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A gestão pública dos recursos hídricos no Brasil: desafios de um modelo participativo

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ANA GABRIELA BRITO RAMOS

A GESTÃO PÚBLICA DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL: DESAFIOS DE UM MODELO PARTICIPATIVO

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A GESTÃO PÚBLICA DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL: DESAFIOS DE UM MODELO PARTICIPATIVO

Monografia submetida à Coordenação da Faculdade de Direito, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharela em Direito.

Orientador: Prof. Msc. William Paiva Marques Júnior

FORTALEZA

(3)

A GESTÃO PÚBLICA DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL: DESAFIOS DE UM MODELO PARTICIPATIVO

Monografia submetida à Coordenação da Faculdade de Direito, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharela em Direito.

Aprovada em __/__/____

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________ Prof. Msc. William Paiva Marques Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará – UFC

______________________________________________ Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo

Universidade Federal do Ceará – UFC

______________________________________________

(4)

Aos meus pais e aos meus avós, que proporcionaram a concretização desse momento.

In memoriam de Diego Marcelo de Oliveira.

(5)

Aos meus pais e aos meus avós, pelo constante incentivo à minha formação

profissional e pela tranquilidade com que me permitem trilhar minhas próprias escolhas

acadêmicas.

Ao meu orientador William Paiva Marques Junior, que me agraciou com a suas

valiosas contribuições para o prosseguimento desse trabalho e por quem nutro uma profunda

admiração pessoal.

Aos componentes da banca, nas pessoas de Hugo de Brito Machado Segundo e de

Tarin Cristino Frota Mont’Alverne, não apenas por terem me proporcionado a felicidade de aceitarem apreciar meu trabalho, mas principalmente por terem sido dois dos melhores

professores com quem já tive a oportunidade de aprender e que, inconscientemente, me

despertaram a paixão pela pesquisa acadêmica e pelo magistério.

Aos projetos de extensão de que participei na Faculdade de Direito (CAJU,

NIDIL e NIDESA), por terem ido muito além das letras estéreis da dogmática tradicional,

contribuindo decisivamente para minha visão humanista do saber jurídico.

À memória de Diego Marcelo de Oliveira, the captain of my heart, que trilhou com particular talento os árduos caminhos da pesquisa acadêmica, acabando por me

influenciar a seguir o mesmo rastro. Sua ausência nesse momento de conclusão de curso é

particularmente dolorosa.

Aos amigos Miguel Rodriguez e Luana Pontes de Lima, que partilham do mesmo

interesse pela linha de pesquisa aqui adotada e que enriqueceram meus trabalhos sobre o

assunto com sugestões, solidariedade e empréstimos bibliográficos. Nutro por ambos intensa

admiração e consigno aqui ainda especial agradecimento à Luana nessa fase final de

monografia, por ter proporcionado auxílio imprescindível à conclusão dessa obra.

Aos meus pilares emocionais, que me sustentaram em meio às tormentosas

vulnerabilidades vivenciadas durante a Faculdade: Pedro Jucá, parceiro e amigo para uma

vida inteira; Sara Costa Maia, moça pequena com lugar cativo no meu coração e em cujo colo

chorei nos momentos de maior dificuldade; e Ellen Oliveira, cujo apoio me foi absolutamente

essencial nesses últimos meses tão árduos, na certeza de que agora posso guardá-la comigo

para sempre. A thing of beauty is a joy forever.

Aos demais amigos queridos - cujos nomes não consigno aqui por medo de

(6)

e profissionais, como pela leveza trazida por eles nesses momentos de maior atribulação.

Aos meus supervisores de estágio e de monitoria, que me acolheram e me

orientaram nessa fase de profissionalização jurídica, em especial à Dra. Elaine e ao Rafael, do

Ministério Público do Estado do Ceará; à Dra. Patrícia Barros, da Procuradoria-Geral do

Município; ao Jairo, então diretor de secretaria da 22ª Vara de Execuções Fiscais da Justiça

Federal do Ceará; à Prof.ª Fernanda Cláudia, de quem tive a honra de ser monitora na

disciplina de Direito Administrativo I; e ao Dr. Gilvan Linhares, meu atual mentor na

Procuradoria-Geral do Estado e constante incentivador das minhas potencialidades

profissionais.

Por fim, cabe ainda um agradecimento genérico à Universidade Federal do Ceará,

por meio da Faculdade de Direito, das Casas de Cultura Estrangeira e demais projetos,

eventos e cursos de que participei. Apesar de todos os entraves burocráticos, dificuldades

sistêmicas e nebulosidades institucionais, prevalece em mim uma nostalgia carinhosa e o

(7)

“A água lava as mazelas do mundo E lava a minha alma, lava minha alma.”

(8)

Aborda a gestão pública dos recursos hídricos à luz da Lei nº 9.433/97, com ênfase nos

desafios de um modelo efetivamente participativo. Discorre sobre os aspectos constitucionais

reguladores dos recursos hídricos. Trata da competência legislativa e administrativa em torno

dos recursos hídricos. Analisa a titularidade do domínio das águas, abordando a natureza

jurídica do referido bem. Discorre sobre o conceito dinâmico de democracia e sobre o seu

atual estágio no Estado Democrático de Direito. Contextualiza as mutações do Direito

Administrativo no sentido de garantir uma maior participação popular na condução de

políticas públicas. Trata do princípio da participação na seara ambiental e de suas

repercussões internacionais. Apresenta o regime jurídico dos recursos hídricos de acordo com

a Lei nº 9.433/97. Aponta os instrumentos utilizados pelo referido diploma legal e as

respectivas instituições componentes. Enfatiza os Comitês de Bacia Hidrográfica enquanto

organismo que consagra os fundamentos de uma gestão descentralizada e participativa.

Evidencia as deficiências do sistema vigente, a partir de um ponto de vista teórico e prático.

(9)

Broaches the public management of the water resources in accordance with Law No.

9.433/97, with emphasis on the challenges of a model effectively participative. Argues about

the regulating constitutional aspects of the water resources. Discourses on the legislative and

administrative competence around water resources. Analyzes the ownership of the water

domain, addressing its legal nature. Discourses on the dynamic concept of democracy and its

current stage in the Democratic State Of Law. Contextualizes the changes in administrative

law to ensure a greater popular participation in the conduct of public policies. Discusses the

principle of participation in the environment field and its international repercussions. Displays

the legal regime of the water resources in accordance with Law No. 9.433/97. Points the

instruments used by the mentioned statute and the respective component institutions.

Emphasizes the Watershed Committees as a body that consecrates the fundaments of a

decentralized and participatory management. Highlights the shortcomings of the current

system, from a theoretical and practical point of view.

(10)

1 INTRODUÇÃO ... 9

2 RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL: ASPECTOS CONSTITUCIONAIS ... 11

2.1 Competência ... 11

2.2 Titularidade ... 15

3 PARTICIPAÇÃO POPULAR E RECURSOS HÍDRICOS ... 22

3.1 Democracia e participação no Estado de Direito ... 22

3.2 A participação popular na Administração Pública... 26

3.3 A participação popular na defesa do meio ambiente ... 31

4. ANÁLISE DA GESTÃO HÍDRICA BRASILEIRA E DE SUAS REPERCUSSÕES EM MATÉRIA PARTICIPATIVA ... 38

4.1 Instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos ... 38

4.2 Instituições responsáveis pela gestão ... 41

4.2.1 Comitês de Bacia Hidrográfica: desafios e perspectivas para uma efetiva participação popular na gestão pública dos recursos hídricos ... 45

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 54

(11)

1 INTRODUÇÃO

Diante da crescente crise hídrica mundial, o acesso à água potável tem se tornado

cada vez mais o centro das discussões políticas internacionais. Com efeito, estatísticas

recentes demonstram não apenas a atual existência de mais de 884 milhões de pessoas que

não têm acesso a fontes confiáveis do precioso bem, como também a morte de

aproximadamente 1,5 milhões de crianças com idades de até cinco anos devido à falta de água

potável (NACIONES UNIDAS, 2010).

Dados como esse ensejaram a recente declaração da Organização das Nações

Unidas (ONU) reconhecendo o acesso à água potável como um Direito Humano, fato que

revela a importância de sua discussão entre os temas essenciais à vida humana (NACIONES

UNIDAS, 2010).

Essa resolução, elaborada pela Assembleia Geral do maior organismo

internacional existente na atualidade, justifica implicações diretas nos mais diversos âmbitos

da problemática hídrica, mormente no que tange ao gerenciamento dos recursos hídricos e à

necessidade de crescente participação popular em torno dos instrumentos relativos à

consecução do acesso humano à água.

Dentro desse contexto, o presente trabalho visa a enfatizar inicialmente os

aspectos gerais em torno da gestão pública das águas, com fulcro nos seus pilares

constitucionais básicos, concernentes à sua competência e à sua titularidade. Com isso,

pretende traçar os pressupostos sobre os quais vão se erigir os institutos que regem a Política

Nacional de Recursos Hídricos, contextualizando o seu estudo a partir de suas bases

fundantes.

Em seguida, passa-se a analisar os mecanismos de participação popular no Estado

de Direito, desde as suas imbricadas relações com as teorias democráticas, passando pela

aplicação de seu conteúdo na construção de uma dogmática administrativa legitimadora e

culminando em sua apreensão principiológica no estudo do Direito Ambiental, com a

consequente ênfase na construção de espaços de decisão compartilhados entre o Poder

Público e a sociedade civil.

Por fim, analisa-se o regime jurídico vigente trazido pela Lei nº 9.433/97, que

instituiu uma política nacional fundada na gestão descentralizada e participativa dos recursos

(12)

Para tanto, realiza-se o estudo crítico dos respectivos instrumentos de gestão e das

suas instituições componentes, com ênfase nos Comitês de Bacia Hidrográfica, tidos como

organismos basilares da respectiva gestão e que se propõem a consagrar uma participação

conjunta entre setores do Estado e setores da sociedade civil, organizados em torno da

condução das políticas socioambientais sobre águas.

Desse modo, ao evidenciar as fragilidades do sistema vigente, o presente trabalho

busca contribuir para a implementação efetiva dos instrumentos de participação na gestão dos

recursos hídricos, a partir do estabelecimento de elos articulados e igualitários entre poder

público e sociedade civil, dentro de um novo padrão de governança compartilhada e

(13)

2 RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL: ASPECTOS CONSTITUCIONAIS

O estudo dos recursos hídricos no ordenamento jurídico brasileiro possui dois

pilares constitucionais básicos – competência e titularidade -, a partir dos quais se fundamenta a análise dos diplomas legais que regem a matéria.

No presente trabalho, tais aspectos serão visualizados no que interessa aos

objetivos posteriores do estudo aqui realizado, cabendo enfatizar determinados pontos em

detrimentos de outros, para se chegar a uma fundamentação principiológica básica dos

contornos sobre os quais a matéria se rege no Brasil.

Inicialmente, será realizada a análise da atual repartição das competências

federativas na Constituição Federal, relativamente ao estudo dos recursos hídricos, enquanto

pressupostos do exercício e do desenvolvimento da atividade normativa sobre o assunto.

Posteriormente, será feito estudo acerca da natureza jurídica dos recursos hídricos

segundo a sua titularidade, partindo da dicotomia clássica entre bens públicos e privados e

culminando na adoção da teoria ambientalista que investiga a natureza difusa dos recursos

ambientais e as suas repercussões teóricas e práticas.

2.1 Competência

O estudo dos delineamentos da repartição de competências em matéria de recursos

hídricos passa necessariamente por uma compreensão propedêutica e conceitual, relativa à

noção precípua do termo e de sua intrínseca relação com o federalismo adotado pela

República Federativa do Brasil.

Nesse sentido, importa inicialmente trazemos à baila a definição de José Afonso

da Silva, a seguir transcrita:

(14)

Tal conceito, portanto, quando trazido para uma perspectiva constitucional,

constitui ponto nodal da própria concepção de Estado Federal1, que se assenta exatamente na

disposição política dos lineamentos básicos da organização dos entes federativos e dos seus

respectivos raios de competência (BONAVIDES, 2003, p. 182).

Dentro desse contexto, a Constituição Federal de 1988 adota um sistema

complexo com vistas a uma distribuição harmônica de competências2, segundo uma técnica de enumeração de poderes que caracteriza o atual sistema brasileiro no moderno paradigma

do federalismo de cooperação ou colaboração (DEMOLINER, 2008, P. 34).

Para fins didáticos, adota-se usualmente a classificação das competências entre

legislativas e materiais (SILVA, 2008, P. 480). A primeira se subdivide entre exclusiva,

privativa, concorrente ou suplementar; enquanto que a segunda se subdivide apenas entre

exclusiva ou comum.

No que se refere à competência legislativa, a Constituição Federal aduz em seu

artigo 22, inciso IV, que será da União a competência privativa para legislar sobre águas, no

que aparenta introduzir um cunho centralizador na gestão dos recursos hídricos, com vistas a

assegurar um interesse predominantemente nacional.

Tal premissa seria atenuada pela possibilidade de delegação trazida pelo parágrafo

único do referido artigo, segundo o qual lei complementar poderá autorizar os

Estados-membros a legislar sobre questões específicas das matérias ali relacionadas. Tal diploma,

contudo, ainda não foi promulgado, o que faz permanecer a competência privativa acima

delineada.

Outrossim, importante verificar também o entendimento trazido por Maria Luiza

Machado Granziera (2006, p. 66-67), que, albergada nos estudos de Alice González Borges

(1998, p. 90), considera tal competência apenas aparentemente privativa, tendo em vista os

Estados-membros possuírem competência concorrente para legislar sobre assuntos relativos

ao meio ambiente (artigo 24, inciso VI, da Constituição Federal) e da possibilidade de

disporem sobre o aproveitamento de seus bens e a utilização dos recursos hídricos sob seu

domínio, de acordo com a competência remanescente trazida pelo artigo 25, § 1ª, combinada

com o artigo 26, inciso I e II da Magna Carta pátria.

1 Conforme nos ensina Fernanda Dias Menezes de Almeida (2000, p. 29), “a Federação é, a rigor, um grande

sistema de repartição de competências. É essa repartição de competências que dá substância à descentralização em unidades autônomas”.

2

(15)

Com efeito, Cid Tomanik Pompeu traz uma importante reflexão sobre o assunto,

ao abordar a diferença entre a competência legislativa da União para legislar sobre águas e a

competência dos Estados-membros para editar normas sobre os bens hídricos que se situem o

seu domínio:

Nesse ponto, convém analisar o alcance dessa disposição constitucional, uma vez que a expressão legislar privativamente sobre águas pode levar a alguma confusão. Como as águas estaduais são bens públicos do domínio das unidades federadas, a estas cabe geri-las e exercer a respectiva autotutela administrativa, baixando as necessárias normas, muitas vezes em forma de lei. No campo hídrico, a União tem dupla competência: (i) cria o direito sobre as águas, quando legisla privativamente; e (ii) edita normas administrativas sobre as águas do seu domínio, em forma de lei ou não. Os Estados, embora hajam recebido vasto domínio hídrico, somente dispõem de competência para editar normas administrativas sobre as águas do seu domínio, mesmo mediante lei, quando necessário. (POMPEU, 2010, p. 50-51, grifos do autor).

Há ainda a possibilidade de participação dos Estados-membros na legislação sobre

águas quando da análise da competência concorrente fixada pela Constituição Federal em seu

artigo 24, que traz em seus incisos alguns temas correlatos aos recursos hídricos, tais como

proteção ao meio ambiente e controle da poluição (VI) e responsabilidade por dano ao meio

ambiente (VIII).

No que se referem às denominadas competências administrativas ou materiais,

cabe à União instituir com exclusividade o sistema nacional de gerenciamento de recursos

hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso, conforme o artigo 21, inciso XIX.

Tal dispositivo, inclusive, serviu de fundamento para a edição da Lei nº 9.433/97, que

constitui um dos principais diplomas legais sobre a matéria no Brasil.

Relativamente às competências comuns entre a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios, o artigo 23 da Constituição Federal traz entre as atribuições que se

coadunam com o presente tema a competência para cuidar da saúde e da assistência pública

(inciso II), combater a poluição em qualquer de suas formas (inciso VI), promover a melhoria

das condições de saneamento básico (inciso IX) e registrar, acompanhar e fiscalizar as

concessões de pesquisa e exploração dos recursos hídricos e minerais em seus territórios

(inciso XI).

Surge, nesse ponto, a presença dos Municípios enquanto ente participante da

gestão hídrica nacional. Além das referidas atribuições, comuns aos demais entes políticos,

conforme o artigo 30 da Lei Fundamental, cabe ao mencionado componente da federação a

atribuição de organizar, e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os

(16)

que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do

parcelamento e da ocupação do solo urbano (VIII), o que traz repercussões diretas na tutela

das águas (BRUNONI, 2006, p. 73).

Ademais, dispositivo de importante repercussão para a gestão dos recursos

hídricos reside no artigo 25, § 1º da Constituição Federal, que atribui aos Estados a

competência para, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações

urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para

integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.

Tal dispositivo foi introduzido pela Constituição Federal de 1988 e alterou a competência para

instituir as referidas regiões, anteriormente atribuídas à União.

Nesse sentido, lastreada na Magna Carta anterior (artigo 164, com redação dada

pela Emenda Constitucional de 1969), foi promulgada a Lei Complementar nº 14/1973, que

foi responsável por estabelecer as regiões metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Porto

Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza.

Referida lei foi recepcionada pela Constituição atual e, posteriormente, pelas Leis

Fundamentais dos Estados interessados, permanecendo em vigor a maior parte de suas

disposições, inclusive a constante em seu artigo 5º (DEMOLINER, 2008, p. 39), que consigna

expressamente ser de interesse metropolitano os serviços comuns de saneamento básico

notadamente abastecimento de água e rede de esgotos e serviço de limpeza pública (inciso II)

e os serviços de aproveitamento dos recursos hídricos e controle da poluição ambiental, na

forma que dispuser a lei federal.

Interpretando as normas analisadas e com o respaldo de outros autores3, Karine

Silva Demoliner (2008, p. 40) conclui em sua pesquisa da seguinte forma, no que se refere à

titularidade e a gestão dos recursos hídricos aos entes federados:

a. Compete à União a outorga para uso da água quando o ponto de captação for de sua titularidade [...];

b. Compete aos Estados a outorga do uso de água, quando, ao revés, o ponto de captação for de sua titularidade [...];

c. [...]

d. Compete aos Estados a prestação dos serviços de abastecimento, adução, tratamento e distribuição da água nas regiões metropolitanas, nos aglomerados urbanos, bem como nas microrregiões, ou seja, sempre que tal serviço ultrapasse os limites territoriais de um Município;

e. Por fim, compete aos Municípios e ao Distrito Federal prestarem o serviço de abastecimento, adução, tratamento e distribuição de água nos limites de seus

3

(17)

territórios, desde que não dependam de infra-estrutura ou rede de outros municípios, pois quando houver necessidade de serviços integrados, a competência será estadual.

Percebe-se, dentro dos itens propostos, a intrínseca relação estabelecida entre a

competência material relativa aos recursos hídricos – com destaque para a outorga de uso - e a sua respectiva titularidade, motivo pelo qual a referida temática tem sido igualmente

considerada um dos pilares na compreensão do fenômeno da gestão dos recursos hídricos no

Brasil.

2.2 Titularidade

O constituinte pátrio repartiu a titularidade das águas entre a União e os

Estados-membros, por meio do seu artigo 20, incisos I e III e do seu artigo 26, inciso I,

respectivamente.

A esse respeito, seriam bens da União - além dos que já lhe pertencessem e os que

viessem a lhe ser atribuídos (inciso I) -, os lagos, rios e quaisquer correntes de água em

terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros

países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos

marginais e as praias fluviais.

Outrossim, seriam bens dos Estados as águas superficiais ou subterrâneas4,

fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de

obras da União (artigo 26, inciso I).

4

(18)

Tais disposições, contudo, devem ser associadas e confrontadas com o evidente

cunho ambiental dos recursos hídricos, por esta razão inclusos na redação do artigo 225 da

Constituição Federal, que aduz ser o meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso

comum do povo e essencial à qualidade de vida.

Dentro desse contexto, importa inicialmente analisar a referida conjuntura

segundo a clássica dicotomia entre bens públicos e privados, já trazida pelo Código Civil de

1916 e reproduzida pelo vigente diploma com poucas alterações, conforme a redação a seguir:

Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.

Art. 99. São bens públicos:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Interpretando os dispositivos similares no Código Civil de 1916 e baseado no

Decreto nº 24.643/34 - Código de Águas -, Pontes de Miranda (2000, p. 195-203), considerou

que os recursos hídricos5, como os demais bens, poderiam ser particulares; públicos – de uso especial ou não –; pertencentes, por direito público, a todos os habitantes; ou ainda res

nullius, por serem apropriáveis e não estarem apropriadas.

Tais considerações, contudo, restam superadas a partir dos dispositivos

constitucionais supracitados – os quais dividem a titularidade das águas entre União e Estados-membros, combinados ainda com o disposto na Lei nº 9.433/97, que, logo em seu

artigo 1º, inciso I, afirma ser a água um bem de domínio público.

Logo, atualmente é amplamente majoritário o entendimento de que não foram

recepcionados pela Constituição Federal os dispositivos relativos à possibilidade de

Para a referida autora, diante do “do fato de que a água não possui fronteiras, é imperiosa uma releitura da noção de soberania estatal face à efetividade dos direitos transfronteiriços, criando assim uma ‘soberania hídrica relativa’” (UNNEBERG, 2012, p. 96).

5

(19)

apropriação privada da água constantes do vetusto Decreto nº 24.643/346, sendo esta um bem

de domínio público e de uso comum do povo (DEMOLINER, 2008, p. 31).

Assim, ultrapassadas tais considerações, verifica-se inclusão dos recursos

hídricos enquanto bens públicos, dentro da dicotomia clássica trazida pela tradição civilista

brasileira.

Tais bens são classificados legalmente quanto à sua destinação, conforme o já

aludido artigo 99 do Código Civil. Podem ser bens de uso comum, quando destinados à

utilização geral dos indivíduos; bens de uso especial, quando visarem à execução de serviços

administrativos ou serviços públicos em geral; ou ainda bens dominicais, aqueles que não

possuem destinação específica e têm caráter residual, sendo ainda passíveis de alienação, por

constituírem objeto de direito pessoal ou real dos entes políticos (CARVALHO FILHO, 2007,

p. 969-972).

Relativamente aos recursos hídricos, contudo, é percuciente a afirmação de Paulo

Affonso Leme Machado (2009, p. 448), ao esclarecer a impossibilidade de se considerarem os

recursos hídricos enquanto bens dominicais do Poder Público, ou seja, passíveis de integrar o

patrimônio alienável dos entes políticos.7 Isso decorre não apenas dos dispositivos constitucionais já analisados – relativos ao caráter ambiental dos recursos hídricos -, mas também da explícita vedação do artigo 18 da Lei n 9.433/978.

Logo, restariam albergados pelo ordenamento jurídico pátrio apenas a

classificação dos recursos hídricos enquanto bens de uso comum ou bens de uso especial,

hipótese em que estariam atreladas a algum serviço ou situação de interesse público, como no

caso das outorgas de uso disciplinadas pela Lei nº 9433/97, cuja regulação será vista adiante.

Essa dicotomia clássica entre bens privados e públicos e suas respectivas

ramificações, contudo, deve ser analisada em conjunto com as demais transformações

promovidas pelo advento da Constituição Federal de 1988, que orientaram o ordenamento

jurídico brasileiro para um enfoque maior dado aos chamados direitos transindividuais, dentre

os quais se destaca o surgimento dos denominados bens difusos, que teriam como titulares

6

Corroboram o referido entendimento autores como Paulo Affonso Leme Machado (2009, p. 449), Cid Tomanik Pompeu (2010, p. 68), Eduardo Coral Viegas (2005, p. 83), Maria Luiza Machado Granziera (2006, p. 89), Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2011, p. 730) entre muitos outros.

7

Ressalte-se, por oportuno, o posicionamento de Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p. 902), para quem as águas públicas podem ser classificadas como dominicais, com base no artigo 6º do Código de Águas. Tal dispositivo, segundo o entendimento ora defendido, não se encontra recepcionado pela Constituição Federal e está tacitamente revogado pela Lei nº9.433/97.

8

(20)

pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, conforme o artigo 81, parágrafo

único, inciso I da Lei nº 8.078/90.

Assim, dentro da concepção ora estudada, lastreada no disposto no artigo 225 da

Constituição Federal - que caracteriza o bem ambiental como bem de uso comum do povo e

essencial à qualidade de vida - sugere-se atualmente uma interpretação além da dicotomia

supracitada, consubstanciada nas teorias surgidas pela doutrina italiana no sentido de

vislumbrar a natureza jurídica difusa dos bens ambientais, dentre as quais se incluiria os

recursos hídricos (YOSHIDA, 2007, p. 38).

Caberia, portanto, para a caracterização de um bem ambiental, a verificação de

dois aspectos: sua qualificação como bem de uso comum do povo, nos moldes trazidos pela

doutrina administrativista, e sua essencialidade à sadia qualidade de vida, cuja qualificação

estaria lastreada na sua capacidade intrínseca de garantir a dignidade da pessoa humana

(FIORILLO, 2011, p. 183), garantia esta que constitui verdadeiro fundamento do Estado

Democrático de Direito.

Ademais, os bens ambientais atribuídos a entes federados pela Constituição

Federal não obstam à interpretação ora adotada, mormente em consonância com a visão

sistemática da Carta Magna, tendo em vista o disposto no já referido artigo 225.

Dessa forma, os bens que possuem a característica de bem ambiental (ou seja, os

bens que são considerados de uso comum do povo e indispensáveis à sadia qualidade de

vida), mesmo quando atribuídos a entes federados, como no caso dos recursos hídricos, não

serão tidos como bens de propriedade da União ou dos Estados, mas sim pertencentes à

coletividade, atuando o ente político respectivo como mero gestor do bem, sempre com a

participação direta da sociedade (FIORILLO, 2011, p. 187) 9.

Esse entendimento, inclusive, se encontra albergado pela jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal, que, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 300244-910,

avançou significativamente no sentido da teoria ora estudada, ao interpretar a natureza

jurídica do dever de proteção à Mata Atlântica, a fim de designar a justiça competente para

9

Entendimento semelhante pode ser encontrado em Álvaro Luiz Valery Mirra (1994, p. 706).

10 A título ilustrativo, segue a ementa do referido julgado: “EMENTA: Competência. Crime previsto no artigo

(21)

julgar ação penal contra acusado de praticar suposta infração penal em detrimento daquele

bem ambiental.

Com efeito, o Relator Ministro Moreira Alves, ao lavrar seu voto, assim se

pronunciou:

Pela circunstância de o § 4º desse artigo 225 dispor que a Mata Atlântica – que é a que está em causa – é patrimônio nacional, não quer isso dizer que ela seja bem da União. (...)

Portanto, não sendo essa Mata de propriedade da União, a competência da Justiça Federal para processar e julgar originariamente o acusado (...) só se justificará se essa infração penal acarretar detrimento a interesse da União (...).

No caso, a inclusão da Mata Atlântica no que a Constituição denomina de “patrimônio nacional” se fez para a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado a que todos – e, consequentemente, a coletividade brasileira – têm direito.

Tal entendimento foi seguido pelo Supremo Tribunal Federal em outros julgados, a

exemplo dos Recursos Extraordinários nº29985611, nº 34919612 e nº 34918913, que denotam a

posição pacífica do referido Tribunal no sentido ora apontado.

Outrossim, o Pretório Excelso adotou ainda posicionamento similar no recente

julgamento do HC 89.878, sob a relatoria do Ministro Eros Grau, no sentido de diferenciar os

bens públicos dos bens difusos, conforme se pode verificar na ementa a seguir:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ARTS. 2º DA LEI N. 8.176/91 E 55 DA LEI N. 9.605/98. TUTELA DE BENS JURÍDICOS

11

EMENTA: PENAL. ACÓRDÃO QUE CONCLUIU PELA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM PARA JULGAR O CRIME PREVISTO NO ART. 46, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N.º 9.605/98. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 109, IV; E 225, § 4.º, DA CF. Inexistência das inconstitucionalidades apontadas, haja vista não se enquadrar a Mata Atlântica na definição de bem da União e não se estar diante de interesse direto e específico desta a ensejar a competência da Justiça Federal. Precedente. Recurso extraordinário não conhecido.

12

EMENTA: COMPETÊNCIA. CRIME AMBIENTAL. ARTIGO 46, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N.º 9.605/98. TRANSPORTE DE MADEIRA SEM AUTORIZAÇÃO DO IBAMA, AUTARQUIA FEDERAL. JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. Hipótese em que não se configura a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento do feito, nos termos do art. 109, inciso IV, da Carta Magna, porque o interesse da União, no caso, se manifesta de forma genérica ou indireta. Precedentes: RE 300.244, Relator Ministro Moreira Alves (Primeira Turma) e HC 81.916, Relator Ministro Gilmar Mendes (Segunda Turma). Recurso extraordinário não conhecido.

13

(22)

DISTINTOS. REVOGAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Os artigos 2º da Lei n. 8.176/91 e 55 da Lei n. 9.605/98 tutelam bens jurídicos distintos: o primeiro visa a resguardar o patrimônio da União; o segundo protege o meio ambiente. 2. Daí a improcedência da alegação de que o artigo 55 da Lei n. 9.605/98 revogou o artigo 2º da Lei n. 8.176/91. Ordem indeferida.

Importante ressaltar que tal tese, já defendida por Celso Antônio Pacheco Fiorillo

(2011, p. 181), não configura uma ameaça ao princípio da legalidade ou óbice ao mandamento

da supremacia do interesse público, que regem a atuação da Administração Pública.

O que ocorre, em verdade, é a distinção entre a titularidade dos bens públicos,

pertencentes ao Estado – mesmo que sua gestão esteja adstrita ao interesse coletivo – e a titularidade dos bens difusos, pertencentes ao próprio povo e de cuja gestão participa ao lado

do Poder Público.

Relativamente aos recursos hídricos, indubitável sua natureza jurídica de recurso

ambiental14, enquanto portador de valores difusos tutelados no interesse da coletividade

beneficiária, nem sempre coincidentes com os interesses público-estatais e que, em regra,

conflitam com os valores econômicos na ordem econômica capitalista (YOSHIDA, 2007, p.

40).

Há, portanto, uma natureza poliédrica nos referidos recursos hídricos15, salientada por sua visão como bem difuso, bem de valor econômico e bem passível de uso múltiplo, o

que potencializa sua complexidade e conflituosidade no ordenamento jurídico brasileiro.

A esse respeito, inclusive, é a legislação aplicável à matéria, por meio da Lei nº

9.433/97, que reconhece ao mesmo tempo a natureza difusa dos recursos hídricos - em seu

artigo 1ª, inciso I, conforme interpretação defendida por esse trabalho – para logo em seguida admitir sua mensuração dentro dos valores da economia, conforme o inciso II do mesmo

artigo e o artigo 19, inciso I do supracitado diploma legal.

Ademais, aduz a referida lei que a Política Nacional dos Recursos Hídricos se

baseará em uma gestão dos recursos hídricos que proporcione o uso múltiplo das águas, com

reflexo direto na análise das prioridades para outorga do direito de uso dos recursos hídricos,

de acordo com o artigo 7ª, inciso VIII, do diploma legal em análise.

Por tais razões, Paulo Affonso Leme Machado (2009, p. 454) defende estar

explicitamente vedado ao Poder Público outorgar o direito de uso que somente possibilite um

14

A esse respeito, elucidativo também o art. 3ª, inciso V, da Lei nº 6.938/81, segundo o qual recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.

15

(23)

uso único para as águas, tendo em vista o referido artigo consubstanciar visão poliédrica do

tema, estimulando as simultâneas e sucessivas utilizações dos recursos hídricos.

Dentro desse contexto, compreende-se a gestão descentralizada e participativa

como um dos pilares da Política Nacional de Recursos Hídricos, em conformidade com o

artigo 1º, inciso IV, que aduz o dever de atuação conjunta por parte do Poder Público, dos

usuários e das comunidades.

Percebe-se, pelo exposto, que tal fundamento deve ser associado como uma

decorrência lógica da concepção difusa e poliédrica dos recursos hídricos, uma vez que a

titularidade desses recursos é atribuída à própria coletividade, que possui o direito de assumir

postura ativa na gestão dos bens de sua propriedade16, juntamente com o Poder Público. Tal problematização ganha ainda novos contornos diante de suas intrincadas

relações com a participação popular nos mecanismos de gestão dos recursos hídricos, a partir

de uma perspectiva ambiental e administrativa, que considera não apenas o direito de

participação popular no gerenciamento de recursos ambientais, mas também tem por escopo

construir eficiente e principiológica atuação administrativa, no sentido de garantir o alcance

coletivo ao precioso bem.

16

(24)

3 PARTICIPAÇÃO POPULAR E RECURSOS HÍDRICOS

Tendo em vista o entendimento aqui esposado a respeito da natureza jurídica dos

recursos hídricos, cumpre inicialmente esboçar uma compreensão dos institutos primeiros que

envolvem o conceito de democracia participativa no Estado de Direito, para em seguida

salientar a importância destes instrumentos de participação pública na esfera administrativa,

associados às transformações vivenciadas pelo Direito Administrativo na atualidade.

A questão perpassa, contudo, por um necessário recorte epistemológico que

enfatiza tal participação como um dos pilares de uma nova dogmática legitimadora desse

ramo jurídico, surgida a partir do duplo desafio: aperfeiçoamento do controle social e

aumento da eficiência da Administração Pública (BAPTISTA, 2003).

Ultrapassadas tais questões, parte-se então para a análise dos seus reflexos na

defesa do meio ambiente, inclusive tendo em vista a orientação principiológica que enfatiza a

participação social enquanto norteadora do próprio estudo do Direito Ambiental, cabendo

necessário destaque para a gestão pública dos recursos ambientais, a fim de se verificar o

contexto teórico de seu surgimento e as vantagens proporcionadas por um modelo de gestão

descentralizado e participativo.

3.1 Democracia e participação no Estado de Direito

Enquanto conceito histórico, a democracia possui em seu bojo um conteúdo

eivado de enriquecimentos e de alterações provenientes das convulsões socioeconômicas

ocorridas ao longo dos anos em torno do poder político.

Com efeito, mais do que uma definição abstrata e estática, a democracia

pressupõe um processo dinâmico17 de conquistas históricas e de afirmação popular em sua luta diária e constante pela garantia de seus direitos fundamentais básicos (SILVA, 2008, p.

126).

17

(25)

Em termos constitucionais, a vigente Carta Magna expressa já em seu artigo

1º a sua vertente democrática, constituindo a República Federativa do Brasil em um Estado

Democrático de Direito, cujo poder emanará do povo, que o exercerá por meio de seus

representantes eleitos ou ainda diretamente, nos termos da Constituição, consoante o

parágrafo único do referido dispositivo.

Ora, não obstante a sua evolução dialética, a própria etimologia do

instituto18 já reflete a essência eminentemente participativa da democracia (BOBBIO, 2007, p.

25) 19. Por essa razão inclusive é que repousa sobre dois princípios básicos: o da soberania popular, segundo o qual o povo é a única fonte do poder; e a participação direta ou indireta do

povo, para que o poder político seja efetiva expressão da vontade popular (SILVA, 2008, p.

131).

Historicamente, a participação popular nos regimes ditos democráticos tem

variado de acordo com suas respectivas concepções de Estado, cabendo destaque, dentro dos

interesses do presente trabalho, para os seus reflexos na Idade Moderna, a partir do advento

do denominado Estado liberal20.

Surgido após a Revolução Francesa com uma essência eminentemente

racionalizadora e burguesa, a democracia do Estado liberal constituía mero princípio

constitucional programático, incorporando a predominância quase absoluta das liberdades

individuais, a serem exercidas mediante representação político-eleitoral, o que culminaria na

debilitação da legitimidade estatal e numa verdadeira antinomia entre Estado e sociedade

(BONAVIDES, 2001, p. 160).

Posteriormente, surge no final do século XIX e no início do século XX o

denominado Estado Social, fruto das incongruências da liberdade formal propagada pela

classe burguesa dominante, que culminaram em diversas lutas sociais advindas das severas

desigualdades acarretadas pelo referido regime, com destaque histórico para a Revolução

Socialista de 1917.

18

Do grego demokratia, que significa governo do povo.

19

Nesse sentido, acrescenta ainda o referido autor que “por lo demás, también para una definición mínima de democracia, como es la que adopto, no basta ni la atribución del derecho de participar directa o indirectamente en la toma de decisiones colectivas para un número muy alto de ciudadanos ni la existencia de reglas procesales como la de mayoría (o en el caso extremo de unanimidad). Es necesaria una tercera condición: es indispensable que aquellos que están llamados a decidir o a elegir a quienes deberán decidir, se planteen alternativas reales y estén en condiciones de seleccionar entre una u otra.”

20

(26)

Por conseguinte, o regime democrático dessa concepção política foi

marcado pelo fortalecimento estatal, então considerado um instrumento indispensável para

mitigar as profundas desigualdades sociais advindas do regime anterior, notadamente por

meio de políticas intervencionistas e regulatórias, que, contudo, pouco afetaram as estruturas

primordiais sobre as quais se erigiram o denominado Estado Moderno. Como diria Paulo

Bonavides (2001, p. 151), “era, assim, o Estado social do Estado, e não o Estado social da

Sociedade”.

Logo, apesar de ter contribuído para uma relativa ampliação dos

mecanismos de participação, a denominada democracia social ainda era considerada

predominantemente representativa, exercida em regra por meio dos partidos políticos, que

restaram bastante fortalecidos no decorrer do século XX (MIRRA, 2010, p. 34).

Outrossim, a ampliação das intervenções estatais na economia e na

sociedade acabou por acarretar o primado da eficiência técnica, com a conseqüente

tecno-burocratização da máquina estatal, ainda muito distante da sociedade civil, numa verdadeira

consagração do que Elival da Silva Ramos (1991, p. 62) chamou de “governo para o povo

sem o povo”.21

Contemporaneamente, portanto, a insuficiência de tais concepções estatais

tem estimulado o interesse em um Estado Social feito pela Sociedade e voltado para ela,

assim defendido por Paulo Bonavides (2001, p. 151):

É Estado social nonde o Estado avulta menos e a Sociedade mais; onde a liberdade e a igualdade já não se contradizem com a veemência do passado; onde as diligências do poder e do cidadão convergem, por inteiro, para trasladar ao campo da concretização de direitos, princípios e valores que fazem o Homem se acercar da possibilidade de ser efetivamente livre, igualitário e fraterno.

É nesse sentido que avulta a importância da democracia participativa,

enquanto modalidade presente no Estado Social contemporâneo em contraposição às

ideologias neoliberais22 e assentada na pretensão cidadã à titularidade direta e imediata do poder (BONAVIDES, 2001, p. 163-166).

Essa modalidade democrática permite não apenas a ampla participação

popular nas decisões políticas que lhe dizem respeito, mas também traz uma nova forma de

21

Tais razões acarretaram a crise de legitimidade da democracia social, entendida por Diogo de Figueiredo Moreira Neto (1992, p. 4) como “a compatibilidade do poder político instituído na sociedade com os interesses e valores nela prevalentes”.

22

(27)

relação entre Estado e Sociedade, transferindo práticas e informações do nível social para o

nível administrativo e possibilitando ainda que setores vulneráveis e minoritários da sociedade

também consigam se envolver nas decisões públicas, na medida em que aumenta o número de

atores sociais envolvidos na gestão estatal (SANTOS, 2002, p. 54).

Importante assinalar, por oportuno, a existência de quatro princípios cardeais que

compõem a estrutura constitucional da democracia participativa, elencados por Paulo

Bonavides (2001, p. 10-11) em obra específica sobre o tema.

São esses: o princípio da dignidade da pessoa humana, que fundamenta o próprio

Estado Democrático de Direito e os demais direitos e garantias fundamentais; o princípio da

soberania popular, que compreende desde a premissa básica de que todo o poder emana do

povo até a orientação sobre organização estrutural de governo, enquanto fonte legitimadora de

qualquer autoridade pública; o princípio da soberania nacional, implícito e decorrente do

anterior, segundo o qual é afirmada a independência do Estado perante qualquer esfera de

poder interna, assim como a sua igualdade na esfera jurídica internacional; e o princípio da

unidade da Constituição, que constitui elemento hermenêutico de integração das normas

constitucionais, entendido tanto em seu aspecto lógico (hierarquia de normas), como em seu

aspecto axiológico (ponderação de valores para concretizar os princípios constitucionais).

A esse respeito, inclusive, é que se afirma a intrínseca relação entre a efetiva

aplicabilidade dos direitos fundamentais e a construção de um espaço

democrático-participativo (SARLET, 2001, p. 62-63), uma vez que tais princípios ainda se associam aos

demais valores constitucionais vigentes para atuarem como condições de existência e medida

da legitimidade de um autêntico Estado Democrático de Direito.

Por outro lado, compreendida a democracia enquanto um conceito dinâmico de

concepção histórica, verifica-se ainda sua particular importância nos países da América

Latina, cujo histórico recente de governos autoritários contribuiu para que houvesse uma

restauração democrática ampliativa e participativa, impulsionada pelos movimentos sociais,

em busca de uma redefinição de seu significado cultural e de sua repercussão na gramática

social vigente (SANTOS, 2002, p. 56).

Logo, além das referidas normas constitucionais e de suas orientações

principiológicas, essa conjuntura histórica contribui de maneira decisiva para a crescente

(28)

jurídicos, cada vez mais estimulados enquanto modalidade que mais se coadunam à atual

hermenêutica constitucional e às necessidades de um Estado Democrático de Direito23.

3.2 A participação popular na esfera administrativa

A Administração Pública, umbilicalmente atrelada aos rumos estatais, sofreu

também, ao longo dos anos, os reflexos relativos às transformações vivenciadas na própria

concepção de Estado, conforme já visto.

Na visão do Estado liberal clássico, portanto, o direito administrativo servia

basicamente à proteção dos administrados em face da dos administradores (BAPTISTA, 2003,

p. 18), consubstanciando uma reação dialética histórica ao permanente conflito entre

autoridade e liberdade (GORDILLO, 1998, p. 122)24.

Contudo, com a substituição pelo Estado Social, vivenciou o Direito

Administrativo transformações significativas, trazendo para o bojo da função administrativa o

incentivo à implementação de políticas públicas positivas e intervencionistas, o que veio a

acarretar uma série de crises, conforme já visto, dentre as quais se destaca para o presente

trabalho a excessiva tecnoburocracia, predominante até a década de 80 (MIRRA, 2010, p. 68)

e que culminou numa exigência maior de participação cidadã na atuação estatal.

É nesse cenário de profundas transformações que se insere o Direito

Administrativo contemporâneo, cuja necessidade de adaptação às evoluções políticas

justificou uma revisão teórica substantiva de seus institutos fundamentais25. Com efeito, nas

palavras de William Paiva Marques Júnior (2009, p. 255):

Com o abandono da idéia de Estado Liberal e abstencionista e o consequente desenvolvimento e amadurecimento de um modelo estatal voltado à satisfação do bem-estar de seus cidadãos, necessária se faz a reconstrução da dogmática do Direito Administrativo e de seu papel. Passamos de um modelo autoritário e arbitrário para

23

Paulo Bonavides (2001, p. 20), inclusive, defende a existência atual de um Estado democrático-participativo, cujo impacto e definição adquirem particular aplicabilidade nos países ditos de terceiro mundo e que serviria de instrumento de libertação e de justiça social para as referidas nações periféricas.

24 Com efeito, assim sintetiza o referido teórico argentino: “La historia registra primero el despotismo estatal

sobre los individuos; luego y como reac-ción, la exacerbación de los derechos del individuo frente a la sociedad; por fin y como anhelo, el equilibrio razonado de los dos elementos esenciales del mundo contemporáneo libre: individuo y sociedad, individuo y Estado.” (1998, p. 123)

25

(29)

uma sistemática consensual e voltada ao atendimento do bem-estar coletivo em um viés isonômico e garantista.

Impulsiona-se, portanto, a hodierna atuação administrativa no sentido de conjugar

um duplo desafio26: aperfeiçoar o controle social de sua atuação e elevar a eficiência do

desempenho administrativo (BAPTISTA, 2003, p. 20-22).

Desse desafio resultam igualmente dois paradigmas essenciais à verificação de

uma nova dogmática administrativa legitimadora27: a constitucionalização da Administração Pública e a necessidade de democratização da atuação administrativa, por meio de uma maior

participação dos administrados na condução das políticas públicas (BINENBOJM, 2008, p.

77) 28.

O segundo aspecto há de ser enfatizado no presente trabalho, mormente no que

tange aos ideais de uma gestão pública compartilhada e participativa, albergados por uma

análise habermasiana do fenômeno, notadamente no que tange à Teoria Procedimental da

Democracia e de seus pressupostos informativos (LEAL, 2006, p. 60), que têm sido

frequentemente utilizados pela doutrina enquanto referencial teórico alternativo ao modelo

clássico de Administração Pública atualmente superado.

Nesse sentido, o autor de origem alemã enfatiza a existência e o desenvolvimento

das diversas organizações e movimentos sociais como instrumentos enriquecedores da

sociedade contemporânea, cujas deliberações comunicativas constituiríam bases legitimadoras

para a sua ação política, ainda que realizadas fora do âmbito estatal (HABERMAS, 1991, p.

141-159).

Diante dessa nova realidade e traçando comparações entre as concepções

republicanas e liberais de democracia clássica, defende o referido sociólogo então um modelo

de deliberação procedimental da democracia, em que os indivíduos possam se compreender

numa dimensão inter-subjetiva, de acordo com um princípio inclusivo e participativo dos

interessados no estabelecimento de normas regedoras de seu convívio social e na construção

de espaços públicos autônomos.

Partindo dessa premissa, conclui da seguinte forma:

26

Diogo Moreira de Figueiredo Neto trata o fenômeno de forma similar, a partir de um duplo patamar: eficiência e juridicidade, “com a finalidade de levar à eficiência de desempenho, sem incorrer em deficiência de juridicidade.” (2005, p. 12).

27

Rogério Gesta Leal (2006, p. 60), por sua vez, trata do assunto sob a dupla perspectiva da concepção de um Estado Administrador Contemporâneo e de seus fundamentos políticos e filosóficos; e por uma releitura da caracterização da cidadania, enquanto atriz social constitutiva do poder político e de seu exercício.

28

(30)

E dessa visão da democracia segue-se normativamente a exigência de um deslocamento do centro de gravidade da relação entre os recursos representados pelo dinheiro, pelo poder administrativo e pela solidariedade, dos quais as sociedades modernas se valem para satisfazer sua necessidade de integração e de regulação (...), com base em amplamente diversificados espaços públicos autônomos e em procedimentos de formação democrática da opinião e da vontade políticas, institucionalizadas em Estado de Direito; e, com base no meio do Direito, deve ser capaz de afirmar-se também contra os outros dois poderes: o dinheiro e o poder administrativo (HABERMAS, 1995, p. 48).

Logo, na gestão dos interesses comunitários, esses diversos atores sociais devem

se desvincular de compreensões pré-conceituais subjetivas a fim de apreenderem a dimensão

pública de sua inserção no processo político-deliberativo e dos seus múltiplos efeitos no meio

em que interagem, o que demandaria ainda uma mudança comportamental dos cidadãos,

afastando-os da condição de meros consumidores de favores estatais (LEAL, 2006, p. 63).29

Dentro dos pressupostos ora lançados, a referida teoria possui em seu bojo

estratégias de elevada relevância para potencializar os novos rumos da Administração Pública

como um efetivo espaço de interlocução e deliberação compartida de políticas públicas

(LEAL, 2006, p. 68), a partir de um fundamento de inclusão intersubjetiva que amplia as

experiências tradicionais de representação política a fim de angariar resultados que

efetivamente correspondam às aspirações populares.

Analisada essa premissa teórica, cumpre inseri-la então nas bases anteriormente

delineadas acerca das transformações do Direito Administrativo. Para tanto, será utilizada a

classificação elaborada por García de Enterría (1993, p. 85) acerca das modalidades de

participação administrativa30.

Inicialmente, divide o administrativista espanhol a participação do indivíduo

enquanto titular de direitos subjetivos próprios – denominada por ele de uti singulus – da sua participação enquanto membro de uma coletividade - designada como participação uti socius

29

A respeito da insuficiência da mera criação de novos espaços públicos deliberativos, o autor cita o exemplo dos Conselhos Municipais - criados de forma embrionária na sociedade brasileira após a Constituição Federal de 1988 - realizados de forma pré-ordenada e com pautas decisionais já estabelecidas, o que acaba por mitigar a reflexidade junto aos membros da comunidade atingidos pelas medidas a serem executadas e resulta num espaço comucativo “deveras exíguo, quiçá ficcional, pelo fato de que não há um processo de discussão democrático, fundado em momentos e mecanismos de envolvimento orgânico de seus partícipes” (LEAL, 2006, p. 64).

30

(31)

ou uti cives - , de tal sorte que apenas a segunda poderia ser qualificada como participação administrativa em sentido estrito, por consignar uma atuação em defesa de interesses

comunitários ou sociais.31

Em seguida, considerando o círculo de atuação dos indivíduos na função

administrativa, estabelece uma subdivisão em três grupos: a participação orgânica, quando

estes passam a integrar os órgãos administrativos, colaborando para o seu funcionamento; a

participação funcional, em que os cidadãos atuam a partir de sua posição privada no auxílio

do desenvolvimento de políticas públicas, a exemplo das petições dirigidas ao poder público;

e a participação cooperativa, quando o indivíduo, sem sair de sua condição privada, atua no

desempenho de atividades de interesse público, de que temos como exemplo clássico as

instituições do terceiro setor (ENTERRÍA; FERNANDEZ, 1993, p. 88-96).

No estudo do tema, García de Enterría (1993, p. 91) realiza ainda mais duas

distinções entre as formas de participação cidadã nos órgãos de uma administração

burocrática: a participação em órgãos auxiliares de assistência externa e a participação em

órgãos principais de decisão; e a participação por representação de interesses, que se distingue

da participação de especialistas.

A respeito desta subclassificação, por interessar mais de perto ao presente

trabalho, cabem algumas considerações adicionais acerca da participação por representação de

interesses. Acerca de sua distinção com a representação política clássica, desenvolve o autor:

La representación de interesses no solo no es uma representación política [...], sino que tampouco es uma representación de voluntad, que supone um representante que actúa em el lugar del representado y com effectos jurídicos sobre este; aqui se trata de assegurar uma conexión entre la actividad del llamado representante com las necessidades, las exigências, los interesses de otras personas o grupo de personas. (ENTERRÍA; FERNÁNDEZ, 1993, p. 91)

Desse modo, tal modalidade de gestão ultrapassaria a mera representação política

tradicional, servindo ao objetivo precípuo de aderir ao órgão administrativo os interesses a

que verdadeiramente deve servir. Para isso, extrair-se-ia o agente do seu grupo social para que

este servisse como verdadeiro intérprete valorativo daquele grupo a que pertence.

Por outro lado, as classificações ilustradas acima podem ainda ser conjugadas em

três vetores fundamentais, conduzindo ao fenômeno da participação popular enquanto

instrumento legitimador da Administração Pública contemporânea: a ponderação de

31

(32)

interesses, a processualização e a consensualidade na atividade administrativa (BAPTISTA,

2003, p. 177), esta última, de particular interesse para o presente trabalho, por englobar o

conceito de gestão participativa (ou participação orgânica) na esfera administrativa.

Assim é que a Administração Pública consensual32, por sua vez, pode ser

subdivida em três gêneros, segundo a natureza da função e o resultado administrativo

intentado: a decisão consensual, tendo em vista a promoção do interesse público, a execução

consensual, tendo em vista a satisfação do interesse público e a solução de conflitos

consensual, tendo em vista a recuperação deste interesse público (MOREIRA NETO, 2008, p.

336).

De acordo com Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2008, p. 338-339), a gestão

participativa estaria inserida no gênero decisão consensual, enquanto elemento determinante

da formação da atividade administrativa. Tal classificação, contudo, apresenta contrariedades

quando associada às outras modalidades consensuais, uma vez que não se limita a atividade

de gestão à tomada de decisões, no que se difere fundamentalmente das demais espécies

elencadas pelo autor, tais como o plebiscito, o referendo ou a audiência pública.

Logo, considerando as premissas teóricas habermasianas já aqui expostas,

revela-se insuficiente o uso da referida classificação, cabendo adotar, na espécie, a divisão proposta

por Patrícia Baptista (2003, p. 281), baseada nos estudos italianos em torno da Comissão

Nigro para a elaboração de uma lei geral da atividade administrativa.

A referida classificação, inicialmente tripartite - decisão consensual, gestão

consensual e atividades inter-administrativas - comporta apenas dois elementos na

interpretação da supracitada mestra, eliminando-se, por óbvio, as atividades que não

envolvessem a possibilidade de participação popular direta nos instrumentos do Poder Público

(BAPTISTA, 2003, p. 281).

Dentro desse contexto, interessa particularmente ao presente trabalho a espécie

gestão consensual, expressão jurídica destacada pelos juristas italianos enquanto aplicação do

princípio da subsidiariedade, que determina a repartição de atribuições entre diferentes esferas

sócio-jurídicas, cabendo a execução preferencial às comunidades menores das atividades de

interesse predominantemente local.33

32

Também chamada de administração concertada ou soft administration (BAPTISTA, 2003, p. 272)

33

(33)

Esse princípio, por seus próprios fundamentos, possui profundos elos com a

participação administrativa, na medida em que atuam em conjunto com o mesmo objetivo:

induzir a uma conscientização das coletividades interessadas enquanto protagonistas sociais,

para que não apenas exerçam um maior controle a respeito das atividades estatais, mas

também para que elaborem e executem decisões sobre as políticas públicas que lhe dizem

respeito. Na mesma linha, segue o entendimento de Silvia Faber Torres (2001, p. 141):

A participação, portanto, aparece, ao lado da subsidiariedade, como um dos grandes princípios constitucionais da atualidade, buscando, ambos, a valorização dos indivíduos e dos grupos intermédios e o fortalecimento do Estado Democrático de Direito. Complementam-se e condicionam-se, demandando a subsidiariedade, como contraponto da descentralização que implica uma participação crescente dos entes sociais na busca integrada do bem comum.

Quando aplicado ao Direito Administrativo, portanto, o referido princípio

consubstancia as premissas teóricas de uma gestão democrática e participativa, colaborando

para a consecução das atividades de interesse público por meio de uma esfera intermediária

entre o Estado e o indivíduo (BARACHO, 1996, p. 27).

3.3 A participação popular na defesa do meio ambiente

Considerada um dos pontos nucleares da tutela ambiental, a participação

se eleva ao patamar de verdadeiro princípio no estudo do direito do meio ambiente, com

fundamento na redação legal do artigo 225 da Constituição Federal34, que exige da coletividade, juntamente com o Poder Público, a necessária proteção e preservação desse bem

difuso que lhe pertence (FIORILLO, 2011, p. 123).

Nesse sentido, inclusive, a seara ambiental é tida como pioneira na inclusão da

participação popular como elemento necessário para a adequada proteção dos bens de

interesse difuso35, proporcionada pela pressão dos mais diversos segmentos da sociedade civil

34

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

35

(34)

e impulsionada por seu reconhecimento em âmbito internacional, mormente em conferências

e em fóruns promovidos pela Organização das Nações Unidas sobre a temática (MIRRA,

2010, p. 42).

A título ilustrativo, destaca-se já a primeira conferência específica das Nações

Unidas pra lidar com a temática ambiental, realizada em Estocolmo no ano de 1972 e

denominada Conferência do Meio Ambiente Humano.

Já nessa ocasião foram reunidos, além das delegações oficiais dos Estados, cerca

de 700 (setecentos) observadores enviados por organismos não-governamentais com atuação

na área ambiental, o que já demonstra o nítido envolvimento da sociedade civil nas

deliberações sobre o assunto, cabendo salientar inclusive a ocorrência de eventos paralelos no

mesmo período, organizados por movimentos sociais e grupos ecológicos que não se sentiam

representados pelas delegações oficiais (MIRRA, 2010, p. 44), situação essa que

tradicionalmente se repete nas demais conferências ambientais ao longo dos anos36.

Posteriormente a esse evento, outras conferências foram realizadas, inclusive com

menção expressa à importância da participação popular em seus documentos oficiais. Nesse

sentido, Lynda Collins (2007, p. 129) elenca alguns importantes exemplos, como o princípio

23 da Carta Mundial da Natureza, segundo o qual todas as pessoas, de acordo com suas

legislações nacionais, devem ter a oportunidade de participar, individualmente ou não na

formulação de decisões no que concerne ao meio ambiente e devem ter acesso aos meios de

reparação quando o seu meio ambiente haja sofrido dano ou degradação37, a Agenda 21, entre

seus capítulos 23 e 32, a partir dos quais se afirma que um dos pré-requisitos fundamentais

para se alcançar o desenvolvimento sustentável é a ampla participação social na elaboração de

decisões38, ou ainda o princípio 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento, segundo o qual as questões relativas ao meio ambiente são mais bem

tratadas com a participação de todos os cidadãos diretamente interessados. No âmbito

nacional, cada indivíduo deveria ter acesso apropriado às informações referentes ao assunto,

tradicionais e os mecanismos de participação democrática direta da população. (VARELLA; PLATIAU, 2004, p. 10).

36

Recentemente, por exemplo, paralelamente à Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (UNCDS) Rio + 20, realizada no ano de 2012, foi organizada a Cúpula dos Povos, evento promovido pela sociedade civil global, partindo das insatisfações com a pauta da conferência oficial e de sua capacidade de mitigar as históricas injustiças sociais e ambientais.

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Principle 23 - all persons, in accordance with their national legislation, shall have the opportunity to participate, individually or with others, in the formulation of decisions of direct concern to their environment, and shall have access to means of redress when their environment has suffered damage or degradation.

38 De acordo com a referida autora (2007, p. 130), “Agenda 21 recognized that one of the fundamental

Referências

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