Universidade
Católica de
Brasília
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO
Mestrado
A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE NÚMEROS
FRACIONÁRIOS ORDINAIS POR RECONSTRUÇÃO E
RESSIGNIFICAÇÃO DE EXPERIÊNCIA
Autora: Edilene Simões Costa dos Santos
Orientador: Profa. Dra. Paola Biasoli Alves
A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE NÚMEROS FRACIONÁRIOS ORDINAIS POR RECONSTRUÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO DE EXPERIÊNCIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Ensino e Aprendizagem da Universidade Católica de Brasília – UCB, como requisito parcial a obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Paola Biasoli Alves
POR RECONSTRUÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO DE EXPERIÊNCIA”, requisito
parcial para obtenção de grau Mestre em Educação, defendida e aprovada 20 de
maio de 2008 pela banca examinadora constituída por:
_____________________________________________________
Professora Doutora Paola Biasoli Alves
Orientadora
_____________________________________________________
Prof. Dr. José Florêncio Rodrigues Júnior
_____________________________________________________
Professor Doutor Cristiano Alberto Muniz
A Deus, por seus olhos estarem constantemente me indicando o
caminho certo a seguir. Por ter me sustentado nos momentos
impossíveis a mim.
Aos meus familiares e amigos que, de uma forma ou outra, tem
contribuído para que meu caráter seja forjado.
Ao meu esposo, pela sua amizade e compreensão e por me amar como
sou, com minhas limitações e nunca ter exigido mais do que posso ser.
Aos meus filhos tudo na vida tem feito sentido e valido a pena por eles
existirem e serem quem são.
À minha amiga Najla Veloso Barbosa, por ter sido um anjo constituído
por Deus para me abençoar. Por ser uma amiga que conhece o nível de
batalha que enfrento e sempre permanece por perto me ajudando,
como um verdadeiro anjo. À professora Paola Biasoli Alves pela
orientação, compreensão e amizade.
À professora Therezinha Monteiro, pelos seus ensinamentos e por me
proporcionar momentos belíssimos de reflexão sobre a Teoria de Piaget
e suas idéias sobre a construção do conhecimento.
Ao professor Cristiano Muniz, por tanto amor dedicado à Educação
Matemática e por valorizar cada pessoa em suas potencialidades.
Ao professor Florêncio Júnior, por aceitar prontamente fazer parte da
banca examinadora do meu trabalho.
Aos meus amigos que são pessoas maravilhosas - a grande maioria
envolvida na Educação e apaixonada pelo que fazem.
Às professoras, à diretora e aos educandos que fizeram parte da
pesquisa, pelo carinho, confiança e compromisso com o meu trabalho.
Principalmente, à professora Cidnéa Pires Santoro que possibilitou a
A escola não muda o mundo.
A escola muda pessoas.
Esta dissertação apresenta um estudo sobre os indícios da construção do conceito de números fracionários ordinários por reconstrução e ressignificação de experiência, em dois grupos de estudantes do quinto ano do Ensino Fundamental, numa escola pública do Distrito Federal. Os grupos, experimental e controle, foram avaliados por meio de pré-teste e pós-teste. Desse modo, foram realizadas vinte e cinco intervenções pedagógicas com atividades programadas nos moldes do desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e moral, tendo como base o reaproveitamento das experiências desses alunos e pelo jogo de regras, cujo intuito é o de realizar com mais facilidade as atividades propostas, levando à descentralização de perspectivas e socialização do pensamento. Assim, o grupo experimental realizou as atividades utilizando-se das operações direta, inversa, associativa, comutativa e idêntica, cumprindo-as nos níveis prático, intuitivo e operatório. As relações feitas pelos estudantes entre os dois exercícios foram reconstruídas por desenhos, relatórios e problemas que eles mesmos elaboraram. Destarte, os resultados apresentados por esse grupo nos testes revelam a importância da atuação do educando nas atividades de aprendizagem por meio da reconstrução e ressignificação de experiência para que ocorra uma aprendizagem significativa.
This research shows data from a quasi-experimental study about the construction of fractionary ordinary number concept in a reconstruction and “remeaning” experience in two groups in fifth year of Elementary School, in a Distrito Federal's public school. The experimental and control groups were assessed by mans of a pre-test and pos-test, both from the same public school. In the experimental group there were twenty-five pedagogic processes with scheduled activities based on cognitive, affective and moral development through the reconstruction of experiences and with a game of rules, which take to several perspectives, to a changing of thinking. The results showed by the experimental group in tests indicate the relevance of the student enjoys in the pedagogic activities centered on the reconstruction and the “remeaning” of experience to happen a very meaningful learning.
Introdução 9
Objetivos 14
1- Objetivo geral 14
2- Objetivo específico 14
Capítulo I: Revisão Teórica 15
1- Construtivismo: uma breve reflexão 15
2- Cognição, Afetividade e Matemática: Conceitos e desdobramentos no contexto escolar
18
3- Operações, Experiência e Gênese do número: Implicações Psicopedagógicas
26
4- Os jogos de regras em Jean-Piaget e suas implicações para a matemática
30
5- O conceito dos números fracionários 35
Capítulo II: Os caminhos da pesquisa: Referencial metodológico 39
1- Sujeitos 39
2- Material 40
3- Procedimentos 40
3.1- Coleta de dados 41
3.2- Procedimentos didáticos 41
4- Descrição da utilização do material por meio da realização das atividades programadas: Um breve exemplo
42
Capítulo III: Resultado 45
Capítulo IV: Discussão dos Resultados 60
Considerações Finais 68
Referências 70
Apêndice A - Pré-teste 76
Apêndice B - Pós-teste 77
Apêndice C -Exemplos de atividades realizadas nas intervenções pedagógicas
78
Anexo A- Definição Operacional de Termos das Pesquisas em Jean Piaget 90
INTRODUÇÃO
A concepção de educação como direito universal subjetivo consagra a
escola pública como um espaço de garantia do direito ao acesso, permanência e
sucesso na vida escolar. Os debates e reflexões nesse campo foram intensos ao
longo da segunda metade do século XX, contribuindo para a revisão do papel da
escola diante das mudanças em curso. Os conhecimentos acumulados sobre a
educação, aliados ao avanço do processo de construção da democracia,
tornaram possível a compreensão de questões fundamentais para a superação
dos grandes conflitos da educação que configuram a negação do direito basilar de
acesso e permanência dos alunos na escola. A partir dessa premissa, pode-se
afirmar que a escola, por si, desempenha papel parcial na formação do cidadão,
preparando-o, instrumentalizando-o e dando-lhe condições para que possa se
formar e se instruir. Para isso, a escola precisa estar situada na realidade
histórica que, até certo ponto, condiciona a realidade educacional. Assume-se,
assim, que a escola participa na formação dos indivíduos e apresenta-se como
uma possibilidade para o acesso ao conhecimento, para dominar os princípios do
desenvolvimento científico e sua aplicação por meio da tecnologia, devido ao
papel crescente desempenhado pelo saber científico e tecnológico na sociedade
do conhecimento (MORIN, 2003).
Para Goleman (1995), a escola é um lugar ao qual as comunidades podem
recorrer em busca de corretivos para as deficiências das crianças e adolescentes
em competições emocional e social. Isso não quer dizer que as escolas, sozinhas,
possam substituir todas as instituições sociais que, demasiadas vezes, já estão
no ou se aproximam do colapso; ao contrário, sofre influência delas. Mas, como
praticamente toda criança vai à escola, esta deve oferece um lugar para os
valores éticos e morais, bem como a afetividade chegarem às crianças. Isso
ocorre por meio de lições básicas para viver, que talvez elas não receberiam
nunca em outra parte. Os educandos necessitam compreender como se
organizam a sociedade e as classes sociais; como a cidade e o campo se
desenvolvem em função das relações fundamentais do mundo da produção;
ciência e da técnica no mundo moderno para definirem sua atuação na
sociedade.
A escola, por sua vez, será um agente de transformação quando
proporcionar às classes desfavorecidas econômica e culturalmente,
conscientização e condição de esclarecimento de seus direitos e deveres na
sociedade moderna, como também, devolver-lhes suas competências sociais. O
sistema educativo tem por missão explícita ou implícita, preparar cada um para
participar ativamente num projeto de sociedade. A preparação do educando para
participação social ativa como cidadão tornou-se, para a educação, uma missão
de caráter geral (DELORS et al.,1998).
Especificamente, no que se refere ao ensino-aprendizagem da matemática,
para D’Ambrósio (1986), a infalibilidade da matemática transformou-a num eficaz
instrumento de dominações desde a Grécia Antiga. A matemática tem sido
apresentada aos educandos de forma organizada, geral, descontextualizada, com
rigor lógico, parecendo bastar-se a si própria, e seus conceitos e teorias parecem
atender necessidades interiores. De acordo com Imenes (1989), a matemática
apresenta-se fechada, relacionando-se somente consigo mesma; a matemática
só pertence ao mundo da matemática, o ambiente em que a matemática se
desenvolve é o da própria matemática, a matemática surge de matemática. Os
altos índices de reprovação e baixo desempenho dos alunos em matemática nos
testes do Sistema de Avaliação da Educação Básica - SAEB (BRASIL, 1995,
1997, 1999, 2001, 2003, 2005) comprovam essas assertivas. Vale lembrar que o
SAEB realiza, de dois em dois anos, provas de português e matemática com
alunos de quarta série e oitava série do ensino fundamental (quinto e nono anos
no currículo atual) e com alunos do terceiro ano do Ensino Médio.
Ao realizar um levantamento por meio dos dados do SAEB (BRASIL, 1995,
1997, 1999, 2001, 2003, 2005) junto às escolas de Ensino Fundamental em
qualquer parte do país, constata-se um baixo desempenho em matemática, que
assume uma posição especial no pódio da repetência e da desistência, o que só
aumenta a mistificação de se tratar de uma matéria difícil, portanto só acessível
aos alunos “dotados de uma inteligência fabulosa”.
Os resultados do SAEB (BRASIL, 1995, 1997, 1999, 2001, 2003, 2005) têm
demonstrado as dificuldades que os alunos sentem no aprendizado da
devem passar por indagações e verificações com o objetivo de instituir
possibilidades que favoreçam a construção dos conceitos matemáticos pela
criança.
Wadsworth (1997) analisa o ponto de vista piagetiano sobre o
desenvolvimento e a aprendizagem da matemática e dos conceitos de ciências:
para o autor pesquisado, o desenvolvimento da lógica e do raciocínio matemático
é indistinguível do desenvolvimento da inteligência ou do raciocínio lógico em
geral. À medida que se dá o desenvolvimento cognitivo, assim também ocorre a
capacidade de desenvolver conceitos matemáticos, que requerem aplicação das
operações concretas e formais. As crianças possuem habilidades para
compreender matemática, mas muitas não a compreendem, devido ao método de
ensino meramente verbal; a criança não constrói conhecimento, ela observa a
construção realizada pelo professor. Portanto, o fracasso dos alunos em
desenvolver compreensão da matemática não implica em qualquer falta de
inteligência ou habilidade para desenvolver os conceitos, mas resulta de um tipo
de ensino ao qual as crianças são expostas nas escolas.
Os problemas referentes ao ensino e à aprendizagem da matemática no
Brasil são muitos e diversificadas são as causas do fracasso escolar nessa
disciplina, como por exemplo: as características inerentes e intrínsecas à
disciplina, a concepção do que é a matemática e a falta de transposição didática,
a formação deficitária do professor, a concepção que o aluno forma sobre a
matemática, o papel social desta área de conhecimento, as metodologias de
ensino, a desvalorização do professor, a avaliação que privilegia o produto final e
não o processo, entre outras. Deve-se lembrar que essas causas são
concomitantes e reveladoras do insucesso escolar, mas não o explicam por si só.
No entanto, apresentam como efeito os baixos rendimentos verificados nos
resultados de avaliações como o Sistema de Avaliação da Educação Básica -
SAEB. Dentro desse contexto, pode-se perceber que o desenvolvimento de
habilidades básicas em matemática vem se mostrando insuficiente. As médias,
que variam no intervalo de zero a quinhentos, vêm apresentando queda
significativa desde 1995 que apresentou, em matemática, média 281,9. Em 1997,
foi igual a 288,7 em 1999, a média foi 280,3 e em 2001, o valor alcançado foi
278,7. Em 2005, volta a cair para 271,3. (SAEB-BRASIL, 1995, 1997, 1999,
2001, 2003, 2005).
No Distrito Federal o quadro não apresenta muita diferença, sendo a média
de matemática na quarta série do Ensino Fundamental em 1995 igual a 198,2; em
1997 foi igual a 191,5. Em 1999 a média caiu para 185,5 apresentando um
aumento para 197,5 em 2001. No ano de 2003 a média foi igual a 200,7; em 2005
a média subiu um pouco indo para 208,4, essa foi melhor média do país.
Ao analisar o quadro apresentado sob o olhar da psicogenética, estuda a
aquisição pela criança das formas de pensamento, pode-se apontar como causa
dos baixos índices de ensino em matemática o desconhecimento da natureza do
conceito e de como o sujeito constrói esse conhecimento. A psicogênese da
construção do conhecimento não tem sido utilizada com freqüência na seleção
dos conteúdos, na formação dos currículos e nas atividades escolares. O ensino
da matemática tem sido determinado em função da estrutura da disciplina, da
lógica formal e dedutiva, incompatível com o desenvolvimento do pensamento
(D’AMBROSIO, 1986; IMENES, 1989;MONTEIRO 2006)
Jean Piaget explica, por meio de estudo longitudinal, como o indivíduo,
desde o seu nascimento, constrói o conhecimento. Assim, este não é inato ou
dado pronto e acabado, mas se constitui, por força da ação do sujeito e pela sua
interação, com o meio físico e social. A construção do conhecimento se processa
pela ação do sujeito, pela coordenação das ações (as operações), que se
constituem como base da aprendizagem e do desenvolvimento humano (PIAGET,
1975). No entanto, Piaget não faz tal explicação no nível pedagógico, cabendo
aos educadores a missão de experimentar novas formas de proporcionar a
aprendizagem aos seus educandos. Muitos professores têm-se utilizado do
ensino verbal e da estrutura rígida da disciplina, no caso da matemática. Segundo
Monteiro (2007), o professor, após analisar os princípios genéticos, implícitos no
desenvolvimento nas várias dimensões do conhecimento, afetiva, cognitiva, social
e moral, deve programar atividades que possam levar o aprendente a construir
conceitos nos parâmetros da reconstrução e ressignificação de experiências, com
autonomia no agrupamento das operações, levando à interdisciplinaridade e à
dialética entre significantes e significados. Isto porque a motivação, intrínseca à
aprendizagem, depende da programação de tais atividades que levam os
De acordo com Monteiro (2007), aprofundando estas idéias no espaço da
psicopedagogia, pode-se dizer que: somente avaliar o repertório do educando
sem objetivos de novas aprendizagens é pouco ético na perspectiva da
psicopedagogia construtivista, pois evitar o sofrimento do fracasso escolar ou
remediar as conseqüências de uma aprendizagem de má qualidade é propiciar a
construção significativa do conhecimento.
Neste sentido, justificou-se a realização desta pesquisa de mestrado,
objetivando trazer novos elementos teóricos e práticos que contribuam para a
melhor qualidade do cotidiano educativo dos professores do quinto ano do Ensino
Fundamental, orientando o sucesso e permanência das crianças na vida escolar.
E, também, pela necessidade de se criar condições para que a criança explore o
universo vivido por meio de novos elementos teóricos e práticos que contribuam
para a melhoria da qualidade da prática educativa no que se refere ao ensino e
aprendizagem da matemática, em especial, o conceito de frações. Para tanto,
fundamentou-se na psicopedagogia da interação social, por coordenação de
ações, reconstrução e ressignificação de experiências, cujo objetivo é construir e
reconstruir o conhecimento nos parâmetros dos diferentes níveis de
desenvolvimento da inteligência, como: nível sensório-motor, intuitivo ou do
pensamento por imagens, operatório concreto, operatório formal (MONTEIRO,
OBJETIVOS
Objetivo Geral
Analisar os indícios da construção do conceito de números fracionários por
reconstrução e ressignificação de experiências.
Objetivos Específicos
• Realizar um estudo quase-experimental sobre a construção do conceito de frações segundo duas variáveis: (a) assimilação nos parâmetros do grupo
e (b) reconstrução e ressignificação de experiências na construção do
raciocínio verbal;
• Sistematizar atividades nos moldes do desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e moral por meio da reconstrução de experiências programadas;
• Programar atividades de transição da inteligência prática para a inteligência verbal por meio de desenhos;
• Identificar as vantagens da reconstrução e da ressignificação de experiências por meio da linguagem escrita sob a forma de relatórios e
Capítulo I: Revisão Teórica
I - Construtivismo: Uma breve revisão
O construtivismo, constituirá a base teórica deste trabalho, uma vez que se
caracteriza como uma corrente teórico-metodológica com trabalhos datados na
década de 1920, mas que tem ascensão na década de 1970, tendo em Jean
Piaget (1896-1980) seu representante mais influente e conhecido. Tem por base a
epistemologia que valoriza a ação sobre os objetos concretos como sendo a fonte
do conhecimento humano e contrapõe-se ao inatismo, que coloca o centro da
produção no próprio sujeito, e também ao empirismo, que, por sua vez, vê a
realidade exterior ao sujeito que aprende como fonte de todas as suas
explicações. O inatismo e o empirismo, embora opostos entre si, têm em comum
a passividade do sujeito enquanto que no construtivismo o sujeito é ativo.
Segundo Pozo (2002), as origens filosóficas do construtivismo se assentam
na teoria do conhecimento elaborada por Kant no século XVIII e em algumas
teorias psicológicas é possível perceber a ligação com as tradições
construtivistas: Gestalt, pelas leis da percepção e do pensamento; Piaget, pela
construção do conhecimento pelo indivíduo em interação com o meio físico e
social; Vygotsky, pela construção social do conhecimento; Psicologia da Instrução
Atual, pela construção de domínios específicos de conhecimento.
Para o construtivismo, a construção do conhecimento é resultado de
relações estabelecidas entre o homem e o meio social e físico que engendram o
processo cognitivo no qual o que se aprende depende também de conhecimentos
prévios. Trata-se de um processo espiral e dinâmico que garante uma mudança
quantitativa e qualitativa do conhecimento. Assim, aprender significa construir
modelos para interpretar a informação recebida, fundada na ação (LA TAILLE,
2004).
Ao trazer a perspectiva da construção do conhecimento em processos
fundamentadas em três eixos: a relação entre indivíduo e sociedade da qual
resulta a interação dialética do homem com o seu meio sócio-cultural; o
desenvolvimento mental humano como dependente do desenvolvimento histórico
e das formas sociais da vida humana e a afirmação de que a estrutura do cérebro
e o seu modo de funcionamento são definidos ao longo da história do
desenvolvimento da espécie e do indivíduo (BITTAR; FERREIRA JÚNIOR, 2000).
Assim, segundo Rego (1995), dentro da perspectiva vygotskyana, construir o
conhecimento implica na ação compartilhada, uma vez que, por meio dos outros
as relações entre sujeito e objeto são estabelecidas. A relação social é condição
essencial para o contexto de aprendizagem por meio dos confrontos entre os
pontos de vista divergentes (diferentes comportamentos, experiências, contextos
familiares, valores, crenças, mitos, nível de conhecimentos, entre outros) que
implicam em uma divisão de tarefas e na vivência de distintos papéis sociais.
Conectando estas idéias ao contexto escolar, pode-se dizer que cabe ao
educador promover essas interações sociais no âmbito escolar tendo o aluno
como sujeito ativo no seu processo de conhecimento.
Para Piaget (1979), o conhecimento se constrói na interação do sujeito com
o objeto e com o outro, ou seja, é a relação de interdependência entre o homem e
o objeto de conhecimento (pessoas e coisas). A inteligência, do ponto de vista
estrutural, constitui uma atividade organizada dos processos, cujo funcionamento
prolonga o da organização biológica e o supera, graças à elaboração de novas
estruturas. Assim, o crescimento da inteligência se dá pela reorganização da
própria inteligência. A organização é coerência formal, inseparável da adaptação
que, por sua vez, é o equilíbrio entre assimilação e acomodação. Essas
afirmações permitem a explanação seqüente.
De acordo com Monteiro (2005), a Interação Social por Coordenação de
Ações, por Reconstrução e Ressignificação de Experiências permite a tradução
das relações práticas em relações simbólicas mentalmente representadas. A
reconstrução e a ressignificação de experiências ocorrem por meio das interações
dialéticas entre significantes e significados. A construção do conhecimento
envolve aspectos figurativos e aspectos operativos, esquemas de assimilação
organizados pela coordenação de ações, futuras estruturas lógico-matemáticas.
Assim, no contexto pedagógico, é possível ao professor programar atividades
do objeto por deslocamentos espaciais. As construções do símbolo e do signo
representam as dimensões individual e social implícitas na diferenciação entre
II- Cognição, afetividade e matemática: Conceitos e desdobramentos no contexto escolar
A educação pode ser um fator de coesão social se considerada a
diversidade dos indivíduos e dos grupos humanos. Nenhuma política de
educação, portanto, pode provocar por si mesma, situações de exclusão, uma vez
que o insucesso escolar origina, muito freqüentemente, uma exclusão maior, no
âmbito social. A escola é, essencialmente, responsável pela evolução cultural das
massas. Para tanto, necessita definir-se politicamente e assumir seu papel frente
às demandas da sociedade. Nesse sentido, deve trabalhar com os diferentes
comportamentos presentes na condição humana: a agressividade, a sexualidade,
o medo, a alegria, a tristeza, a dúvida, a afetividade, os sentimentos de perda, as
crenças, os desejos e tantos mais (FÁVERO, 2005; HUETE; BRAVO, 2006).
No que diz respeito ao ensino-aprendizagem da matemática, esse se tem
constituído em um dos mais importantes instrumentos de discriminação e
exclusão na sociedade da informação, na qual são definidas as classes dos
educandos aprendizes de matemática e a classe dos que não são capazes de
dominar os códigos matemáticos. Na tentativa de consolidar novo contexto social
de aprendizagem desse campo do conhecimento, pesquisadores e estudiosos
têm buscado estabelecer uma interação entre cognição e afeto no
ensino-aprendizagem da matemática (CHACÓN, 2003).
Chacón (2003) refere-se a diferentes formas de conhecimentos mediados
na cognição matemática diante da interpretação global do afeto de cada sujeito.
Nesse sentido, tem os valores e as crenças como elementos de influência
determinante na seleção dos conhecimentos, nas circunstâncias e nas condições
de aprendizagem dos sujeitos. Para esta autora, o auto-conceito do aprendiz de
matemática está relacionado às atitudes, à visão do mundo matemático e à
identidade social deste campo do saber que ele construiu ao longo de suas
relações com a matemática. Desse modo, os processos de aprendizagem e de
construção do conhecimento matemático envolvem muito mais que a natureza
cognitiva do sujeito; envolvem a questão de como se consolidam e de quais são
os valores sociais que permeiam as informações e os procedimentos da
aprendizagem (CHACÓN, 2003; FÁVERO, 2005). Há que se considerar, ainda, a
capacidades e motivações para aprender, o que supõe uma adaptação
individualizada dos sujeitos aos objetivos, conteúdos, métodos de ensino,
organização da aula, avaliação, dentre outros. Também, Morin (2003), quando
discorre sobre os setes saberes necessários para a educação do futuro,
considera o mundo em processo de civilização, no qual o desenvolvimento da
inteligência é inseparável da afetividade, isto é, da curiosidade e da paixão.
Portanto, a escola, para promover a aprendizagem da matemática para
todos, precisa ser eficiente em oferecer um ensino de qualidade aos seus
educandos, atendendo às potencialidades de cada um e tendo a consideração da
diversidade como uma medida inclusiva. A diversidade, na perspectiva da
reconstrução de experiências, apresenta-se como instrumento de inclusão e
aprendizagem por meio da interação social da cooperação e da colaboração entre
os pares. Por meio do tripé currículo, aprendizagem e ensino, ela constitui-se em
um espaço essencial para a afetividade e a motivação serem trabalhadas,
também no campo da matemática. Nessa perspectiva de educação, a escola
desempenha importantíssimo papel na consolidação do sujeito quando possibilita
a construção de saberes, resgata a matemática como atividade humana -
produzida e aplicada em contextos socioculturais - e minimiza a possibilidade de
tornar-se um fator de exclusão social (D’AMBROSIO, 1986; IMENES, 1989).
No que tange à cognição, deve-se observar a organização, funcionamento
e gênese das estruturas cognitivas. Esses fatores estão presentes nas obras de
Piaget. Sob o prisma de um intervalo de tempo em relação ao desenvolvimento
da cognição, parte-se do princípio de que “a natureza de uma realidade viva não é
revelada unicamente por seus estados iniciais nem por seus estados terminais,
mas pelo processo de sua transformação. O que importa é a lei da construção,
isto é, o sistema operatório em sua constituição progressiva”, (MONTEIRO, 2005).
Na epistemologia genética, segundo Piaget (1974), as estruturas
operatórias mais gerais estariam condicionadas por determinadas necessidades
funcionais próprias a toda organização viva. É talvez em um funcionamento desta
natureza que reside o segredo da construção indefinida dos esquemas mentais e,
finalmente, dos esquemas lógico-matemáticos”.
Sobre o prisma dessas citações de Piaget pode-se pontuar que na ação
concreta, ou seja, na interação entre o ser humano e os objetos físicos e sociais,
dessas formas para alcançar seus objetivos e, por meio delas, tenta mostrar a
continuidade entre a vida e o pensamento. Sendo assim, toda ação concreta
comporta dois aspectos: a) um aspecto particular ligado às características de
cada situação vivenciada. Nesse sentido, a ação do sujeito deve ser ajustada,
levando em conta as particularidades do objeto sobre o qual esta ação está sendo
exercida, deve-se acomodar ao objeto; b) uma ação não é completamente nova e
nem completamente diferente de outras ações possíveis que o organismo seja
capaz de exercer. Do ponto de vista do conhecimento, em cada ação há um
esquema que pode ser generalizado para diferentes situações.
Em uma perspectiva estrutural, os estágios de desenvolvimento para
Piaget (1975), são marcados por fases bem distintas que não possuem a
finalidade de classificar as crianças e tão pouco apontar o que elas podem ou não
aprender nas diferentes idades cronológicas, mas verificar como elas
posicionam-se no ambiente de aprendizagem e como o conhecimento é construído por meio
de reconstrução de experiências. No entanto, é relevante mostrar que as idades
indicadas no resumo a seguir são meramente ilustrativas, correspondendo às
originais estabelecidas pelo autor há mais de 30 anos.
. Sensório-motor (0 a 2 anos): Nesse período as ações passam por fases bem
definidas: 0-1 mês = fase reflexa; 1-4 meses = reações circulares primárias
(RCP); 4-8 meses = reações circulares secundárias (RCS); 8-12 meses =
coordenação dos esquemas secundários; 12-18 meses = reações circulares
terciárias (RCT); 18-24 MESES = esquema simbólico (aparecimento da função
simbólica). O que permite uma exploração tátil dos objetos, que começa pela
sucção, preensão, até conseguir pegar e sentir. Inicia-se, de modo incipiente, os
processos de classificação dos objetos em sugáveis e não sugáveis. As reações
organizam-se em esquemas. Essas reações são fortalecidas pela entrada da
informação relativa às dimensões do objeto. (textura, cor, som, entre outros) com
processamento no sistema nervoso central (PIAGET, 1970).
. Intuitivo-simbólico (2 a 7 anos): Reconstrução de experiências do primeiro ano
de vida. Nesse período, os processos de diferenciação são reconstruídos, com a
solução do realismo nominal, uma vez que os nomes são confundidos com os
espontâneos na construção do símbolo e do signo nesse período (Monteiro,
2003). Até os seis anos de idade, a imagem é construída por atividades
exploratórias do objeto, não se observando a conservação de quantidades
contínuas nem descontinuas. À medida que a criança se aproxima dos sete aos
oito anos de idade, o pensamento vai se tornando reversível, havendo um declínio
do jogo simbólico em favor do jogo de regras.
. Operatório concreto (7 a 11, 12 anos): Reconstrução das experiências dos
dois estágios anteriores. Nesse período, a criança torna-se capaz de classificar os
objetos pelo gênero e pela diferença específica. Ocorre a coordenação entre
compreensão e extensão da classe, classificando os objetos graças à operação
de transitividade. Com o aparecimento dos jogos de regras, a interação social da
criança é ativa e intensa. Autonomia moral e intelectual são as bases da
construção do conhecimento numa perspectiva ética de respeito mútuo e de
solidariedade. O pensamento reversível surge no operatório concreto com o
agrupamento das operações e a interação social com conservação de uma escala
de valores. Então, tem-se a ação internalizada reversível, ou seja a operação.
. Operatório formal (12 anos em diante): Nessa etapa aparece o pensamento
por hipóteses, que é o caráter específico da inteligência verbal. Com a
conscientização dos procedimentos, por meio da verbalização, a criança já inicia
os processos construtivos do pensamento formal, cujo desenvolvimento se
potencializa ao redor de onze a doze anos.
A partir da construção dos estágios de desenvolvimento e por meio da
perspectiva da epistemologia genética, pode-se correlacioná-las às implicações
psicopedagógicas, com ênfase na reconstrução e na ressignificação de
experiências possibilitando o conhecimento e o pensamento. Portanto, é
importante possibilitar à criança agir na situação de ensino e aprendizagem,
promover a interação social com seus pares, para reconstruir e ressignificar as
relações em diferentes níveis construtivos do conhecimento, atendendo aos
princípios da conceitualização: construção no nível prático, reconstrução no nível
intuitivo e, posteriormente, no nível operatório. Se o símbolo individual e motivado
guarda uma relação de semelhança com o significado, o signo apresenta-se como
convencional, com pleno desenvolvimento no nível operatório, cujas relações com
o significado serão de análise e de síntese, com o sujeito em interação social
(PIAGET, 1971; MONTOYA, 2005).
Nesse processo crescente de perspectivas cada vez mais complexas, por
meio da interação social, a criança desenvolve um processo de integração e de
diferenciação de relações entre os objetos físicos e sociais, por retroalimentação
entre significantes e significados, nos parâmetros de um ciclo epistêmico
(PIAGET; INHELDER, 1968; MONTEIRO, 2005).
Assim, aspectos operativos e figurativos do conhecimento, inicialmente,
diferenciam-se em termos de jogo e de imitação no nível intuitivo, que se
apresentam como caminhos espontâneos, levando à representação mental,
graças à função simbólica. Gradativamente, esses processos são integrados pela
inteligência, em termos dos dois pólos do conhecimento em interação
(assimilação e acomodação), constituindo o ciclo epistêmico, até atingir o nível
formal com a completa independência do signo em relação aos conteúdos reais
de aprendizagem. Na perspectiva psicogenética, à medida que o distanciamento
entre os dois pólos do conhecimento se opera, com a conseqüente utilização do
signo propiciando a construção do conceito, a criança passa a manipular os
quantificadores intensivos (todos, alguns, um, nenhum) devido à coordenação
entre a compreensão e a extensão da classe lógica (relações simétricas), bem
como a coordenação das relações assimétricas (maior que e menor que), nos
processos de seriação, com a estrutura de encadeamento (PIAGET; INHELDER,
1966; PIAGET; SZEMINSKA, 1971, apud MONTEIRO, 2006). Da síntese entre
classificação e seriação surge o número.
É importante ressaltar que, no nível operatório concreto, a concentração da
atenção auditiva da criança, sem solução de continuidade, para relatos puramente
verbais é de apenas um quarto de minuto1. O mesmo não acontece quando ela
trabalha com apoio da ação sobre o objeto, estabelecendo relações no nível
prático e ao mesmo tempo reconstruindo-as no nível de representação mental.
Ora, uma pedagogia centrada no professor, não possibilita a coordenação da
visão com a apreensão na exploração dos objetos ligados aos conteúdos reais de
aprendizagem, e nem mesmo interação entre os pares para discussão de
1 Transcrição, com anuência da autora, da gravação realizada durante aula ministrada no dia 30/08/06 por
diferentes perspectivas na aprendizagem, resultando no encaminhamento da
criança com problemas de concentração de atenção para tratamento clínico. Na
realidade, essa pedagogia não atende aos princípios do desenvolvimento
psicogenético, uma vez que as crianças não têm oportunidade de construir
significados por meio de coordenação de esquemas visuais, auditivos e de
preensão. Se a ação é a base da construção dos significados, por meio de
coordenações, de reconstrução de experiências e de ressignificações, não é
possível considerar um bom aluno aquele que não se “mexe”. Nesse caso a
expressão “aluno” apresenta realmente o significado de alguém sem luz, sem
conhecimento (MONTEIRO, 2006). Portanto, ação para Piaget (2003) é a
expressão do sujeito conhecendo não somente as realidades exteriores ao
pensamento, mas expressando operação matemática sob a forma de esquema de
assimilação ativa, acomodando ao real e não extraindo dele.
A pedagogia por interação social, pela coordenação de ações,
reconstrução e ressignificação de experiências apresenta-se como uma tentativa
para desenvolver a educação sistemática nos padrões de crescimento da criança,
dado que a epistemologia genética demonstrou como isso acontece. Essa
pedagogia apresenta-se como um arcabouço repleto de possibilidades no binômio
ensino-aprendizagem.
Para Costa (2000), a construção da inteligência pode ser esquematizada
como uma espiral crescente voltada para a equilibração resultante da interação
dos processos de assimilação e acomodação. As estruturas que aparecem em
cada estágio emergem das anteriores, desenvolvendo-se até dar lugar a uma
nova estrutura que conserva a anterior como uma sub-estrutura por meio da qual
se constroem novas qualidades para a ação.
Segundo Monteiro (2006), em Piaget a reconstrução de experiências
permite a tradução das relações práticas próprias do nível sensório-motor, em
relações simbólicas mentalmente representadas. A reconstrução e a
ressignificação de experiências ocorrem pela interação entre significantes e
significados, conduzindo à estruturação da dimensão formal do conhecimento
pela abstração reflexiva e tradução do significado por diferentes significantes,
como a imagem mental, a linguagem oral, a linguagem escrita, o desenho, dentre
A ação sobre os objetos permite o conhecimento de suas propriedades
físicas por abstração simples ou empírica, tratando-se da experiência física. A
descoberta das propriedades dos objetos pela sua manipulação denota a
construção do conhecimento físico. O conhecimento lógico-matemático é
construído a partir das ações das crianças sobre os objetos, por meio da
abstração reflexiva, criando novos relacionamentos entre os objetos,
coordenando-os reciprocamente com as relações até então já concebidas pelo
sujeito. Ou seja, é reconstrução da coordenação das ações mais gerais como
reunir e separar. Assim, a passagem da ação efetiva para a representação mental
é realizada pela abstração das características do objeto (abstração empírica), e
pela ação do sujeito, que se organiza em esquemas de assimilação em diferentes
níveis (abstração reflexiva ou lógico-matemática). Trata-se de um processo
circular por retroalimentação que envolve a interação social como condição
necessária para a descentralização de perspectivas e construção do símbolo e do
signo (MONTEIRO, 2006a). A figura a seguir ilustra esse caminho:
Logo, a abstração empírica tem relação com o conhecimento adquirido dos
objetos por meio da coordenação de ações, o que pode ser observado pelos
sentidos e sentimento de esforço. Ela dá origem a um esquema consciente de
Figura 2: Representação dos processos e fases da abstração refletida (esquema configurado pela pesquisadora)
Fonte: A Autora
Abstração Reflexiva
2 Abstração
Pseudo- impirica 1
Abstração Refletida
4
Abstração Reflexionante
relação, mas ainda não se transforma em operações mentais porque não há
representação. É uma assimilação dos dados às estruturas prévias existentes,
caracterizando os aspectos figurativos e operativos indiferenciados do
conhecimento. O aspecto dinâmico do conhecimento é representado pela
abstração reflexionante, que consiste em construir e reconstruir as estruturas do
pensamento, os esquemas assimiladores e seu funcionamento específico.
Constitui a própria organização das estruturas mentais tendo em vista a
acomodação e assimilação em dialética permanente.
O processo de abstração reflexionante apresenta-se em dois momentos:
reflexão no sentido da projeção em novo plano (abstração reflexiva) e reflexão no
sentido próprio do termo (abstração reflexionante). A reflexão seria a projeção de
um conhecimento em um patamar superior, enquanto o reflexionamento
corresponderia ao processo mental de reconstrução e reorganização do
conhecimento transferido do patamar inferior. Quando o resultado de uma
abstração reflexionante tornar-se consciente tem-se a abstração refletida
(BECKER, 2001). Assim, o conhecimento exato não pode ser de leitura direta dos
dados ou de ouvir dizer, a abstração a partir da ação é construtiva porque é
reflexiva. A passagem da ação efetiva para a representação mental tem como
resultado a construção do significado e do significante (imagem mental). Logo, a
construção do conhecimento envolve aspectos figurativos e aspectos operativos,
ou seja, significantes e significados. Concluindo, a experiência não significa,
necessariamente, abstração a partir do objeto (mera internalização), mas envolve
III- Operações, Experiência e Gênese do Número: Implicações Psicopedagógicas
Na perspectiva da Epistemologia Genética defendida por Piaget e seus
seguidores, no decorrer do desenvolvimento da criança ocorre a síntese de duas
operações espontâneas, a classificação e a seriação.
O desenvolvimento das operações no período de 0 a 2 anos é contínuo,
sendo inicialmente caracterizado pelas ações e pela inteligência sensório-motriz,
tendo como instrumentos as percepções e os movimentos sem a presença de
representações ou de pensamento verbal. Apesar de haver o esforço de
compreensão das situações, a inteligência é prática, apenas testemunha os
acontecimentos e o sentimento de esforço. O segundo período, de 2 a 7-8 anos, é
marcado pela formação da função simbólica ou semiótica que permite à
inteligência simbólica se prolongar em pensamento. No entanto, a formação das
operações é retardada pelo tempo necessário à interiorização das ações em
pensamento que supõe a sua reconstrução, que ocorre por descentralização
contínua mais ampla do que no nível sensório-motor. Assim, nesse período, o
pensamento permanece pré-operatório. O terceiro período, aos 7-8 anos até os
10-11 anos, apresenta aspecto importante no que se refere ao aparecimento da
capacidade da criança de interiorizar as ações, ou seja, ela começa a realizar
operações mentalmente e não mais apenas por meio de ações práticas típicas da
inteligência sensório-motora ou pré-operatória, mas pelo fato das interiorizações,
coordenações e descentralizações crescentes conduzirem a uma forma geral de
equilíbrio que constitui a reversibilidade operatória. Finalmente, aos 11-12 anos,
aparece o último período no qual o adolescente será capaz de formar esquemas
conceituais abstratos, e realizar com eles operações mentais que seguem os
princípios da lógica operatória, permitindo assim, a flexibilidade de pensamento.
Seu raciocínio não incide exclusivamente sobre os objetos ou sobre o real
diretamente representado, mas também sobre as hipóteses (PIAGET,1972).
A formação do conceito de número realiza-se em estreita conexão com o
desenvolvimento das operações de conservação de quantidade e das operações
lógicas de classificação e seriação. Então, aprender a contar verbalmente não é
intuitivo de número e acredita que a quantidade se altera quando se muda a
disposição espacial dos elementos.
A noção operatória de número só é possível quando se houver constituído
a conservação de quantidades descontínuas, independente dos arranjos
espaciais. O número resulta de três noções fundamentais: a unidade, a
classe-inclusão e a seriação (ordenação). Portanto, o número constitui uma síntese da
seriação e da inclusão e exige o domínio dos seguintes princípios:
comutatividade, associatividade e reversibilidade. Na construção do número, as
noções lógicas do espaço por deslocamentos espaciais são construídas
paralelamente às ações elementares de reunir, separar, seriar ou mudar de
ordem, ou seja, fazer e desfazer conjuntos determinados. Essa construção
envolve, paralelamente, a construção das categorias reais do pensamento: objeto,
espaço, tempo e causalidade. Tais construções só acontecem mediante às
relações entre os esquemas de assimilação (relações implicativas) e as relações
explicativas entre os objetos. As relações simétricas levam à inclusão de classes;
as relações assimétricas levam à seriação. A síntese das duas operações conduz
à construção do conceito de número. Para chegar a essa síntese, a criança
percorre longo caminho na coordenação de suas ações, com o nascimento do
grupo empírico dos deslocamentos espaciais, no final do segundo ano de vida,
cuja construção no nível de representação mental será construída somente ao
redor de sete anos, quando então, ocorrerá o nascimento do número devido à
síntese das operações lógicas, de classificação e de seriação, só possíveis
graças à reversibilidade do pensamento com a estrutura do agrupamento
(PIAGET, 1971; RANGEL, 1992).
O número é expressão de ações, de esquemas de assimilação que
interpretam o objeto em equilibração com acomodação das ações do sujeito à
forma e às demais características do objeto. A construção do conceito de número
na educação sistemática apresenta-se como instrumento da própria inteligência
verbal.(PIAGET, 1970; MONTEIRO 2006)
Segundo Monteiro (2006), a programação de atividades nos parâmetros do
agrupamento de relações e de operações nas diferentes ordens (direta, inversa,
associativa, idêntica e comutativa) e ao mesmo tempo reconstruídas e
ressignificadas nos diferentes níveis de construção do conhecimento,
e do próprio raciocínio verbal. A reconstrução de experiências, reguladas pela
afetividade e pelas operações, está presente na coordenação de ações que
envolvem o agrupamento dos deslocamentos, tanto do sujeito do conhecimento
(educando), quanto do objeto sob análise (conteúdos de aprendizagem).
De acordo com Monteiro (2006), a reconstrução e a ressignificação de
experiências praticadas no nível simbólico apresentam-se como artefato da
própria cognição No ato de escrever um relatório está implícita a reconstrução e a
ressignificação das experiências por meio das linguagens oral e escrita. As
oportunidades para a reconstrução e ressignificação de experiências são variadas
e o principal material didático é a organização da própria ação da criança, que se
desenvolve sobre os objetos e, ao mesmo tempo, sendo reconstruída de modo
simbólico pelas linguagens oral e escrita.
A reconstrução de experiências, portanto, não consiste em repetir
exercícios, mas envolve condições para o estabelecimento de relações práticas
que são reconstruídas nos níveis intuitivo (imagem mental) e operatório, sempre
acompanhados de linguagem escrita para a conscientização de relações
simbólicas (PIAGET, 1970,1971; MONTEIRO, 2007).
A psicopedagogia da interação social por coordenação de ações e por
reconstrução e ressignificação de experiências tem como objetivo construir e
reconstruir o conhecimento nos parâmetros dos diferentes níveis de
desenvolvimento da inteligência, como: nível sensório-motor, intuitivo ou do
pensamento por imagens, operatório concreto, operatório formal.2 Na análise
psicogenética, Piaget oferece subsídios para se compreender como um
conhecimento menos complexo torna-se gradativamente mais complexo. Assim,
pela coordenação crescente das ações desenvolvidas por deslocamentos
espaciais, descreve-se, sob a forma de assimilação em interação com a
acomodação, como acontece o “aprender a aprender”.
Piaget, em seus estudos longitudinais, analisa a construção do
conhecimento pela coordenação das ações (as operações) e explica como elas
constituem condições da aprendizagem e do desenvolvimento humano, cabendo
aos educadores a missão de experimentar novas formas de proporcionar a
aprendizagem aos seus educandos, como o resultado de uma interação entre três
2 Transcrição, com anuência da autora, da gravação realizada durante aula ministrada na dia 11/10/06 por
elementos: aluno, o construtor dos significados; conteúdos, objetos de
aprendizagem; e o professor, possível mediador (BECKER, 2003). O professor,
portanto, deve programar ações, pois, essas se constituem na condição de
IV- Os jogos de regras em Jean-Piaget e suas implicações para a matemática
O jogo é uma atividade que conserva em seu caráter a invenção, a
principal característica da inteligência, que juntamente com a representação
apresentam-se como criatividade. Para ser social, o jogo tem que ter regras. O
jogo não é para motivar a aprendizagem. Motivação é diretamente proporcional e
relacionada ao nível de compreensão das ações que tem como gênese a
situação. (MONTEIRO, 2007). Na perspectiva da epistemologia genética, o jogo é
um meio espontâneo de construção de significados, que além de serem
construídos de maneira significativa são repetidos pela a assimilação funcional.
Piaget (1971) destacou três aspectos fundamentais no desenvolvimento
humano: (1) a maturação biológica, desdobramento das mudanças biológicas
geneticamente programadas em cada ser humano na concepção; (2) a
experiência, resultado das ações do sujeito sobre o ambiente e a interação social
que em constante processo de equilíbrio levam ao desenvolvimento cognitivo; (3)
a interação social, ocorre de acordo com o nível cognitivo e afetivo da criança,
tendo por base a evolução dos estágios. Esses três aspectos podem ser
pensados na prática do jogo, Piaget (1971), classifica os jogos em três categorias,
de acordo com os estágios propostos por ele:
• jogos de exercícios - no período sensório-motor o convívio com a família e a criança ocupa o centro de tudo. A característica marcante do jogo nessa fase é
o prazer, agir para satisfazer-se e repetir a ação;
• jogos simbólicos - o período intuitivo-simbólico é marcado pelo egocentrismo e pela irreversibilidade do pensamento que se desenvolve pela
imitação e pelo jogo simbólico. A interação entre as crianças não é um ato social,
existindo entre elas um monólogo coletivo, cuja característica principal, é a
representação-diferenciação entre significante e significado; não há
descentralização de pontos de vista e o pensamento está no mundo do
“faz-de-conta”; a imagem é estática e as transformações não são conservadas. Ao
construir as representações por meio dos jogos simbólicos (faz-de-conta) a
criança assimila a realidade externa adulta a sua realidade interna. Portanto, o
jogo é carregado de simbolizações e de significações. Piaget (1971) afirma ser o
origem de toda representação mental e base da interpretação da realidade. Para
Goulart (2005), o jogo simbólico não se restringe a assimilação do real, mas uma
assimilação assegurada por uma linguagem simbólica, construída pelo eu e
modificada conforme as necessidades;
• jogos de regras - no período concreto a interação entre as crianças passa a ser um ato social no qual o egocentrismo está em fase de solução, o
pensamento alcança sua reversibilidade e a criança passa a descentralizar seus
pontos de vista para olhar o mundo sob a ótica de outrem. Nessa fase, a criança
valoriza e quer a amizade e a companhia do outro. As regras irão impor maior ou
menor necessidade de atenção e regular o comportamento da criança que, ao
brincar, compreende o significado de não obedecer aos limites estabelecidos
conjuntamente, ou seja, a eliminação do jogo. Apesar de ser mais intenso dos 7
aos 12 anos de idade, o jogo de regras se desenvolve continuamente durante
toda a vida por se tratar de combinações sensório-motoras ou intelectuais, com
competição entre os sujeitos.
Enfim, o jogo de exercício, no período sensório-motor, quando a criança
compreende alguma coisa, ela passa a repetir a atividade com prazer. Trata-se de
uma maneira agradável de repetir o que foi compreendido, envolvendo análise de
procedimentos. No jogo simbólico, ocorre a diferenciação entre significante e
significado, com os procedimentos sendo variados de modo simbólico. O
significado é conservado, mas o significante sofre variações. Trata-se de uma
espécie de reflexão, mas como variação de significantes ligados a um significado.
É como se a criança estivesse digerindo o que foi compreendido, assimilando. O
jogo é o modo espontâneo da criança aprender. O jogo de regras é o modo da
criança se socializar e expressar que a interação social é condição da
aprendizagem, ou seja, da construção da inteligência verbal.
Para Piaget (1971), as crianças ao participarem de jogos que possuem
regras descentralizam perspectivas, conseguem transitar do individual para o
social, pois esse tipo de jogo permite a interação entre as crianças, possibilitando
a aprendizagem de regras, de comportamento, de respeito às idéias e
argumentos contraditórios e a construção de relacionamentos afetivos. Assim, as
atividades lúdicas atingem um caráter educativo, tanto na formação psicomotora,
como na construção de valores morais como a honestidade, perseverança,
Em relação à prática das regras, Piaget (1994) estabeleceu quatro estágios
sucessivos:
1. Motor e individual: a criança não considera a regra coletiva, manipulação dos
objetos pelo prazer;
2. Egocêntrico: imitação do que fazem os mais velhos, não joga para vencer, nem
a presença dos parceiros é necessária, por essa razão a brincadeira não envolve
cooperação;
3. Cooperação nascente: a criança passa a querer vencer o jogo e para isso vê a
necessidade do respeito às regras de cooperação;
4. Codificação das regras: as regras são necessárias e podem ser mudadas se
houver o consenso do grupo.
A criança desde muito cedo convive num clima de regras impostas pelo
adulto e distingue dois tipos de relações sociais: a coação e a cooperação. A
coação acontece quando algo é imposto externamente à criança, observa-se o
respeito unilateral. Quando a criança respeita as regras, entre 7 e 10 anos, é
graças à cooperação. O agrupamento das operações ocorre ao redor dos sete
anos. Nesse período, inicia-se a cooperação (cooperar juntos), a colaboração
(laborar juntas) (PIAGET, 1994; PINA, 2006). Ocorre ainda a obediência à regra
sem a possibilidade de legislar, ou seja, mudar as regras (MONTEIRO, 2007;
LIMA,1980). A criança percebe que as regras são contraditórias entre si e que
cada grupo organiza suas regras de comum acordo. É a partir dos 10-11 anos
que a criança passa a ter consciência de que as mesmas podem ser mudadas
desde que haja comum acordo entre todos e um comportamento autônomo que
decide pelo melhor para todos tomando o lugar da heteronomia 3.
Apesar da criança, a partir dos 7-8 anos, estar já no estágio da cooperação
nascente, não é suficiente para se libertar da autoridade imposta pela coação.
Somente com a prática das regras e a interação entre iguais a coação dará lugar
à cooperação, e assim, a criança vai percebendo que as regras podem sofrer
variações e, então, de forma contínua, observa-se o comportamento que se
modifica e a criança passa a tomar suas decisões com mais segurança e
autonomia. Segundo Piaget (1971):
3 Heteronomia: sujeição do indivíduo à vontade de terceiros ou de uma coletividade. Norma vinda do
O jogo de regras é a atividade lúdica do ser socializado e começa a ser praticado por volta dos sete anos quando a criança abandona o jogo egocêntrico das crianças “mais pequenas”, um proveito de uma aplicação efetiva de regras e do espírito de cooperação entre os jogadores.
Segundo Monteiro (1998), a interação social e os jogos de regras
contribuem para a descentralização do próprio ponto de vista e contribui para o
desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e moral da criança, evidentemente
relacionados à construção de conceitos e vivências matemáticas no ambiente
escolar e cotidiano.
É importante ressaltar que, enquanto o conhecimento experimental é de
origem exógena, o conhecimento lógico-matemático é retirado em sua origem das
coordenações gerais das ações sobre os objetos de conhecimento. Essas ações
consistem, entre outras, em reunir, ordenar, trocar de ordem, colocar em
correspondência. Todo conhecimento do objeto, de qualquer natureza é sempre
assimilação a esquemas e esses esquemas contêm uma organização
lógico-matemática, por mais elementar que seja. Essa assimilação é necessariamente
também de natureza lógico-matemática, porque as ações essenciais à detecção
das propriedades dos objetos e dos fenômenos não são isoladas, por mais
diferenciadas que sejam pela acomodação à diversidade e aos detalhes das
situações. São coordenadas entre si, e a coordenação geral das ações constitui
precisamente a fonte das operações lógico-matemáticas. Portanto, o que foi
paulatinamente construído pela criança no decorrer do seu desenvolvimento,
incluindo aqui as experiências com os jogos, por meio de um processo crescente
de coordenação das ações no nível sensório-motor, passa a ser reconstruído e
ressegnificado no nível da representação mental (LIMA, 1980; PIAGET, 2003;
MONTEIRO, 2007).
Na criança, a construção do número se dá em estreita ligação com lógicas
de grupamentos de classe (inclusão e seriação) e de relações de ordem
(seriação) das relações assimétricas transitivas por meio da manipulação de
objetos. O número aparece como uma construção endógena, produto das ações
mais gerais do sujeito e de sua coordenação. Portanto, o número é a síntese da
inclusão e da ordenação. A correspondência 1 a 1 é a expressão dessa síntese
conhecimentos lógico-matemáticos para Piaget (2003) não resulta de
aprendizagens empíricas, mas constitui a condição necessária da organização e
do registro da experiência. Pode-se conceber a construção das estruturas
lógico-matemáticas em forma não de um desenvolvimento que integraria de maneira
imprevisível, elementos exteriores, mas de um desenrolar endógeno, que procede
por etapas, de tal natureza que as combinações que caracterizam uma qualquer
dentre elas sejam, de um lado, novas, enquanto combinações, e, de outro lado,
contudo só se exercem sobre elementos já dados na etapa precedente. Então, a
construção lógico-matemática não é, no sentido limitado e restrito dos termos,
nem invenção, nem descoberta; pois procede por abstrações reflexivas e
reflexionante produtoras de combinações novas. Mas, estas combinações não
podem resultar de uma combinatória acessível ao cálculo desde os níveis
anteriores à construção da nova estrutura, porque esta, por efeito retroativo, exige
um reajuste reflexivo dos elementos precedentes, e conduz a uma síntese que
supera as estruturas iniciais, enriquecendo-as na mesma medida (PIAGET, 2005).
Então, as estruturas lógico-matemáticas, de acordo com Piaget (Idem, p.
264) não podem resultar da aprendizagem no sentido estrito porque, embora se
apliquem continuamente aos dados exteriores, assimilam a aprendizagem sem
serem modificadas por esta, a não ser na qualidade de exercício consolidador e
generalizador, mas, sem alterações de estrutura. Também, não podem resultar de
simples transmissão hereditária, porque se estivessem ligadas a genes, não
seriam nem necessárias, nem gerais, nem dotadas de sua plasticidade
construtiva. Assim, as estruturas lógico-matemáticas não são devidas nem à
experiência física, nem à transmissão instintiva ou hereditária, mas são tiradas
por abstrações reflexivas das coordenações nervosas, e assim por diante, até as
formas mais gerais dos funcionamentos organizadores da vida.
V - O Conceito dos Números Fracionários
Segundo Moutinho (2005), o ensino do conceito de fração, que favorece o
desenvolvimento mental e cognitivo do aluno devido às fortes relações
estabelecidas entre o numerador e o denominador das frações, tem sido
apontado por professores e pesquisadores como um dos mais problemáticos
conteúdos na aprendizagem da Matemática nas séries iniciais.
A representação de medidas de quantidades é feita pela relação entre dois
números. Segundo Monteiro (2007), a medida é fruto da síntese entre a parte
escolhida como unidade e o deslocamento dela sobre o todo sob medida. A
medida está endereçada à avaliação de quantidades contínuas. Já as
quantidades discretas ou contábeis são avaliadas pelo número ou outra unidade.
O número é uma síntese entre as operações de classificação e seriação. Sendo a
que a operação de colocar em correspondências representa a composição
multiplicativa.
Nunes (2005) analisa os obstáculos à compreensão das quantidades
intensivas fundamentados no fato de a criança apresentar dificuldades em pensar
de modo relativo, especialmente, se as relações consideradas forem inversas. A
principal dificuldade na compreensão das quantidades extensivas é a idéia de
utilizar um padrão menor do que o objeto medido e de aplicá-lo repetidamente
para obter um número que descreva o objeto. Sendo as frações recursos para
representar essas quantidades, as crianças, por conseqüência, apresentam
dificuldades na significação do conceito de fração. Para Monteiro (2007), a
quantidade intensiva envolve relações de parte com o todo e é própria da lógica,
como a operação de inclusão na classificação e a quantidade extensiva envolvem
relações das partes entre si e com o todo, necessitando de unidades de medidas.
Pesquisas têm mostrado a dificuldade das crianças em entender o
significado de fração. O que se apresenta como um obstáculo epistemológico à
aprendizagem de seu conceito. As frações envolvem a lógica de classes e a
lógica das relações. Os educandos têm dificuldades na compreensão da lógica da
ordem das frações: se duas frações têm os mesmo denominador, quanto maior o
numerador, maior a fração; se duas frações têm o mesmo numerador, quanto
Para Bertoni (2004), o entendimento do número racional é importante na
matemática e na sócio-cultura e a construção do seu conceito deve compreender
o que quantifica e a que vem, considerando as representações decimais e
fracionárias. Em 2003, ela orienta os professores em relação à construção do
conhecimento dos primeiros números fracionários afirmando que toda
oportunidade em que aparece divisão de coisas ou objetos resultando em partes
iguais devem ser aproveitadas bem como as situações de objetos já divididos
num certo número de partes iguais, dando-se destaque à situação e ensinando o
nome dessa parte, levando os educandos perceberem que as partes podem
aparecer numa ordem aleatória como pedaços de metade, de décimos, de
quartos, de quintos, entre outros.
Bertoni (2004) defende que alguns pontos precisam ser considerados, no
desenvolvimento do número fracionário:
a constatação de que os símbolos são obstáculos à compreensão inicial do significado desses números pela criança, o que sugere um tempo inicial de aprendizagem não simbólica das frações;a constatação de que trabalhar com famílias de frações inter-relacionadas, como meio/quarto/oitavo; terço/sexto/nono, quinto/décimo/vinte avos, permite que a criança estabeleça relações e atribua significado a operações iniciais com esses números...; a constatação de que as noções de mínimo múltiplo comum e de máximo divisor comum interrompem o caminho natural da construção da idéia de fração pela criança, e, além do mais, não são imprescindíveis aos cálculos, sendo possível desenvolver esses cálculos pelo menos nas séries iniciais, sem aqueles conceitos;a constatação de que os algoritmos operatórios desenvolvidos na escola são de compreensão quase impossível para as crianças, e se afastam muito dos algoritmos para as mesmas operações nos números naturais... São tão distintos que as crianças não chegam a identificar que os novos algoritmos possam estar efetivamente ligados a uma situação real de soma ou de divisão.
O ensino de frações, geralmente, não envolve as diferentes interpretações
das frações, parte-todo4, sendo quase sempre enfatizado a relação parte-todo. No
entanto, há uma cobrança, por meio de exercícios e avaliações, das várias
interpretações o que colabora para o baixo desempenho frente às situações que
envolvem o conceito de frações.
Dentre as várias concepções e autores, menção será feita aos cinco
significados sugeridos por Nunes (2005):
4 Essa classificação pode variar de um autor para o outro. Usar-se- à nesse trabalho a utilizada por Nunes
- Fração com o significado Número: a idéia envolvida nesse significado é o da
notação a/b, sendo a e b números naturais com b ≠ 0, expressando um número
na reta numérica, ou ainda sua representação na notação decimal. Exemplo:
Represente 1/5 na reta numérica.
- Fração com o significado Parte-Todo: um inteiro é divido em n partes iguais, e cada parte poderá ser representada como 1/n. Numerador e denominador são
elementos de mesma natureza e trata-se de quantidades contínuas. Exemplo:
Patrícia tinha 12 bombons. Deu 2/6 a sua mãe. Quantos bombons sua mãe
recebeu?
- Fração com o significado Quociente: esse significado está presente em
situações associadas à idéia de partição (quantidades descontínuas), o quociente
representa o tamanho de cada grupo quando se conhece o número de grupos a
ser formado. O numerador e o denominador são quantidades discretas e de
naturezas diferentes. Exemplo: Quatro chocolates foram divididos entre três
crianças. Quanto recebeu cada criança?
- Fração com o significado Medida: uma unidade é dividida em partes iguais
(sub- unidades), e verifica-se quantas dessas partes caberão naquele que se quer
medir. Exemplo: Um tambor pode conter 11 litros de leite. Quantas canecas de 2
litros serão necessárias para encher esse tambor?
- Fração com o significado Operador Multiplicativo: esse significado envolve a transformação. Representa uma ação que se aplica sobre um número ou
quantidade, transformando o seu valor nesse processo. Exemplo: João tinha 12
bolinhas de gude. Deu 1/3 a Paulo. Com quantas bolinhas de gude ele ficou?
Vale lembrar que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) sugerem
que no segundo ciclo do Ensino Fundamental sejam trabalhados três significados:
parte-todo, razão e quociente, e somente no terceiro ciclo do Ensino Fundamental
seja introduzido o significado de operador multiplicativo.
Bertoni (2004) analisa que as propostas curriculares de 5ª a 8ª séries
sem garantir esse ganho de espaço nas séries finais e não assegura uma
introdução mais cuidadosa às frações e às operações entre elas.
Este trabalho tem como proposta promover a construção do conceito dos
números fracionários pela criança por reconstrução e ressignificação de
experiências utilizando material programado nos parâmetros dos grupos tendo
como meta a organização da ação da criança sobre o material concreto que ao
mesmo tempo será reconstruído de modo simbólico pelas linguagens oral e
escrita por meio dos relatórios. A reconstrução não consistirá em repetir
exercícios em uma seqüência linear pré-estabelecida e sim, por meio de
atividades programadas que envolvem condições para que o educando
estabeleça relações práticas que serão reconstruídas nos níveis intuitivos e
operatórios acompanhadas de linguagem escritas permitindo aos educandos
realizarem transferências entre os significados sugeridos, por Nunes (2005), para
frações. A preocupação é, prioritariamente, com o processo de construção do