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MERCADO DE CRÉDITO SÉRIE PANORAMA BRASIL. Ana Carla Abrão

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MERCADO DE CRÉDITO

SÉRIE PANORAMA BRASIL

(2)

Coordenação técnica

Ana Carla Abrão, Oliver Wyman

Coordenação geral

Gabriela Bertol, Oliver Wyman

Autores e equipe PANORAMA BRASIL

Marina Gontijo, Simone Pai, Priscila Matuda, Carolina Ferraresi, Rodrigo Morelli e Rafael Thosi.

Este relatório faz parte da série PANORAMA BRASIL, que contém uma coleção de dados e evidências empíricas para o diagnóstico dos desafios para o futuro do Brasil, sem intenção de fazer recomendação de política pública. Para a elaboração deste documento, gostaríamos de agradecer a contribuição com entrevistas e dados de: João Manuel Pinho de Mello, Mauro Cunha, Luis Fernando Figueiredo, Rafael Scavone Bellem de Lima, Mascos de Barros Lisboa e Vinicius Carrasco. Este documento contou com a colaboração de diversas pessoas da Oliver Wyman. Em particular, gostaríamos de agradecer ao time de design, Mark Angel, Nicole Priese e Karin Löffler; e a Jung Kim pelo suporte ao longo de todo processo.

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CONTEÚDO

SUMÁRIO EXECUTIVO

1

POR QUE CRÉDITO IMPORTA?

3

PANORAMA DO MERCADO DE CRÉDITO NO BRASIL

5

CUSTO DO CRÉDITO NO BRASIL

13

CUSTO DE INADIMPLÊNCIA

17

CUSTOS REGULATÓRIOS

41

CRÉDITO DIRECIONADO

45

CONCENTRAÇÃO E COMPETIÇÃO

50

CONCLUSÃO 56

NOTAS 58

BIBLIOGRAFIA 61

(4)

SUMÁRIO EXECUTIVO

SUMÁRIO EXECUTIVO

Há uma relação de causalidade entre tamanho e profundidade do mercado de crédito e crescimento econômico. Um mercado de crédito bem desenvolvido ajuda a identificar e a viabilizar os melhores projetos resultando em uma melhor alocação dos recursos da sociedade.

(5)

As evidências, hoje já pacificadas, mostram que além de uma correlação positiva há também uma relação causal entre o desenvolvimento do mercado de crédito e taxas de crescimento econômico.1 Além disso, fatores relacionados ao ambiente de negócios, como segurança jurídica, proteção a credores e custos da intermediação são fundamentais para que um mercado de crédito ativo se estabeleça. No Brasil, o mercado de crédito apresentou alguns ciclos, com momentos marcados por avanços institucionais relevantes e outros em que intervenções diretas representaram retrocesso e custo fiscal, com pouco ou nenhum impacto positivo no desenvolvimento econômico ou social. Entre o final da década de 90 e o início dos anos 2000, vivemos um período de reformas microeconômicas que tiveram impactos significativos sobre a produtividade no mercado de crédito. Algumas dessas medidas alteraram estruturalmente o mercado, como o crédito consignado (2003), a lei de alienação fiduciária (2004) e a lei de recuperação de empresas (2005). Outras se mostraram insustentáveis e tiveram impacto negativo , como a ampliação do crédito subsidiado (BNDES, Minha Casa Minha Vida, Minha Casa melhor, e outros direcionamentos) e a política de juros baixos dos bancos públicos. Já a partir de 2008 – e mais fortemente entre 2011 e 2014 –, as intervenções diretas no mercado de crédito, notadamente via bancos públicos, nos legou um enorme passivo fiscal e introduziu distorções que acabaram por fazer retrair esse mercado que começava a experimentar novos patamares de volumes e de custos.

Há, portanto, uma agenda a ser retomada para que possamos atacar questões estruturais do mercado de crédito, que se mostram acentuadas no Brasil e que se refletem nos baixos volumes e altos custos observados. É essa agenda que permitirá a retomada do ciclo de expansão, atacando problemas vinculados a:

• Acesso limitado à informação

• Precificação descasada do risco de crédito do cliente • Recuperação de crédito morosa e cara

• Elevada insegurança jurídica

• Altos custos regulatórios de intermediação financeira • Escassez de fontes alternativas de financiamento • Distorções do crédito direcionado

Uma agenda de reformas microeconômicas é fundamental para garantir o crescimento saudável do crédito, focando em pontos como:

• Ampliação do cadastro positivo • Melhoria no sistema de garantias

• Melhora nos processos de retomada extrajudicial de garantias • Fomento ao uso de fundos garantidores de crédito

• Regulação do mercado imobiliário • Redução dos depósitos compulsórios • Fomento à competição

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POR QUE

CRÉDITO IMPORTA?

Uma das funções de um mercado de crédito desenvolvido é a de transformar poupança em investimento via seleção dos melhores projetos. Pelo lado das famílias, o crédito também tem o papel de transferir renda intertemporalmente, permitindo padrões de consumo mais estáveis ao longo do tempo e a aquisição de bens de alto valor (como imóveis) contra pagamentos futuros, gerando ganhos de bem-estar.

Quanto melhor a capacidade do mercado de selecionar os projetos com maior retorno e canalizar os recursos para eles, maiores serão os impactos positivos na produtividade, no crescimento e no bem-estar da sociedade. Diversos estudos apontam uma relação causal positiva entre crédito e PIB: quanto maior o mercado de crédito, maior o crescimento da economia. Essa causalidade, entretanto, só se materializa sob mecanismos de transmissão específicos.2

(7)

O primeiro mecanismo consiste no fato de o sistema financeiro avaliar alternativas de negócios e escolher os projetos mais promissores para investir, ou seja, aqueles com melhor relação risco-retorno. Não basta apenas emprestar, mas emprestar para aqueles que vão fazer melhor uso dos recursos. Além disso, instituições financeiras exercem a função de monitoramento dos projetos financiados, gerando incentivos que aumentam a probabilidade de sucesso dos projetos de investimento selecionados.

O segundo mecanismo está ligado ao conceito de diversificação. Quanto maior o mercado de crédito, maior o espaço para investir em projetos mais arriscados, que têm, portanto, maior potencial de retorno. Como projetos de inovação têm probabilidade de fracasso, mas também um retorno elevado em casos de sucesso, um mercado de crédito amplo, com carteiras maiores abre espaço para projetos mais arriscados e mais inovadores. Assim, o mercado de crédito tem a importante função de selecionar os projetos e monitorar os riscos impactando positivamente as atividades empresariais, aumentando a produtividade. Por outro lado, um mercado de crédito com distorções reduz o ritmo de inovação e impacta negativamente o crescimento. Ademais, países onde há restrição no acesso a crédito têm um mercado de capitais menos desenvolvido e maior custo de capital, o que afeta negativamente o crescimento. Dessa forma, uma agenda de reformas com foco em um ambiente legal e regulatório que fomente o desenvolvimento do mercado de crédito é condição necessária para se garantir aumento da produtividade, crescimento econômico e bem-estar social. (Figura 1)

Figura 1: Correlação entre PIB per capita e crédito/PIB Em mil US$ corrente

Crédito privado/PIB (Em %)

0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 Brasil México Argentina EUA Singapura OCDE França Chile China Turquia Índia

Colômbia RússiaEmergentes ALC 10 0 20 30 50 40 60

Nota: ALC representa a média dos países da América Latina e do Caribe. Números do Brasil não estão incluídos na média da ALC e dos Emergentes; e números da China não estão incluídos na média dos Emergentes.

(8)

No Brasil, o mercado de crédito se caracteriza por baixos volumes e alto custo, com forte presença de crédito direcionado e de bancos públicos.

PANORAMA DO

MERCADO DE CRÉDITO

NO BRASIL

(9)

O crédito doméstico para o setor privado – conforme indicador do Banco Mundial, que considera empréstimos, títulos de dívidas e recebíveis – representa 62% do PIB no Brasil, valor considerado baixo quando comparado a economias mais desenvolvidas. Nos países da OCDE, por exemplo, o mercado de crédito equivale a 122% do PIB e nos Estados Unidos, o número é de 192%.3

No Brasil, o volume, apesar de continuar baixo, cresceu na última década. Considerando apenas empréstimos, o saldo de crédito era de 35% do PIB em dezembro de 2007 e passou a 47% em dezembro de 2017, atingindo seu pico em dezembro de 2015, quando chegou a 54% do PIB.

O crédito ao consumo aumentou significativamente, passando de 16% para 25% do PIB. Ainda que a um ritmo mais lento, o crédito para pessoa jurídica também cresceu e passou de 19% para 22% do PIB.

Reproduzindo a análise por tipo de recursos, observa-se que empréstimos via crédito direcionado praticamente dobraram em 10 anos: o saldo em dezembro de 2007 era de 12% do PIB e, em dezembro de 2017, 23%. O saldo com recursos livres, por sua vez, passou de 23% para 24% do PIB.4 A expansão do direcionado se deu principalmente via crédito imobiliário para pessoas físicas e empréstimos do BNDES para pessoas jurídicas. (Figura 2)

Figura 2: Saldo de crédito como proporção do PIB

Nota: Pode haver discrepâncias nas somas devido a arredondamentos. Fonte: Banco Central do Brasil.

Pessoa jurídica Pessoa física Pessoa jurídica Pessoa física Rural Outros BNDES

Imobiliário Rural Outros

7 11 4 12 12 23 1 5 1 2 7 1 7 11 Dez/2007 Dez/2017

Crédito direcionado (% do PIB) Crédito direcionado pessoa jurídica (% do PIB)

12 11 12 13 23 24 Dez/2007

Crédito livre (% do PIB) Crédito direcionado pessoa física (% do PIB)

Dez/2017 Dez/2007 Dez/2017 Dez/2007 Dez/2017 2 2 1 3 9 1 4 12

(10)

7

A evolução do mercado de crédito nos últimos anos pode ser explicada à luz de diversas regulações e políticas de estímulo. (Figura 3)

Em linha com a literatura e com a evidência internacional, medidas que buscaram reduzir as distorções do mercado via correções estruturais geraram impactos positivos e duradouros. Medidas intervencionistas tiveram como resultado a ampliação de distorções. Por exemplo, políticas que focaram exclusivamente em aumentar o estoque de crédito não se mostraram sustentáveis. A ampliação de crédito de forma artificial agravou distorções e ineficiências. A ampliação do acesso a recursos subsidiados acabou por canalizar recursos para setores menos produtivos, gerando impactos inferiores ao esperado ou mesmo negativos.

Figura 3: A história recente do mercado de crédito brasileiro

Nota: Notas: SFI se refere a Sistema Financeiro Imobiliário (criação de instrumentos de captação com lastro imobiliário). Fonte: Banco Central do Brasil. Análise Oliver Wyman.

Atuação anticíclica dos bancos públicos

Projeto Juros e Spread Bancário (A partir de 11/1999) Regulamentação do consignado

(Lei 10.820, 12/2003) Consolidação da alienação fiduciária e do SFI

(Lei nº 10.931, 8/2004) Lei de falências e recuperação de empresas (Lei nº 11.101, 2/2005)

Lei dos consórcios (Lei nº 11.795, 8/2008)

Lei do Minha Casa Minha Vida (Lei nº 11.977, 7/2009)

Fim da exclusividade do consignado (Circ nº 3.522, 1/2011)

Período de reformas

microeconômicas Período de maturação e resultado Expansão dos bancos públicos Exaustão do modelo expansionista

-5 -10 -15 0 5 20 10 15 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Variação real do PIB em relação ao mesmo trimestre do ano anterior Variação real 12 meses do saldo de crédito

(11)

Já medidas estruturais foram implementadas entre o final dos anos 90 e a primeira metade da década de 2000. Em 1999, o Banco Central deu início ao projeto Juros e

Spread Bancário, elencando uma série de medidas para reduzir os juros ao tomador.

Destacam-se, entre elas:

• Redução dos compulsórios com uma sequência de reduções das alíquotas de recolhimento obrigatório sobre depósitos à prazo e à vista;

• Aperfeiçoamento do Sistema de Pagamentos Brasileiro, com a criação de centrais de compensação e liquidação financeira e consequente redução do risco sistêmico; • Aumento da transparência nas operações de crédito, com a divulgação dos juros

cobrados pelas instituições financeiras;

• Aperfeiçoamento do Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional (COSIF), ajustando as regras contábeis aos padrões internacionais;

• Ampliação da base de cobertura e aumento do escopo de informações da Central de Risco: contribuindo para uma melhor avaliação e seleção de créditos por parte dos bancos;

• Criação da Cédula de Crédito Bancário (CCB), disseminando o uso de um título de crédito mais simples e eficaz no trâmite judicial.

Dando continuidade ao esforço do governo para diminuir os juros dos empréstimos, a partir de 2003 com uma agenda conduzida pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, o crédito consignado foi introduzido. Ele permitiu a queda do custo para a conces-são de financiamentos para pessoa física. Como os pagamentos conces-são deduzidos diretamente da folha de salário, o crédito consignado mitiga o risco de inadimplência e os problemas decorrentes de seleção adversa (Crédito e assimetria informacional, página 20). O impacto da medida pode ser comprovado nas taxas de juros: enquanto a taxa média do crédito consignado era de 25,7% ao ano em abril de 2018, a taxa do crédito pessoal livre não consignado chegou a 124,9% para pessoa física, uma taxa quase 5 vezes maior.5 Houve também medidas desenhadas para melhorar a execução de garantias e reduzir a insegurança jurídica. Elas contribuíram para a democratização do crédito, ou seja, permitiram que mais famílias e empresas tivessem acesso a recursos. Um exemplo é a consolidação da alienação fiduciária em agosto de 2004, que reduziu o tempo para a retomada do bem de 2 a 3 anos para 3 semanas e diminuiu o spread – a diferença entre

custo de captação e taxa cobrada do cliente – em 9,4%.6

A lei de recuperação de empresas de 2005 tornou o processo de renegociação de dívidas mais eficiente, através da ordenação de prioridade de credores, com impacto adicional sobre o acesso ao crédito. Ela contribuiu para a redução do número de falências – o número de falências requeridas reduziu em média 50% em relação ao período de 12 meses anterior à reforma – e o aumento da taxa de recuperação de crédito – apesar de ela ainda ser muito baixa. A lei ampliou o acesso a crédito por pessoas jurídicas, gerando aumento do investimento e uma queda no custo de capital para empresas de capital aberto7, além de contribuir para a elevação da produtividade das empresas8.

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9

Finalmente, o desenvolvimento do mercado de capitais permitiu o acesso a formas de captação de recursos mais baratas. Um exemplo foi o aprimoramento do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) em 2004, com a aprovação da lei 10.931, que trouxe novas alternativas de captação, como as letras de crédito imobiliário (LCI) e as cédulas de crédito imobiliário (CCI).

As mudanças estruturais colaboraram para a expansão do crédito. Entre dezembro de 2004 e dezembro de 2007, o saldo de crédito sobre o PIB passou de 25,5% para 34,7%. Os benefí-cios, no entanto, não se limitam à atividade financeira. O efeito é difuso, uma vez que permite a realização de atividades produtivas, contribuindo para o crescimento da economia. Esse processo de expansão do crédito desacelerou em 2008, pois a incerteza gerada pela crise mundial levou os bancos privados a diminuírem a oferta de crédito tanto para pessoas físicas quanto jurídicas. Como resposta à crise, o governo fomentou a concessão de crédito via bancos públicos, inaugurando um processo de intervenção que acabou por se mostrar caro do ponto de vista fiscal e pouco eficaz para conter o processo de desaceleração econômica, já em curso. (Figura 4)

Figura 4: Crescimento do crédito concedido por bancos públicos e privados %, 2008–2018

Nota: Saldo de crédito corrigido pelo IGP-DI a valores de maio/2018 Fonte: Séries temporais Banco Central do Brasil; análise Oliver Wyman

10 5 -5 -10 -15 -20 -25 0 15 20 40 45 25 30 35 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Variação 12 meses de crédito de bancos privados Variação 12 meses de crédito de bancos públicos

(13)

Quando os bancos privados começaram a se recuperar da crise e voltaram a expandir o crédito, o governo adotou políticas macroprudenciais para conter o endividamento das famílias. Medidas macroprudenciais visam a diminuir o risco sistêmico do sistema bancário como um todo e, nesse caso, elas foram adotadas para conter a expansão do crédito de algumas linhas específicas.

Esse tipo de medidas foram largamente utilizadas entre o fim de 2010 e meados de 2011 visando à maior estabilidade ao sistema, mas gerando outras distorções no mercado com impactos relevantes sobre volumes e custos. Entre as ações tomadas, estavam a elevação da alíquota adicional de compulsório sobre depósitos à vista e a prazo, o aumento do requerimento de capital em operações de crédito às pessoas físicas, a elevação do IOF sobre operações de crédito para pessoas físicas e o aumento do percentual mínimo de pagamento de faturas de cartão de crédito.

Em uma mudança de orientação, e por identificar na expansão do mercado de crédito um canal para estimular o crescimento e compensar quedas nas concessões de instituições privadas, o governo optou por intervenções diretas. O resultado foi uma política com forte peso em crédito subsidiado que, ao fim, não obteve sucesso nem se mostrou sustentável em função do alto custo financeiro.

Um exemplo que se tornou emblemático foi a concessão de crédito do BNDES. Entre 2009 e 2016, os gastos do Tesouro Nacional com subsídios financeiros (equalização de juros) e creditícios do BNDES somaram o equivalente a R$ 222 bilhões em valores de hoje.9 Exemplos como o PSI-FINAME10 e do Programa Caminhoneiro11 (Linha Pró-Caminhoneiro e a greve de 2018, página 12), cujas taxas chegaram a 2,5% ao ano em 2012 enquanto a inflação estava em 5%, estimulou a compra de veículos pesados. Até então, as menores taxas dos empréstimos do BNDES eram para projetos de inovação: 4% ao ano.

A política de juros baixos dos bancos públicos a partir de abril de 2012 foi outro exemplo de intervenção. Os bancos públicos foram pressionados pelo governo a reduzirem juros e passaram de uma taxa de juros ponderada nas concessões de 20% para 15% ao ano. Em resposta, os bancos privados também reduziram os juros, mas em proporção menor, de cerca de 22% para 20% ao ano12, acompanhada, contudo, por uma contração significativa nos volumes concedidos. Há evidências da migração de créditos de pior qualidade para os bancos públicos. Como consequência desse movimento, contrariando o movimento esperado, mas totalmente condizente com os efeitos de uma intervenção descolada de fundamentos.

Há ainda outras intervenções específicas cujo resultado líquido não se consegue mensurar dada a falta de avaliação de impacto e mesmo de transparência em relação aos custos totais. Trata-se de programas como o Minha Casa Minha Vida, que oferece financiamento imobiliário com taxas subsidiadas e prazos longos para famílias de baixa renda, e o Minha Casa Melhor, que oferece crédito para compra de móveis e eletrodomésticos, que responderam por uma parte relevante da expansão do crédito a taxas subsidiadas e tiveram como contrapartida perdas relevantes.

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11

O MCMV custou R$ 102 bilhões ao Tesouro Nacional entre 2009 e 201613, chegando a atingir 25% de inadimplência nas faixas de renda mais baixas em 2016. O Minha Casa Melhor, por sua vez, apesar de ter representado uma despesa mais baixa para os cofres públicos – ofereceu um volume de crédito que atingiu cerca de R$ 3 bilhões entre 2013 e 2015 –, foi suspenso após apenas um ano e meio de programa, apresentando uma taxa de inadimplência de 35%14 com suspeitas de fraude. Os custos reais desses programas se traduzirão, como sempre, em necessidade de aportes adicionais de capital na Caixa por parte do Tesouro Nacional, sem que os benefícios tenham sido devidamente avaliados.

(15)

O programa governamental Pró-Caminhoneiro foi lançado em 2006, substituindo o programa BNDES caminhão, destinado ao financiamento a caminhoneiros autônomos e empresários individuais no setor de transporte de carga. Buscava-se com o programa ampliar o acesso ao crédito por parte de um segmento de pessoa física; renovação da frota circulante do país; redução do custo de logística e do frete; redução do consumo de combustível e de emissões; aumento na segurança veicular e de tráfego. O novo programa passava a financiar até 100% do automóvel, à taxas de juros da TJLP mais o spread do agente financeiro, limitado a 6% a.a., com prazo de financiamento de até 84 meses15. Em junho de 2009, no contexto da política anticíclica do governo federal, a taxa de juros do financiamento dessa linha foi reduzida para 4,5% a.a., uma redução de 67% em relação a taxa média anterior de 13,5%. Além disso, o prazo de financiamento foi ampliado para 96 meses. No ano de 2012, houve uma nova redução da taxa de juros, para 2,5%, e aumento no prazo de financiamento para 120 meses, incluindo um ano de carência. As excepcionais condições de financiamento se mantiveram até 2013, quando um pequeno aumento da taxa ocorreu (6% a.a.).

A consequência dessa política foi o aumento despro-porcional da frota de caminhões. Entre 2009 e 2018 a frota de caminhões subiu 40%, enquanto a economia brasileira cresceu 11%16 e o volume de caminhões nas estradas subiu apenas 8%. O aumento da frota, não acompanhado de um aumento da demanda por frete, teve como consequência a redução no preço do frete.

Além das receitas menores, os caminhoneiros enfrentaram aumento no preço dos pedágios, que já em 2015 culminou em uma greve de caminhoneiros e na promulgação da lei n.13.103/2015, chamada Lei dos Caminhoneiros. A lei regulava as condições de trabalho dos motoristas e proibia a cobrança de algumas taxas nos pedágios.

No entanto, com o agravamento da crise fiscal e econômica do Brasil, a demanda por fretes caiu17, comprimindo ainda mais o preço do frete. Em 2018, os caminhoneiros que já sofriam com a redução no preço e na demanda por frete e com aumentos dos preços dos pedágios, sentiram o aumento do preço do diesel18 de 14% em 10 meses. Essa conjunção de fatores culminou na greve que durou 11 dias, paralisou o país, e causou uma redução estimada no PIB brasileiro de 0.24 p.p.19 em 2018. Os grevistas reivindicavam a redução no preço do diesel, cortes nas tarifas dos pedágios e um preço mínimo de frete, todas acatadas pelo governo para por fim a greve. O saldo final de uma combinação de subsídios mal dimensionado/direcionado com a recessão econômica e uma resposta intervencionista à greve dos caminhoneiros, foi o aumento no custo fiscal a ser pago por toda a sociedade e a redução no potencial de crescimento da economia brasileira.

(16)

O entendimento do custo do crédito no Brasil parte da análise da decomposição do spread bancário em seus diversos fatores.

CUSTO DO CRÉDITO

NO BRASIL

(17)

O indicador de spread bancário é formado pela agregação de fatores de custos e resíduo.

Os primeiros são compostos por (i) inadimplência, (ii) despesas administrativas e (iii) tributos e FGC20. No resíduo, está a parcela do spread apropriada pelos bancos, sua margem, assim como tudo aquilo que não se consegue explicar.

O ponto de partida para uma agenda de redução das distorções na intermediação financeira é a decomposição do spread. Ela permite identificar as causas fundamentais do

elevado custo do crédito no Brasil a partir da participação de cada uma das componentes no resultado final. Assim, podem-se definir políticas que visem ao barateamento do crédito, à expansão dos volumes de concessão e à minimização dos problemas relacionados a assimetria de informação21 e seleção adversa22 nas carteiras dos bancos, evitando-se uma agenda pouco eficaz e intervencionista como a que foi implantada em passado recente. (Crédito e assimetria informacional, página 20)

Embora o spread seja uma boa medida para se avaliar a agenda necessária de reformas, há

que se ter em mente a dispersão das taxas de empréstimo, além dos erros de mensuração e das dificuldades em se apurar todos os fatores relevantes. No Brasil – e não é diferente no resto do mundo –, essas taxas variam muito, refletindo fatores de risco, competitividade e profundidade do mercado para cada produto de crédito. (Figura 5)

Figura 5: Taxa média de juros dos principais produtos (dezembro de 2017, % ao ano)

Fonte: Banco Central do Brasil. Financiamento com recursos do BNDES - Financiamento imobiliário com taxas reguladas - Crédito rural com taxas reguladas -Crédito rural com taxas reguladas - Crédito rural com taxas de mercado -Financiamento imobiliário com taxas reguladas - Financiamento imobiliário com taxas de mercado Financiamento imobiliário com taxas de mercado Crédito rural com taxas reguladas Crédito rural com taxas reguladas Crédito rural com taxas de mercado Financiamento imobiliário com taxas reguladas

-Cartão de crédito rotativo - Cheque especial - Cheque especial - Cartão de crédito rotativo -Crédito pessoal não consignado - Microcrédito - Crédito pessoal consignado -Aquisição de bens - Capital de giro

-Saldo da carteira (R$ BI) PF PF PF PJ PJ PF PJ PJ PF PF PJ PJ PJ PF PF PF PF PF PF PJ PF Crédito livre Crédito direcionado 51 502 163 26 40 29 63 34 487 13 12 160 294 23 311 5 22 3 102 9 33 6,8 7,7 7,7 10,6 8,6 8,1 11,0 11,1 11,2 11,2 14,0 25,3 17,9 16,4 26,0 28,2 323,0 240,7 113,3 330,9 334,6

(18)

15

A forma original de mensuração de spread tradicionalmente divulgada pelo Banco Central

contém alguns problemas metodológicos que vêm sendo atacados ao longo do tempo. Os números publicados pela instituição não incluem alguns empréstimos que tendem a ter

spreads menores (como repasses e alguns créditos direcionados), alguns impostos e taxas

(como IOF e tarifas de originação) e consideram o spread de novas concessões aplicado

ao saldo total. As revisões metodológicas e agora o Indicador de Custo do Crédito (ICC) vêm reduzindo algumas dessas distorções em uma tentativa de aproximar os números da taxa média do sistema (Indicador de Custo do Crédito, página 16).

Ainda assim, não se pode ignorar a decomposição do spread como forma de avaliar as

principais fontes de distorção e, consequentemente, a agenda a ser alocada. Assim, a partir da cadeia de valor do crédito e dos determinantes do spread bancário, levantamos

algumas características do mercado de crédito no Brasil, mostradas na Figura 6. As distorções listadas acima estão amplamente discutidas na literatura. Elas têm impacto direto no custo e no volume de crédito. Nas seções seguintes, nos concentraremos nos pontos que entendemos serem os mais relevantes para o aprofundamento do mercado de crédito no Brasil: custo de inadimplência, custos regulatórios e os fatores que estão incluídos no resíduo da decomposição.

Figura 6: Cadeia de valor do crédito e principais problemas levantados

Acesso limitado à informação Precificação não reflete o risco individual de crédito do cliente

Recuperação de crédito morosa e cara Inadimplência

Elevados custos operacionais Custos cartoriais/processuais Despesas administrativas Carga tributária elevada Tributos e FGC Provisões elevadas Depósitos compulsórios Custos regulatórios

Mercado de capitais pouco desenvolvido

Competição Crédito direcionado Compartilhamento de informação Resíduo Solicitação de crédito Análise de crédito Crédito negado Crédito aprovado Inadimplência e recuperação Captação

(19)

Em abril de 2017, o Banco Central passou a divulgar o Indicador de Custo do Crédito (ICC), que representa o custo médio das operações de crédito ativas para o tomador. O ICC considera os pagamentos de juros e os encargos fiscais e operacionais da contratação do crédito e tem como objetivo apresentar uma medida de spread que seja mais precisa e que melhor represente os números contábeis das instituições financeiras que compõem o sistema. Nessa nova metodologia, o Banco Central busca mensurar o spread bancário com base nos seguintes componentes:

• Custo de captação: estimativa dos juros pagos pelas instituições financeiras nas suas captações; • Inadimplência: estimativa das perdas em função

do não pagamento das dívidas e dos juros e considerando possíveis descontos concedidos; • Despesas administrativas: estimativa das

despesas diversas, como de pessoal e marketing,

envolvidas nas operações de crédito;

• Tributos e FGC: estimativa das contribuições pelas instituições associadas ao Fundo Garantidor de Crédito (FGC) e dos tributos pagos nas operações de crédito. Estes são pagos pelos tomadores – Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) – e pelos credores – contribuições ao Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade (Cofins), Imposto de Renda (IR) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

• Margem financeira do ICC: estimativa do lucro das instituições financeiras com as operações de crédito, de outros fatores não mapeados pela metodologia e de possíveis erros e omissões nos cálculos.

O Banco Central calculou o ICC para os últimos três anos – 2015 a 2017 – e concluiu que o custo de captação foi o que mais contribuiu para o custo do crédito para os tomadores, seguido da inadimplência. (Figura 7)

INDICADOR DE CUSTO DO CRÉDITO

Figura 7: Decomposição do ICC médio ajustado Pontos percentuais

Custo de captação Inadimplência Despesas administrativas Tributos e FGC Margem financeira do ICC 18,9 20,5 20,3 19,9 2015 2016 2017 Média 41% 21% 15% 14% 40% 23% 15% 14% 9% 37% 24% 16% 14% 9% 39% 23% 15% 14% 9% 10%

(20)

Os custos de inadimplência refletem desde o risco de crédito do tomador até as despesas de recuperação dos empréstimos não pagos e as perdas pelo crédito dado e não recuperado. Ou seja, no custo da inadimplência, também está embutido o que é necessário cobrar para compensar a perda com o mau pagador.

CUSTO DE

(21)

Como as taxas de juros cobradas – e portanto os spreads associados aos empréstimos,

são definidos no momento da concessão, é fundamental que os bancos sejam capazes de diferenciar os bons dos maus pagadores, ou seja, identificar o segmento de risco a que cada potencial cliente pertence, antes de assinado o contrato de crédito. Quanto maior o risco de não pagamento, maior será a taxa cobrada.

Por outro lado, quanto menores as perdas do banco quando ocorre a inadimplência – ou quanto maior a capacidade de recuperar o crédito –, menor também será o custo de inadimplência. (Figura 8)

O Brasil tem uma taxa de inadimplência alta se comparada à média dos países da OCDE e de seus pares da América Latina e Caribe, porém mais baixa do que a média dos países emergentes.

Algumas características do nosso mercado podem explicar o impacto que a inadimplência tem no custo do crédito. Elas serão discutidas com mais detalhes nas subseções a seguir: acesso limitado à informação, falta de processo de precificação que reflete risco do cliente, processo de recuperação de crédito longo e caro e insegurança jurídica.

Figura 8: Taxa de inadimplência sobre total de empréstimos – 2016

Fonte: Banco Mundial,2016. Singapura Rússia Índia Peru México Emergentes Brasil França OCDE Colômbia Turquia ALC Argentina Chile China EUA 9,4 9,2 5,2 4,3 3,9 3,6 3,3 3,1 1,2 3,1 2,5 2,3 1,8 1,8 1,7 1,3

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19

ACESSO LIMITADO À INFORMAÇÃO

A identificação do nível de risco se dá por meio da comparação das características do cliente com a de grupos de clientes já classificados conforme seu risco de default.

A estimativa é mais precisa quanto mais precisos e abundantes forem os dados, não só sobre o consumidor em questão, mas também sobre o grupo de consumidores em segmentos similares.

Um dos problemas principais no Brasil é o acesso escasso às informações e ao histórico de crédito do tomador. Além do baixo acesso, a informação disponível está restrita aos grandes bancos de varejo, que detêm os dados transacionais dos seus clientes. O que limita os benefícios da informação para fins de redução do custo do crédito.

Isso acontece em parte via diminuição da competição. Como somente o banco que detém o relacionamento consegue identificar a qualidade creditícia do cliente, as outras instituições não possuem incentivos para ofertar taxas competitivas. Isso acaba criando um efeito de lock-up, com o tomador sempre preso ao seu banco original.

Assim como os indivíduos bancarizados não têm incentivo para buscar crédito em instituições além daquelas com as quais se relacionam, os pouco bancarizados acabam tendo acesso limitado ao mercado de crédito.23 Para oferecer crédito a novos clientes, a taxa de juros cobrada na operação reflete o risco do tomador médio em vez de refletir o seu perfil de risco, informação desconhecida pela instituição financeira. Dessa forma, para um bom pagador essa taxa será alta. Este ou será penalizado, pagando uma taxa de juros descolada do seu baixo risco, ou tenderá a sair do mercado. (Crédito e assimetria informacional, página 20)

Neste caso, tem-se também um problema de seleção adversa, pois a instituição acaba com um pool de clientes de maior risco.24 Isso explica parte do alto custo do crédito no Brasil e também tem impacto negativo sobre o volume ofertado.

Ao final, a concentração da informação gera um problema de reserva de mercado com barreira à entrada: bancos grandes com uma larga base de clientes são favorecidos em detrimento de bancos menores. Dessa forma, ampliar o acesso às informações tende a ter efeito benéfico sobre o custo de crédito.

CADASTRO POSITIVO

Os birôs de crédito são uma importante forma de compartilhamento de informação. Eles agregam dados sobre a qualidade creditícia do cliente (seja pessoa física ou jurídica) e os resumem em um escore de crédito disponível para consulta. No Brasil, até recente-mente, os birôs agregavam apenas informações negativas – de inadimplência ou atrasos de pagamento. Em 2011, aprovou-se a lei que permite o compartilhamento de informações sobre obrigações que o cliente pagou em dia, o chamado cadastro positivo (O cadastro positivo no Brasil, página 21).

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George Akerlof em 1970 foi um dos primeiros economistas a analisar o impacto da assimetria de informação no mercado financeiro. Akerlof usa o mercado de carros usados para mostrar que, quando a informação sobre a qualidade do bem é privada – conhecida apenas dos vendedores – e compradores só têm acesso à qualidade média dos carros usados no mercado, o preço acaba por refletir essa qualidade média. Ou seja, todos os carros – bons ou ruins – são negociados a um preço que não reflete as características individuais de cada bem, mas sim aquelas que são observadas na média. Consequentemente, carros em melhor estado acabam subavaliados e, com o tempo, deixam de ser negociados, ameaçando inclusive a viabilidade desse mercado.25

Esse resultado também se aplica ao mercado de crédito.26 No caso, a variável desconhecida é a qualidade de crédito do cliente. Caso os bancos não consigam distinguir os bons dos maus pagadores, a taxa de juros média reflete a inadimplência média do mercado. Assim, bons pagadores pagam mais do que deveriam e subsidiam os maus pagadores, que pagam menos do que deveriam. Com isso, bons pagadores acabam se afastando do mercado e sobe o risco do tomador médio de crédito, gerando um problema de seleção adversa.

Num mercado onde há pouco compartilhamento de informação, tomadores de empréstimo também têm pouco incentivo para honrar suas dívidas. Afinal, eles ainda conseguem empréstimo em outras instituições, pois estas não têm acesso ao seu histórico de crédito. No Brasil, por exemplo, mesmo com o cadastro negativo, há mecanismos legais – como adimplemento substancial – que protegem o mau pagador e escondem a sua inadimplência. Ao fim, a combinação de falta de punição por inadimplência (risco moral) com seleção adversa – consequência do problema de assimetria informacional – resulta em restrição de crédito – efeito já evidenciado na literatura.27 Ou seja, se dois indivíduos com preferências e perfis de risco distintos, sendo um bom e um mal pagador, pedirem empréstimo na mesma instituição, ambos podem ter o credito negado por ausência de informação para distingui-los.

Essas distorções podem ser eliminadas – e o mercado de crédito funcionar melhor – com a ampliação do acesso à informação, permitindo que o credor consiga distinguir o bom do mau tomador, e por meio do uso de garantias, que reduzem o risco de inadimplência e perda.

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21

O cadastro positivo é a formação do histórico de crédito de pessoas físicas e jurídicas, com dados de pagamento de dívidas e outras obrigações. Historicamente no Brasil, as avaliações de crédito tinham como base de informação externa, o cadastro negativo – que considera somente informações de inadimplência e atrasos de pagamento. Com a aprovação e regulamentação da lei do cadastro positivo, entre 2011 e 2012, o novo cadastro passou, em tese, a considerar as informações positivas, ou seja, obrigações que o cliente pagou em dia. O objetivo da medida foi o compartilhamento de informações de adimplemento sobre tomadores de crédito, permitindo aos credores uma melhor avaliação do risco envolvido. Esse compartilhamento tende a reduzir parte da vantagem que as grandes instituições possuem na avaliação de risco, aumentando a competitividade dos bancos médios. (Figura 9)

A adesão, no entanto, ainda é muito baixa. Em setembro de 2017, havia aproximadamente 6 milhões de cadastrados, para uma população adulta superior a 150 milhões de pessoas.28 A explicação para a baixa penetração dos dados de cadastro positivo reside em algumas falhas na lei, que levam a uma resistência por parte dos bancos e à baixa adesão de cadastrados:

• Insegurança jurídica a operadores: a lei do cadastro permite que as fontes forneçam os dados para construção do cadastro, mas não menciona o sigilo bancário, levando à conclusão de que o cadastro positivo pressupõe o cometimento de crime de quebra de sigilo;

• Solidariedade entre os operadores de bancos de dados: se algo der errado com os dados compartilhados de alguém, como os bancos são os mais fortes da cadeia, é mais provável que eles arquem com a culpa. Isso desestimula os agentes de maior porte econômico, que são mais facilmente responsabilizados por erros de terceiros;

• Proibição de compartilhamento de informações por operadoras de telefonia móvel;

• Excesso de burocracia para a criação e a inclusão de informações no cadastro, com necessidade de autorização por parte do potencial cadastrado – em um ambiente onde há falta de conhecimento e de confiança no sistema.

O CADASTRO POSITIVO NO BRASIL

Figura 9: Linha do tempo do cadastro positivo brasileiro

Lei nº 12.414 Define diretrizes para informação de crédito positiva Decreto Lei nº 7.829 Regula requisitos operacionais para bureaus de crédito Resolução nº 4.172 do Banco Central Define exigências às instituições financeiras Projeto de lei 212 Aprovado no Senado Federal, visa melhorias no cadastro positivo

Bureaus de crédito positivo em consolidação

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Essas falhas motivaram o projeto de lei do Senado 212/2017, com o objetivo de corrigir os problemas por meio de alterações tanto na lei do sigilo bancário quanto na do cadastro positivo. O projeto foi aprovado pelo Senado em outubro de 2017. Em maio de 2018, como PLP 441/2017, teve seu texto base aprovado pela Câmara dos Deputados e atualmente aguarda a votação dos destaques para seguir para sanção presidencial. Os principais pontos do projeto são: • Proposta de alteração da lei do sigilo bancário:

O compartilhamento de dados para formação e consulta em bancos de dados com informações sobre adimplemento e histórico de crédito não devem constituir violação de sigilo.

• Proposta de alteração da lei do cadastro positivo:

− A abertura de cadastro deve dispensar autorização prévia do potencial cadastrado – mas este poderá, a qualquer momento, solicitar sua exclusão do cadastro;

− Os birôs de crédito precisam dispor de sistemas seguros de gerenciamento de dados e ter autorização do Banco Central para atuar. Podem fornecer apenas uma nota de crédito às lojas e instituições financeiras – para fornecer informações detalhadas, necessitam de autorização expressa do consumidor;

− Banco de dados, fonte e consulente são responsáveis objetivos por danos materiais e morais que causarem ao cadastrado – mas não deve haver presunção de solidariedade entre si e a responsabilidade deve exigir demonstração de nexo de causalidade entre conduta e dano apresentado;

− Inclusão de prestadores de serviços públicos como fornecedores compulsórios de dados. As melhorias propostas no projeto de lei visam a permitir que o banco faça uma melhor seleção de seus clientes e avalie o risco de crédito de não clientes. Isso contribuirá de forma relevante para a redução da inadimplência e o aumento da competição no mercado de crédito.

O novo formato, portanto, dá um passo na aproximação do modelo brasileiro com o de outros países, mas, ainda assim, fica aquém no que se refere ao conjunto de informações disponíveis nos cadastros positivos no mundo.

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23

No Brasil, a adesão ao cadastro positivo ainda é baixa em função das opções legislativas feitas no projeto originalmente aprovado. Dispositivos que exigem a adesão por parte do consumidor e responsabilidade solidária em caso de mau uso da informação geraram dificuldades de implementação. O marco regulatório acabou, portanto, por inibir o desenvolvimento do cadastro positivo, gerando baixa adesão e, consequentemente, baixíssimo resultado.

Visando a aprimorar o cadastro positivo brasileiro, foi aprovado no Congresso Nacional o PLP 441/2017 (mais detalhes no Box: O cadastro positivo no Brasil, página 21). Ele dá um passo na aproximação do modelo brasileiro com o de outros países. No entanto, ainda assim, fica aquém no que se refere ao conjunto de informações disponíveis nos cadastros positivos no mundo. Além disso, há destaques ao projeto ainda a serem apreciados e que podem representar retrocessos significativos à legislação atual. Quando analisamos o cadastro positivo brasileiro vis à vis à experiência de outros países sob o aspecto de sua amplitude, vemos que o rol de informações disponibilizadas pelos exemplos internacionais é bem superior ao que temos no Brasil. (Figura 10)

Figura 10: Exemplos de informações coletadas no cadastro positivo1*

Nota: 1*. SEBRAE (2018).

2*. Como informações cadastrais são frequentemente solicitadas, a população tem grande interesse em aderir ao cadastro positivo. 3*. Opt-in para uso de dados de crédito, opt-out para demais usos.

Fonte: SEBRAE; Análise Oliver Wyman.

País Informações coletadas de pessoas físicas Informações coletadas de pessoas jurídicas Adesão Brasil Histórico das operações de empréstimo e de financiamento (data da concessão, valor original total,

valores das prestações, valores pagos)

Opt-in

Alemanha Registros relativos a conta corrente, cartões de crédito, contratos de telefonia celular, empréstimos e contratos de locação financeira

Opt-in2*

Austrália Limite de crédito, empréstimos pessoais, histórico de pagamentos (ex. cartões de crédito e hipoteca)

Limite de crédito, saldo da conta, histórico de pagamento comercial e aplicações de crédito

Compulsório

Colômbia Histórico de pagamento de contas bancárias abertas e fechadas, uso e gestão de produtos financeiros, pagamentos a empresas de crédito e prestadoras de serviço (ex: telefonia e TV)

Volume de negócios, histórico de pagamentos, empréstimos realizados, garantias de empréstimo

Opt-in3*

EUA Data de abertura das contas, limite de crédito, histórico de pagamentos (incluindo serviços públicos)

História do negócio, dados de registro comercial e operacionais da empresa, histórico de pagamentos

Compulsório

México Dados gerais, saldo bancário, detalhamento de créditos obtidos, histórico de pagamentos com avaliação de pontualidade

Opt-in

Reino Unido Dados sobre pessoas financeiramente ligadas ao consumidor (ex. contratação e crédito em conjunto) e de registro público (ex. julgamentos), registro eleitoral, endereço atual e anterior

Tempo de existência e tamanho da empresa, número de experiências comerciais, histórico de pagamentos e de crédito, informações de registro público (ex. julgamentos), aplicações financeiras recentes

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Além dos avanços previstos no projeto de lei, há dados relevantes para fins de avaliação do risco de crédito, cuja disponibilização teria um impacto significativo. Esse é o caso dos dados fiscais. Para isso, seria preciso atualizar a Lei do Sigilo Fiscal, de modo que parte das informações – em particular faturamento (PJ), renda (PF) e situação de regularidade fiscal – seja disponibilizada a instituições financeiras, mediante consentimento do contribuinte. Isso poderia ser feito através da integração de dados da Receita Federal e das estaduais em uma base consolidada.

Exemplos de outras informações que poderiam ser tratadas para aprimorar o cadastro positivo estão na Figura 11.

Figura 11: Informações que aprimorariam o cadastro positivo

Categoria de dados Informações adicionais a serem tratadas

Registro • Informações dos pais, cônjuges, data de constituição, tipo de relacionamento, documentos de identificação

• Endereços relacionados • Grau de instrução

Poder aquisitivo • Detalhes dos bens informados do cliente (Casa, carro, aplicações financeiras, etc.) • Nome da ocupação, datas de inicio e fim, nome e CPF/CNPJ do empregador • Valores de salário (líquido e bruto)

• Renda informada e comprovada do cliente, com data de referência e documento de comprovação avaliando confiabilidade da informação

Produtos financeiros • Limite de crédito

• Histórico de uso de cartões de crédito e débito, com discriminação de operações ou faturas pelos diversos usuários de um contrato de cartão (filhos, cônjuges)

• Balanço ao final do mês das contas, total de crédito e débito, movimentações realizadas, tipo de conta • Histórico de renegociações

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25

O open banking visa a criar um ambiente mais inovador

e competitivo, que impulsione os benefícios, as escolhas e o controle das informações por parte do cliente. O conceito por trás é que os clientes, e não os bancos, são donos das informações relacionadas a transações bancárias, comerciais e comportamentais. Isso possibilita o acesso a novos produtos e estimula a competição no mercado.

O caminho em busca de um ambiente assim está sendo provocado, principalmente, por uma agenda regulatória que tem avançado em alguns países. Ela permite e fomenta a entrada de novos tipos de entidades para operarem no mercado (por exemplo, provedores de terceiros) e fornece uma base para troca de informações e dados entre diferentes participantes do mercado (existentes e novos). As iniciativas que estão surgindo se concentram na criação de padrões de API (application programming interface) – conjunto de rotinas, protocolos e

ferramentas que define a comunicação entre aplicativos – para o mercado, o que permite a troca de dados automática e comunicação direta entre aplicativos. (Figura 12)

Os três princípios que governam o open banking são: 1. O cliente é o proprietário final de seus dados e

receberá maior controle e visibilidade deles; 2. O cliente precisa fornecer consentimento e permissão

para o uso e/ou compartilhamento de dados; 3. O cliente pode determinar quais dados serão compartilhados com terceiros, e o compartilha-mento se dá em formato eletrônico para facilitar a utilização.

Diversos países estão discutindo o open banking

e outros já estão em fase de implementação. (Figura 13)

OPEN BANKING

Figura 12: Modelo conceitual de open banking

Dados do banco

Clientes/usuários

Remoção das barreiras de entrada em transferências e redução de replicas através do compartilhamento de dados

Acesso a dados abre novas oportunidades para outros negócios Visibilidade e

propriedade dos dados

Terceiros ex: fintechs, price aggregators Outras instituições financeiras

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Figura 13: Iniciativas de open banking ao redor do mundo O Reino Unido foi o precursor do open banking, já

tendo iniciado a implementação do seu modelo atendendo às exigências da Competition and Markets Authority (CMA), entidade que promove a

competição. Desde março de 2017, os nove maiores bancos do país são obrigados a compartilhar dados de contas de varejo e PMEs com outras instituições financeiras regulamentadas, quando autorizado pelo cliente. Atualmente, as instituições estão trabalhando para que esses dados sejam disponibilizados de maneira padronizada e os pagamentos via open banking – ou seja, sem intermediação de adquirentes e bandeiras – já estão começando a acontecer. O modelo do Reino Unido influenciou a Austrália, que está se preparando para implementar o open banking

a partir do próximo ano. Ao contrário do Reino Unido, o projeto visa a permitir apenas a leitura de dados por outras instituições, e não a viabilizar pagamentos. Os quatro maiores bancos australianos deverão disponibilizar seus dados de cartões de crédito e débito, depósitos e transações até julho de 2019 e hipotecas até fevereiro de 2020. Os outros bancos terão um prazo extra de doze meses em relação aos previstos para os quatro maiores.

Os padrões para compartilhamento de dados estão em desenvolvimento. O governo também está trabalhando para que dados de outros setores, como energia e telecomunicações, sejam disponibilizados. Há de se considerar os riscos associados e potencia-lizados com o open banking. O aumento do fluxo de dados e a quantidade crescente de participantes na cadeia potencializa os riscos de ataques cibernéticos e vazamentos de dados. O uso dos dados por terceiros, mesmo através de consentimento dos clientes, pode impactar o passivo das instituições detentoras dos dados sem necessariamente existir responsabilidade pelo evento de vazamento ou fraude, por exemplo. Pessoas sem conhecimento tecnológico ou de regiões em que a provisão de banda larga é escassa, podem apresentar dificuldade de aderir aos serviços, principalmente com a potencial tendência de redução de agências bancárias.

No Brasil, o tema começa a suscitar debates. Regulador, órgãos de defesa da concorrência e entidades representativas de bancos, fintechs e

meios de pagamento já se preparam para a evolução do mercado na direção de maior abertura e maior compartilhamento de informações.

Rússia está explorando o modelo de open banking

EUA e Canadá estão analisando o tema de

open banking

México recentemente aprovou a lei da fintech, precursora do regime de

open banking Infraestrutura bancária e de pagamentos da Índia e stá se preparando para um modelo de open banking

Austrália está no caminho de implementar um modelo de

open banking abrangente

Reino Unido foi o primeiro mercado a estabelecer um regime open banking

Singapura, Hong Kong e Japão já estão progredindo com a legislação

Reguladores Brasileiros estão discutindo o tema

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27

PRECIFICAÇÃO DE CRÉDITO BASEADA EM RISCO

Os bancos brasileiros consideram o risco do cliente em seus modelos de crédito. No entanto, muitas vezes o risco é utilizado por eles como uma barreira de acesso ao crédito, e não como um diferenciador de preço. A precificação “one-size-fits-all” é

praticada tanto por pequenos – por falta de alternativa melhor – quanto por grandes bancos – por não ser necessário.

Uma precificação baseada em risco permitiria que o cliente com menor probabilidade de não pagamento tivesse acesso a crédito com taxas mais baixas do que aquele com maior probabilidade de default. No entanto, muito relacionado ao problema de acesso

limitado à informação, os bancos pequenos não conseguem competir via modelo de apreçamento de risco sem informações suficientes, o que reforça o poder de mercado dos bancos grandes.

Um estudo de Edelberg (2003) concluiu que o apreçamento baseado em risco diminui os custos de risco e aumenta o volume de crédito para os clientes de baixo e médio risco, sem reduzir o acesso aos de alto risco. Além disso, credores que, sem o apreçamento baseado em risco, emprestavam apenas para grupos de baixo risco tendem a trabalhar com outros grupos. McCorkell (2002) também mostrou que o uso de score de crédito

melhorou a avaliação dos pedidos de empréstimo e aumentou o acesso a crédito para uma parcela da população que anteriormente não era atendida. Esse grupo poderia obter empréstimo a um preço mais elevado, sem, portanto, ser subsidiado pelos consumidores de baixo risco.

Atualmente, os maiores bancos dos EUA adotam esse modelo, e o Federal Reserve Bank está auxiliando na implementação em bancos médios, uma vez que eles têm menos recursos para investir em modelos de risco para garantir uma correta precificação. A instituição também está tornando o processo mais transparente por meio da criação de novas regras que exigem que credores divulguem informações de score de risco

na precificação.

RECUPERAÇÃO DE CRÉDITO MOROSA E CARA

Uma elevada taxa de recuperação de dívida contribui para um ambiente de crédito mais eficiente e, portanto, mais barato. A celeridade do processo de recuperação também tem impacto no volume de crédito, juros e nos investimentos das empresas. Evidências sugerem que empresas operando em locais com fóruns menos congestionados ou mais céleres apresentaram maior uso de operações de crédito com garantia, maior volume de investimentos e maior índice de produção de bens.

A recuperação de empréstimos no Brasil tanto para pessoa física como jurídica é ainda morosa e muito cara, reduzindo o seu potencial impacto no custo de risco de crédito. Para pessoa jurídica, em procedimentos de insolvência, o Brasil está muito aquém de outros países da América Latina e da OCDE: demoramos e gastamos mais para resolver a insolvência e ainda recuperamos um valor muito pequeno (Figura 14)

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Figura 14: Procedimentos de insolvência

Taxa de recuperação de crédito (em %) e tempo para resolver insolvência 2018 (em anos)

Fonte: Doing Business 2018, Banco Mundial.

12,7% Brasil 30,8% América Latina 4,0 anos 1,7 anos 2,9 anos 71,2% OCDE

A lei de falências de 2005 melhorou o processo de renegociação de dívidas, através da ordenação de prioridade de credores. Contribuiu para a redução do número de falências e o aumento da taxa de recuperação de crédito e teve impacto positivo no volume de recursos para pessoa jurídica, na quantidade de investimentos e no custo de capital para empresas de capital aberto. No entanto, a taxa de recuperação de crédito continua baixa: 12,7% versus uma taxa de recuperação de 30,8% na América Latina e 71,2% nos países da OCDE, devido também ao processo que é lento e pouco eficiente. Assim, propostas de reforma vêm sendo discutidas (Modernização da lei de falências, página 31). Além da reforma da lei de falências, algumas iniciativas poderiam contribuir para tornar o processo de recuperação de garantias mais eficiente. Uma revisão da ordem de execução de garantias, por exemplo, permitiria que todos os credores tivessem prioridade em relação a proprietários e acionistas de empresas para recuperação de crédito. Além disso, um processo de busca e apreensão extrajudicial mais simples permitiria maior segurança aos credores. Isso poderia se dar por meio de medidas como: execução extrajudicial direta de bens em alienação fiduciária, redução da dependência em leilões para recuperação de garantias, criação de meios simplificados para recuperar bens dos sócios – por exemplo, tornando a pessoa física que toma decisões da empresa responsável pelas obrigações da pessoa jurídica – e utilização de alternativas ao sistema jurídico – exemplos: arbitragem e mediação.

Poderíamos pensar, também, na revisão da legislação de execução de imóvel. É necessário esclarecer as diferentes circunstâncias de execução de imóveis e facilitar o processo de venda do imóvel usado como garantia. O credor deveria ter direito a escolher a haste pública para leilão, o momento de ocorrência e determinar o preço de início de leilão.

A revisão da regularização de automóveis após processo de execução também seria benéfica. Hoje, existem obrigações, como regularização de multas e IPVA, que oneram o credor. Elas passariam a ser responsabilidade do infrator, e os custos de regularização poderiam incorrer na dívida do tomador.

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29 Figura 15: Índice de eficiência dos direitos legais (0 a 12)

Fonte: Relatório Doing Business 2018, Banco Mundial. Análise Oliver Wyman. Brasil Colômbia EUA Singapura Turquia México Rússia Peru Índia OCDE ALC Emergentes França China Chile Argentina 12 11 10 8 8 8 8 7 7 6 4 4 4 4 3 2

INSEGURANÇA JURÍDICA

Vive-se, no Brasil, um cenário de insegurança jurídica que está, em grande medida, associado à falta de consistência na jurisprudência. É comum juízes e tribunais apresentarem um comportamento individualizado, caracterizado pela resistência a aplicar o direito em conformidade com os precedentes formado por seus pares, órgãos colegiados e instâncias superiores. A falta de coerência na jurisprudência é um problema crescente onde processos semelhantes são decididos de forma diferente de acordo com o juiz, tribunal ou, até mesmo, a data do julgamento.(O mercado imobiliário, página 34) Em particular em ações de execução de crédito, o ativismo judicial, a interpretação atomizada que desconsidera os impactos sistêmicos têm tido efeito negativo relevante no mercado de crédito.

Casos de revisão ou alteração de contratos entre particulares por conduta judicial têm sido frequentes. Um exemplo é o chamado adimplemento substancial, que impede o credor de requerer a busca e apreensão de um bem se o devedor, mesmo inadimplente, já tiver cumprido com parte considerável da sua obrigação. O problema é que os limites de adimplemento substancial – seja um terço das parcelas, metade ou qualquer outra fração – não são definidos na legislação e variam de acordo com o entendimento do juiz. Se esses limites fossem definidos, os credores poderiam incorporá-los no apreçamento do empréstimo, reduzindo a incerteza e portanto o prêmio de risco associado.

Como reflexo desse ativismo judicial e da omissão legisltativa, os direitos de credores e tomadores de crédito são menos protegidos do que em outros países pares e desenvolvidos, gerando insegurança e incertezas que são incorporadas na precificação do crédito. (Figura 15)

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Figura 16: Exemplos de programas de alternativas à resolução de disputas

País Reforma Redução de custo ou tempo

Estados Unidos Programa de arbitragem anexo ao tribunal US$ 500 (por parte)

Programas piloto de mediação precoce em 4 tribunais superiores US$ 6.000 (por caso)

Uso de alternativa à resolução de disputas pelo governo federal 6 meses

Programa de arbitragem anexo ao tribunal 4 meses

Canadá Introdução de mediação obrigatória em Ottawa e Toronto US$ 6.000 (por caso)

Colômbia Conciliação obrigatória (antes de registro judicial) 11 meses

Na tentativa de mitigar os efeitos da jurisprudência, otimizar os processos de recuperação de crédito e reduzir custos, alguns países utilizam meios alternativos de resolução judicial. São eles:

• Arbitragem: árbitro neutro toma uma decisão. Uma vez que as partes concordam com o processo, a arbitragem é obrigatória;

• Mediação: mediador neutro ajuda as partes a discutir e encontrar uma solução mutuamente aceitável;

• Conciliação: conciliador reúne-se separadamente com as partes e busca concessões de ambas ajudando a resolver a disputa;

• Avaliação neutra precoce: especialista fornece uma avaliação imparcial da disputa e sua opinião sobre o resultado de um julgamento.

Esses meios alternativos de resolução têm alguns benefícios. Eles não extinguem o litígio tradicional, ferramenta que pode auxiliar os tribunais na resolução de disputas de forma oportuna, econômica e transparente. Eles podem melhorar a eficiência no sistema judicial em geral, ajudando a reduzir os atrasos e gargalos nos casos. Por fim, um mediador ou árbitro neutro economiza tempo e dinheiro às empresas na resolução de disputas comerciais menores e proporciona maior controle sobre resultados e confidencialidade. (Figura 16)

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31

A lei de recuperação judicial e falências, aprovada em 2005, representou um grande avanço ao criar mecanismos de recuperação de empresas viáveis em crise. Ao contrário da concordata que vigorava anteriormente, os mecanismos de recuperação tinham como objetivo proteger a atividade econômica, tendo em conta a sua função social de gerar renda e emprego. Garantia-se assim a manutenção dos empregos e do fornecimento de bens e serviços à sociedade nos casos em que empresas viáveis enfrentavam problemas conjunturais, ao mesmo tempo que criava mecanismos de liquidação mais céleres para empresas ineficientes, assegurando a saúde dos credores.

A lei regula a recuperação judicial e extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, tendo um impacto muito positivo no mercado de crédito a partir da sua promulgação. No entanto, alguns fatores contribuíram para que, ao longo do tempo, a lei fosse perdendo eficácia, dentre eles a prerrogativa do devedor de apresentar o plano de recuperação e o tempo excessivamente longo dos processos de recuperação.

Há alguns pontos específicos da lei que vêm sendo objeto de intensos debates por parte de especialistas, tais como:

• Necessidade de regulamentação do DIP Financing (debtor-in-possession financing): mecanismo que

oferece garantias e prioridades diferentes de pagamento para quem fornece novo volume de crédito para empresas após início do processo de recuperação judicial – visa aumentar a abertura de linhas de crédito para viabilizar o funcionamento e a recuperação das empresas;

• Sujeição de todos os credores à recuperação judicial: − Decisão conjunta dos credores para acordo de

pagamento de dívidas não acontece quando há contratos com adiantamento de câmbio ou oferecimento de crédito com garantia fiduciária;

− Nesses casos, os agentes com esses tipos de contrato têm prioridade de negociação; • Medidas para redução do tempo médio de recuperação judicial (hoje, de 10 anos) para 4 anos por meio de:

− Micro reformas do sistema Judiciário que permitam um processo mais eficiente de execução de crédito, considerando revisão do modelo de funcionamento de varas especializadas;

− Liquidação mais rápida de empresas inviáveis; − Facilitação da venda de ativos de empresas

em crise.

Ciente desse debate e na tentativa de melhorar o processo de recuperação judicial e dar mais segurança jurídica aos credores, o governo enviou ao Congresso Nacional uma reforma da lei de falências. Os objetivos do projeto são: “preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, dos ativos e dos recursos produtivos da empresa, incluídos aqueles considerados intangíveis; viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira de devedor viável, a fim de permitir a preservação da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos direitos dos credores; fomentar o empreendedorismo, inclusive por meio da viabilização do retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica; permitir a liquidação célere das empresas inviáveis com vistas à realocação eficiente de recursos na economia; preservar e estimular o mercado de crédito atual e futuro”. Entre os pontos da proposta, estão: o reequilíbrio do poder dos credores, uma maior celeridade e credibilidade dos instrumentos de recuperação, a melhoria na recuperação extrajudicial, o estabelecimento de mecanismos para cooperação entre juízes locais e estrangeiros.

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O EXEMPLO POLONÊS

A Polônia também fez uma importante reforma na sua lei de falências em 2015, que passou a valer em 2016. O objetivo foi prevenir que empresas viáveis quebrassem, garantindo, ao mesmo tempo, a proteção dos direitos dos credores. A lei criou a figura do supervisor de reestruturação e introduziu quatro tipos de processos de reestruturação:

• Processo de aprovação de acordo: destinado aos devedores que ainda não se enquadram nos critérios de insolvência e conseguem chegar a um acordo com os credores de forma extrajudicial. Pode ser usado se a soma das reivindicações contestadas não exceder 15% do total de reivindi-cações. O devedor continua a gerir o patrimônio, mas tem suporte de um supervisor licenciado, que auxilia no plano de reestruturação;

• Processo de acordo acelerado: simplificado – deve demorar aproximadamente dois meses –, se comparado ao processo padrão, só pode ser usado se a soma das reivindicações contestadas não exceder 15% do total de reivindicações. Durante o processo, o devedor está proibido de cumprir com as obrigações cobertas pelo acordo – há algumas exceções, como dívidas trabalhistas. Processos de execução de credores cobertos pelo acordo são suspensos durante a reestruturação. O devedor continua a gerir o patrimônio, mas tem suporte de um supervisor licenciado. Este elabora o plano de reestruturação, a lista de reivindicações e avalia as propostas do acordo;

• Processo padrão de acordo: utilizado quando os dois processos anteriores não são aprovados, mas também apenas disponível caso a soma das reivindicações contestadas não exceda 15% do total de reivindicações. É mais longo que o processo acelerado, durando entre 6 e 10 meses. Durante o processo, além de elaborar o plano de reestruturação e a lista de reivindicações, o supervisor determina a composição dos ativos do acordo;

• Processo de reabilitação: destinada a empresas com alto endividamento, que não são capazes de chegar a um acordo com os credores por meio dos outros três processos. É o único processo que pode ser iniciado mediante solicitação do credor. A reestruturação costuma ser profunda e envolver questões trabalhistas e interferência com passivos de outros empresários. Em geral, o patrimônio do devedor passa a ser gerido por um administrador. Processos anteriores de execução de bens do devedor que estão incluídos no processo de reabilitação são suspensos.

Como mostra a Figura 16, a reforma levou ao aumento da taxa de recuperação de crédito e melhorou o indicador de força da estrutura de insolvência. (Figura 18)

O EXEMPLO CHILENO

Em 2014, o Chile substituiu sua antiga lei de falências pela nova lei de reorganização e liquidação de empresas e pessoas físicas. Os principais pontos da reforma são a instauração de tribunal especializado em questões de falência, o fomento do acesso a novos empréstimos e a inclusão de processos para pessoas físicas – a legislação anterior era focada em empresas e tornava o processo para pessoa física difícil e caro.

Como mostra a Figura 17, a reforma levou ao aumento da taxa de recuperação de crédito, diminuiu o tempo de insolvência e melhorou o indicador de força da estrutura de insolvência – que leva em conta quem pode dar início ao processo de insolvência, a gestão de ativos do devedor, os procedimentos de reorganização e o nível de participação dos credores no processo.

(36)

33

Taxa de recuperação (centavos de dólar)

Força da estrutura de insolvência (0–16)

Anos para resolução de insolvência

29 10 3 2014 2014 2014

Taxa de recuperação (centavos de dólar)

Força da estrutura de insolvência (0–16)

30 10 3 2015 2015 2015 57 2015 13 2015 31 12 3 2016 2016 2016 58 2016 13 2016 34 12 3 2017 2017 2017 61 2017 14 2017 41 12 2 2018 2018 2018 63 2018 14 2018

Figura 17: Medidas de resolução de insolvência no Chile

Figura 18: Medidas de resolução de insolvência na Polônia Fonte: Relatório Doing Business – Banco Mundial

(37)

O mercado imobiliário brasileiro teve surtos relevantes de desenvolvimento. Desde a criação do Sistema Financeiro Habitacional (SFH) em 1964, o estabele-cimento do Sistema Financeiro Imobiliário em 1997 e a Lei que cria a alienação fiduciária do bem imóvel, observamos momentos em que há expansão desse mercado, com reflexos positivos de bem estar. O SFH foi criado com o objetivo de implementar o financiamento imobiliário, que antes era baseado em iniciativas de políticas públicas, o que fazia com que dependesse de dotações orçamentárias. Para isso, direcionou novos recursos para investimento em habitação: via Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e via obrigatoriedade de direcionamento dos depósitos em poupança. Ele também definiu regras rígidas para as operações, com limites de financiamento e das taxas de juros cobradas. O sistema apresentou resultados relevantes, com financiamento de 33,8% dos domicílios urbanos particulares ocupados entre 1967 e 1986.

Na década de 1980, passou a se mostrar menos efetivo, e esse percentual passou a 14,7% entre 1987 e 2000.

Isso motivou a criação do SFI, com o objetivo de estabelecer um mercado secundário de crédito imobiliário – companhias securitizadoras compram créditos imobiliários junto às instituições primárias e os transformam em valores mobiliários, negociados por investidores – para viabilizar mais liquidez de recursos para o mercado primário. O sistema também ampliou as alternativas de garantias, como a alienação fiduciária. Além disso, ele permite operações mais flexíveis, pois não estabelece limite de financiamento e das taxas de juros. Apesar de criado em 1997, o sistema só se consolidou em 2004, quando foi promulgada a lei 10.931, que dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias – segrega do patrimônio da incorporadora os recursos captados para financiar uma obra –, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário e Cédula de Crédito Bancário.29

O MERCADO IMOBILIÁRIO

Figura 19: Evolução dos distratos por incorporadora Cancelamento (% dos recebíveis)

Fonte: BTG Report – jan/2017

2013 2014 2015 2016

Tenda Grafisa

Tecnisa Eztec Cyrella Even MRV 58 23 28 29 44 57 90 36 12 7 8 13 14 11 12 13 15 17 18 19 22 23 25 27 28

Referências

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