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Os Silêncios e Ataques: os Interesses Privados e a Cobertura Midiática da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom)

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Os Silêncios e Ataques: os Interesses Privados e a Cobertura Midiática da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom)

Jocelaine Josmeri dos SANTOS1

Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR.

RESUMO

Neste artigo explora-se a relação entre os interesses privados das empresas midiáticas e a cobertura jornalística dos veículos O Globo, Estado de S. Paulo, Rede Bandeirantes de Televisão e Jornal Nacional através de matérias e editoriais produzidos sobre o tema. A hipótese explicativa é que os veículos, mesmo usando o argumento de defesa do estado de direito e/ou interesse público, atuaram motivadas principalmente por interesses particulares (econômicos e/ou políticos) e que esse posicionamento transparece nos materiais produzidos e veiculados. Foram analisados os editoriais produzidos pelo O Globo e o Estado de S. Paulo, uma nota veiculada pelo Jornal Nacional e também cinco matérias produzidas pela Rede Bandeirantes de Comunicação, único dos quatro veículos analisados que fez uma cobertura efetiva do evento, acompanhando todas as discussões realizadas.

Palavras-chave: Mídia; Poder; Interesses; Cobertura Midiática; Confecom.

Introdução

A mobilização em torno da realização de uma conferência nacional para se debater a comunicação no Brasil não é recente. Um dos principais defensores da realização do debate é a Fórum nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que desde a década de 1990, já defendia a ampliação do debate sobre a comunicação no país. O FNDC intensificou os trabalhos pela conferência em 2006, durante a XIII Plenária do FNDC, onde foi decidido que o Fórum elaboraria uma proposta de modelo de conferência para a comunicação.

Do debate nacional participaram cerca de 1.800 delegados, indicados nas etapas estaduais preparatórias, representando organizações da sociedade civil empresarial (40% do total), da sociedade civil não empresarial (40%) e das três esferas de governo (20%). Foram aprovadas 633 propostas, sendo 569 nos 15 grupos temáticos de trabalho e 64 na Plenária final. Outras 15 foram rejeitadas e 29 não apreciadas porque não houve

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPR. Integrante do Grupo de Estudos da Imagem

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407 tempo hábil para serem lidas no plenário em razão do encerramento da 1ª Confecom.

Ainda durante a fase preparatória da conferência as principais entidades representativas do setor empresarial da comunicação decidiram abandonar a Confecom. Em agosto de 2009 a Associação Brasileira de Emissoras de Radio e Televisão (Abert), Associação Brasileira de Internet (Abranet), Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA), Associação dos Jornais e Revistas do Interior do Brasil (ADJORI Brasil), Associação Nacional dos Editores de Revistas (ANER) e Associação Nacional de Jornais (ANJ) divulgaram por meio de nota sua saída da decidiram se desligar da Comissão Organizadora Nacional da Confecom.

Na época, as entidades afirmaram que tinham “como premissa a defesa dos preceitos constitucionais da livre iniciativa, da liberdade de expressão, do direito à informação e da legalidade” e que justamente esse posicionamento estaria sendo entendido “como um obstáculo a confecção do regimento interno e do documento-base de convocação das conferências estaduais, que precederam a nacional2”. Apenas a Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil), que representa o setor oficial e privado das telecomunicações, e a Associação Brasileira de Radiodifusão (Abra), formada apenas pelas emissoras de TV Band e Rede TV! continuaram na Confecom.

Até mesmo a participação da Abra na Confecom esteve a ponto de ruir, uma vez que a entidade ameaçou abandonar as discussões caso não fossem aprovadas mudanças no regimento interno para as votações.

Cobertura Midiática

Os conflitos de interesse na organização da Confecom também se refletem na cobertura midiática do evento, que salvo raras exceções foi bastante insipiente nos veículos da grande mídia. A TV Globo, por exemplo, divulgou nota durante as edições dos dias 14 e 17 de dezembro de 2009 deixando bem claro seu posicionamento. Na nota, é reiterado o apoio do veículo às entidades patronais, que decidiram não participar da Confecom. No texto, a emissora alega que

A representatividade da conferência ficou comprometida sem a

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participação dos principais veículos de comunicação do Brasil. Há quatro meses, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, a Associação Brasileira de Internet, a Associação Brasileira de TV por Assinatura, a Associação dos Jornais e Revistas do Interior do Brasil, a Associação Nacional dos Editores de Revistas e a Associação Nacional de Jornais divulgaram uma nota conjunta em que expõem os motivos de terem decidido não participar da conferência. Todos consideraram que as propostas que estavam esboçadas na ocasião, e que acabaram mesmo sendo aprovadas, estabelecem uma forma de censurar os órgãos de imprensa, cerceando a liberdade de expressão, o direito à informação e a livre iniciativa, todos previstos na Constituição3.

Toda a cobertura do Jornal Nacional sobre a Confecom entre os dias 14 e 18 de dezembro de 2009 se resumiu apenas à leitura dessa nota durante o telejornal. Nada mais foi divulgado. A opção por essa espécie de silenciamento demonstra um dos “poderes” da mídia, como lembra GOMES4, que pode atuar como disciplinadora do que vai ser mostrado e da forma pelo qual vai ser mostrado.

Enquanto mostram, as mídias disciplinam pela maneira de mostrar, enquanto mostra ela controla pelo próprio mostrar. É em relação à disciplina que se diz que se não passou pelas mídias não há poder de reivindicação; é em relação a controle que se diz que se não passou pelas mídias não existe.5

Já a Rede Bandeirantes produziu bem mais material sobre o evento. Através da ferramenta de busca do site e-BAND, site oficial do Grupo Bandeirantes de Comunicação, é possível encontrar 44 resultados sobre a Confecom, todos inseridos entre os dias 14 e 19 de dezembro de 2009. Nesse material estão inclusos matéria impressas, trechos de programas radiofônicos, entrevistas e as cinco matérias jornalísticas televisivas, que serão o foco da análise.

Nas matérias da Band alguns pontos chamam a atenção. Um dos mais relevantes é a tentativa de se destacar o envolvimento do próprio Grupo Bandeirantes de Televisão na Confecom. Em todas as matérias veiculadas há em algum momento a informação de que as oito entidades patronais foram convidadas a participar da conferência, mas seis

3A nota pode ser lida no endereço http://jornalnacional.globo.com/Telejornais/JN/0,,10406-p-17122009,00.html. 4 GOMES, Mayra Rodrigues. Poder no Jornalismo. São Paulo: Hacker e Edusp, 2003.

5

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409 resolveram não participar. Em nenhum momento o nome das entidades é mencionado. Em contrapartida, também é ressaltado em todas as matérias que a Abra (formada apenas pela Band e pela Rede TV!)6 e a Telebrasil foram as únicas entidades que participaram do debate.Também é destacada nas matérias as propostas defendidas pela Abra (cumprimento das leis do setor, liberdade de expressão editorial e comercial, conteúdo nacional, flexibilização dos horários de transmissão da Voz do Brasil e multiprogramação nas TVs abertas e digitais). Dessas propostas quatro acabaram sendo aprovadas pela Confecom (flexibilização da Voz do Brasil, garantia de distribuição de conteúdos nacionais, liberdade de expressão comercial e multiprogramação nas TVs abertas).

Em alguns momentos a cobertura da Band também se volta para crítica. Isso ocorre em relação a propostas que contrariavam o posicionamento da Abra, como ocorre na penúltima matéria veiculada no dia 16 de dezembro. Logo no início da matéria é mencionada a suposta “preocupação” dos participantes da Confecom com a criação do Conselho Nacional de Comunicação, que poderia ferir o direito à liberdade de expressão e que contrariaria até a Constituição Brasileira. Logo após a matéria traz uma sonora com o presidente do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação defendendo a liberdade de expressão. Outra proposta considerada “nociva”, a criação do Fundo Nacional e Estadual de Comunicação Pública, aparece na matéria seguinte, de 17 de dezembro, apenas como “mais um imposto” proposto pelos “movimentos sociais” presentes na Confecom. Uma sonora com um representante da Telebrasil enfatiza o caráter “absurdo” da proposta.

É interessante notar que o interesse privado norteou tanto a cobertura da Band quanto o silenciamento do Jornal Nacional. Ambos atuaram de acordo com objetivos bem definidos. Para SZACENKOPF7, o uso de técnicas e estratégias na construção de uma matéria ou discursos jornalístico constitui-se no que a autora chama de “montagem branca”. Embora ela aplique esse conceito para explicar o caráter de mercadoria da matéria jornalística, seus dispositivos podem ser usados para a compreensão de qualquer discurso midiático construído com vistas a obtenção de objetivo específico. Nas palavras da autora:

6

Deve-se lembrar ainda o presidente da Abra, João Carlos Saad, também é o presidente da Rede Bandeirantes.

7

SZPACENKOPF, Maria Izabel Oliveira. O olhar do poder: a montagem branca e a violência no espetáculo

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Mesmo as transmissões “ao vivo” não escapam de apresentar uma realidade em que interferem os ângulos das tomadas, a iluminação, os destaques e o foco. As leis próprias que regem as atividades telejornalísticas permitem que sejam decididas realidades, fatos, pessoas que serão destacadas, dando um poder maior às decisões tomadas. Essas decisões interferem não só na construção da notícia, mas também na possibilidade de profissionais exercerem o poder de agendar uma realidade.8

Um aspecto interessante é que quando os veículos de comunicação estão trabalhando em prol de seus próprios interesses há o afastamento do que pode chamar de “comportamento padrão” da mídia, como a prática do que BOURDIEU9 chamou de circulação circular da notícia, em que os jornais acham que têm o dever de vincular as mesmas informações que seus concorrentes. Assim, seus conteúdos, basicamente iguais (até por utilizarem-se das mesmas agências de notícias,) os tornariam praticamente imunes à outras fontes e/ou informações. Ora, não foi isso o que aconteceu com os veículos analisados, uma vez que praticamente não houve cobertura da Confecom pelo Jornal Nacional.

Bastante crítico em relação aos processos e práticas que permeiam a produção televisiva, para BOURDIEU empresas investem dinheiro em informações superficiais e espetacularizadas com a finalidade de angariar um vasto público. Além da origem das informações ser a mesma, a prática prioriza dois extremos. A primeira é o princípio que consiste em atrair a atenção do público para fatos cuja natureza possa interessar a todo mundo. A esses fatos, que se caracterizam pela frivolidade, chama de fatos-ônibus. Eles não devem chocar, não devem envolver disputa, não devem dividir opiniões, mas, ao contrário, formar consenso.

No caso da cobertura (ou ausência de cobertura) da Confecom, fica difícil encaixar a Conferência como um fato-ônibus, embora as discussões apresentadas fossem de incontestável importância, uma vez que concentraram discussões e decisões que afetam direta ou indiretamente toda população.

Outro ponto destacado pelo autor é o caráter dramático da televisão, uma vez que através da imagem ela pode colocar em cena um acontecimento e exagerar-lhe a

8

Op. cit., p. 208.

9 BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão, seguido de A influência do jornalismo e Os Jogos Olímpicos. Rio de

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411 importância, a gravidade, o caráter dramático, trágico. No material analisado essa dramaticidade aparece em momentos distintos e tanto na Band quando no Jornal Nacional.

Na Bandeirantes é usada a dramaticidade ao se apresentar os possíveis “perigos” da Confecom ao aprovar a criação do Conselho Nacional de Comunicação, que supostamente representaria um risco ao direito à liberdade de expressão e que contrariaria até a Constituição Brasileira. Também é com um tom dramático que a mesma Band anuncia a “nociva” do Fundo Nacional e Estadual de Comunicação Pública, colocado como “mais um imposto” proposto pelos “movimentos sociais” presentes na Confecom.

Já a dramaticidade do Jornal Nacional se revela na solenidade em que a nota sobre a Confecom é lida pelos apresentador Willian Bonner e Fátima Bernardes, cujo tom lembra o anúncio de grandes tragédias.

Impresso

Os veículos impressos analisados também deixaram bem claro seus posicionamentos. No caso do jornal O Estado de S. Paulo, a cobertura do evento contou com 12 matérias e mais dois editoriais no período de 14 a 18 de dezembro de 2009. Para esta análise serão trabalhados apenas os editoriais, uma vez que eles definem o posicionamento do jornal frente ao evento. Mesmo assim é interessante destacar que nas matérias, bastante sucintas na maioria dos casos, prevalece uma exposição mais superficial das discussões, com vários momentos de crítica às propostas de movimentos sociais e segmentos “radicais”, que supostamente teriam eliminado a possibilidade de um debate democrático com os empresários ao defenderem propostas como o controle social da mídia.

O Estado de S. Paulo publicou dois editoriais sobre a Confecom durante o período analisado. O primeiro, publicado no dia 14 e intitulado de “Os perigos da Confecom10”, onde são ressaltados, mais uma vez, a ameça à liberdade de imprensa representada pela Confecom. Nota-se também que há a tentativa de se justificar a ausência das entidades patronais na Confecom, de modo similar ao que o Jornal

10 Os perigos da Confecom. Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo, 16 de dezembro de 2009. Também disponível

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412 Nacional fez em sua nota. Outro ponto que chama a atenção é o tratamento dado às ONGs e sindicatos, que são generalizadas de forma pejorativas, como se sua atuação e interesses fossem nocivos:

Mas a sua profissão de fé na liberdade de imprensa não impedirá que os inimigos dela desistam de usar a conferência para impor uma deturpação autoritária do termo "construção de direitos e de cidadania" que consta do tema oficial da reunião. Precisamente por isso, seis das oito entidades que representam empresas de comunicação, como a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ), decidiram ainda em agosto abandonar a Confecom. A partir do que se passou durante a confecção do estatuto da conferência, previram que sindicatos e ONGs, com o entusiástico endosso do PT e a aprovação tácita de setores do governo, tratariam de aproveitá-la para submeter as empresas de mídia a um verdadeiro auto de fé, de modo a justificar os seus intentos intervencionistas.

No segundo editorial sobre o tema, publicado dia 18 de dezembro e que tem o sugestivo título de “A exumação de uma ameaça11”, o jornal traz uma avaliação geral da Confecom, segundo seu ponto de vista. No texto, fala-se da atuação dos “movimentos sociais” (assim mesmo, entre aspas no editorial), que teriam participado do evento “com a ideia fixa de se utilizar dele para levar adiante suas recorrentes tentativas de arrear a imprensa livre”. Mais uma vez o argumento da ameaça à liberdade de imprensa.

Em seguida o texto procura demonstrar que uma das propostas aprovadas durante a Confecom, a criação do Conselho Nacional de Jornalismo (CNJ), é extremamente “nefasta” para a sociedade, uma vez que também funcionaria como um mecanismo de controle da mídia e, consequentemente (segundo a lógica do jornal e da maioria dos grandes veículos da mídia), uma ameaça à liberdade de imprensa.

Escaldados pelo fracasso anterior, os autores da proposta - aprovada por consenso na Confecom - cuidaram desta vez de expurgar do seu texto os aspectos mais claramente nefastos da versão original. Ficaram esmaecidas, por exemplo, as passagens que conferiam ao CNJ a prerrogativa de "orientar" a produção jornalística no âmbito das empresas de comunicação. Segundo o vice-presidente da Fenaj, Celso

11

A exumação de uma ameaça. Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo, 18 de dezembro de 2009. Também disponível em http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20091218/not_imp484036,0.php.

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Schröder, o Conselho fiscalizará o trabalho do jornalista - uma formulação suficientemente vaga para comportar intromissões as mais variadas nos procedimentos que regem esse trabalho no dia a dia das redações, dando indiretamente à Fenaj, que decerto tratará de controlar a composição do colegiado, uma soma de poderes espúrios.

Também há menção no texto às supostas similaridades existentes entre as propostas aprovadas na Confecom e as políticas restritivas à mídia e curso em alguns países latino-americanos. Segundo o texto

[...] sob uma ou outra roupagem, as restrições à liberdade de imprensa se intensificaram assustadoramente nos países vizinhos - da Argentina à Venezuela, passando pela Bolívia e o Equador. Mais uma razão para levar a sério a nova sortida da Fenaj, em que autoritarismo e corporativismo se combinam de forma ominosa para manietar a mídia.

Estranhamente, ou nem tanto, no editorial do jornal O Globo12, também publicado em 18 de dezembro, notam-se basicamente os mesmos argumentos utilizados nos editoriais do Estado de S. Paulo. O texto tem o título de “Cartas marcadas” começa com a justificativa para a não-participação das entidades patronais na Confecom, alegando que os empresários teriam condicionado sua participação no evento à retirada da pauta de discussões de propostas inconstitucionais, ou, nas palavras do próprio jornal, que “vão contra a liberdade de imprensa e expressão, procuram intervir nas redações e criar obstáculos à ação da iniciativa privada nos meios de comunicação”.

Em seguida, o texto define a Confecom como um “wishful thinking em que grupos de esquerda, corporações sindicais, ONGs, movimentos ditos sociais e similares desenharam o seu país ideal, na tentativa de influenciar a sociedade”, demonstrando um claro descaso com o evento.

E também no editorial de O Globo, há a crítica à criação do Conselho Federal de Jornalismo, chamado de

[...] uma entidade paraestatal sugerida no primeiro mandato de Lula, com poderes para cassar registro de profissionais, a serem julgados

12Cartas Marcadas. Jornal O Globo, Rio de Janeiro, RJ, 18 de dezembro de 2009. Também disponível em

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por algum “conselho de ética”, certamente composto por comissários, algo inspirado no livro “1984”, de George Orwell.

Outro ponto em comum com o editorial do Estado de S. Paulo é a referência aos projetos de controle da mídia em outros países latino-americanos. O texto cita a Lei de Meios, aprovada pelo Congresso argentino e que teria por objetivo “desmontar empresarialmente os grupos de comunicação mais fortes do país” e o Equador, que também teria ma lei semelhante em tramitação.

É interessante notar a finalização do texto, onde o jornal coloca-se como paladino dos interesses da sociedade. Nas palavras do O Globo:

No Brasil, as instituições são fortes e sólidas o suficiente para defender a liberdade de imprensa e expressão, bases da democracia. Mesmo que as investidas sejam feitas sob o disfarce de “controles sociais” ou outros eufemismos.

Essa “defesa” da sociedade serve como uma forma de mascarar os reais interesses do veículo. Devemos lembrar que os veículos de comunicação são também empresas, cujos interesses econômicos podem ser prejudicados efetivamente caso ocorram mudanças profundas nas políticas de comunicação brasileiras. Embora possa se questionar a eticamente o comprometimento do veículo com interesses privados, não se pode esquecer que numa sociedade democrática qualquer cidadão ou entidade tem o direto de atuar como ator político e defender seus próprios interesses.

No caso dos veículos analisados, apenas no caso da cobertura da Rede Bandeirantes os interesses particulares foram explicitados pelo próprio veículo, ao divulgar e defender abertamente as propostas da Abra. Os demais preferiram usar a bandeira genérica da defesa à liberdade de imprensa e questionar a validade da Confecom.

Arena e ator

Ainda existem muitos vazios teóricos sobre a relação entre mídia e política. Basta lembrar que os estudos na área são recentes no Brasil. Para autores como RUBIM

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415 e AZEVEDO13 tais estudos surgem a partir da década de 1970, mas só após a abertura política e a redemocratização do país do início da década de 80 é que as pesquisas na área ganham força. A eleição presidencial de 1989 teria dado um impulso ao tema, ajudando a “a conformar um campo de estudos sobre comunicação e política no país, perpassado por olhares sintonizados com esta nova circunstância de sociabilidade midiatizada14”.

Mas mesmo com o aumento no número de pesquisas, segundo MIGUEL15, os meios de comunicação não são colocados no cerne das discussões, aparecendo apenas como elementos de menor importância. Para o autor, em primeiro lugar, isto seria reflexo direto da visão reducionista que percebe a comunicação como mera informação, como “provimento de dados acurados sobre a realidade”, que poderiam ter algum papel nas decisões eleitorais, mas que não precisariam ser analisadas detidamente, pois seriam apenas mais um canal de informação (dados) disponível. Tal visão esquece totalmente a importância dos meios de comunicação na formação de representações da realidade, que por sua vez interferem nas práticas individuais.

Também seria problemática a redução da política democrática à um mero processo de escolha, em que se eliminam totalmente a construção de vontades e interesses coletivos, uma vez que o processo de formação das preferências que se manifestam na hora do voto são consideradas apenas na esfera privada. MIGUEL alerta que “o aspecto comunicativo da atividade política é esvaziado. (...) toda a atividade política que é esvaziada, por uma visão de mundo que a coloca como absolutamente secundária em relação à esfera privada”16.

Por esses fatores MIGUEL considera fundamental que a mídia colocada “numa posição central na arena política”, uma vez que “os meios de comunicação são os principais canais de acesso dos cidadãos às informações de que precisam para agir na esfera pública” e também porque são o “principal instrumento dos líderes políticos para a divulgação de suas mensagens”17.

Ainda é preciso notar que os meios de comunicação não devem ser vistos apenas

13

RUBIM, Antonio Albino Canelas; AZEVEDO, Fernando Antônio. Mídia e política no Brasil: textos e agendas

de pesquisa, in: Revista Lua Nova, nº 43, 1998. p. 190. 14 Op. cit., 192.

15 MIGUEL, Luis Felipe. Um ponto cego nas teorias da democracia: os meios de comunicação. In: Revista

Brasileira de Informação Bibliográfica. Rio de Janeiro, nº 49, 1º semestre de 2000.

16 Op.cit., p. 57 17

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416 como canais ou arenas para o debate político, mas também atores políticos e econômicos no sentido em que defendem seus próprios posicionamentos e interesses. Na história da mídia brasileira há diversos exemplos dessa atuação política.

Em diversos momentos da história brasileira os meios de comunicação. Como aponta LIMA18, um dos exemplos seria atuação da TV Globo durante o período da abertura. Segundo o autor, “A presença da Rede Globo de Televisão como importante ator em momentos decisivos do processo político brasileiro deveria constituir-se em tema de interesse para estudiosos das relações entre mídia e a política”. No caso da TV Bandeirantes, a insistência em defender os posicionamentos da Abra, entidade formada por ela e apenas mais um veículo de comunicação e presidida por João Carlos Saad, também presidente do Grupo Bandeirantes, e o quase aparente descaso em tratar das propostas das outras entidades envolvidas na Confecom evidencia que a existência de interesses bem claros. Já a influência dos interesses privados na produção dos outros veículos analisados é mais difícil de se identificar, mas pode ser exemplificada na tentativa de desqualificação dos debates da Confecom (que contaram com representantes de todos os segmentos da sociedade) e no ataque a todas as propostas que supostamente poderiam colocar em jogo a “liberdade de imprensa”, ou seja, à não-regulamentação social dos veículos.

Considerações Finais

Como já foi dito, é incontestável que os veículos de comunicação podem defender seus posicionamentos econômicos e políticos. O que se pode questionar é o mascaramento desses interesses particulares em interesse de todos.

Quando o veículo assume seu posicionamento claramente, o leitor/espectador já tem ao menos uma pista de como ler/assistir o material veiculado. Mas dificilmente isso ocorre e o que se vê são discussões fragmentárias, parciais ou mesmo inexistentes sobre um tema que afetará diretamente sua relação futura com os meios de comunicação.

Interessante notar ainda que ao assumir a defesa dos seus interesses os veículos dão-se o direito de quebrar ou modificar princípios, que sabemos serem utópicos, mas que ainda sim são usados pelos próprios veículos de comunicação para caracterizar o

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417 “bom jornalismo”, como imparcialidade e objetividade. Vale quebrar as regras, desde que seja em interesse próprio.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão, seguido de A influência do jornalismo e Os Jogos Olímpicos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997.

ESTADO DE S. PAULO. A exumação de uma ameaça. Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo, 18 de dezembro de 2009. Disponível em

<http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20091218/not_imp484036,0.php>. Acesso em 10 jun 2010.

ESTADO DE S. PAULO. Os perigos da Confecom. Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo, 16 de dezembro de 2009. Disponível em

<http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20091216/not_imp482665,0.php>. Acesso em 10 jun 2010.

GOMES, Mayra Rodrigues. Poder no Jornalismo. São Paulo: Hacker e Edusp, 2003. JORNAL NACIONAL. Conferência de Comunicação debate controle social da mídia e nova lei de imprensa. Disponível em

<http://jornalnacional.globo.com/Telejornais/JN/0,,10406-p-14122009,00.html>. Acesso em 10 jun 2010.

LIMA, Venício A.. Mídia: teoria e política. São Paulo: Editora da Fundação Perseu Abramo, 2001.

MIGUEL, Luis Felipe. Um ponto cego nas teorias da democracia: os meios de comunicação, in: Revista Brasileira de Informação Bibliográfica, nº49, 1º semestre de 2000.

O GLOBO. Cartas Marcadas. Jornal O Globo, Rio de Janeiro, RJ, 18 de dezembro de 2009. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2009/12/18/cartas-marcadas-915272564.asp>. Acesso em 10 jun 2010.

RUBIM, Antonio Albino Canelas (org.) Mídia e política no Brasil. João Pessoa: Editora Universitária, 1998.

SZPACENKOPF, Maria Izabel Oliveira. O olhar do poder: a montagem branca e a violência no espetáculo telejornal. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

Referências

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