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Entrevista com Paula P P ereira aula P

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Academic year: 2021

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Entrevista com

Paula Pereira

Paula Pereira

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Paula Branco Pereira nasceu a 8 de Dezembro de 1978 em Viana do Cas-telo. Desde muito cedo que enveredou pelas Artes, caminho já percorrido pelo seu bisavô Eng. João Branco que estudou Belas-Artes em Bruxelas e se destacou na pintura, escultura, música e foi pioneiro da engenharia aero-náutica.

Artista plástica, professora e investigadora, o seu percurso académico em Portugal passou por licenciatura e mestrados nas áreas de Artes Visuais e Comunicação Visual (ESEVC; UMinho; FBAUP; FPCEUP) e no estrangeiro pelos cursos de Arte Contemporânea (Sotheby’s, Nova Iorque), Arte e Inves-tigação Artística - Estratégias em Museus (MOMA, Nova Iorque), Especia-lização em Arte Corporal - Tatuagem Artística (N&G, Barcelona). Recebeu também um diploma em Belas-Artes (Pintura) pela Academia Internacional Citta di Roma, Itália.

Foi colaboradora do Museu de Artes Decorativas de Viana do Castelo (2007-2009) na promoção de cursos e workshops de desenho e pintura. Colabora pontualmente desde 2008 com o Departamento de Comunicação e Expressões Artísticas da ESEVC em workshops e palestras sobre arte, nomeadamente no Encontro Internacional das Artes. Em 2011 foi progra-madora e gestora de atividades artísticas com Rosetta Jallow em parceria com o Museu Carrickfergus na Irlanda e foi presidente de júri no “Painting Contest at Carrickfergus Museum”.

O seu trabalho tem sido destacado em vários livros e revistas. Salienta-se a publicação da sua obra na capa do livro Hidden Treasures, HTM, Londres, na Effetto Arte Magazine de Itália e mais recentemente no livro Arquitetura Contem-porânea de José Pastor, edição da Câmara Municipal de Viana do Castelo. Recebeu mais de uma dezena de prémios nacionais e internacionais de arte. As suas mais recentes premiações foram atribuídas pela Fondazione Mazzullo, Sicília, Itália - prémio “Mazzullo”; pela Exhibeo Art Magazine, Canadá, à obra “Cusca 9” da coleção “O Boato”; e pela Internatio-nal Awards - London InternatioInternatio-nal Creative Competition à obra de videoarte “Vacuum”.

É autora do painel de arte pública “Trajetórias de um Frei: Simbolismos e Micronarrativas” encomendado pela Câmara Municipal de Viana do Castelo. O mesmo é composto por 232 azulejos e está inserido no interior da fachada principal da escola Frei Bartolomeu dos Mártires, reabilitada recentemente pela Pormin Arquitetura. Participa em diversas exposições em Por-tugal e no estrangeiro, das quais se destacam “Square little worlds”, Jadite Galleries, Nova Iorque, com curadoria de Adelinda Allegreti; “The Art Take Away”, Espacio Gallery, Londres, com curadoria de Corrina Eastwood; XVIII Bienal de Cerveira “Uma Seleção” Universi-dade de Belas Artes de Pontevedra, Sala X, Espanha, com curadoria de Henrique Silva; “Miami Art Expo”, Nina Torres Fine Art Gallery, Miami, com curadoria de Pia Vang. As suas obras apresentam uma linguagem multidisciplinar que se desenvolve no desenho, pintura, escultura, instalação, vídeo, fotografia, performance e focam a ex-pressão corporal, não apenas como centro conceptual, mas como instrumento de mediação/tensão contemporânea.

“A arte para mim sempre foi o ar que respiro. Quero com esta es-treita aproximação dizer que a arte funciona como uma espécie de matriz da minha vida, do meu corpo, do meu saber, maturação,

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vestigação, sensibilidade. Exploro a existência humana, sempre a convocar e estabelecer redes de ligação entre diversas experiências. Apesar de o corpo ser recorrente na maioria dos meus trabalhos o que me interessa não é que ele seja o campo central da temática, mas sim parte do processo de chegar à obra em si (se é que alguma vez chego), com todas as falhas espontâneas, imprevisíveis e não controladas. Talvez isto se deva à minha necessidade constante de minimizar o lado puramente mecânico com o qual me confronto diariamente no ensino... e tente aumentar o fator acaso no meu processo de trabalho, o que acaba por fazer dele um processo especial que me satisfaz.

Em que momento é que começaste a sentir que querias

seguir o mundo das artes?

Sabes, é curioso eu não ter tido propriamente esse momento... Nunca me assemelhei à maioria dos meus colegas que, a um determinado ponto da vida estudantil, perceberam que queriam seguir esta área ou aquela, ou que sentiam especial apreço por determinadas profissões, etc. Para mim foi intrínseco. E, à parte do estereótipo do génio, senti a arte como algo que já fazia parte de mim desde sempre e nunca me questionei acerca disso ser ou não o meu futuro ou até a minha profissão, já o era e sempre foi. Posso, evidentemente, definir marcos nesse percurso, fases (talvez) que me foram instigando, desafiando, a nível pessoal e profissional. Talvez o primeiro desses marcos tenha sido logo no início da minha escolaridade, antes ainda das forças con-vergirem para a obtenção de correção ou para a atenção às regras a que a escola nos sujeita. Frequentava eu o segundo ano de escolarida-de na escola escolarida-de Monserrate, com a professora Fátima Morgado, quan-do esta sugeriu uma proposta. Fazermos desenhos e pinturas sobre o tema Carnaval, a fim de participar num concurso. O intuito era fazer o nosso melhor sobre o tema e ganhar a possibilidade de o nosso traba-lho ser transposto para autocolantes que seriam vendidos ao nível do concetraba-lho. Demorei um pouco a iniciar o trabatraba-lho. A professora passava pelo meu lugar e via a folha em branco, admirando-se, pois sabia perfeitamente o quanto eu gos-tava de ter sempre um caderninho secreto para desenhar, com folhas brancas tipo “sebenta”, debaixo dos manuais de português ou matemática... Eu olhava para os outros trabalhos, dos meus colegas, e via que todos desenhavam e pinta-vam o mesmo, fitinhas, confetes, palhaços, máscaras, de preferência com as mesmas cores primárias. Para mim não era isso que fazia sentido naquele momento. Não que fosse diferente da maioria, apenas não senti necessidade de obedecer à correspondência direta entre o tema e o modo de representação esperado pelos demais. Foi então que comecei a de-senhar (estilo linear) apenas um leão, com marcador preto em fundo branco, e colori com as cores ocre, siena natural e siena queimada. Essas cores, faziam parte de um conjunto de 60 marcadores que os meus pais me tinham oferecido, na esperança que eu deixasse de pintar absolutamente tudo de roxo... (essa é mais uma história [risos]) Bem, apesar de ter sido a vencedora do tal concurso, a vitória foi amarga no âmbito das minhas amizades na turma. Todos estavam revol-tados com o facto de um simples leão, ainda por cima sem qualquer tipo de adorno carnavalesco, ter saído vencedor. O meu desenho foi aí apelidado pelos meus colegas de horroroso, feio, de leão ferrugem, etc... Felizmente, eu estava tão segura de que era aquele trabalho que para mim fazia sentido que pouco liguei às considerações alheias. Guardo hoje em dia esta história como, talvez, o primeiro marco de legitimação da minha forma de ver e exprimir.

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Qual foi a sala de exposições em que mais gostaste de apresentar obras tuas?

Houve várias, mas a Casa Batlló em Barcelona foi especial, apesar de ser uma exposição coletiva.

Para mim, todos os edifícios desenhados por Gaudi são de uma peculiar visão artística. Nesse sentido, senti uma partilha muito grande num espaço tão diferente do comum. Cada artista que participou juntamente comigo naquela exposição, com as suas idiossincrasias e imperfeições, parecia pertencer àquele lugar. Todas as leituras do mesmo, visíveis na gran-de diversidagran-de gran-de obras expostas, pareciam trabalhar a igran-deia gran-de história e reinventar e gran-desconstruir a própria memória

daquele edifício tão especial. Nesta exposição, recebemos no primeiro dia de abertura ao público cerca de 9 mil vi-sitantes, o que permitiu divulgar o meu trabalho de uma forma mais ampla. Na altura tinha acabado de receber o prémio da HTM Magazine de Londres com a obra “Colour my brain” que acabou por ser capa do livro “Hidden Tre-asures”. Essa obra fazia parte de uma coleção de experi-mentos que produzi na época e que tratavam de relações de poder/mulher. Estas traduziam-se em abordagens de escala e, em especial, em relações de contraste de cor. Os diversos elementos que compunham cada peça faziam parte de um todo que se apresentava ao leitor que os descobrisse, à semelhança do trabalho de Gaudi.

O que é que te inspira mais e te

impulsiona a criar novas obras?

A minha inspiração surge constantemente a toda a hora, em qualquer lugar, das imagens e das pes-soas na rua, das conversas dos outros, da socie-dade, dos meus problemas pessoais, às vezes até dos mosaicos marmoreados da casa de banho... Ora são flashes repentinos, ora são ideias que vou maturando aos poucos, mas surgem sempre natu-ralmente, sem forçar. Vou registando coisas num caderno e quando tenho ideias más coloco-as ao serviço da reflexão e da produção de melhores ideias.

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Enquanto estás a criar qual é a importância do espaço/divisão onde te encontras

e quais são as características a que dás mais importância?

Sou uma artista de multiplicidades, gosto de percorrer lugares com diversas caraterísticas e géneros de intervenção. Apesar disso, quando estou circunscrita ao espaço “atelier” onde produzo grande parte das minhas experiências artísti-cas, por falta de tempo e condições de o fazer de outra forma, a arquitetura acaba por ser uma própria integração espa-cial nas minhas obras. O atelier acaba por ser uma grande obra “casulo” penetrável. Entro no meu espaço percorrendo os limites de espacialidade que os diversos cavaletes, estiradores e objetos compõem, sentindo sempre que as fronteiras entre esses elementos e a minha circulação do corpo no espaço não estão totalmente definidas. Aproprio-me da luz e das diversas materialidades lá presentes e deixo-me atravessar rumo ao trabalho reflexivo.

Alguns exemplos dessa espacialidade habitável são transportadas para a obra, como o caso da instalação Linha da me-mória, da site-specific Posto de vigia e da instalação A noiva.

Sabemos que és uma

apai-xonada por viajar e que

inclusivamente contas com

inúmeras viagens efetuadas

sozinha. Qual dessas viagens

te marcou mais

significativa-mente e porquê?

A que marcou mais foi Milão, por ter comido lá os melhores gelados da mi-nha vida!! [risos]

À parte dos gelados... Milão foi es-pecial por diversas razões. Foi a primeira vez que tive oportunidade de realizar trabalho “mais sério” no âmbito da fotografia, para a Camera Nazionale della Moda Italiana. E não é todos os dias que se é transportado luxuosamente pela Moda Milano, jun-tamente com diversos fotógrafos internacionais, a todos os desfiles que aconteceram na cidade durante três dias...[risos] Estar perante artistas criadores como Karl Lagerfeld e outros, beber de uma outra crítica cultural, encontrar gentes e lugares que de outra forma me passariam despercebidos. Além de fotografar com total liberdade artística todos aqueles eventos, não me sendo exigido da Camera Nazionale qualquer forma estereotipada de fotografia. Foi como ter a permis-sividade de desenhar o leão para representar a época carnavalesca no concurso escolar. À parte disso, eu tinha também programada nessas semanas a exposição coletiva dos artistas finalistas do Donkey Art Prize, dos quais eu fazia parte, na Galeria Straf ao pé da Catedral Duomo. Foi uma itinerante que iniciou em Milão e percorreu Miami, Hong Kong e Ma-drid. O trabalho de experimentação fotográfica que expus One light disturbed relaciona-se com o poder da visibilidade/ ocultação do corpo e joga com a profundidade do espaço perante um elemento de resistência – vidro. Ainda nesta via-gem tive oportunidade de conhecer imensos artistas, partilhar experiências de pintura, escultura e cerâmica na Accade-mia di Belle Arti de Brera. Ainda realizei no seu interior dezenas de registos fotográficos diversos que pretendiam captar jogos de luz na envolvente arquitetónica dos claustros, investigando o mesmo tema do poder da visibilidade/ocultação do corpo. Três anos mais tarde, uma dessas fotografias foi premiada na Park Art Fair na Alemanha.

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Qual foi a situação mais caricata que te aconteceu em alguma dessas viagens?

Tive uma exposição na Irlanda, onde aconteceram três situações que considero caricatas, talvez não no sentido mais ri-dicularizado mas no sentido mais inesperado.

Na primeira semana ficou combinado de ficar hospedada, por amabilidade e insistência, na casa de uma das diretoras do Museu. Era uma pessoa extremamente simples, simpática e acessível, além de uma ótima profissional.

O meu voo atrasou-se bastante e cheguei a Dublin já por volta da uma da madrugada. Por meu desconhecimento, o úni-co transporte que havia para a morada da diretora era um autocarro que estava totalmente cheio e já prestes a partir. Corri para pedir que me levasse mas o motorista não cedeu minimamente e disse que teria de esperar pelo próximo que era o das 8 da manhã. Entrei em total desespero, disse ao motorista que tinha uma exposição já no dia seguinte e que não tinha onde dormir nem para onde ir. Uma gentil senhora dos seus 50 anos, após ouvir-me, saiu do autocarro, colocou-me a mão no ombro e disse-me “good luck for the exhibition tomorrow. Take my seat, I have a place to stay”. Eu nem sabia como agradecer, é daquelas situações que te sentes quase impotente perante tão grandioso gesto. Lá fui eu. Mas...o autocarro parou o seu percurso ainda a uns 5 km da casa da diretora. O local era rural e as casas muito dis-tantes umas das outras. A

ilumi-nação da estrada era quase nula. Naquele momento senti muita vontade de não ter usufruído da amabilidade daquela senhora pois acabei numa situação muito pior do que estava antes... A mi-nha irmã, preocupadíssima, não parava de me ligar. Comecei a fi-car sem bateria no telemóvel. Foi então que, antes de ficar incon-tactável, decidi ligar à diretora (que julgou que eu já não vinha naquele dia) e ela chamou um táxi que me foi buscar. Quando cheguei, o cenário era único, um grande prado, um caminho muito estreito que tive de percorrer a pé e uma casinha lá no fundo. Não havia absolutamente nada à volta. Quando me aproximei da

casa, havia duas luzes vermelhas nas laterais que iluminavam grandes gárgulas/quimeras esculpidas na pedra da facha-da. Confesso que naquele momento julguei-me num cenário da idade média, especialmente quando entrei no interior da casa que se coadunava de igual forma com o exterior, com tanto de fascinante visualmente como de assustador. Não consegui adormecer... A exposição correu bem e ao final de uns dias decidi despedir-me da diretora e voltar ao centro de Dublin para me hospedar num hotel. O que eu não sabia é que aos sábados à noite não há qualquer disponibilidade nos hotéis devido à habitual frequência noturna de bares e discotecas. Corri pelas calçadas, a arrastar a mala, a bater à porta de todos os hotéis que havia, porta a porta. Disponibilidade zero. Alguns ainda facilitavam, colocando um papel na porta exterior a dizer “no rooms”. Passadas mais de duas horas a entrar em hotéis bons, péssimos, muito bons e mé-dios, entrei num que, mais uma vez, me disse que não havia disponibilidade. Perguntei se podia ficar sentada no sofá ali no hall de entrada pois já não aguentava mais caminhar e já era noite cerrada. O funcionário olhou para a gerente que tratava de papeis mais atrás e foi falar com ela. Quando regressou, chamou-me e disse que me iam arranjar um quarto. Fiquei radiante, estava mesmo a precisar de um bom descanso e de um bom banho quente. Só quando me deram os

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tões de acesso é que percebi que me cederam a suite presidencial. O elevador era privado e tinha por minha conta dois pisos inteiros...um roof top com uma vista panorâmica de Dublin, um banquete cheio de comidas e bebidas, tudo pelo preço de um quarto standard! Foi incrível.

No último dia antes do voo fui almoçar numa esplanada do McDonalds. Reparei que havia muitas migalhas de pão espalhadas por diversas mesas e os pássaros estavam deliciados a debicá-las vorazmente. Estiveram ali o tempo todo enquanto comi. No final, peguei no meu diário gráfico e comecei a desenhar diferentes migalhas com lápis de cor. Eram para mim registos gráficos de memórias de quem por ali passou. No final, pousei os desenhos em cima da mesa e fui

ar-rumar o tabuleiro para não agitar ainda mais a passarada com os meus restos de comida. Quando voltei, os pássaros batiam forte-mente com os bicos no meu diário gráfico, tentando agarrar as miga-lhas...

Imagino que naturalmente sempre que viajas tenhas como referência visitar os museus

lo-cais. Qual é o museu que mais te fascinou e porquê?

Sem dúvida que conhecer museus é algo de muito interessante para mim, assim como conhecer outros locais de cultura que nem sempre são museus. O Tate Modern é um dos que me fascina bastante, talvez pela sua arquitetura mais indus-trial, derivada da antiga central elétrica. Quando realizo trabalhos na área do Design, desenho e produzo diversas peças que se servem precisamente de elementos industriais. É como dar uma nova vida a materiais que já estão inoperacionais nas grandes indústrias, resgatando um interesse conceptual pelas memórias e histórias. Assim como na Tate, para mim há uma deslocação dentro do próprio espaço original e uma transformação que a realização da obra envolveu. A expo-sição que mais interesse me despertou nesse museu, em 2008, na Turbine Hall Bridge da galeria, foi a “Tatlin’s Whis-per#5” de Tania Bruguera, por destacar a política do corpo subjugada à materialização do poder e ao controlo social. Consistiu em policias trajados com as suas fardas oficiais, montados a cavalo, que irromperam no espaço e executaram técnicas de controlo de massas com os espectadores no interior da galeria.

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Qual é o museu que queres visitar mas ainda não tiveste oportunidade de o fazer?

A lista seria infindável...

Em resumo, o Benesse Art Site Naoshima em Naoshima, Japão pois além de ser a céu aberto apresenta artistas contem-porâneos com os quais me identifico, como Anish Kapoor e Sol LeWitt. Estes artistas também possuem obras no Gibbs Farm em Auckland, Nova Zelândia que basicamente é um museu/quinta de 4km2 (que também ainda não visitei!) com diversas esculturas criadas especificamente tendo em conta o espaço envolvente.

No Brasil gostava de contactar com as obras de Olafur Eliasson e Hélio Oiticica no Instituto Inhotim em Minas Gerais no Brasil. Em termos mais arquitetónicos gostava de ver o Museu Zeitz de Arte Contemporânea (Zeitz MOCAA) na Cidade do Cabo na África do Sul pois considero que a reabilitação que foi feita do edifício (antigos silos de grãos) é de um de-sign imperdível. Não desvalorizando as obras contemporâneas que o compõem no interior, especialmente as instalações suspensas. Mas tenho outras obras de arquitetura e design que ainda gostava de ver ao vivo: Museu Soumaya na Cidade do México; Museu Dali em São Petersburgo; Museu Nacional do Qatar em Doha.

Imagina este cenário: vais apresentar uma exposição de obras tuas e podes escolher entre

apresentares numa única sala muito grande ou apresentar em várias salas pequenas

interli-gadas entre si. Qual destas duas opções escolhes e porquê?

Tudo estaria dependente de “quais” as obras a expor. Gosto que o espaço expositivo esteja em estreita partilha com a obra e esse sentido, quando não se trata de um site-specific, nem sempre é fácil. Apesar disso, imagino algumas insta-lações que tenho em fase de projeto, em amplos espaços minimalistas, permitindo ao público participar da linguagem comunicativa da obra com os seus próprios corpos e experi-mentar a complexidade das práticas artísticas.

Quanto às salas interligadas, imagino mais uma espécie de “Do-it” com momentos de descoberta do visitante e interpre-tação instrucional ao percorrer os diversos espaços.

Em termos arquitetónicos quais são as

caracte-rísticas mais importantes para ti como anfitriã

de um museu?

Um museu que escape da exatidão da reta, utilize materiais industriais, como o aço e o betão, estar pensado quanto à funcionalidade, ao conforto térmico, à luz e com um design tendente ao orgânico.

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E como visitante?

As caraterísticas mantêm-se, acrescentando a conexão entre o espaço interior e exterior e a existência de salas abertas ao público para a criação de projetos, reflexão e diálogo.

Quando ouves alguém comentar uma peça artística tua fazendo uma interpretação

comple-tamente diferente daquela que idealizaste sentes necessidade de explicar ou consideras que

todas as interpretações podem ser válidas?

Para responder a isso talvez seja essencial dar a conhecer a grande importância que eu dou à comunicação (entre mim e o público) por meio da obra. Na minha prática artística encaro a obra como algo que permite gerar especulações e não como um mero objeto de contemplação onde a única coisa que poderia acontecer seria um género de transferência de dados. Talvez o facto de ser artista/professora/investi-gadora me leve sempre para o campo do processo criativo como algo que me serve para conhecer, especular, codificar, descodificar, para (re)inventar ideias e os próprios meios. Isto para dizer que... (respondendo mais diretamente à ques-tão) não sinto necessidade de explicar a obra porque não a encaro apenas como uma forma de auto-expressão. Ainda que o seja em parte, todas as interpretações/interações do/ com o público fazem parte do processo comunicativo subja-cente à obra.

Alguma vez te “infiltraste” como visitante de

uma exposição tua só para poderes sentir o

ambiente de quem está a assistir?

Diversas vezes tive a oportunidade de fazer isso...e fiz. Não com o sentido de separação do “artista criador” de um lado e do “público assistente” do outro, pois o meu propósito expositivo está sempre relacionado com o “desfazer” dessa conceção. Por exemplo, quando criei uma sala totalmente escura com ausência de luz e distribuí focos à entrada para que o público pudesse “ativar” as obras dentro do espaço, encarei a exposição como algo que desconstruísse a passividade recetora habitual e me “despisse”, em simultâneo, da capa do artista-génio a que as “gentes” estão habituadas a classificar . As mudanças causadas pela circulação pouco habitual dentro da sala às escuras, os murmúrios entre os desconhecidos, a surpresa mediante os desenhos que iam aparecendo ou desaparecendo mediante a maior ou menor ativação pelos focos, foram experiências sentidas tanto pelo público como por mim, em plena equidade. Por outro lado, os desafios colocados por mim como autora permitiram esti-mular cada um (e a mim própria) a pensar em soluções próprias, a modificar a obra, a ter o direito de a transformar.

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Gostas de ler? Qual ou quais são os teus livros favoritos e porquê? Qual foi o

último livro que leste?

Para mim ler é o equivalente a pintar, desenhar, fotografar, performar, esculpir, etc. Isso significa que a leitura também ocupa uma parte bastante significativa do meu tempo diário e permite-me fazer conexões muito significativas para a minha vida. Não consigo descrever livros favoritos pois, para mim, são todos os que me permitem ir mais além do meu conhecimento ou os que me desconcertam de tal forma que me fazem relê-los vezes sem conta! Dos primeiros fazem parte, geralmente, os livros de investigação artística, mas também posso incluir os de conhecimento geral ou até os mais romanceados como “Um amor em tempos de Guerra” do Júlio Magalhães. Dos segundos, aponto por exemplo Li-povetsky “Agradar e Tocar: ensaio sobre a sociedade da sedução” ou McLuhan “Understanding media. The extensions of man”.

Quais são as tuas bandas de música favoritas? O que tens andado mais a ouvir ultimamente?

Neste campo prefiro não me subjugar ao que está na moda e o que me agrada ouvir tem sempre um género de...cumplicidade artística, digamos. Há algo na música que me transporta e me desperta para uma dimensão mais sub-jetiva e é mesmo isso que me agrada. Poder ouvir tanto Leonard Cohen, como NBC e Mundo Segundo, Metallica ou até a Bárbara Tinoco ou a Deolinda (são alguns dos que às vezes ouço) e sentir a música como se o meu corpo ganhasse independência e fosse trespassado por outras forças que me deixam marcas que já não dependem da minha vontade ou do meu ouvido. É nesta cumplicidade artística que muitas vezes ouço a música, na dimensão dos sonhos, das sensações, do território da imaginação e criatividade. Às vezes dou por mim a pensar que o autor daquela música nunca poderia imaginar que eu, no outro lado do mundo, a iria ouvir e apreciar tanto... e é essa ligação improvável que torna tudo tão mais interessante.

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Qual foi o último filme que assististe

que consideraste muito bom? Porquê?

Talvez não tenha sido o último que assisti, mas “Never Look Away”, do ale-mão Florian Henckel von Donnersmarck é um filme que considero extrema-mente interessante, tanto pela inspiração em factos reais, como pelo jogo diabólico que é produzido durante o seu enredo que acerca o significado da arte.

Pergunta de dilema: Preferias ver o mundo a preto e

bran-co desde sempre e para sempre ou só poder usar preto e

branco em todos os teus trabalhos desde sempre e para

sempre? Justifica a tua opção.

Admito que esta questão me engavetou numa ampliada dificuldade em descobrir qual dos lados seria mais conveniente e qual dos lados seria mais eloquente. Porque é indizível o que poderia sentir, ou que imensas possi-bilidades estariam em aberto. Não tomarei lados. Em ambas as situações,

sobre as quais tão pouco sei, poderei tentar esboçar, todavia, que um mundo apenas a preto e branco me traria uma outra liberdade visual. Poderia permitir-me estabelecer novos sentidos do que já está culturalmente enraizado e, quem sabe, ver a representatividade do mundo por uma nova e reduzida paleta de tons, às vezes tão necessária para acalmar a cegueira da atual sociedade. Por outro lado, usar apenas o preto e o branco nos meus trabalhos artísticos poderia tra-duzir-se no assumir uma forma de resistência, onde a certeza da utilização das duas cores ora isoladas, ora combinadas, contrastariam com a incerteza que se tornou tão omnipresente hoje em dia.

Referências

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