação básica e formadores da UFFS – realizam sua formação compartilhada, constituindo o que a literatura aponta como tríade de interação, conceito de Zanon (2003). A formação assume nesse grupo um espaço e um tempo de aprendizagens. Conforme a proposta do GEPECIEM, os integrantes são convidados a fazer o uso do diário de bordo, que impulsiona nos sujeitos a reflexão sobre o processo formativo e se torna uma ferramenta de investigação das próprias ações.

Em outubro de 2010, perto do término da bolsa de iniciação científica foi consolidado na Instituição o Programa de Educação Tutorial em Ciências (PETCiências) com o tema Meio Ambiente e Formação de Professores, que oferecia em seu primeiro edital de seleção quatro bolsas aos acadêmicos de Ciências a fim de desenvolver atividades de ensino, pesquisa e extensão. Com o intuito de continuar a desenvolver as atividades que já realizava e fazer a iniciação a docência para melhor compreender como seria ser professora, que era uma das atividades propostas do Programa, decidi inscrever-me no edital e fui selecionada. Ingressei no PETCiências em dezembro de 2011 e a experiência de ser petiana foi um grande contributo a minha formação, principalmente porque permitiu-me contextualizar como é ser professora a partir da iniciação a docência, entre outras atividades desenvolvidas no grupo.

Em abril de 2013 saí do PETCiências a fim de dedicar-me à uma nova bolsa de iniciação científica que tinha como proposição a investigação da formação de professores a partir das narrativas do diário de bordo, tema que eu já vinha pesquisando como voluntária junto ao professor orientador desde 2011. Assim, no período de abril de 2013 a março de 2014 investiguei o potencial das narrativas para impulsionar a reflexão e assim contribuir para a formação dos meus colegas licenciandos, para a minha própria formação, e para a formação professores da educação básica que participavam do GEPECIEM.

Pensava a partir de então que participaria desse projeto de pesquisa até o final da Graduação e que essa seria minha última bolsa na formação inicial. Porém, no decorrer da caminhada surgiu mais uma oportunidade de aprimorar o processo constitutivo e ganhar experiência formativa em outro Programa da Instituição.

Em fevereiro de 2014, a fim de redimencionar os rumos na formação e continuar compreendo o universo que permeia a docência, submeti uma carta de intenções ao processo seletivo das bolsas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID, subprojeto PIBIDCiências Biológicas da UFFS e fui selecionada para uma das 30 bolsas ofertadas. Atualmente participo das atividades de iniciação a docência propostas pelo PIBID em uma escola de Ensino Médio por meio do acompanhamento das aulas de uma professora

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de Biologia. A partir de um trabalho conjunto com outras colegas licenciandas que também participam do Programa, somos orientadas pelos coordenadores do Projeto a atuar nos contextos escolares da educação básica, colaborando no desenvolvimento de aulas, realizando intervenções pedagógicas mediadas de modo compartilhado através de diferentes metodologias, sobretudo a partir de aulas experimentais. Além disso, também fazemos uso do diário de bordo, que serve como instrumento de registro para descrever e refletir sobre temas que permeiam a docência.

O diário de bordo continua a abrigar o enredo da minha história formativa. As narrativas são histórias de vida com sentidos imbricados nas entrelinhas (IBIAPINA, 2008), que possibilitam ficar mais propícia a reflexão sobre e para a ação (ALARCÃO, 2011) e a efetivar um olhar crítico sobre o ensino de Ciências. “Ao produzirmos narrativas, ao contarmos a nós e a outrem nossa história de formação, estamos nos formando, reformando e transformando em contato com o outro. É esse outro que nos confere identidade” (CHAVES, 2011, p. 217)

Nesse trabalho, trago uma pequena análise do meu próprio diário de bordo a fim de evidenciar indícios que demonstram minha própria constituição. Sou autora e pesquisadora da minha formação e isso me permite redimensionar os avanços e retrocessos desse processo, bem como relatar essa história de vida, que incide sobre minhas concepções e ideários de docência. Busco relatar partes do meu processo constitutivo, baseando-me nas minhas narrativas que vêm sendo desenvolvidas desde agosto 2010, que se referem a várias experiências formativas vivenciadas que me constituem e corroboram para uma visão mais contextual e investigativa da docência.

Narrando e investigando a própria história

A princípio não compreendia qual seria o papel do diário para a minha formação e não tinha ideia do quanto esse instrumento influenciaria no meu percurso formativo e na tomada de decisões futuras, em meu pensamento. Inicialmente fazia o uso do diário de bordo sem entender o “porquê” de utilizá-lo, mas a medida que fui adentrando nos contextos formativos nos quais estava inserida, passei a compreender sua finalidade e o quanto ele poderia ser favorável para melhor constituir-me durante a formação inicial. Com base na minha experiência e nos enunciados de Alarcão (2011) destaco que o hábito de escrever narrativas, que tenho adquirido na formação inicial, ajuda-me a desdobrar meu próprio percurso profissional e acredito que esse instrumento perdurará pela minha vida profissional adentro. Meu diário ajuda-me a analisar a vida, possibilita-me perceber a evolução do meu processo

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constitutivo e os aspectos que preciso melhorar.

Quanto aos licenciandos, o papel das narrativas na formação é especialmente marcante, pois faz com que o hábito de escrever seja desenvolvido desde o início da formação, bem como a pesquisa sobre a própria prática dá contornos ao perfil do professor a ser formado. Com o tempo, o processo tende a fazer com que a escrita se torne parte de sua formação/constituição, assumindo a forma desejada: a pesquisa na ação docente (GÜLLICH, 2013, p 300).

Ao longo desse período de aproximadamente quatro anos de uso de diário de bordo, o instrumento tem se tornado um “manancial de reflexão profissional a partilhar com os colegas” (ALARCÃO, 2011, p. 58).

“...falta tempo e sobram aspectos da formação a serem ressignificados e melhor refletidos para melhor conduzir o percurso profissional. Se tratando de docência, acredito que sempre há o que refletir, sendo assim, sempre falta tempo também! É importante refletir a formação e a escrita do diário de bordo impulsiona esse processo. Contudo, é essencial inserir na prática docente o conteúdo e as concepções maduras que constam nas nossas reflexões imbricadas nas narrativas do diário de bordo. Não basta perceber que preciso mudar, pensar e descrever como posso melhorar. Eu preciso conduzir meus atos a partir das minhas reflexões. Não podemos nos tornar professores que 'moldam' sua constituição com muita teoria e pouca prática: 'façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço!' Nossa prática deve dialogar com nosso discurso e com nossos valores simultaneamente. Isso é desafiador! […] precisamos estar em um constante aprendizado sobre aquilo que ensinamos e como ensinamos. Precisamos catalizar o desejo de aprender e praticar nossos modelos de referência sob nossa ação docente. […] cada sujeito tem uma concepção sobre o que o torna um bom professor. […] o processo de formação na docência é dinâmico, delicado, sensível, com antecedentes e implicações, tem avanços, retrocessos e precisa perdurar por toda a carreira” (21 de março de 2014)

Confesso que, logo no início, escrever narrativas não se configurou como uma tarefa fácil. Desenvolver o diário de bordo “implica de continuidade no esforço narrativo, pelo próprio esforço linguístico de reconstituir verbalmente episódios densos de vida” (ZABALZA, 1994, p. 92). Por várias vezes, e, às vezes, ainda tenho dificuldades diante de uma folha em branco (ALARCÃO, 2011). É comum perguntar-me sobre o que escrever e como transcrever meus pensamentos em palavras:

“as vezes tenho a impressão de que refletir sobre e para o processo formativo ocasiona mais dúvidas do que certezas. Me refiro novamente ao TCC... A reflexão tem possibilitado perceber várias possibilidades de pesquisa. É como se ao ir refletindo sobre o referencial e compreendendo as interações nos contextos formativos, vai se abrindo um 'leque' de assuntos que podem ser problematizados na escrita. […] ao ler o meu diário de bordo, recordei que já é a terceira vez que estou em meio a uma 'batalha de questionamentos' a respeito da monografia” (25 de

novembro de 2013)

Meus registros iniciais no diário de bordo eram simples descrições sobre os fatos transcorridos. Mas com o passar do tempo minhas narrativas foram englobando reflexões sobre as vivências experienciadas e essas reflexões tornaram-se constitutivas à medida que recaíam sobre e para a minha formação (PORLÁN; MARTÍN, 1998). O diário de bordo possibilitou aderir mais autonomia em meu processo formativo, pois, as narrativas passaram a constituir-me professora. Corroboro o pressuposto de Zabalza (1994, p. 91-2) ao afirmar que

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“logo que os professores se 'encaixam' na dinâmica do diário, reconhecem-lhe, de um modo geral, muito sentido e uma grande utilidade [...] o professor utiliza-o como algo seu para si”, um excerto do meu diário de bordo também expressa esta ideia:

“acredito que é favorável ao meu processo de formação fazer o diário de bordo. Ao escrever o diário, nós estamos organizando nossos pensamentos e expondo nossas angústias e expectativas. Isso ajuda a refletir sobre a realidade. […] com meu diário de bordo, por meio dos meus registros, estou escrevendo parte da minha história enquanto licencianda do Curso de Ciências [...] Acredito que hoje tenho uma visão mais crítica e justa, estou mais ciente da realidade profissional de um professor” (01 de abril de 2011).

A pesquisa e a reflexão sobre o processo, descrita em histórias narradas, ajudaram-me a começar a efetivar um olhar mais crítico sobre a profissão docente e também foram um grande estímulo para dar continuidade a Graduação. Como a maioria dos meus colegas, também saí da educação básica com várias concepções equivocadas sobre a docência o que remetia a apontar muitas críticas aos meus antigos professores. Não cheguei em “branco” na Graduação, pois trazia comigo uma bagagem histórica cultural de experiências que vivenciei no cotidiano escolar da Educação Básica como estudante, que me induziam a pensar um “modelo” um tanto ingênuo de como eu queria ser professora no futuro (CARNIATTO, 2002). Eu sempre desejei ser uma boa professora, mas tinha uma visão muito simplista de docência, que por vezes não englobava refletir sobre as dificuldades que os professores enfrentavam no cotidiano a fim de conseguirem cumprir seu papel social: a construção do conhecimento junto aos alunos.

Desenvolvendo a pesquisa junto ao orientador comecei a constituir-me de um modo crítico na docência, passei a refletir no diário de bordo e aos poucos fui reconstruindo minhas concepções equivocadas, assim acredito que ele mesmo tem razão ao afirmar que: “a autonomia” vai “sendo resgatada como fator de constituição docente” (GÜLLICH, 2013, p. 16).

“Pesquisar tem sido uma experiência muito boa pra mim. Através dela [da pesquisa] aprendi a ter um olhar mais crítico para reconhecer a realidade em que o professor está inserido. Enquanto estudante do ensino básico, não gostava das aulas de alguns professores; considerava-as 'chatas' por serem monótonas, sempre aplicadas através dos textos e exercícios dos livros didáticos. No entanto, não lembro de ter perguntado a mim mesma quais seriam as possíveis razões para não haver uma mudança de dinâmica no cotidiano escolar. Agora, por meio da pesquisa consigo compreender melhor...[…] reconheço que tive professores ótimos, mas foram poucos e ainda, acredito que eles poderiam ser excelentes se encontrassem condições favoráveis no cotidiano” (19 de outubro de 2010).

Percebi que teria muito a aprender para tornar-me uma boa professora e por isso nos encontros de formação eu considerava importante ouvir atenta o que os professores mais experientes tinham a falar. Tinha receio de falar das minhas concepções, que por vezes dependendo da situação poderiam ser mal interpretadas, como reflito na passagem de meu

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diário:

“Também estou gostando de participar no GEPECIEM, ou melhor, ouvir no GEPECIEM porque até o momento não participo ativamente. Trago comigo minhas vivências da educação básica, mas não as relato porque pra mim é mais interessante escutar o que os professores têm a dizer. Embora as vezes tenho vontade de interferir no grupo, mas não me sinto totalmente segura ainda […]. Acredito que é muito bom participar do GEPECIEM agora,no início da minha formação. Faz pouco que saí da educação básica, é importante fazer uma comparação do que ouço dos professores com aquilo que vivenciei, para chegar a conclusão de como devo agir no futuro, como professora” (19 de outubro de 2010).

Comecei a participar do GEPECIEM desde o primeiro encontro no qual o grupo começou a ser formado e a partir dos diálogos com professores experientes passei a realizar um diálogo comigo mesma sobre como eu gostaria de ser professora, também levando em conta as minhas vivências na Educação Básica como aluna. Por vezes, ao ouvir os relatos dos professores tinha o desejo de contextualizar a profissão pois, minhas concepções sobre a docência tinham origem na educação básica, mas eu queria compreender a carreira na prática, como professora!

Ao ingressar no PETCiências tive a oportunidade de fazer a iniciação a docência e isso permitiu vivenciar na prática alguns desafios e as potencialidades da futura profissão. As atividades de ocorriam através de um trabalho conjunto com os professores da educação básica que participavam do GEPECIEM. Nós bolsistas fomos inseridos nos contextos escolares a fim de revitalizar os laboratórios e promover o uso da experimentação no ensino de Ciências, que era um tema muito discutido entre os professores naquele contexto. Contextualizar como ocorria a experimentação também foi muito importante para meu crescimento como pesquisadora porque isso estava diretamente relacionado ao projeto de pesquisa que eu participava.

Além disso, considero fundamental ter contextualizado a experimentação pois, como aluna da Educação Básica não tive acesso a essa metodologia de ensino e aprendizagem. Entrei na graduação com a concepção equivocada da experimentação, como um método para complementar o ensino de Ciências, sem ter experienciado como é aprender a partir das aulas práticas.

“Eu já tinha uma ideia de como era a estrutura física dos laboratórios [das escolas] a partir das falas dos professores ano passado, quando eu realizava pesquisa sobre experimentação. Com certeza visualizar tais espaços ajudou-me a compreender melhor as dificuldades que os professores enfrentam para realizar a experimentação, como a falta de material, a falta de organização, a má conservação da limpeza dos laboratórios e até mesmo a ausência de um espaço físico destinado à experimentação. Agora entendo a angústia dos professores, pois antes de contextualizar a realidade algumas vezes pensei que as reclamações de tais professores poderiam ser um tanto exageradas” (23 de fevereiro de 2011).

À medida que pesquisei e contextualizei a experimentação fui compreendendo o seu sentido que é a construção do conhecimento em Ciências, bem como as dificuldades que

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impedem ou dificultam o uso das atividades práticas. A iniciação a docência contribuiu para compreender a carreira docente de outro ponto de vista, na prática, como professora. Na verdade foi um 'choque' com a realidade, que felizmente ocorreu no início da minha formação, como identifiquei em uma das reflexões que fiz em 2012, aqui expressa:

“parece que ao invés de sentir-me mais preparada para exercer a carreira docente, as dificuldades e potencialidades do contexto escolar que eu estou vivenciando nesse processo de iniciação a docência, por vezes fazem eu me sentir insegura quanto a capacidade de poder desenvolver boas aulas futuramente. Esse 'medo' pela carreira é a percepção da realidade, é bom porque me faz refletir, mas as vezes também assusta. Quero ser professora?, mas tenho percebido que a carreira é um desafio constante, sem fim, que parece se reiniciar dia a dia e que exige diversas posturas frente as diferentes situações do cotidiano escolar. Vejo que ser professor exige um olhar crítico sobre o processo de ensino, que difere de aluno para aluno a fim de contribuir para o aprendizado significativo de cada sujeito. Ser professor é desafiador e espero terminar a graduação bem preparada para exercer a docência, embora que também considero a formação continuada essencial” (05 de novembro

de 2012).

As vivências experienciadas faziam-me refletir no diário de bordo sobre como eu deveria proceder na minha formação inicial. "Não deve direcionar-se somente a problematizar a prática, mas também a buscar novas soluções bem fundamentadas, elaborando conjuntamente hipóteses de investigação" (PORLÁN; MARTÍN, 1997, p.67). Aos poucos passei a entender que precisava de um grande comprometimento para tornar-me uma boa professora, principalmente aprender os conteúdos para depois poder ensinar e planejar bem as aulas. Passei a efetivar um olhar mais crítico e ressignifiquei minhas concepções de docência.

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, [narrar] parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA, 2002, p. 24).

Ao invés de simplesmente criticar, convivendo com professores da educação básica passei admirá-los e reconhecer seu esforço para construir o conhecimento junto aos alunos, como pode ser evidenciado nas passagens transcritas:

“quanto mais o tempo passa, mais percebo que tenho muito a aprender para me tornar uma boa professora. Mas afinal, o que vem a ser um bom professor? Eis o mistério que a cada dia tento desvendar! […] ser professora é muito mais complexo do que eu imaginava inicialmente, logo que entrei na graduação. Estou compreendendo a profissão no decorrer do processo formativo e sinto que isso ajuda a constituir-me” (16 de março de 2012).

“admiro muito a professora 2 porque a mesma está sempre disposta a inovar suas aulas. Percebo que a professora 2 gosta daquilo que faz e acho que ela não se dá por conta do quanto ela é boa naquilo que realiza” (21 de março de 2012).

“A iniciação a docência dá um embasamento sobre a carreira, é uma experiência formativa, porém também faz refletir se é isso que realmente queremos para nossas vidas. Hoje vejo que a docência não é uma simples opção profissional, mas sim uma escolha de vida, na qual precisamos imergir com comprometimento e

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responsabilidade para exercer de um modo satisfatório” (15 de junho de 2013).

Meu diário de bordo permitiu acompanhar várias etapas do meu processo constitutivo na docência e possibilita outras pessoas tomarem conhecimento dessa história. A partir das narrativas é possível “contar aos outros todo o encantamento que eu via [ainda vejo] nesse mundo” (CHAVES, ano, p. 215). Na verdade, “o que importa é que vidas não servem como modelos. Histórias apenas servem. Nós só podemos viver as histórias que lemos ou ouvimos. Nós vivemos nossas vidas através dos textos” (HEILBRUN apud LAROSSA et. al., 1995, p. 11).

Em abril de 2013 deixei o PETCiências, a fim de dedicar-me à uma bolsa de Iniciação Científica:

“o PETCiências contribuiu para que eu aderisse um perfil de pesquisadora na prática; em projetos de pesquisa, em grupos de formação e no contexto escolar. O Programa instigou a investigar e refletir minha própria formação e isso vem permitindo à construção de um ideário de docência mais contextual no meu processo formativo. Participar do Programa foi uma experiência muito válida, que qualificou muito minha constituição na docência. O PETCiências fez eu descobrir que quero ser pesquisadora e isso estimula a dedicar-se à graduação e dar sequência nos estudos. Sou muito grata à tutora do Programa e aos colegas do grupo por todas as experiências compartilhadas e conhecimentos construídos juntos” (15 de junho de 2013).

Ao realizar as atividades da bolsa de iniciação científica no período de abril de 2013 a março de 2014, passei a investigar a constituição dos professores de Ciências na formação inicial e continuada a partir das narrativas em diários de bordo, que corroborando com minha história descrita, agregam um grande valor formativo à medida que possibilita ao autor e ator da história refletir, investigar e assim conduzir o próprio processo formativo.

“A reflexão é um movimento dialético, trata-se de um diálogo do sujeito consigo mesmo e é a partir da reflexão formativa que torna-se possível rever e tranformar as práticas pedagógicas. Considero refletir de modo crítico um processo um tanto custoso, que demanda um tempo que por vezes o professor não tem e por isso acaba transformando a sua atuação profissional em um processo repetitivo e mecânico. Acredito que a falta de reflexão sobre como estamos agindo e nos comprometendo com a própria formação, nas diferentes situações e contextos que englobam o universo da docência, podem comprometer o êxito do processo de ensino e aprendizagem em Ciências. Somos responsáveis pelo que aprendemos, pelo o que ensinamos e pelo modo que ensinamos - para que o outro também construa o conhecimento! Considero o diário de bordo um recurso que leva o professor a refletir, pois nas narrativas é possível realizar um processo reflexivo: pensar a prática e pensar na melhoria da prática. O diário de bordo guia o professor a ser pesquisador e transformador dos seus métodos e concepções de ensino […] constitui sujeitos mais reflexivos” (27 de abril de 2013).

Atualmente sou bolsista do PIBIDCiências Biológicas e continuo desenvolvendo minhas narrativas no diário de bordo a fim de continuar realizando uma investigação da minha própria formação. Considero importante compreender o universo em que estou inserida para saber como proceder com minhas ações futuras e repensar o que aconteceu.

No que concerne à investigação-ação (IA), os diários de bordo adicionam ao potencial formativo do processo, dado pelo diálogo formativo, a perspectiva da

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constituição dos docentes, como um processo de desenvolvimento profissional, daí investigação-formação-ação. Pela escrita reflexiva, o professor investiga sua prática, reflete, desenvolve-se (GÜLLICH, 2013, p. 300).

O diário de bordo tornou-se articulador da minha reflexão, mas não refiro-me a qualquer reflexão, e sim, uma reflexão sobre a formação (ZEICHNER, 2008). Reporto-me a uma reflexão que incide para a transformação das minhas ações nos contextos formativos e tornam-se um espaço-tempo da minha constituição docente (GÜLLICH, 2013). Costurar a tessitura das minhas narrativas, englobando descrições e reflexões formativas, vem propiciando o movimento de investigação-formação-ação no decorrer da minha formação inicial e isso contorna/conforma o meu 'eu-professora'. Meus atos são movidos por crenças, concepções e experiências que tive em minha trajetória de vida (CARNIATTO, 2002). A partir da reflexão sobre e para a melhoria das minhas ações, minhas vivências têm se tornado experiências e isso facilita minha constituição de um modo mais crítico, pois torno-me conhecedora dos saberes sobre minha ação docente, numa malha e contexto sócio-histórico e crítico (VIGOTSKI, 2001, CONTRERAS, 1994).

Parar, pensar e continuar narrando

Foi muito importante desenvolver o diário de bordo na formação inicial, pois o instrumento tem possibilitado realizar uma investigação-ação. Aos poucos fui aprendendo a ser pesquisadora da minha própria prática, também percebo pela investigação que a formação é um constante devir como professora... .

Fazer o uso do diário de bordo possibilitou conduzir meu percurso e a tomar algumas decisões que incidiram sobre minha formação/constituição. A partir do diário de bordo percebo o quanto evolui durante o processo até então vivenciado e o quanto ainda preciso refletir para melhor constituir-me como futura professora de Ciências (Biológicas). Posso corroborar as afirmações de minhas considerações finais com um excerto de meu próprio diário de bordo e assim encerro esta narrativa - relato de experiência, que surgiu em decorrência do desenvolvimento de uma investigação-formação-ação na minha formação inicial:

“é preciso compreender que o principal intuito do diário é promover a partir dele uma investigação da própria formação. Narrar por narrar os fatos que acontecem no cotidiano não tem muito sentido. É preciso pensar sobre aquilo que acontece no nosso percurso e manifestar nossas impressões na escrita. Quando eu comecei fazer uso do diário de bordo (em gosto de 2010), pensava que o instrumento funcionava como uma ata de registro sobre as atividades realizadas. E suspeito que os licenciandos que hoje estão adentrando nesse processo também pensam assim: consideram o diário como um meio de controle que os professores formadores têm para verificar quais bolsistas realizam as atividades! No início, como uma tarefa, eu descrevia as atividades que eu realizava na bolsa e só... era uma simples narração, sem uma reflexão crítica a respeito da significação dos fatos para minha formação.

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Aos poucos, com a mediação do professor formador, a partir dos 'recados' e questionamentos deixados por ele no meu diário, fui conduzida a deixar de simplesmente descrever os acontecimentos e passei a relacionar os fatos dos contextos formativos com a minha constituição. A partir da reflexão impulsionada pelas narrativas do diário de bordo minhas vivências passaram a ser experiências formativas e isso me constitui. Passei a incorporar na minha escrita meus ideários de docência, concepções de ensino, anseios, angústias e até mesmo frustrações perante as limitações que se manifestam ao longo do caminho. Hoje, não considero importante narrar TUDO que acontece. Mas sim, manifestar em minha história de formação, na qual sou protagonista e autora, minha reflexão a respeito de aspectos que eu considero importantes... fatos que me impulsionam a ressignificar o rumo da formação... acontecimentos que transformam meu 'eu' professora... episódios de vida que podem possibilitar aos leitores do meu diário a compreensão do enredo da minha história formativa na docência e perceber nas entrelinhas descritas meus avanços e retrocessos constitutivos. Descrevo e faço uma reflexão a respeito daquilo que 'me marca', vivências nos contextos formativos que EU julgo importantes porque contribuem para eu me constituir uma boa professora de Ciências Biológicas. Acho um tanto impossível construir uma reflexão formativa a respeito de cada acontecimento presente na formação inicial... e nem há tempo suficiente para isso. Ao escrever o diário de bordo é preciso selecionar o que é mais importante descrever e refletir! A reflexão do diário de bordo me guia a ser mais crítica e agir com mais autonomia, tentando evitar o automatismo nas ações empreendidas. É importante fazer o uso do diário de bordo, mas o mais importante é o sujeito compreender o porquê de estar utilizando esse instrumento na formação inicial e perceber como é possível conduzir e transformar sua vida profissional a partir do uso contínuo. E essa 'constatação' se adquire através do hábito da escrita, mediado pela orientação do professor formador, pela leitura dos referencias e a partir das interações constitutivas no grupo de formação. Suspeito que hoje compreendo o sentido do diário de bordo... e se ainda não compreendi, creio que estou no caminho desse entendimento, pois agora terminei de descrever minha reflexão a respeito de sua funcionalidade. Aguardo retorno do formador se eu estiver muito equivocada”

(16 de abril de 2014).

REFERÊNCIAS

ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

CARR, W.; KEMMIS, S. Teoria crítica de la enseñanza: investigación-acción en la formación del profesorado. Barcelona: Martinez Roca, 1988.

CARNIATTO, Irene. A formação do sujeito professor: investigação narrativa em Ciências/Biologia. Cascavel: Edunioeste, 2002. [Dissertação de Mestrado].

CHAVES, Sílvia Nogueira. A construção coletiva de uma prática de formação de

professores de Ciências: tensões entre o pensar e o agir. Universidade Estadual de Campinas

Faculdade de Educação, 2000. [Tese de Doutorado]

CONTRERAS, José Domingo. La investigación en la acción. Cuadernos de Pedagogia, nº 224, Madrid: Morata, abril 1994, p. 7-31.

GÜLLICH, Roque Ismael da Costa. Investigação-Formação-Ação em Ciências: um caminho para reconstruir a relação entre o livro didático, o professor e o ensino. Curitiba: Prismas, 2013.

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Referências

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