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XXVI Reunião da ANPOCS

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Academic year: 2021

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XXVI

Reunião da ANPOCS

GT

Estratificação e Mobilidade Social

Mercado de trabalho e Trajetórias Ocupacionais:

entre mudanças, permanências e seus significados

possíveis”

Felícia Picanço

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“Mercado de trabalho e Trajetórias Ocupacionais:

entre mudanças, permanências e seus significados

possíveis”

Felícia Picanço Professora da UERJ e PUC-RJ

Não se tem dúvidas que a partir dos anos 40 o país experimentou um processo de industrialização e urbanização intenso que implicou na reconfiguração da estrutura ocupacional e algumas mudanças na estrutura de classe da sociedade. Contudo, a década de 90 aponta a incapacidade de sustentação política e econômica dos ganhos acumulados nestas décadas de construção de uma sociedade urbana industrial no Brasil. Os resultados aparecem sob diversas formas, dentre elas, a redução de postos de trabalho em vários ramos de atividade, aumento do desemprego, diversificação perversa das atividades geradoras de provimentos para sobrevivência e crescimento da desigualdade social. Neste contexto, a questão do emprego emerge como um desafio teórico, empírico, social, político e econômico.

Sendo assim, a associação, que se pretendeu uma receita exitosa, entre (i) políticas liberais da era da desregulamentação da sociedade de serviço, (ii) o ideal de liberdade criativa dos indivíduos como mecanismo geração de novas oportunidades ocupacionais, (iii) a necessidade geração de meios para sobrevivência, e (iv) a concepção de que mercado de trabalho livre é capaz de resolver o problema da alocação dos indivíduos na esfera produtiva, não atravessa o debate sem sofrer ferimentos graves. A arma do crime aparece sobre o problema da inserção, circulação e a segregação dos indivíduos no mercado de trabalho.

Sob vários aspectos este problema vem sendo tratado pelos estudos sociológicos e econômicos a partir da mensuração das desigualdades e de temas como a formação de redes de reciprocidade, as estratégias grupais e individuais de sobrevivência, as trajetórias ocupacionais, a empregabilidade, as novas práticas produtivas e suas implicações sociais, e a questão da estrutura de classe. A produção científica utilizando grandes bases de dados ficou por muito tempo restrita às instituições governamentais. A ampliação da divulgação e acesso aos dados para os anos 90 parece dar um novo fôlego às investigações. Este novo fôlego se torna visível não apenas pela quantidade de novas pesquisas, mas, pela fertilidade dos temas abertos.

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Desta maneira, o problema proposto neste artigo está inscrito neste caminho e parte de uma questão considerada central: quais os impactos do conjunto de transformações, que se convencionou chamar de modernização

econômica, no desenho das trajetórias ocupacionais dos indivíduos? Quais as

mudanças observadas no padrão de comportamento das trajetórias?

As possibilidades metodológicas para construir respostas à questão proposta variam, mas a escolha foi provocar um diálogo entre a tradição dos estudos de Mobilidade Ocupacional e a Sociologia do Trabalho como forma de ampliar o uso dos instrumentos analíticos e metodológicos disponíveis nos estudos sobre o fenômeno do trabalho urbano no Brasil. Desta forma, irei explorar uma dimensão da mobilidade ocupacional, a mobilidade intrageracional, aquela que ocorre entre o primeiro emprego do indivíduo e a ocupação atual. Este é o movimento que será referido como trajetória ocupacional dos indivíduos.

A escolha por investigar a questão através do diálogo com a literatura de mobilidade também impulsionou a escolha pelas Pesquisas Nacionais por Amostras de Domicílios (PNADs) dos anos de 1988 e 1996 como fonte dos dados. A PNAD é uma pesquisa elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e, em geral, a cada ano um tema é escolhido para gerar um questionário suplementar, a mobilidade ocupacional foi escolhida nos anos de 1973, 1982 (apenas dados sobre o pai e não sobre a primeira ocupação), 1988 e 1996. Como o objetivo é tentar captar as transformações recentes, os dados de 1988 e 1996 foram selecionados para análise. Por fim, saliento que os dado das PNADs serão fontes para todas as tabelas apresentadas ao longo deste estudo.

MUDANÇAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO

Década perdida?

Este século que acaba de terminar foi marcado pelo longo processo de transformação de uma sociedade agrária para uma sociedade urbana e industrial. Em linhas gerais podemos resumir alguns passos deste percurso. A década de 20 marca os primeiros esforços para a ampliação da capacidade de produção de energia e aço. Esforços estes que permitiram a intensificação da industrialização através da política de substituição das importações ocorridas nos anos que se seguiram. Os anos 30 e 40 deram partida ao processo intenso de industrialização com a utilização da capacidade ociosa criada nos anos 20, surgimento das indústrias químicas e metalúrgicas e o aceleramento produtivo causado pela Segunda Grande Guerra. Os resultados foram as elevadas taxas de crescimento ao

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ano. A década de 50 deu continuidade a esta dinâmica com dois elementos fundamentais: o ingresso maciço do capital estrangeiro para financiar a industrialização e o ápice da política de substituição das importações.

Nos anos 60 e 70 a indústria de transformação foi a grande responsável pela expansão do emprego industrial, em especial as indústrias modernas como automóveis, metalurgia, química e petroquímica. Mas, também impulsionou o dinamismo das indústrias tradicionais como a construção civil (atrelado a urbanização do país e ampliação da classe média). Esta expansão do parque industrial brasileiro tornou agudo endividamento público.

O início dos anos 80 foi marcado pela instauração de um quadro de crise e desarticulação do padrão de desenvolvimento do país. A crise do modelo se deu pela inviabilidade de sustentação econômica e política e não por um redimensionamento do papel do Estado promovido pelos atores sociais. A combinação dos fatores políticos, econômicos e tecnológicos conduziram à estagnação do setor produtivo, onde os ciclos de crescimento impulsionados pela dinâmica industrial experimentados ao longo dos anos 70 foram interrompidos.

A expansão industrial dos setores automobilístico (indústrias montadoras e auto-peças/acessório de veículos), metal-mecânico (indústrias metalúrgicas e mecânicas produtoras de bens de capital - indústria de máquina-ferramenta) e setor químico (em especial a petroquímica), perde o ritmo. É o momento que se rompe com a estabilidade do tripé formado pelo Estado, capital nacional e capital externo, provedor da economia industrial. O país em crise, o financiamento externo suspenso, um Estado incapaz de orientar a estabilização econômica, um capital privado sustentado pela proteção estatal e pelo uso da força de trabalho caracterizado pela alta rotatividade, baixos salários e níveis educacionais baixos compõem o quadro da chamada década perdida.

A crise dos anos 80 se defronta, então, com um parque industrial heterogêneo e monopolizado setorialmente, onde estratégias empresariais de fuga da crise e a não difusão das tecnologias poupadoras de mão-de-obra garantiram a manutenção das taxas de ocupação por ramo de atividades e de níveis não assustadores de desemprego.

A Perda da Década

É a partir dos anos 90, sob a égide da reorientação da política econômica e da intensificação de novas estratégias empresariais de competitividade, que o declínio do emprego industrial e ampliação da participação das atividades de comércio e serviço, tendências concebidas como mundiais, se apresenta. O

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problema posto não se encerra nesta observação fartamente analisada pela literatura, pelo contrário, emerge a partir daqui, afinal, não obstante a heterogeneidade do parque industrial e o uso “predatório”1 da força e trabalho, o

conjunto dos postos de trabalhos fornecidos pela indústria sempre foram considerados “bons” ou “razoáveis”. Configurando, assim, a perda da nova década.

Um breve olhar pode ser lançado nos dados da População Economicamente Ativa (PEA) e da População Ocupada (PO) a partir dos 10 anos. Ao longo da década de 90 cresce a participação das mulheres, decresce a participação das crianças e adolescentes, bem como dos menos escolarizados. Em geral, tais melhorias são atribuídas ao processo de urbanização da sociedade brasileira (que ao longo da década não se mostra tão significativo), às mudanças demográficas (envelhecimento da população) e aumento de oportunidades escolares.

Lê-se tais elementos pelos números da PEA entre os anos de 1992 e 1998: a população urbana passa de 75,2% da PEA para 77,1%; os indivíduos com menos de 1 ano de estudo somavam 17,3% no começo da década e no final, 12,7%, em contrapartida os indivíduos com segundo grau completo passa de 10,4% para 14,2%. Mas, sem dúvida estes dados não são capazes de explicar a tendência ao aumento dos desocupados, nem tampouco da redução das chances de ocupação de algumas parcelas sociedade.

Na construção de uma tendência da condição de ocupação durante a década de 90 é necessário mostrar que o crescimento da desocupação não é contínuo. O segundo quinquênio da década inaugura o lado perverso da "modernização econômica", pois combinou o fechamento de postos de trabalho com a insuficiente criação de empregos e ocupações e a perda dos vínculos formais nas relações de trabalho.

Gráfico 1: Situação Ocupacional no Brasil

Fonte: PNADs, IBGE.

1

Este adjetivo foi vastamente utilizado pela literatura para qualificar o uso eticamente questionável da força de trabalho no Brasil: baixo salário, desrespeito às leis trabalhistas, jornadas de trabalho exaustivas, etc. 88 90 92 94 96 1988 1992 1993 1995 1996 1998 0 2 4 6 8 10 ocupados desocupados

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Um quadro da Ocupação nos anos 90

O perfil da estrutura ocupacional pode ser descrito a partir de algumas características como sexo, educação, ramos de atividade, posição na ocupação e as categorias sócio-ocupacionais. O crescimento da participação feminina na população ocupada (PO) não foi proporcional ao aumento da participação feminina na PEA. No que diz respeito a educação é importante destacar que nos níveis mais baixo de escolaridade a redução observada na PO foi um pouco menor do que o esperado (tomando o esperado com a proporção da redução na PEA). O mesmo aconteceu para o aumento esperado da porcentagem de indivíduos com escolaridade média alta (segundo grau incompleto e completo).

Do ponto de vista dos ramos de atividades2 o retrato da estrutura ocupacional brasileira pode ser descrito a partir, de um lado, do fluxo de crescimento das atividades na indústria da construção, comércio de mercadoria, prestação de serviços, serviços auxiliares da atividade econômica e social. De outro, do fluxo de declínio das atividades na indústria de transformação e agrícolas. Se no final dos anos 70 a atividade industrial estava em segundo lugar na participação percentual da ocupação total, o início dos anos 80, marca sua descida para terceiro lugar, sendo superada pela atividade de serviços. Sem dúvida, este processo acompanha a tendência mundial de redução dos postos de trabalho na indústria e criação no setor de prestação de serviços. E os anos 90 inauguram o esgotamento dos saltos de crescimento destes ramos de atividades.

Na indústria a perda observada de posto de trabalho dos empregados significou uma redução para grande parte das atividades, mas, alguns casos como a metalúrgica, equipamento elétrico, acessório de veículos, borracha, têxtil/fibras e fumo, foram mais relevantes. Somente as atividades na indústria de vestuário e de bebidas tiveram uma ampliação na sua taxa de participação. Nas atividades comerciais, o crescimento foi promovido em grande parte pelo comércio de gêneros alimentícios, ambulante e o comércio a varejo sem definição. Os serviços cresceram em atividades vinculadas à alimentação, higiene pessoal, vigilância e doméstico remunerado. A ampliação no setor social foi mais concentrada no serviço médico público e no ensino particular.

Estas novas dimensões do mercado de trabalho, leia-se o novo perfil que se delineia, através da transferência da capacidade de absorção da mão-de-obra do setor secundário (industrial) para o setor terciário (comércio e prestação de

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Os ramos de atividades agrupam a atividade do empreendimento no qual o indivíduo exerce sua ocupação.

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serviços), ocorreu no sentido contrário ao que foi observado para a década de 80. Não foi dada continuidade ao processo de aprofundamento do caráter capitalista do mercado de trabalho, tal como caracterizado por Hasenbalg e Valle Silva (1984) para a década de 70. Sem dúvida, até os primeiro anos da década de 90 foi este processo que garantiu a manutenção – até mesmo o crescimento - do nível de emprego superior ao crescimento da população (segundo os dados apresentados por Amadeo et alli (1994) enquanto a taxa de crescimento populacional foi de 2,1% ao ano, a taxa do nível de emprego foi de 3,5%).

Na verdade, como já apontado na introdução, o caráter capitalista agora é dado por outros elementos, neste sentido, não seria possível dizer que há um aprofundamento do caráter capitalista contemporâneo na sociedade brasileira? Esta é só uma provocação, afinal é necessário investigar como isto vem ocorrendo.

Ao longo dos anos 90 a queda do percentual de indivíduos com carteira de trabalho assinada não foi drástica se comparada a redução ocorrida na passagem entre os anos 80 e 90. Isto aconteceu porque as ocupações nos ramos de atividades que menos empregam pessoas com carteira de trabalho assinada, mas que são os ramos que mais absorvem pessoas, foram também os ramos que ampliaram o seu percentual de empregados com carteira de trabalho assinada. Esta-se falando da atividade agrícola, prestação de serviços e comércio (ver tabela3).

Nos demais ramos a redução do percentual de empregados com carteira de trabalho foi significativa, em especial para as atividades na Indústria de transformação, na indústria da construção e atividades chamadas de sociais.

Tabela 1: Ramos de Atividade segundo Posição na Ocupação

ECC FPM ESC CPR EMP NR

Ramo 92 96 98 92 96 98 92 96 98 92 96 98 92 96 98 92 96 98 AGR 6,7 7,9 7,1 20,6 19,2 18,5 24,5 25,4 26,7 3,1 2,6 2,8 45,0 44,8 44,8 INT 67,5 64,7 63,4 ,1 ,2 ,2 16,4 18,7 18,3 7,9 8,6 10,1 4,6 4,7 5,3 3,5 2,7 2,7 INC 29,9 23,9 21,0 ,2 ,5 ,3 25,3 27,6 31,5 36,0 39,1 38,9 2,9 2,7 3,5 5,6 5,0 5,0 OAI 61,0 57,4 59,7 13,0 18,6 15,4 16,6 16,2 17,0 6,1 5,9 5,1 1,7 1,1 1,5 1,6 1,4 1,4 COM 34,0 34,4 35,0 ,1 ,1 ,0 15,8 17,7 16,0 33,5 33,1 32,6 7,6 7,1 8,1 9,1 8,2 8,2 SER 22,2 25,4 26,7 ,1 ,2 ,1 42,2 40,9 39,9 28,1 26,7 26,2 3,5 3,5 3,4 3,9 3,6 3,6 SAE 46,3 40,6 39,7 1,3 1,7 1,4 15,5 17,8 19,7 27,0 30,4 28,5 8,0 8,0 9,2 1,9 1,5 1,5 TRA 56,0 51,2 49,0 3,2 3,1 1,8 13,1 15,0 14,9 24,4 27,1 30,1 2,0 2,6 3,0 1,3 1,2 1,2 SOC 40,7 37,7 37,9 35,1 34,3 32,5 15,8 18,8 19,2 5,1 5,5 5,7 1,5 2,4 2,5 1,8 2,2 2,2 ADP 29,2 21,0 18,6 57,9 62,6 63,6 12,4 16,1 17,3 ,1 ,1 ,2 ,1 ,1 ,1 ,2 ,3 0,3 OUT 64,5 58,6 53,0 4,7 6,0 4,4 11,1 15,0 15,2 17,0 16,8 23,2 1,9 2,4 3,3 ,7 ,7 0,7 TOT 30,8 30,5 30,1 6,1 6,7 6,5 22,1 23,1 23,0 21,7 22,3 23,0 3,7 3,7 4,1 15,6 13,3 13,3

Fonte: Tabulação própria a partir dos microdados das PNADs, IBGE

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As abreviações dispostas no início das linhas são os Ramos de Atividades e no topo de cada coluna as abreviações são as posições na ocupação (Empregados Com Carteira, Funcionário Público e Militar,

Empregados Sem Carteira, Conta Própria, EMPregador e Não Remunerado). A soma da porcentagem

das posições por ano e dentro de cada ramos de atividade é 100%, ou seja, a soma dos empregados com carteira, funcionários públicos, empregados sem carteira etc. no ano de 92 dentro do ramo agrícola é 100%. A tabela, tal como apresentada, tem como objetivo evidenciar a dinâmica de cada posição para cada categoria ao longo do tempo.

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A dimensão dos ramos de atividades elucida algumas questões, mas a dimensão das ocupações merece destaque na medida em que é o ponto de partida para a construção das análises sobre as trajetórias dos indivíduos. As ocupações foram classificadas em 16 categorias sócio-ocupacionais seguindo alguns critérios como representação social da ocupação, média de anos de estudos, renda, atividades consideradas urbanas ou rurais e atividades manuais ou não manuais. Tal classificação se aproxima das classificações dos estudos mais recentes de mobilidade social no Brasil (Silva, 2000; Scalon, 1999) e tem como referência os debates presentes na literatura sobre o tema. As 16 categorias são: Profissionais Liberais (1), Dirigentes (2), Proprietários Empregadores (3), Profissionais de Nível Superior (4), Técnicos e Artistas (5), Pequenos Proprietários (6), Funções Não Manuais de Rotina (7), Trabalhadores na Indústria Moderna (8), Trabalhadores na Indústria Tradicional (9), Trabalhadores no Comércio Ambulante (10), Trabalhadores nos Serviços Gerais (11), Trabalhadores nos Serviços Pessoais (12), Trabalhadores nos Serviços Domésticos (13), Proprietários Rurais (14), Trabalhadores Rurais (15) e Outras Ocupações (16).

O significado da dinâmica de abertura e fechamento de posto de trabalho e ocupações observada entre a passagem dos anos 80 para o início dos anos 90 pode ser resumido como o reflexo de dois processos (Oliveira et alli, 1994; Urani, 1995; Pochmann, 1997; Cacciamali, 1989): a criação e ampliação de atividades modernas e organizadas voltadas para o atendimento das camadas de renda média e alta (crescimento de shopping centers, academias, bares e restaurantes), que explicariam parte do crescimento do comércio e dos serviços de consumo pessoal; como também, o crescimento expressivo de atividades não organizadas incluídas, geralmente, nos setores da economia informal, que responderiam a uma estratégia de sobrevivência dos agentes e, portanto, resultam da expansão de atividades precárias, irregulares e de baixa produtividade.

E como resumir o que tem ocorrido a partir do segundo quinquênio da década? Sem dúvida a progressiva expansão das atividades modernas voltadas para o atendimento das camadas de renda média e alta, que garantiu a absorção dos indivíduos, em especial das mulheres, cessa. Chama atenção a redução do percentual de ocupados em Funções Não Manuais de Rotina e, em maior proporção, dos ocupados em Serviços Pessoais. De outro lado, destaca-se o intenso aumento das ocupações no Serviço Doméstico. Dado que estas são categorias com a presença maciça das mulheres fica evidente que a alocação das mulheres está em discussão. O crescimento das ocupações no Serviço Doméstico sugere que a alocação dos indivíduos passa a resultar a expansão de atividades precárias, irregulares e de baixa produtividade, juntamente com perda dos vínculos formais

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de trabalho motivados pelo imposição das novas relações de trabalho, seja pela escolha por autonomia.

Tabela 2: Categorias Sócio-ocupacionais

1992 1996 1998

Profissionais Liberais 625235 1,0 825344 1,2 895634 1,2

Dirigentes 1133651 1,7 1361933 2,0 1449073 1,9

Proprietários Empregadores 1730456 2,6 1337295 2,0 1896232 2,5 Profissionais de Nível Superior 1264957 1,9 1532368 2,3 1625706 2,1 Técnicos e Artistas 3979646 6,1 4306700 6,3 4732537 6,2 Pequenos Proprietários 2193183 3,4 2945441 4,3 2260831 2,9 Funções Não Manuais de Rotina 8294561 12,7 9021711 13,3 8905543 11,6 Trabalhadores na Indústria Moderna 3296324 5,0 3477469 5,1 3449856 4,5 Trabalhadores na Indústria Tradicional 8220516 12,6 8784398 12,9 9019387 11,7 Trabalhadores no Comércio Ambulante 1606454 2,5 1670459 2,5 1829261 2,4 Trabalhadores nos Serviços Gerais 6449784 9,9 6724012 9,9 7718414 10,0 Trabalhadores nos Serviços Pessoais 4356000 6,7 2345694 3,4 2612052 3,4 Trabalhadores nos Serviços Domésticos 2219124 3,4 5001263 7,4 5027649 6,5

Proprietários Rurais 574410 ,9 420910 ,6 455638 ,6

Trabalhadores Rurais 17980259 27,5 16290505 23,9 15976259 20,8

Outras 1470931 2,2 1994704 2,9 9031660 11,7

Total 65395491 100,0 68040206 100,0 895634 100,0

Fonte: Tabulação própria a partir dos microdados das PNADs, IBGE

Estas observações reforçaram para década de 90 a preocupação com a qualidade dos poucos empregos gerados e os mantidos. A partir do segundo qüinqüênio os indicadores se tornam mais alarmantes e a não reposição dos postos de trabalho fechados, aumento da produtividade industrial, estagnação econômica, aumento da concentração de renda, ajustes macroeconômicos em direção à recessão e o desemprego se configuram como resultados das equações formuladas pelos gestores da política econômica.

Na medida em que a conjuntura de incertezas se amplia, as cracaterísiticas do desemprego também foram sofrendo algumas alterações Ao longo da década de 90, as mulheres desempregadas aumentam proporcionalmente mais do que os homens desempregados. Ao comparar a redução do percentual de indivíduos com baixa escolaridade e o aumento dos indivíduos com segundo grau na PEA total com os ocupados e desempregados, observamos que entre os desempregados o aumento dos indivíduos com o segundo grau completo foi maior. Este dado chama atenção para a ampliação do desemprego de pessoas com nível médio de escolarização. Ou seja, a garantia de alocação está nos topos: a baixa escolaridade e na alta escolaridade. Posições de trabalho precárias que absorvem os indivíduos com baixa escolaridade sempre irão existir, assim como as posições melhores são mais escassas e podem atualmente contar com uma oferta de mão-de-obra com melhores níveis educacionais.

As crianças e adolescentes são os mais atingidos pelo desemprego, em especial a faixa de 15 a 19 anos, este é o momento do primeiro emeprgo. Neste

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faixa ao invés de ocorrer a redução assistida para a PEA foi observado um aumento. Aumento também ocorrido nas faixas acima de 45 anos.

Estas poucas observações apresentadas sobre os ocupados e desocupados colocam em evidência que grupos sociais definidos através do sexo, idade e escolaridade têm comportamentos diferenciados em relação às chances de se alocarem e realocarem na estrutura ocupacional no contexto de modernização

econômica experimentado no país. Ressalta-se, então, que: (i) o mercado de

trabalho não se mostra capaz de solver o problema da alocação da força de trabalho; (i) a manutenção do emprego formal tende a se restringir a um segmento cada vez mais específico; (ii) ampliação de atividades informais, fundadas na necessidade de sobrevivência imediata, baixa escolarização, não aproveitamento de habilidades profissionais adquiridas e valorização dos méritos subjetivos; (iii) a emergência de novas formas de inserção de segmentos da classe média através de pequenos e médios empreendimentos; e (iv) a crescente não efetivação da reinserção ocupacional: o desemprego.

Como, então, neste contexto estão sendo construídas as trajetórias ocupacionais dos indivíduos?

AS TRAJETÓRIAS OCUPACIONAIS

Mobilidade Intrageracional na Literatura Recente

No Brasil desde a década de 50 se produz estudos sobre mobilidade social e ocupacional dentro das diversas perspectivas, mesmo assim esta não parece ser uma preocupação central para as Ciências Sociais brasileiras, haja vista que é muito pouco o número de autores brasileiros que produziram sobre o tema. Ao nossos olhos, o Brasil parece carecer de pesquisadores que se debrucem sobre as bases de dados disponíveis, produzam a partir das diversas possibilidades teóricas e metodológicas, além de apontar as lacunas nos dados produzidos como forma de melhorar futuros levantamentos.

O levantamento bibliográfico sobre mobilidade no Brasil visto pela lente das Ciências Sociais demonstra que a década de 80 foi a mais produtiva, uma produção fortemente impulsionada pelas publicações vinculadas ao programa de estudos sobre estratificação social no Brasil iniciada nos anos 60 coordenada pelo professor Archibald Haller da Universidade de Wisconsin com a participação de pesquisadores brasileiros tais como professor José Pastore, dentre outros. Contudo, grande parte das publicações foram fora do país. Desta forma, fica evidente que fora autores como Silva e Pastore, e mais recentemente Andrade (dissertação de mestrado e

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artigos) e Scalon (tese de doutorado publicada em livro e artigos), a mobilidade brasileira é analisada em estudos comparativos internacionais.

Esta ausência já foi analisada por Silva (1999) e comentada por Larangeira (1999). O primeiro chama atenção para a forte presença do marxismo na consolidação das áreas temáticas nas ciências sociais brasileira e a incapacidade de investimento dos pesquisadores na aplicação dos ganhos metodológicos da análise de dado categóricos.

Larangeira aponta que estes são elementos presentes, mas não suficientes para explicar a questão. Se os elementos apontados por Silva se fazem presentes nas décadas de 60 e 70, nos anos 80 o elemento é outro. Segundo a autora, neste período as Ciências Sociais brasileiras incorporam às perspectivas associadas às “teses pós-modernas que enfatizam o aspecto de pluralidade, da diferenciação e da fragmentação do social” (larangeira, op. cit.). Neste sentido, trabalhar com grandes categorias e agregados não é foco, da mesma forma que o eixo estruturador das identidades e estilos de vida se deslocam do âmbito do trabalho/ocupação, e, de uma forma mais abrangente, da esfera da produção para uma pluralidade de esferas e de experiências. Por isso, o privilégio de estudos de cunho mais subjetivistas ou de menor escopo. A conclusão da autora é que nesse processo, houveram ganhos, através de novas possibilidades de compreensão da realidade social, e perdas, através da renúncia da sociologia à análise de um fenômeno essencial para a compreensão da estrutura social.

Ainda assim, podemos dizer que o quadro explicativo para a ausência é incompleto, afinal é nos anos 80 que podemos observar um maior número de estudos sobre mobilidade. Além de que é na segunda metade da década de 90, o ápice da hegemonia das teorias, teses e perspectivas microssociológicas, pós-modernas, pluralistas e do fim da sociedade do trabalho, que o interesse pelas análises de mobilidade volta a mobilizar jovens pesquisadores.

Essa fase, ao que me parece, é impulsionada por alguns elementos tais como o incentivo à análise de dados quantitativos na formação dos alunos de pós-graduação, a acessibilidade dos bancos de dados para a comunidade acadêmica, a disseminação do uso de pacotes estatísticos no tratamento dos dados. Desta forma, a década de 90 é marcada pela re-introdução da mobilidade como temática para as ciências sociais dentro do Brasil utilizando metodologias mais refinadas dentro das matrizes clássicas.

Dentro das primeiras matrizes devemos destacar os estudos de Pastore (1979), Silva (1979) e Pastore e Haller (1993). Utilizando os modelos log-lineares podemos citar os estudos de Silva e Roditi (1986), Andrade (1995, 1998 e 2000) e Pastore e Silva (2000). As novas discussões teóricas e metodológicas foram

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incorporadas na análise sobre o Brasil através do estudo de Scalon (1999) e Ribeiro e Scalon (2001). Vale destacar que Scalon e Andrade inovam ao incorporar a questão de gênero e a mobilidade.

Obviamente que o estudos sobre a mobilidade no Brasil ainda tem muitas lacunas e que merecem ser preenchidas, e não somente através da aplicação de metodologias de análise de dados desenvolvidas recentemente. Os estudos de mobilidade carecem, também, de maior incursão sobre a dimensão qualitativa da mobilidade social e ocupacional, através de pesquisas que desvendem o universo que está por trás dos títulos ocupacionais do código das ocupações, investiguem o processo de escolarização formal das crianças, adolescentes e jovens, os requisitos de qualificação para o ingresso no mercado de trabalho, as aspirações, o estilo de vida, transmissões de status e bens, dentre várias outras questões. Estas lacunas, porém, deverão sempre existir afinal é isto que faz das ciências sociais um campo produtor incansável de conhecimento sobre o mundo social, seus fenômenos e processos.

De qualquer modo, já temos um acúmulo de conhecimento sobre o fenômeno da mobilidade social e ocupacional que nos permite fazer um breve retrato do que se passa no Brasil, especificamente no que diz respeito à mobilidade intrageracional, foco deste estudo.

A pouca ênfase dada à mobilidade intrageracional não pode ser explicada apenas pelo maior interesse dos pesquisadores em compreender e explicar movimentos estruturais de longo alcance, mas também pela sua difícil interpretação. Em primeiro lugar, fica claro que não se trata do movimento ao longo do ciclo de vida, pois os indivíduos estão em distintos momentos do ciclo de vida. Em segundo, como separar a primeira ocupação efetivamente autônoma de atividades, ocupações ou empregos temporários, complementares ou esporádicos das crianças, adolescentes e jovens? Em terceiro lugar, podemos dizer que as trajetórias parcialmente representadas através das tabelas de mobilidade intrageracional resultam da interseção das várias dimensões da vida dos indivíduos, desde os “recônditos da subjetividade” (objetivos de vida, desejos, aspirações) até as estruturas econômica, política, social e cultural das sociedades e suas dinâmicas. Por isso, se o objetivo é a compreensão da trajetória ocupacional dos indivíduos os estudos mais específicos sobre work-life são mais significativos.

Estas ponderações apenas nos mostram que o olhar lançado para a matriz da mobilidade intrageracional deve ser cuidadoso, e as questões levantadas pelos pesquisadores devem ser compatíveis com as informações disponíveis. Uma coisa é certa, estes dados revelam tendências do movimento dos indivíduos na estrutura

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ocupacional, elementos fundamentais para a compreensão do quadro da distribuição das oportunidades e dos resultados dentro da sociedade.

É interessante notar que duas hipóteses podem ser construídas. Na primeira o argumento é de que espera-se uma taxa de imobilidade elevada ao longo das trajetórias dos indivíduos, pois estamos lidando com um menor horizonte temporal entre ponto de partida ou origem, o estrato da primeira ocupação, e ponto de chegada, o estrato do indivíduo no momento da pesquisa (Pastore e Silva: 74). Na segunda, espera-se que grande parte dos indivíduos mudem de status ocupacional, pois os ganhos em experiência e qualificação podem possibilitar a aquisição de melhores posições (Andrade, 2000:9).

No Brasil os indivíduos começam a trabalhar muito cedo e em ocupações muito precárias. Logo, estamos diante de um horizonte temporal que pode ser considerado grande pois para um indivíduo que começou a trabalhar com 12 anos, aos 22 já está à 10 anos no mercado de trabalho4. Assim como, podemos

considerar o horizonte espacial também grande, pois os indivíduos começam nos estratos mais baixos e por isso têm mais chances de ascender ao longo da trajetória. Como consequência as duas hipóteses citadas acima ficam mais interessantes para serem investigadas.

Pastore (1979) indica que, em 1973, 58,1% dos indivíduos se moveram em relação ao seu estrato inicial, dos quais 54,2% ascenderam e 3,9% desceram. Ou seja, de todos que se moveram, 93,4% ascenderam e 6,6% desceram. Esta grande mobilidade têm por trás o movimento ascendente dos dois grandes estratos: o baixo-inferior, onde 59,8% dos indivíduos começaram neste estrato e 52,6% ascenderam, e o baixo-superior, onde 25,2% dos indivíduos começaram neste estrato e 71,6% ascenderam. Como estes dois estratos combinam o fato de estarem nos níveis mais baixo da hierarquia e de abranger o começo precoce dos indivíduos, são eles que apresentam maiores taxas de mobilidade ascendente. Por isso, seria interessante investigar se estes indivíduos são mais móveis porque começaram a trabalhar mais cedo ou porque estão em ocupações mais baixas.

Os dados da tabela de fluxo de saída apresentada pelo autor mostram que aqueles que tinham mais chances de se mover estavam no estrato baixo-superior. Isto chama atenção porque todos os demais estratos têm cerca de 50% ou mais de permanência. O olhar para fora da diagonal mostra que, mais do que se mover, os indivíduos deste estrato tiveram mais chances de alcançar os estratos alto e médio-superior do que aqueles indivíduos que estavam no médio inferior.

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Obviamente que os anos transcorridos dentro da mesma geração é sócio e culturalmente diferente dos anos transcorridos entre duas gerações.

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Ao analisar os dados para 1996, Pastore e Silva (2000) informam que 61% dos indivíduos até o momento da pesquisa não tinham mudado de estrato em relação a sua primeira ocupação. E daqueles que mudaram 30% experimentaram a ascensão e 9% a descensão, ou seja, tomando os móveis como um grupo distinto, podemos dizer que 77% melhoram suas posições e 23% pioraram. A mobilidade não é a maior tendência, mas ao fazê-la o caminho é muito mais em direção à melhores posições. Como isto ocorre?

O olhar sobre o fluxo de saída revela que o estrato com maior imobilidade é o alto, seguido pelo médio-inferior (manuais qualificados ou semi-qualificados) e médio-superior. Dentro dos fluxos em direção à outras categorias, os autores chamam atenção para o fato de que o maior fluxo em direção ao estrato médio-médio foi dos indivíduos que começaram nas ocupações baixo-inferior (manuais não-qualificados urbanos), e não aqueles que começaram em ocupações médio-inferior (manuais qualificados urbanos). Outro dado complementa esta observação: fluxo do estrato baixo-inferior em direção ao estrato médio-superior é maior do que o fluxo do estrato médio-inferior.

Isto significa que para quem começa a trabalhar em ocupações manuais qualificadas ou semi qualificadas (médio-inferior) é mais difícil sair delas ao longo da sua trajetória do que para aqueles que começam como manuais não qualificados (baixo-superior). Ou seja, os que começam no estrato urbano mais baixo têm mais chances de melhorar sua posição, o mesmo achado de 1973. A explicação para este fato é a hipótese da “armadilha da qualificação”: começar em posições com maiores requisitos de qualificação significa ascender menos, e pelo visto isto perdura no tempo. Será que é a “qualificação” que coloca o indivíduo nesta armadilha? Acho que é importante seguir esta pista.

Se os dados de 1973 são comparáveis a estes podemos dizer que os indivíduos reduziram suas chances de mobilidade, e para aqueles que se movem a chance de descer aumentou muito, em especial para aqueles do estrato médio-médio. No estrato baixo-inferior, apesar do pequeno aumento do fluxo em direção ao estratos superior, está mais difícil sair do que antes. O estrato baixo-superior era aquele que sugeria ser um ponto de partida para os indivíduos ao longo de sua trajetória, mas ao dobrar sua imobilidade e reduzir significativamente os fluxos em direção aos estratos médio-inferior e médio-médio, explicita a não abertura de oportunidades em ocupações mais qualificadas, mesmo assim ainda é mais fácil sair deste estrato para as ocupações no médio-médio do que para quem está no médio inferior.

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Neste sentido, mesmo que a armadilha da qualificação seja alo ainda ativo, sua intensidade vem sendo reduzida, pois categoria que pareciam de “passagem” vão se tornando mais duradouras, e o problema é que são as piores.

Tabela 3: Comparação do Fluxo de Saída para a Mobilidade Intrageracional, Brasil

Origem (pri)

Destino (atual)

Alto Médio-sup Médio-médio Médio-inf Baixo-sup Baixo-inf

1973 1996 1973 1996 1973 1996 1973 1996 1973 1996 1973 1996 Alto 72,8 78,6 24,9 8,0 16,7 8,4 2,8 1,9 4,0 3,1 0,7 1,0 MS 14,2 8,6 47,3 66,8 24,8 11,4 7,3 3,8 9,0 6,8 2,6 2,4 MM 9,6 7,3 19,4 10,5 45,0 58,3 17,1 6,9 24,6 12,1 13,4 5,3 MI 1,2 1,8 6,3 4,9 8,8 9,4 59,5 72,6 34,0 19,9 18,7 16,3 BS 1,9 3,2 1,3 9,0 3,9 10,6 10,3 11,6 22,1 53,0 17,0 16,2 BI 0,3 0,6 0,8 0,7 0,8 1,9 3,0 3,2 6,3 5,0 47,6 58,9 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100

Fontes: Pastore (1979) e Pastore e Silva (2000)

Outras pistas que devem ser seguidas emergem da comparação ao longo do tempo e entre os sexos do estudo de Andrade. No conjunto das RMs estudadas pela autora, o achado é um pouco distinto de Pastore e Silva, pois a mobilidade atinge a maioria dos indivíduos. Isto pode indicar que no mundo urbano as trajetória dos inidvíduos são mais fluídas. A mobilidade ascendente é preponderante, em especial para os homens, cuja taxa de mobilidade geral é maior do que das mulheres. É interessante notar que as mulheres se movem menos do que os homens ao longo das suas trajetórias, e quando fazem o movimento tendem a subir menos e descer mais do que os homens.

Entre 1988 e 1996, o pequeno aumento da imobilidade (em 1988 era 43,7% e passa para 47,1% em 1996) esconde mudanças significativas no movimento. A mobilidade descendente cresce, ao tempo em que reduz a mobilidade ascendente. As mulheres reduziram menos a ascensão e também foram aquelas que aumentaram menos a descensão. Ainda assim, as taxas de mobilidade ascendente podem ser consideradas altas para homens e mulheres. Porém a desigualdade é mantida, o que reflete a melhor tendência de que ao longo da trajetória os homens se movam para postos com maior status em função do aumento da sua qualificação e experiência.

Nesta dinâmica recente o que considero “novidade” é o aumento da descensão. Este dado emerge como um ponto fundamental e que desperta o interesse sobre como as trajetórias estão sendo construídas. Para Andrade, uma possível explicação está na retração da demanda de trabalho, onde as oportunidades de ascensão ocupacional reduzem pela geração insuficiente de novos postos para absorver a mão-de-obra disponível. Além disso, a autora complementa que as mudanças tecnológicas e a transformação da estrutura ocupacional, que

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exigem novas capacidades e habilidades dos trabalhadores, impõem dificuldades para a ascensão da parcela que não se encontra apta a desempenhar as novas funções.

Mas como explicar o aumento da descensão? É possível supor que no mercado de trabalho urbano as trocas são muito mais constantes e catalizadoras do movimentos, e como a abertura de oportunidades cessa qualquer mobilidade ascendente para uns implica em mobilidade descendente para outro. Esta é uma possibilidade, há outras, como por exemplo, aquela que emerge da análise do que está ocorrendo no mercado de trabalho a redução dos “bons” e “melhores” lugares, para a criação nos piores lugares como no serviço doméstico.

Essas constatações aqui apresentadas despertam a vontade de compreender porque alguns se mantém, ou são mais “adaptáveis” do que outros e porque uns descem e descem cada vez mais. E as perguntas surgem: Quem desce mais? Por que? Para onde? Quais as categorias que reduziram sua capacidade de impulsionar seus ocupantes para cima? Quais são aquelas que estão retendo mais os indivíduos?

A Seleção da População Estudada e A Classificação das Categorias

Para a análise que se segue foi escolhida uma sub-amostra das PNADs de 1988 e 19965 composta por homens e mulheres, chefes ou cônjuges, com idade de 20 a 64 anos, domiciliados na zona urbana e que responderam as questões sobre a ocupação atual, ocupação do pai e primeira ocupação. A outra decisão tomada foi a redução das 16 categorias, mencionadas no primeiro item, para 10. Isto é necessário porque em uma tabela de mobilidade com grande número de categorias muitas células ficam com zero e impede tratamentos estatísticos. A agregação manteve os critérios considerados fundamentais (urbano/rural, propriedade/não propriedade, educação, renda, etc)6:

Categoria Atual Categoria Anterior

1. Profissionais 1. Profissionais Liberais 4. Profissionais

2. Dirigentes e Administradores 2. Dirigentes

3. Proprietários Empregadores 3. Proprietários Empregadores 4. Proprietários Rurais 14. Proprietários Rurais 5. Pequenos Proprietários 6. Pequenos Proprietários 6. Ocupações Não-Manuais 5. Técnicos e Artistas

7. Funções Não-Manuais de Rotina

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Os dados sobre mobilidade foram colhidos pelo IBGE através de suplementos específicos nas PNADs nos anos de 1973, 1982, 1988 e 1996.

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A categoria 16 Outros foi retirada porque ela agrega algo que a classificação do IBGE designou como “ocupações mal definidas”.

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7. Ocupações Manuais Modernas 8. Indústria Moderna 8. Ocupações Manuais Gerais 9. Indústria Tradicional

10. Comércio Ambulante 11. Serviços Gerais 12. Serviços Pessoais 9. Ocupações no Serviço Doméstico 13. Serviços Domésticos 10. Ocupações Rurais 15. Trabalhadores Rurais

O perfil da estrutura ocupacional

Os indivíduos iniciam suas trajetórias (a primeira ocupação) mais intensamente em três grandes categorias: Ocupações Rurais, Ocupações Manuais Gerais e Ocupações Não Manuais. A mudança observada entre 1988 e 1996 aponta que cada vez mais os indivíduos estão começando a trabalhar em ocupações urbanas, pois há uma redução do percentual nas categorias de Ocupações Rurais (de 36,5% para 25,6%), e aumentos significativos nas Ocupações Manuais Gerais e Ocupações Não Manuais.

Isto não significa que está havendo uma transferência das Ocupações Rurais para as ocupações urbanas não-qualificadas, afinal observamos que o aumento das Ocupações Manuais Gerais não foi tão grande, nem houve um inchaço do começo das trajetórias em Ocupações do Serviço Doméstico. Além disso, não podemos desprezar o aumento das categorias dos Profissionais, Dirigentes, Proprietários Empregadores e das Ocupações Não Manuais.

Entre os sexos a estrutura de partida para a grande “massa” são diferentes, haja vista que as mulheres entram via Ocupações Não Manuais e pelas Ocupações do Serviço Doméstico. Já os homens se concentram muito mais nas Ocupações Manuais Gerais e Ocupações Rurais. Dado o ingresso maciço das mulheres em Ocupações Não Manuais e sua pequena vantagem nas melhores categorias, podemos concluir que as mulheres começam melhores do que os homens. Porém entre 1998 e 1996 esta vantagem é reduzida.

Tal dado apenas representa o largo processo de urbanização da estrutura ocupacional brasileira. Poderíamos esperar que o aumento ocorrido na última década das atividades no serviço doméstico marcasse também o início de carreira, contudo isto não acontece.

A distribuição percentual das categorias da ocupação atual do indivíduo mostra que entre 1988 e 1996 o que de fato há de novo é o ingresso maciço de indivíduos como trabalhadores no serviço doméstico. Há pequena redução nas “melhores” categorias (1,2,3 e 4), assim como naquelas que são as que mais absorvem (6 e 8). É interessante porque fica evidente que pessoas que começam em outras categorias estão indo para o serviço doméstico. É sobre esta estrutura que os indivíduos estudados se movem e como então eles se movem?

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Tabela 4: Categorias por Ano

Pai Primeira Atual

1988 1996 1988 1996 1988 1996 T H M T H M T H M T H M T H M T H M 1 2,1 2,0 2,4 2,1 2,1 2,1 1,8 1,3 2,8 2,6 2,2 3,2 5,3 4,5 6,8 5,0 4,2 6,6 2 2,0 1,8 2,2 1,8 1,6 2,1 ,4 ,3 ,6 1,5 1,7 1,1 3,9 4,3 3,0 3,4 3,6 3,1 3 3,2 3,2 3,2 2,6 2,5 2,7 ,1 ,1 ,2 ,5 ,6 ,4 4,0 5,0 2,1 4,1 4,8 2,7 4 2,8 2,8 2,7 2,4 2,4 2,3 ,0 ,1 ,0 ,1 ,2 ,0 ,8 1,2 ,1 ,5 ,7 ,1 5 6,0 5,6 6,7 5,6 5,3 6,2 ,6 ,5 ,6 1,3 1,4 1,0 6,8 7,3 5,8 7,7 8,2 6,9 6 7,5 7,1 8,1 8,7 8,4 9,2 21,7 16,5 32,0 25,8 21,2 34,0 22,3 19,3 28,3 20,6 17,5 26,2 7 3,9 3,9 3,9 4,6 4,6 4,5 4,3 6,2 ,6 6,1 8,9 1,1 7,2 10,4 ,8 6,9 10,2 ,8 8 23,4 23,1 24,1 25,2 25,3 25,0 26,7 30,6 18,9 28,4 34,0 18,2 39,4 39,5 39,2 38,4 41,9 32,1 9 ,2 ,2 ,2 ,4 ,4 ,5 7,5 ,2 22,1 8,2 ,5 22,3 3,9 ,3 11,1 7,0 ,8 18,3 10 48,9 50,2 46,4 46,7 47,4 45,4 36,9 44,1 22,3 25,6 29,3 18,7 6,5 8,3 2,9 6,3 7,9 3,3 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 Fonte: Tabulação própria a partir dos Microdados das PNADs, IBGE

Breve olhar sobre a origem social e o começo das trajetórias

Como as pessoas começam a trabalhar é, mais intensamente no Brasil, um processo marcado pela origem social, pois é através delas que as redes de absorção das crianças e adolescentes são montadas. Desta forma, antes de iniciar o olhar sobre a mobilidade intrageracional vale à pena tecer breves comentários sobre a mobilidade intergeracional.

A mobilidade intergeracional é medida pela fluxo entre a ocupação do pai e a primeira ocupação do indivíduo e responde à questão: quais são as chances dos indivíduos começarem igual, melhor ou pior do que seus pais? Em 1988, 50,2% dos indivíduos começaram em categorias distintas das categorias de seus pais, desses 26,1% ascenderam e 24,1% desceram. É esperado encontrar taxas elevadas de mobilidade descendente dado que o trabalho precoce ainda é uma realidade brasileira. Entre 1988 e 1996, a mobilidade aumenta especificamente porque o movimento se intensifica em direção a ascensão, ao tempo que reduz um pouco a descensão, pois como visto os indivíduos passam a começar melhor.

Entre homens e mulheres a questão é bem interessante. As mulheres, mais do que os homens, tendem a iniciar suas trajetórias em categorias diferentes das categorias dos seus pais. O fato de serem mais móveis implica que as mulheres tanto ascendem como descem mais em relação aos seus pais. O aumento da ascensão é experimentado de maneira distinta entre os sexos, pois os homens aumentam proporcionalmente mais a ascensão e reduzem mais a descensão.

Tabela 5: Taxas para a Mobilidade Intergeracional

1988 1996

Total Homem Mulher Total Homem Mulher

Imobilidade 49,8 58,2 33,0 38,9 44,1 29,4 Mobilidade Total 50,2 41,8 67,0 61,1 55,9 70,6 Mobilidade Estrutural 25,2 19,2 59,2 26,1 21,8 60,8 Mobilidade Circular 74,8 80,8 40,8 73,9 78,2 39,,2 Mobilidade Ascendente 26,1 19,6 39,3 39,6 36,5 45,3 Mobilidade Descendente 24,1 22,2 27,7 21,5 19,4 25,3

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Compreender o processo de melhoria das condições de partida em relação aos pais merece muita atenção. Por isso vale a pena analisar como a imobilidade, ascensão e descensão estão presentes nas categorias. O êxito das categorias mais bem colocadas é a capacidade de gerar filhos as reproduzam, e aumentar a reprodução significa que determinadas categorias têm maior herança social. O êxito da piores categorias é diminuir a herança e ter seus filhos começando em melhores posições, afinal quanto melhor o começo maior as chances de uma melhor inserção. Esse é um fenômeno que indica maior permeabilidade no início das trajetórias.

Na parte de baixo dessa possível hierarquia, o mundo do empregados rurais (categoria 10), o mundo urbano manual de baixo requisito de escolaridade (categoria 8) e as ocupações que configuram o topo daqueles com escolaridade baixa e média (categoria 6) são origens que não oferecem muitas saídas para começo das trajetórias dos filhos. Na parte de cima, podemos observar que a herança social é de fato existente para os Profissionais, pois as categorias de Dirigentes e Proprietários (Pequeno e Empregadores) são aquelas como baixíssimas taxas de imobilidade.

Isso nos permite dizer que a escolarização faz muita diferença nas melhores categorias, pois a propriedade e os cargos diretivos não são elementos que favorecem um bom começo tal como o encontrado para os Profissionais7. Esperava-se que ter pais nessas categorias favorecesEsperava-se maior investimento na escolaridade dos filhos, implicando no ingresso ao mercado de trabalho mais tarde e em melhores posições, mas não é isso que ocorre se comparado com os Profissionais.

Entre 1988 e 1996, observa-se que as categorias dos Profissionais, Dirigentes, Proprietários Empregadores, Pequenos Proprietários e Não Manuais aumentam a sua reprodução. Já as Ocupações Manuais Modernas, Ocupações Manuais Gerais e Ocupações Rurais, mesmo mantendo elevadas porcentagens de reprodução, reduzem-na. Podemos dizer que no Brasil urbano estamos observando o aumento da reprodução das categorias mais bem colocadas, ao lado do aumento significativo da saída dos indivíduos nas piores categorias. O que indica um tendência para o fechamento nas melhores categorias e a permeabilidade da estrutura sócio-ocupacional que permite o fluxo das piores categorias em direção à outras, o que parece uma contradição.

Por que não é uma contradição? Porque a urbanização do país está garantindo um começo mais urbano para os indivíduos cujos pais estavam

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Vale ressaltar que essas categorias têm pouco espaço para ascender, por exemplo, filhos de pais da categoria 2 só fariam ascensão se começassem a trabalhar como Profissionais e por aí vai.

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Ocupações Rurais. Logo, o impulso ainda é dado intensamente pela passagem urbano-rural, pois em 1988 32,9% dos indivíduos que tinham pais em Ocupações Rurais ascenderam, e em 1996 este percentual passa para 52,6%.

Tabela 6: Mobilidade Intergeracional Fluxo de Saída por taxas

Primeira 1988 1996

Imóveis Descendente Ascendente Imóveis Descendente Ascendente

1 16,8 83,2 100 22,3 77,7 100 2 2,4 90,0 7,6 100 5,9 81,6 12,5 100 3 1,8 90,0 8,2 100 3,3 85,1 11,6 100 4 0,8 92,8 6,3 100 1,9 91,9 6,2 100 5 2,4 92,0 5,6 100 3,5 85,8 10,7 100 6 47,5 47,1 5,4 100 50,0 39,0 11,0 100 7 20,4 45,8 33,7 100 18,6 36,9 44,5 100 8 51,0 17,9 31,1 100 41,8 16,4 41,9 100 9 30,2 23,7 46,1 100 21,8 8,7 69,5 100 10 67,1 32,9 100 47,4 52,6 100 49,8 24,1 26,1 100 38,9 21,5 39,6 100

Fonte: Tabulação própria a partir dos Microdados das PNADs, IBGE

Como era esperado o peso da reprodução não é distribído de maneira equitativa entre os sexos. Por exemplo, ter pais em Ocupações Não Manuais implica muito mais para as mulheres começar a trajetória nesta ocupação do que para os homens, assim, como ter pais em Ocupações Manuais Gerais é muito maior para os homens do que as mulheres. Sem dúvida isto é explicado pelo fato de que as mulheres estão concentradas nas Ocupações Não Manuais, na mesma intensidade que os homens estão nas Ocupações Manuais Gerais.

No que diz respeito à ascensão já foi dito que as mulheres ascendem mais do que os homens, agora podemos identificar que grande parte dessa dinâmica está vinculada à ascensão que ocorre para as mulheres que tem pais em Ocupações Rurais, Ocupações Manuais Gerais e Ocupações Manuais Modernas. E a grande parte da descensão é impulsionada pelas mulheres que têm pais nas Ocupações Manuais Gerais.

Tabela 7: Categoria da Ocupação do Pai segundo Taxas de Mobilidade

Imóveis Ascendentes Descendentes

1988 1996 1988 1996 1988 1996 pai T H M T H M T H M T H M T H M T H M 1 16,8 14,0 21,4 22,3 21,0 24,8 83,2 86,0 78,6 77,7 79,0 75,2 2 2,4 2,0 2,9 5,9 7,0 4,4 7,6 6,6 9,4 12,5 10,7 15,0 90,0 91,4 87,7 81,6 82,3 80,6 3 1,8 1,8 1,8 3,3 3,7 2,8 8,2 6,5 11,7 11,6 10,5 13,4 90,0 91,7 86,4 85,1 85,8 83,8 4 ,8 1,1 ,3 1,9 2,6 ,6 6,3 5,0 9,2 6,2 5,9 6,7 92,8 93,9 90,5 91,9 91,5 92,7 5 2,4 2,9 1,5 3,5 4,8 1,4 5,6 3,7 9,0 10,7 11,1 10,2 92,0 93,4 89,5 85,8 84,1 88,4 6 47,5 39,7 61,4 50,0 43,4 60,9 5,4 4,1 7,8 11,0 11,5 10,1 47,1 56,2 30,9 39,0 45,1 29,0 7 20,4 29,7 2,0 18,6 28,1 1,0 33,7 24,6 51,8 44,5 36,6 59,2 45,8 45,7 46,2 36,9 35,3 39,8 8 51,0 62,8 28,2 41,8 51,3 24,4 31,1 28,1 37,0 41,9 40,1 45,1 17,9 9,1 34,8 16,4 8,6 30,5 9 30,2 7,9 63,4 21,8 5,5 47,1 46,1 56,0 31,5 69,5 82,9 48,6 23,7 36,2 5,2 8,7 11,6 4,3 10 67,1 77,9 43,5 47,4 53,1 36,7 32,9 22,1 56,5 52,6 46,9 63,3 t 49,8 58,2 33,0 38,9 44,1 29,4 26,1 19,6 39,3 39,6 36,5 45,3 24,1 22,2 27,7 21,5 19,4 25,3

Fonte: Tabulação própria a partir dos Microdados das PNADs, IBGE

A dimensão exata dessa hereditariedade, permeabilidade e das clivagens da estrutura ocupacional pode ser vista através da análise do fluxo de saída. A origem em ocupações com maiores requisitos de escolaridade e melhor renda garante o

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começo em Ocupações Não Manuais. Na medida em que vamos descendo na hierarquia os fluxos de destinos vão ficando menos concentrados nessa categoria e cresce o espaço para as Ocupações Manuais Gerais.

É interessante notar que as categorias, situadas na parte de uma, que aumentaram a hereditariedade foram também aquelas que reduziram seu fluxo em direção às Ocupações Não Manuais, sugerindo que existe uma “elite” que vem se consolidando porque empurra menos do que antes seus filhos para começar a trabalhar em Ocupações Não Manuais pois estão sendo criadas oportunidades dentro da própria “elite”.

Do ponto de vista dos filhos de pais em ocupações manuais observamos que começar a trabalhar tanto em Ocupações no Serviço Doméstico quanto as Ocupações Manuais Modernas é um fenômeno que corre “por fora”. As Ocupações no Serviço Doméstico é nicho de mulheres, por isso só tem destaque quando introduzirmos a variável gênero, já as Ocupações Manuais Modernas é uma categoria que “barra” o começo de indivíduos que vêm do mundo rural, talvez pelo requisito de habilidades mais específicas adquiridas via escolaridade média ou aprendizado no trabalho. Por isso, são escassos os fluxos em direção a elas.

De uma maneira geral, as categorias manuais intensificam seu fluxo para as Ocupações Não Manuais e aumentam seu tímido fluxo em direção às categorias de Profissionais, Dirigentes, Proprietários Empregadores e Pequenos Proprietários.

Em resumo, está “mais fácil” para os indivíduos cujos pais estão em melhores posições começarem suas trajetórias nas mesmas categorias que seus pais, assim como está mais fácil os indivíduos cujos pais estão nas piores ocupações começarem em outras categorias, ou seja, um pouco mais do que antes os indivíduos estão “furando” a barreira de acesso ao primeiro emprego. Minha questão é que isso está muito mais ligado à ampliação das oportunidades ocupacionais nestas melhores categorias, do que à da melhor distribuição de oportunidades.

Tabela 8: Fluxo de Saída para a Mobilidade Intergeracional

Pai 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 pri 88 96 88 96 88 96 88 96 88 96 88 96 88 96 88 96 88 96 88 96 1 16,8 22,3 7,6 12,5 6,5 8,2 5,1 3,2 4,2 5,7 4,0 5,3 1,2 2,0 ,5 1,4 ,4 ,4 ,8 2 2,0 4,9 2,4 5,9 1,7 3,4 ,9 1,8 1,1 3,6 ,9 3,5 ,1 1,5 ,2 1,2 ,1 ,6 3 ,8 1,8 ,7 1,0 1,8 3,3 ,3 1,2 ,3 1,3 ,0 ,6 ,1 ,2 ,0 ,3 ,0 ,3 4 ,2 ,1 ,8 1,9 ,1 ,0 ,0 2,0 ,0 ,1 5 1,3 1,4 1,1 1,9 1,1 2,5 ,7 1,4 2,4 3,5 ,5 1,5 ,3 1,3 ,4 ,9 1,1 ,4 1,0 6 57,2 52,7 57,0 54,2 50,2 48,0 22,1 24,1 51,9 49,7 47,5 50,0 32,1 39,4 22,6 29,3 12,7 27,7 7,9 11,6 7 2,1 3,7 3,6 2,9 3,7 4,2 1,8 2,7 4,8 4,9 7,0 7,3 20,4 18,6 7,3 8,8 1,4 6,6 1,4 3,8 8 17,2 9,6 20,8 18,4 30,8 23,3 13,1 22,2 28,0 22,8 32,5 23,9 35,5 28,2 51,0 41,8 30,0 33,7 14,5 24,4 9 ,6 1,7 2,3 ,9 1,0 3,6 2,9 5,6 2,2 4,2 3,5 4,4 6,9 5,5 11,0 9,7 30,2 21,8 8,2 9,8 10 1,8 1,9 4,5 2,3 3,2 3,4 52,2 35,9 5,0 4,3 4,0 3,4 3,4 3,2 6,8 6,6 23,7 8,7 67,1 47,4 t 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100

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A mobilidade intrageracional segundo a mobilidade intergeracional

A origem social deixa sua marca na primeira ocupação dos indivíduos, a partir daí como esses compõem suas trajetórias? Quais são os tipos de movimento? Como se caracterizam os fluxos? Estas são as questões que podem ser respondidas através da análise da mobilidade intrageracional, onde a origem é a primeira ocupação do indivíduo e o destino a ocupação no momento da pesquisa, geralmente designada como atual.

É interessante observar que mesmo que a classificação das ocupações nas 10 categorias comportem algum nível de hierarquia, não faz muito sentido pensar que os indivíduos que começam, por exemplo como Pequenos Proprietários estejam almejando estar nas ocupações agrupadas sob o rótulo de Profissionais, por isso a análise da mobilidade intrageracional tem outros significados que precisam ficar explicitados. A questão é entender que os indivíduos podem ao longo de sua trajetória mudar de ocupações em função de vários elementos não captáveis pelos dados desta pesquisa e este movimento têm algumas implicações do ponto de vista de padrões e tendências.

As taxas calculadas nos mostram que ao longo de suas trajetórias os indivíduos são muito móveis, uma mobilidade que se caracteriza pela ascensão e baixa descensão, afinal já foi visto que o início das trajetórias se dá em condições muito precárias. Em 8 anos, ao contrário do que ocorre coma mobilidade intergeracional, a imobilidade cresce, a ascensão diminui e a descensão dobra, confirmando a tendência apontada por Andrade no estudo sobre as Regiões Metropolitanas – mesmo com classificação ocupacional distinta.

Quando observamos entre os sexos notamos que as mulheres eram mais imóveis do que os homens e esses eram mais ascendentes, mas as taxas se equiparam em 1996. Esta mudança ocorre porque os homens passaram a ter um início de trajetória melhor do que antes, principalmente com redução significativa do início em Ocupações Rurais, e como já apontado, o fato de começar melhor indica que os indivíduos têm menos espaço para percorrer.

A aproximação das taxas dos homens e das mulheres parece revelar que mesmo dentro de estruturas ocupacionais ainda distintas pela concentração ainda muito desigual em algumas ocupações homens e mulheres têm dinâmicas semelhantes ao longo de suas trajetórias.

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Tabela 9: Taxas de Mobilidade Intrageracional

1988 1996

Total Homem Mulher Total Homem Mulher

Imobilidade 35,1 31,2 42,8 40,3 40,1 40,5 Mobilidade 64,9 68,8 57,2 59,7 59,9 59,5 Mobilidade Estrutural 34,1 36,0 34,1 25,5 24,9 27,6 Mobilidade Circular 30,8 32,8 23,1 34,2 35,0 31,9 Mobilidade Ascendente 58,4 62,2 50,3 46,0 46,1 45,0 Mobilidade Descendente 6,5 6,2 6,5 13,8 13,3 14,0

Fonte: Tabulação própria a partir dos Microdados das PNADs, IBGE

Desse modo, mesmo que os indivíduos estejam começando melhor do que antes, isso não provoca uma reação em “cadeia”, ou seja, os indivíduos não passam a ter melhores desempenhos ao longo de suas trajetórias. Então, como se conjuga o movimento feito dos pais para a primeira ocupação e dessa primeira ocupação para a atual?

Os indivíduos que iniciaram suas trajetórias na mesma categoria que os pais têm altas chances de vir a ascender ao longo da trajetória, até porque a grande parte desses indivíduos começam em Ocupações Rurais (o que pode ser visto pela tabela geral da mobilidade intergeracional, onde em 1988 32,8% dos indivíduos tinham pais em Ocupações Rurais e começaram nessa categoria e 1996 o percentual cai para 22%). Aqueles que não ascenderam permaneceram grande número na mesma ocupação.

Para os indivíduos que ascendem em relação aos seus pai quando entraram no mercado de trabalho, ascender ao longo da trajetória é uma tarefa mais difícil e o espaço para queda também maior, por isso permanecer na mesma categoria é talvez um êxito. Logo, ascender em relação aos pais é um ótimo negócio para quem pode, porque as chances de cair depois é a maior de todas, isso vale especialmente para indivíduos que começam em Ocupações Não Manuais, cujos pais vieram das Ocupações Rurais ou Ocupações Manuais Gerais, pois ao longo da trajetória muitos deles vão parar nas Ocupações Manuais Gerais.

Já descer em relação aos pais no começo da trajetória implica ter um fôlego para ascender e, possivelmente, alcançar a categoria do pai, isso pode ser uma dinâmica para aqueles cujos pais estão em categorias ligadas à propriedade e direção, pois são posições que se adquire ao longo da vida produtiva, seja pela morte dos pais no caso das primeiras, seja pela competência cultivada. Esta ascensão é impulsionada também pelos indivíduos que começaram em Ocupações Manuais Gerais e se deslocaram para Ocupações Não Manuais e pelos indivíduos que começaram em Ocupações no Serviço Doméstico e se deslocaram para Ocupações Manuais Gerais, trajetórias tipicamente feminina.

Observa-se também, a existência de um segmento que vai seguindo ladeira a baixo, descem em relação aos seus pais e em relação a si mesmos,

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impulsionados fortemente por um fluxo de indivíduos, cujos pais eram Pequenos Proprietários e começaram em Ocupações Não Manuais e foram para Ocupações Manuais Gerais.

Neste sentido, há uma indicação de que a reprodução no começo de trajetória dá forças para subir pelo menos um “degrau” e, em menor intensidade, não deixa cair. Óbvio que encontrar os percentuais elevados está novamente ligada à passagem daqueles que começam em Ocupações Rurais e se dirigem para Ocupações Manuais Gerais. E na dinâmica mais tipicamente urbana a ascensão é presente para aqueles que descem em relação aos seus pais, porque para aqueles que já ascenderam em relação aos seus pais de partida a imobilidade é o “grande negócio”.

Tabela 10: Mobilidade Intergeracional segundo Intrageracional, Brasil Urbano INTRAGERACIONAL

Intergeracional 1988 1996

Imobilidade Descendente Ascendente Total Imobilidade Descendente Ascendente Total

Imobilidade 14,2 1,1 34,5 49,8 13,5 2,0 23,3 38,9

Descendentes 7,7 1,2 15,1 24,1 7,7 1,8 12,0 21,5

Ascendentes 13,2 4,2 8,8 26,1 19,1 10,0 10,6 39,6

35,1 6,5 58,4 100,0 40,3 13,8 46,0 100,0

Fonte: Tabulação própria a partir dos Microdados das PNADs, IBGE

Os fluxos

Podemos olhar novamente a relação apresentada acima e fazer novas perguntas. Os imóveis ao longo da trajetória vêm da reprodução da categoria do pai, mas também da ascensão em relação a eles, mas quem são esses imóveis? Quem ascende vêm intensamente de um processo de imobilidade em relação aos seus pais, mas que trajetória ascendente é essa? E aqueles que descem, por sua vez, são cada vez mais indivíduos que não sustentam a ascensão feita em relação aos seus pais na primeira ocupação, quais trajetórias são essas e por que são assim?

Estas são questões passíveis de respostas através da análise dos fluxos de saída da mobilidade intrageracional, na verdade estamos refazendo as perguntas clássicas da análise de mobilidade: (i) quais são as chances dos indivíduos permanecerem nas categorias ocupacionais nos quais iniciaram suas trajetórias? (iii) Qual o significado da saída da categoria, ou seja, qual a direção do fluxo daqueles que não permanecem?

As primeiras observações relevantes aparecem a partir da análise da imobilidade, pois para as melhores categorias a alta taxa de imobilidade representa a consistência da trajetória dos indivíduos e para as piores significa a existência de obstáculos ou limites muito difíceis de serem transpostos seja pela falta de investimento educacional, seja pela escassa criação de melhores oportunidades

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ocupacionais. Em 1988, o maior índice de permanência era dos Profissionais, seguido pelos Proprietários Empregadores, Ocupações Não Manuais, Ocupações Manuais Gerais. Três elementos chamam atenção porque parecem funcionar como barreira que retém os indivíduos nestas categorias: a questão da escolaridade, propriedade e clivagem entre atividades manuais e não manuais. E as categorias mais móveis são as ligadas ao mundo rural, Ocupações no Serviço Doméstico, Dirigentes, Ocupações Manuais Modernas e Pequenos Proprietários.

A mobilidade, por sua vez, se caracteriza da seguinte forma: as categorias que estão na base desta possível hierarquia são aquelas que têm maior percentual de ascensão, até porque têm mais espaço para fazê-la, seguidas pela Ocupações Manuais Gerais, Ocupações Manuais Modernas e Ocupações Não Manuais, ficando para os proprietários e Dirigentes os menores percentuais; já descer é um movimento intenso para aqueles pouquíssimos indivíduos que começam como Proprietários Rurais, menos intenso, mas de qualquer forma alto, para os Dirigentes e Pequenos Proprietários e não tão alto, porém relevante, para Profissionais e Ocupações Manuais Modernas.

Estas informações permitem dizer que é as categorias que estão na base (Ocupações Rurais, Ocupações no Serviço Doméstico e Ocupações Manuais Gerais) não são necessariamente as mais móveis, este é o caso das Ocupações Manuais Gerais, mas são aqueles que permitem mais ascensão para os indivíduos que nelas começam.

As Ocupações Manuais Modernas apresentam outra dinâmica caracterizada pela menor capacidade de reter os indivíduos quando comparada com as Ocupações Manuais Gerais e um forte vetor para baixo. Estas são ocupações ligadas às atividades industriais e desta forma, a menor capacidade de retenção e a descida para aqueles que nelas começam deve estar diretamente vinculada à redução de postos de trabalho na indústria.

Podemos colocar em pauta a hipótese da “armadilha da qualificação” levantada por Pastore e Silva, segundo a qual os indivíduos em ocupações manuais qualificadas, que aqui na nossa classificação estão concentrados nas Ocupações Manuais Modernas, tendem a ficar nesta categoria enquanto que os manuais não-qualificados teriam maior mobilidade. Esta hipótese não se verifica por completo nos trabalhadores urbanos brasileiros. Embora a mobilidade ascendente para as ocupações Manuais Gerais seja maior comparada com a Manuais Modernas, o percentual de retenção para esta última categoria é menor. Neste sentido, a dinâmica de saída e de redução das imobilidade indica que o domínio de certas habilidade mais especializadas não é tão capaz de reter os indivíduos, nem é

Referências

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