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IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DAS ÁREAS DE INTERESSE CULTURAL DE CRUZ ALTA/RS

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Academic year: 2021

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IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DAS ÁREAS DE INTERESSE

CULTURAL DE CRUZ ALTA/RS

SCHWANZ, Angélica Kohls. (1); MELLO, Cláudio Renato de Camargo. (2); SILVA,

Mateus Veronese Corrêa da. (3)

1. Universidade de Cruz Alta. Curso de Arquitetura e Urbanismo E-mail: aschwanz@unicruz.edu.br

2. Universidade de Cruz Alta. Curso de Arquitetura e Urbanismo E-mail: cmello@unicruz.edu.br

3. Universidade de Cruz Alta. Curso de Arquitetura e Urbanismo E-mail: matsilva@unicruz.edu.br

RESUMO

Cruz Alta, apesar de seus 195 anos e sua importância histórica para a formação do estado do Rio Grande do Sul, não possui uma política efetiva de salvaguarda de seus bens patrimoniais. O município apresenta em sua paisagem urbana um conjunto arquitetônico representativo de sua época de formação e consolidação, que demonstram a gradativa introdução das diversas vertentes da arquitetura mundial, desde o eclético ao Art Decó, passando pelo moderno. Conjunto que, associado à diversidade social e cultural se manteve durante muito tempo, porém vem sendo ameaçado pela crescente especulação imobiliária e a falta de políticas públicas efetivas de salvaguarda. Atualmente o município possui somente duas edificações tombadas em nível estadual e uma lista de imóveis de interesse cultural anexa ao Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA) com 47 bens, que não obedecem a um zoneamento e que os critérios de escolha foram somente o valor arquitetônico ou histórico. São edificações isoladas que, a princípio, não apresentam uma continuidade na paisagem urbana, sendo que algumas delas já foram demolidas por não serem de fato protegidas. Deste modo, o projeto “Identificação e delimitação das áreas de interesse cultural de Cruz Alta/RS” vinculado ao Grupo de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo – GPArq, com bolsa PIBIC/Unicruz, tem por objetivo identificar e delimitar as potenciais zonas de interesse histórico e cultural da área urbana do município de Cruz Alta, através do estudo da evolução urbana, assim como do inventário de identificação do patrimônio edificado, com vistas a fomentar estratégias de desenvolvimento e a elaboração do Plano de Preservação previsto no PDDUA. A investigação se dará a partir da revisão bibliográfica acerca do tema proposto, legislação local, estadual e federal e em arquivos municipais e estaduais. Os documentos obtidos através desta consulta serão digitalizados, para criação de um acervo, que ficará disponível para consultas durante a pesquisa e trabalhos posteriores. Pretende-se também, fazer uma revisão das ações de salvaguarda, ainda que pontuais, desenvolvidas no Município, identificando suas potencialidades e deficiências. Com base neste panorama inicial, realizar o levantamento físico – gráfico e fotográfico – com software adequado, buscando identificar os períodos e estilos arquitetônicos presentes na paisagem urbana do município e o seu valor cultural. Após será feita a análise e interpretação dos dados para identificar as potenciais zonas ou áreas de interesse cultural, através do mapeamento da área de abrangência pelas suas características peculiares, que as diferenciam das demais. De posse do material levantado, pretende-se elaborar uma sugestão de zoneamento com o objetivo de divulgar e compartilhar os resultados da pesquisa. Neste momento a pesquisa se encontra em fase de revisão bibliográfica e verificação da lista de interesse, para confirmar quantas edificações já desapareceram

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da paisagem urbana do município. Destaca-se que uma visão de conjunto arquitetônico deve permitir o desenvolvimento de uma política efetiva de salvaguarda para o município e a manutenção da ambiência desses bens, ou seja, uma continuidade na paisagem urbana que considere os diversos períodos que compõem o mosaico cultural do centro urbano, e não sua fragmentação, como acontece atualmente.

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Introdução

Cruz Alta, apesar de seus 195 anos e sua importância histórica para a formação do estado do Rio Grande do Sul, não possui uma política efetiva de salvaguarda de seus bens patrimoniais.

O município apresenta em sua paisagem urbana um conjunto arquitetônico representativo de sua época de formação e consolidação, que demonstram a gradativa introdução das diversas vertentes da arquitetura mundial, desde o eclético ao Art Decó, passando pelo moderno. Conjunto que, associado à diversidade social e cultural se manteve durante muito tempo, porém vem sendo ameaçado pela crescente especulação imobiliária e a falta de políticas públicas efetivas de salvaguarda.

A delimitação dos Centros Históricos ou mais recentemente das áreas de interesse cultural, se justifica já que estes se constituem como “conjuntos urbanos com interesse histórico cuja homogeneidade permite considerá-los como representativos de valores culturais, nomeadamente históricos, arquitectónicos, urbanísticos ou simplesmente afectivos, cuja memória importa preservar” (DGOTDU, 2005, pág.129). O centro Histórico geralmente é formado pelo núcleo formador da cidade e engloba as principais funções urbanas, como comércio, serviços, além do centro cívico e econômico e para onde se direcionam seus moradores. Em cidades maiores esses locais acabaram perdendo muitas dessas funções ao longo dos anos, pela formação de novas centralidades, enquanto que, em cidades menores, caso de Cruz Alta, o núcleo formador permanece exercendo sua função atrativa e irradiadora, além da função simbólica. A constituição de um Centro Histórico e a delimitação de áreas de interesse cultural contribuirá para a potencialização dessas características simbólicas, pois essa área é “preponderante não só como suporte de todo o resto, como sinal de identificações dos lugares e referência da imaginação colectiva, mas também como aglomerado dos bens culturais” (BENÉVOLO apud SEBASTIÃO 2010, pág. 20-21).

Assim, o projeto “Identificação e Delimitação das áreas de interesse cultural de Cruz Alta-RS” vinculado à linha de pesquisa Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo do Grupo de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo – GPArq tem por objetivo identificar e delimitar as áreas de interesse histórico e cultural da área urbana do município de Cruz Alta, através do estudo da evolução urbana, assim como do inventário de identificação do patrimônio edificado com vistas a fomentar estratégias de desenvolvimento e a elaboração do Plano de Preservação. Esse artigo apresenta a fase inicial desse estudo e se estrutura a partir de um pequeno histórico do município, justificando a importância da estruturação de uma política efetiva de salvaguarda, em seguida apresenta um panorama da discussão

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sobre a salvaguarda do patrimônio de forma integrada, a partir desse quadro geral, trabalha as políticas de salvaguarda em Cruz Alta, com o Plano Diretor, a constituição da comissão do patrimônio Cultural e as ações isoladas, e por fim trata da fase atual da pesquisa, que é a revisão da tabela de interesse histórico cultural anexo ao PDDUA.

Histórico de Cruz Alta

Cruz Alta se constitui como um importante município da região Noroeste do estado do Rio Grande do Sul. Mais conhecida como a terra de Érico Veríssimo e da Romaria de Fátima, que atrai anualmente cerca de 140 mil fiéis. O município de Cruz Alta teve sua ocupação territorial a partir da chegada dos jesuítas espanhóis à região sul, por volta de 1634, com o estabelecimento da redução de Santa Tereza. Ao final do século XVII, a partir da assinatura do Tratado de Tordesilhas, os jesuítas instalaram uma cruz de madeira, para demarcar as terras que pertenciam à coroa. Com o estabelecimento do Tratado de Santo Idelfonso, a linha que separava as duas coroas, passava exatamente no local da cruz de madeira e próxima à capela do Menino Jesus. A partir desse tratado o povoado passa a ser usado como corredor “gerando uma grande movimentação de pessoas das mais variadas ocupações que a cada ano aumentava” (SILVA, 2014). Devido à sua localização geográfica, o povoado se constitui como um importante ponto de passagem e pouso para os tropeiros.

Mas foi somente em 18 de agosto de 1821 que se deu a fundação do povoado, pelo comandante da Fronteira de Missões Coronel Paulet. O então povoado do Espírito Santo da Cruz Alta abrangia uma área considerável dessa região e acabou dando origem a mais de 240 municípios do estado do Rio Grande do Sul. Sua localização estratégica próxima aos países do Prata, também propiciaram o estabelecimento de unidades militares, que participaram de importantes eventos militares, como na revolução Farroupilha, quando em 1841 foi considerada capital provisória da República Rio-Grandense (SILVA et al, 2015) e na Guerra da Tríplice Aliança em Humaitá, sob o comando de Duque de Caxias. Esse desenvolvimento inicial deu lugar a uma estagnação econômica durante o final do século XX, causada pelo enfraquecimento do poder militar e dos proprietários de terras em sua maioria, militares.

Devido a sua origem, formação multicultural e sua importância para a constituição do Estado do Sul, o município de Cruz Alta é “referência por sua diversidade étnica, social e cultural” (SILVA, 2014) o que torna urgente o desenvolvimento de políticas de salvaguarda dessa diversidade.

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As políticas de salvaguarda do patrimônio tem se ampliado ao longo dos anos, principalmente a partir da Revolução Francesa, quando os monumentos expropriados pelos revolucionários passaram a se constituir como elementos formadores dos estados nacionais e da ideia de Nação. A partir dessas primeiras iniciativas, ao incorporar novos saberes a essa discussão como a antropologia, a sociologia, a geografia, a visão mais elitizada de cultura passa a dar lugar a uma concepção mais holística do que se percebe e se considera como elementos formadores da identidade de um local.

O desenvolvimento gradual do conceito de Patrimônio Cultural refletiu nas políticas de salvaguarda do patrimônio edificado, tanto em nível internacional, através da UNESCO, como no caso brasileiro, através do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Assim passaram a ser considerados como referência para a formação da identidade brasileira, não somente os monumentos referentes aos fatos memoráveis ou de grande valor arquitetônico, mas também os saberes e fazeres, assim como a produção arquitetônica dos diversos grupos formadores da sociedade.

Além disso, as discussões sobre preservação do meio ambiente também influenciaram as ações e legislações patrimoniais nos últimos 30 anos, a noção de patrimônio ambiental e patrimônio cultural se integraram a partir das discussões sobre paisagem cultural, pois segundo Santos a paisagem

[...] é o resultado de uma acumulação de tempos. Para cada lugar, cada porção do espaço, essa acumulação é diferente: os objetos não mudam no mesmo lapso de tempo, na mesma velocidade ou na mesma direção. A paisagem, assim como o espaço, altera-se continuamente para poder acompanhar as transformações da sociedade (SANTOS, 2004, p. 54). Essa evolução conceitual permitiu que houvesse uma ampliação do conceito de patrimônio, de um bem isolado e de valor excepcional – como no Decreto Lei 25/1937 – para “os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (BRASIL, 1988).

Durante o início do século XXI houve ainda, criação e regulamentação de novos instrumentos urbanísticos, a partir do Estatuto da Cidade, em 2001, que estabeleceu diretrizes gerais da política urbana e regulamentou o direito social da propriedade através de alguns instrumentos como a edificação compulsória, direito de preempção, solo criado, operações urbanas consorciadas, transferência do direito de construir, usucapião coletivo, estudo de impacto de vizinhança. Esses instrumentos permitiram o desenvolvimento de políticas de gestão integrada e planejamento estratégico, de forma participativa, o que facilita as ações nos centros históricos, desde que sejam de interesse coletivo.

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O Estatuto da Cidade prevê em seu artigo 2º parágrafo XII a “proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico”, como uma diretriz geral, sendo que o município de Cruz Alta segue esta premissa através do seu Plano Diretor, ainda que não implantada efetivamente, fato recorrente em grande parte dos municípios brasileiros, em que se percebe um descompasso entre o plano diretor e as ações efetivas de salvaguarda.

Para se compreender a importância da desses instrumentos é necessário abordar o estado da arte, através de experiências e pesquisas já realizadas. Atualmente há diversos estudos que discutem a importância de ações estratégicas de desenvolvimento urbano incluindo a salvaguarda do patrimônio como fomentadora do desenvolvimento urbano.

Em um artigo Vanessa Gayego Bello Figueiredo faz uma comparação entre as políticas de salvaguarda do patrimônio nos municípios de São Paulo e Santo André, estado de São Paulo, através da análise do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano dos dois municípios e alerta que em São Paulo há falta de uma política integrada que considere o desenvolvimento socioeconômico e a salvaguarda do patrimônio, pois “enquanto as ZEPECs, embasadas ainda numa concepção de monumento e numa visão fragmentada do patrimônio urbano, revelam contradições e descompassos entre os objetivos e diretrizes de preservação e desenvolvimento”, já em Santo André “a ZEIPP representa um avanço por articular o ordenamento territorial às políticas setoriais de preservação, conservação ambiental e desenvolvimento urbano e socioeconômico, trabalhando na perspectiva do planejamento e gestão integrados e participativos.” (FIGUEIREDO, 2013, pág. 1). Para a autora

nesse processo, o que sobrou do patrimônio cultural material constitui hoje peças de um quebra-cabeça desarticulado do tecido urbano que o suporta e das práticas imateriais e que, portanto, deveriam garantir sua lógica de compreensão, significado e fruição, dentro de uma leitura cultural da paisagem. Inevitavelmente, essas concepções, objetivos e diretrizes refletir-se-ão nos equívocos praticados na instituição das ZEPECs – Zonas Especiais de Preservação Cultural. (FIGUEIREDO, pág. 4)

Assim percebe-se que a concepção de patrimônio a partir de elementos monumentais, excepcionais e isolados leva a uma fragmentação do espaço urbano e a políticas que não consideram o conjunto urbano, articulado em suas diversas áreas.

Diversos urbanistas como Gordon Cullen, já na década de 1960, em seu livro “Paisagem Urbana” propõe uma nova forma de percepção da paisagem urbana, para ele “uma construção isolada no meio do campo dá-nos a sensação de estarmos perante uma obra de arquitetura; mas um grupo de construções imediatamente sugere a possibilidade de

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criar uma arte diferente [...] e segue “[...] num conjunto edificado ocorrem fenômenos que não se verificam nunca em relação a um edifício isolado (CULLEN, 2010, pág. 9).

Pode-se citar também a experiência do Município de Pelotas, que no ano de 2000, a partir de uma iniciativa de técnicos do Poder Público e da Universidade Federal de Pelotas, elaboraram o Sistema Municipal de Preservação Cultural – SIMPAC, que serviu de base para a Lei 4568/2000 (conhecida como Lei do Inventário), bem menos abrangente que o documento inicial, porém a partir dessa Lei foram instituídas

as Zonas de Preservação do Patrimônio Cultural [...], são listados os bens integrantes do inventário e torna-se possível o controle das descaracterizações promovidas nos bens patrimoniais, assim como a possibilidade de regramento das futuras intervenções nos prédios inventariados e nos seus confrontantes laterais. (ALMEIDA & BASTOS, 2006, pág. 102).

Atualmente o município possui cerca de 1700 prédios inventariados e com o sistema, a Prefeitura Municipal de Pelotas e seus técnicos podem desenvolver ações integradas entre as secretarias de cultura, de urbanismo e de finanças, como incentivos aos proprietários de imóveis inventariados, isenção de IPTU para imóveis com fachadas conservadas e o direito de transferência de construir, previsto no Estatuto da Cidade. O que se percebeu a partir dessas ações foi uma maior apropriação por parte dos proprietários e população em geral e uma maior identificação com esses bens.

O caso de Cruz Alta já foi estudado em diversos trabalhos acadêmicos, mas o que se percebe é que, na maioria deles, a fragmentação está presente provavelmente devido a falta de uma legislação mais abrangente.

Uma das primeiras iniciativas de identificação e levantamento do patrimônio edificado de Cruz Alta foi feito no ano de 2000 com a publicação do livro ”Um século de arquitetura

urbana em Cruz Alta – 1826-1930: Guia de arquitetura, em que os autores apresentam

uma lista de 40 edificações de interesse cultural. De acordo com Silva a pesquisa buscava “abranger uma maior representatividade de exemplares construídos no espaço urbano do município entre o ano de 1826, data mais antiga inscrita nas fachadas das edificações selecionadas e 1930” (SILVA, 2000, pág. 11). Esse trabalho traz uma seleção pontual de alguns exemplares com características coloniais, ecléticas e neocoloniais. Nele se percebe a seleção de elementos isolados, que não apresentam a ideia de conjunto.

Moreira, na dissertação de mestrado intitulada “O Inventário do Patrimônio arquitetônico das zonas de entornos dos bens tombados de Cruz Alta-RS”, apresenta uma atualização da lista de interesse anexada ao PDDUA, já que muitos prédios dessa lista foram demolidos. Ainda que bastante completo o levantamento deu ênfase para os valores

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histórico e estilístico das edificações, segundo o autor a pesquisa faz “um recorte temporal que vai desde o ano de 1821, data de sua fundação, até meados dos anos de 1960, período que comporta construções singulares do modernismo, ampliando os conhecimentos da arquitetura gaúcha e garantindo o arquivamento da memória do meio urbano e de sua coletividade. [...] o objetivo geral é destacar o valor histórico[...]” e segue [...] a partir de um vasto acervo de obras presentes na cidade, a seleção contempla uma lista sucinta de edificações que representa a rica produção arquitetônica edificada ao longo dos anos[...].

Moreira ainda destaca que, ao considerar a história da cidade e sua importância regional a seleção “não contempla a totalidade de obras que poderão compor um inventário, entretanto essa região abriga uma diversidade de edificações de estilos variados, mostrando a rica produção da arquitetura cruz-altense.” (MOREIRA, 2014, pág. 58). Ainda que destaque a importância do inventário, reforça a fragmentação, ao eleger exemplares isolados na paisagem da cidade.

Já Silva na dissertação de mestrado intitulada “Um século de história: inventário do patrimônio cultural edificado do 29º GAC AP – Grupo Humaitá no Município de Cruz Alta/RS” realizou o inventário do patrimônio militar presente no município, para Silva o inventário teve o objetivo de “colaborar no sentido de ampliar os conhecimentos e divulgação deste bens perante a comunidade cruzaltense, resgatando a memória, e fornecendo subsídios para contribuir para políticas públicas e planos de ações nas áreas de preservação do patrimônio presente no município.” (SILVA, 2015). Da mesma forma que os anteriores a investigação, apesar de sua importância, faz um recorte tipológico e fragmentado do patrimônio edificado do município. Estas ações isoladas contribuem enormemente para a salvaguarda e principalmente para o reconhecimento desses bens, mas reforçam ainda mais a necessidade de uma sistematização dessas ações isoladas, um zoneamento que contemple a totalidade das tipologias e vertentes arquitetônicas e fomente o desenvolvimento de ações estratégicas de reabilitação.

Esses trabalhos acadêmicos indicam a necessidade de uma delimitação das zonas/áreas que contemplem essa diversidade de estilos e períodos, com intuito de sistematizar as informações e fomentar um plano estratégico para a sua salvaguarda em consonância com as ações nacionais e internacionais, pois “há hoje em nosso país um grande interesse na implantação de políticas inovadoras, que consigam superar as deficiências crônicas de nossa urbanização, marcada por um alto grau de exclusão e segregação social.” (CASTRIOTA, 2007, pág.24).

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As políticas de Salvaguarda em Cruz Alta

Percebe-se que as políticas de salvaguarda municipais – representadas, geralmente pelo Plano Diretor - apresentam uma consonância com as políticas desenvolvidas em nível estadual ou federal, porém essas ações são dificultadas por uma falta de consenso no que tange à questão patrimonial. Há outros interesses que se sobrepõem, como os econômicos e a especulação imobiliária, já que essas áreas são as mais valorizadas e possuem poucos vazios para expansão, o que comumente ocorre em Cruz Alta.

Outro agravante é que, apesar do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental, aprovado em 2007, considerar como um dos princípios para o desenvolvimento o Patrimônio Ambiental e Histórico Cultural, desde então pouco foi feito, somente algumas ações isoladas de salvaguarda através da constituição da Comissão do Patrimônio, que possui pouca autonomia e só age quando há iminência de destruição de algum bem. Também está prevista no Plano Diretor “a elaboração do Plano de Preservação Histórico-Cultural, precedido do Inventário do Patrimônio Histórico-Histórico-Cultural, no prazo de 2 (dois) anos”; (CRUZ ALTA, 2007), o que, até o momento, não aconteceu.

O PDDUA do município define os princípios para o desenvolvimento local e, dentre eles o “respeito e valorização da paisagem ambiental: histórico, cultural e natural, com a garantia de um ambiente saudável e equilibrado”, assim como uma das estratégias de desenvolvimento municipal com a “Valorização do Patrimônio Ambiental - promoção da sustentabilidade socioambiental e valorização do patrimônio histórico cultural[...] (CRUZ ALTA, 2007)

Ou seja, o Plano, em tese, está em consonância com as políticas atuais de desenvolvimento urbano sustentável, já que considera o patrimônio ambiental e cultural com um dos eixos balizadores do desenvolvimento. Porém isso não é percebido na prática, o próprio PDDUA previa a elaboração do “Plano de Preservação Histórico-Cultural” que deveria ser “precedido de Inventário do Patrimônio Histórico-Cultural, no prazo máximo de 2 (dois) anos” (CRUZ ALTA, 2007). Dez anos se passaram e nem mesmo o inventário foi elaborado, já que seria a base para a elaboração do Plano de Preservação. O que se percebe é um distanciamento entre a Legislação e as ações efetivas.

Também no PDDUA está previsto que, enquanto o Plano de Preservação não for elaborado, a Comissão do Patrimônio Cultural decidirá acerca do patrimônio edificado do município, assim quaisquer intervenções que prevejam a

demolição, reforma ou restauro em edificações construídas no ano de 1960 ou inferior a esta época, bem como daquelas listadas [...] na Tabela de Prédios de Interesse Histórico Cultural [...]” estarão condicionadas “a análise técnica pela Comissão de Patrimônio Histórico- Cultural” sendo que esta condição

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a) permanecerá até o prazo de execução do Inventário do Patrimônio Histórico-Cultural, o qual definirá quais construções são de interesse histórico dentre as do ano de 1960 ou inferior a esta época, e dentre todas as demais;

b) permanecerá condicionada à análise técnica pela Comissão de Patrimônio Histórico-Cultural, mesmo depois do inventário, salvo mudanças quando da execução. (CRUZ ALTA, 2007)

A Comissão foi instituída através do decreto 88 de 2011 e atualmente é formada por 10 membros representantes do poder público e da sociedade civil, porém suas ações e decisões nem sempre são embasadas tecnicamente, dependendo dos membros presentes durante as reuniões e de suas concepções acerca do tema. Outro problema enfrentado pela Comissão é a determinação de que todas as edificações construídas antes de 1960 passem por sua análise, esse critério se torna muito vago, já que permite interpretações e escolhas que não consideram critérios técnicos de valoração cultural, arquitetônica ou histórica, somente temporal e muitas vezes a comissão é convocada sem que haja necessidade, pois a edificação não apresenta nenhum valor a ela associado.

Também no Plano Diretor foi definida a APPHA - Área de Proteção do Patrimônio Histórico Cultural, que é delimitada pela área de entorno dos bens tombados pelo IPHAE em Cruz Alta, os prédios da Prefeitura Municipal e do Museu Érico Veríssimo. Essa delimitação evidencia a fragmentação do espaço urbano e também a noção de patrimônio vinculada à ideia de monumento, visão ultrapassada, que não considera as diversas representações, como os remanescentes arquitetônicos mais simples da produção cultural de determinada época.

Além disso, há uma tabela de prédios de interesse histórico e cultural anexa ao Plano Diretor, com alguns bens previamente selecionados, que não obedecem a um zoneamento, em que os critérios de escolha foram o valor arquitetônico ou histórico. São edificações isoladas, que a princípio não apresentam uma continuidade na paisagem urbana e por isso, não exigem uma preocupação com seu entorno. Essa preocupação tem por objetivo manter a ambiência e impedir que novas estruturas obstruam a visualização do bem protegido. Uma visão de conjunto arquitetônico permitiria a manutenção da ambiência desses bens, considerando os diversos períodos que compõem o mosaico cultural do centro urbano, e não sua fragmentação, como acontece atualmente.

A conservação de bens isolados não permite uma visão da totalidade, do conjunto, e “a ausência de diretrizes pré-estabelecidas e pactuadas entre os órgãos levam frequentemente a orientações distintas, antitéticas e até personalizadas quando da aprovação de projetos de intervenção, configurando uma atuação pouco objetiva, sem critérios e nada institucionalizada” (FIGUEIREDO, 2010), caso de Cruz Alta. A pesquisa se encontra na fase de revisão da lista de interesse histórico – cultural do PPDUA.

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Revisão da lista de interesse Histórico Cultural

O PDDUA (2007) apresenta uma tabela de prédios de interesse histórico cultural, na qual são listadas 47 edificações, que teve como base o “Guia de Arquitetura (2000)”, sendo que, algumas foram retiradas, como o prédio da prefeitura e do Museu Érico Veríssimo, por possuírem proteção estadual, algumas por terem sido demolidas e outras, sem explicação técnica. Também foram acrescentadas outras 11 edificações. A maioria das edificações listadas localizam-se ao longo de dois eixos, a Rua Pinheiro Machado (antiga Rua do Comércio) e General Osório. As construções que não constam no Guia, adicionadas à lista do PDDUA, não apresentam relação entre si, como o estilo arquitetônico, a data de construção ou continuidade na paisagem urbana.

Figura 1 – Mapa com as edificações de interesse histórico-cultural demarcadas. Fonte: dos autores

A seleção se justifica, a princípio, pelas Ruas Gen. Osório e Pinheiro Machado se constituírem como eixos estruturadores da expansão urbana do município desde a sua fundação, como é possível observar nos mapas mais antigos (fig. 1). Ainda a rua Pinheiro Machado, conhecida como a antiga Rua do Comércio, abriga o corredor comercial e liga a praça Érico Veríssimo (Praça da Matriz) ao norte e a Praça Gen. Firmino de Paula ao sul. Porém algumas edificações localizadas nessas duas ruas, com datas de construção próximas e com características arquitetônicas semelhantes não foram selecionadas.

Nessa análise inicial perceberam-se problemas com os endereços das edificações, assim como na denominação de seus antigos proprietários, a tabela apresenta divergências em relação ao livro publicado em 2000. Outra questão é a falta de embasamento técnico

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para a escolha das edificações, principalmente as adicionadas quando da aprovação do PPDUA, foram acrescentadas edificações com características modernistas e art decó, mas que não conformam um conjunto, fortalecendo a ideia de fragmentação e a escolha de exemplares isolados.

Nos primeiros levantamentos realizados, constatou-se que a Rua Pinheiro Machado antiga Rua do Comércio, onde se localiza o calçadão, apresenta diversos exemplares com características do Art Decó e do ecletismo, alguns formando conjuntos, com poucas alterações externas, como o uso indiscriminado de letreiros, que acabam por desfigurar as fachadas (fig. 2), mas que são de caráter reversível.

Figura 2 – Conjunto art decó de ocupação mista – Rua Pinheiro Machado. Fonte: dos autores

Outra via não contemplada é a Rua Coronel Vidal Pillar que, além de abrigar algumas das residências mais antigas, é a via processional da Romaria de Fátima, que acontece todos os anos no mês de outubro e atrai cerca de 140 mil fiéis, constituindo-se como patrimônio imaterial de Cruz Alta, também pouco valorizada pelo poder público.

Figura 3 – Casas de madeira – Bairro Perpétuo Socorro. Fonte: dos autores

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O prédio da Gare, apesar de fazer parte da lista de interesse, se encontra em total estado de abandono, parte pelo descaso do poder público, parte pela disputa entre a América Latina Logística e a Prefeitura Municipal, assim como as edificações em madeira dos antigos funcionários da RFFSA, do Bairro Perpétuo Socorro, representantes da arquitetura popular em madeira e em vias de desaparecimento, devido à atualização das técnicas construtivas e da especulação imobiliária (fig. 3 e 4).

Figura 4 – Prédio da Estação. Fonte: dos autores

Além disso, pelo município se localizar em uma área de transição entre os biomas Pampa e Mata Atlântica, guarda características da paisagem formadora da cultura gaúcha - o pampa - paisagem que serviu de inspiração para o escritor Érico Veríssimo em várias de suas obras. Esses vestígios permanecem na paisagem e reforçam a sua importância para a manutenção da memória e da identidade cruzaltense. Ao caminhar pelas ruas da cidade depara-se com essas referências, como o prédio da antiga farmácia da família de Érico Veríssimo, que hoje abriga uma loja de chocolates, mas expõe nas vitrines manuscritos e uma das máquinas de datilografia usada por ele, o Museu da fundação Érico Veríssimo, que guarda em seu acervo manuscritos, correções, livros, máquinas de datilografia, além dos móveis da antiga residência.

Esses traços aos poucos vão sendo apagados e esquecidos e para Bósi é “do vínculo com o passado que se extrai a força para a formação de identidades” e esse vínculo se dá através da memória que é ajudada pelo entorno material, pois “[...] a memória se enraíza no concreto, no espaço, gesto, imagem e objeto” (BOSI, 2003, p.16). Esses elementos ajudam a formar a identidade cruz-altense e reforçam a urgência da identificação das áreas de interesse e futuro plano de preservação.

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Considerações

As políticas integradas de salvaguarda se constituem importante instrumento de desenvolvimento urbano, já que consideram a urbanidade em sua totalidade. Os planos de preservação permitem articular o crescimento e o desenvolvimento econômico às ações de salvaguarda e suas potencialidades. O caso de Cruz Alta se torna emblemático na medida em que a grande maioria das ações desenvolvidas até o momento sejam elas de cunho acadêmico ou de política pública, acabam por fortalecer a fragmentação do patrimônio. A seleção de bens isolados, ou monumentais não abrange a totalidade de representações identitárias e culturais, essa fragmentação permite o desaparecimento de importantes representantes da arquitetura que atrelados aos bens de caráter imaterial, desfiguram a paisagem urbana cruzaltense.

Fontes e referências

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