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Academic year: 2021

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DEPARTAMENTO DE ECONOMIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - CNM CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS

Eduardo Coelho Lopes

Pequenas Empresas e Grandes Negócios: a relação entre informalidade e

empreendedorismo no Brasil

Florianópolis 2021

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Eduardo Coelho Lopes

Pequenas Empresas e Grandes Negócios: a relação entre informalidade e

empreendedorismo no Brasil

Monografia apresentada ao Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito obrigatório para a obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas.

Orientador: Prof. Dr. Ricardo Lara

Florianópolis 2021

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Lopes, Eduardo Coelho

Pequenas Empresas e Grandes Negócios: : a relação entre informalidade e empreendedorismo no Brasil / Eduardo

Coelho Lopes ; orientador, Ricardo Lara, 2021. 72 p.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Sócio

Econômico, Graduação em Ciências Econômicas, Florianópolis, 2021.

Inclui referências.

1. Ciências Econômicas. 2. Padrão de Reprodução de Capital. 3. Informalidade. 4. Empreendedorismo . I. Lara, Ricardo. II. Universidade Federal de Santa Catarina. Graduação em Ciências Econômicas. III. Título.

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Eduardo Coelho Lopes

Pequenas Empresas e Grandes Negócios: a relação entre empreendedorismo e

informalidade no Brasil

Florianópolis, 16 de Setembro de 2021.

O presente Trabalho de Conclusão de Curso foi avaliado e aprovado pela banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof.(a) Ricardo Lara, Dr.(a) Universidade Federal de Santa Catarina

Prof.(a) Lauro Francisco Mattei, Dr.(a) Universidade Federal de Santa Catarina

Prof.(a) Adriana D’Agostini, Dr.(a) Universidade Federal de Santa Catarina

Certifico que esta é a versão original e final do Trabalho de Conclusão de Curso que foi julgado adequado para obtenção do título de Bacharel em Economia por mim e pelos demais membros da banca examinadora.

____________________________ Prof.(a) Ricardo Lara, Dr.(a)

Orientador(a)

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Face ao atraso e à penúria, ser capaz de diagnosticar suas causas, denunciar os danos que acarretam e, ainda, prever as possibilidades de progresso contidas em cada situação. Dentro desta postura analítica, critica e prospectiva passam a ter igual peso dois tipos de preocupação: a explicativa, que deve alcançar maior rigor científico ao intencionalizar·se para servir à ação transformadora; e a valorativa, que precisa tornar·se persuasória para aliciar as forças potencialmente renovadoras. Na verdade, ambas têm limites precisos. Nem a explicativa pode ser um discurso inconsistente e desinteressado sobre questões irrelevantes; nem a valorativa pode entrar em contradição com a explicativa.

Darcy Ribeiro

Saio do trabalho E volto para casa E não lembro de canseira maior Em tudo é o mesmo suor

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Selma e José, e à minha irmã Elaine; por todo o esforço que permitiu a minha entrada e permanência na universidade, e pelo apoio e respeito incondicional por todas as minhas escolhas até aqui. Este trabalho é também fruto do trabalho de vocês.

Aos amigos, colegas, professores e camaradas que sempre se mantiveram firmes na luta pela universidade popular e por um ensino de economia menos dogmático e manualesco, e verdadeiramente comprometido com os problemas cotidianos que assolam nosso povo; a vocês devo a minha formação, minha indignação e minha convicção de que outro mundo é possível!

À Nathalia; por me compreender como mais ninguém, e por me permitir compartilhar toda uma vida ao seu lado.

À tantos amigos que me acompanharam ao longo desta caminhada, e que são profundamente responsáveis por eu ser quem sou. À Cinthia, por ser uma grande referência desde o início da graduação. À Adriana, Eduardo, Giuliano, Victoria, Samuel, Leonardo, Mariana, Isadora, e tantos outros, por tudo que vivemos. À Laryssa, César, Thays e Rafael, por serem uma verdadeira família para mim.

À Elisa, Gregório e Mariah; pela sorte de tê-los por perto nos divãs da Ponto de Vista em que compartilhamos as angústias, incertezas e alegrias que o isolamento nos provocou.

Ao meu orientador, Prof. Ricardo Lara; por toda a liberdade e apoio ao longo do desenvolvimento desta pesquisa, e por ser uma grande referência teórica.

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RESUMO

O desemprego e a informalidade são elementos essenciais à funcionalidade da economia dependente, e se expressam em maior ou menor grau de acordo com as exigências de cada momento histórico. A derrocada do padrão industrial brasileiro implode nos anos 1980 com a crise de hiperinflação e tem em seu marco o Plano Real, que promove uma reestruturação produtiva que irá impactar diretamente o mercado de trabalho no Brasil. Com a transição para o novo padrão de especialização produtiva, as políticas de emprego passam a promover o autoemprego através do fomento às micro e pequenas empresas e ao fortalecimento da ideologia do empreendedorismo. Desta forma, os pequenos negócios cumprem uma função vital à reprodução de capital no país, na medida em que alocam parcela significativa da superpopulação relativa que não é incorporada pelo novo eixo produtivo.

Palavras-chave: Informalidade; Empreendedorismo; Dependência; Padrão de Reprodução de

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RESUMEN

El desempleo y la informalidad son elementos esenciales para la funcionalidad de la economía dependiente, y se expresan en mayor o menor grado según las demandas de cada momento histórico. El colapso del estándar industrial brasileño implosionó en la década de 1980 con la crisis de la hiperinflación y tiene en su marco el Plano Real, que promueve una reestructuración productiva que impactará directamente el mercado laboral en Brasil. Con la transición al nuevo patrón de especialización productiva, las políticas de empleo comenzaron a promover el autoempleo a través de la promoción de la micro y pequeña empresa y el fortalecimiento de la ideología empresarial. De esta forma, las pequeñas empresas juegan un papel vital en la reproducción del capital en el país, ya que destinan una porción significativa de la sobrepoblación relativa que no es incorporada por el nuevo eje productivo.

Palabras clabe: informalidad; Emprendimiento; Dependencia; Patrón de

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

APL Arranjos Produtivos Locais

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CEBRAE Centro Brasileiro de Apoio à Média e Pequena Empresa CEPAL Comissão Econômica Para América Latina e Carive CNAE Classificação Nacional de Atividades Econômicas

DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos EPP Empresa de Pequeno Porte

Fampe Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas FGV Fundação Getúlio Vargas

Geampe Grupo Executivo de Assistência Técnica à Média e Pequena Empresa GEM Global Entrepreneurship Monitor

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INPC Índice Nacional de Preços do Consumidor IPEA Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas ME Microempresa

MEI Microempreendedor Individual MPE Micro e Pequena Empresa

OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico PAEG Programa de Ação Econômica do Governo

PEA População Economicamente Ativa PIA População em Idade Ativa

PIB Produto Interno Bruto

SEBRAE Serviço Brasileira de Apoio Às Micro e Pequenas Empresas

SIMPLES Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte

SUMOC Superintendência da Moeda e do Crédito URV Unidade Real de Valor

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Indicadores de Informalidade no Brasil (1994 – 1998) ... 37 Tabela 2: Índice de Desenvolvimento do Mercado Financeiro (Fórum Econômico Mundial) 57 Tabela 3: Índice de Desenvolvimento Financeiro (Fundo Monetário Internacional) ... 58 Tabela 4: Financiamento da Micro e Pequena Empresa no Brasil (2013-2017) ... 60 Tabela 5: Salário relativo em países selecionados da América Latina e da OCDE ... 62

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Empreendedorismo por oportunidade e necessidade como proporção da taxa de

empreendedorismo inicial no Brasil 2002 - 2017 ... 46

Gráfico 2- Motivos para Empreender (Canadá, Estados Unidos e Australia)... 46

Gráfico 3 - Total de Empresas por Porte no Brasil 2021 ... 49

Gráfico 4– Distribuição percentual das MPE’s por setor da economia 2021 ... 49

Gráfico 5 - Total de Emprego por Porte de Empresa... 50

Gráfico 6 -- Saldo de Vagas de emprego geradas por porte de empresa e ano ... 50

Gráfico 7- Empregados no setor privado sem carteira de trabalho assinada (em milhares) – 2014 a 2018 ... 51

Gráfico 8- Posição por Domicílio dos Empreendedores no Brasil ... 52

Gráfico 9- Posição por Domicílio dos Empreendedores no Brasil ... 53

Gráfico 10 - Carga de Trabalho Semanal dos Empreendedores ... 53

Gráfico 11- Concessão de crédito por instituição financeira ... 59

Gráfico 12- Produtividade relativa em países selecionados da América Latina e da OCDE (Em %) ... 62

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SUMÁRIO

CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO ... 13

1.1 TEMA E PROBLEMA DE PESQUISA ... 13

1. 2 OBJETIVOS ... 14

1.2.1 Objetivo Geral ... 14

1.2.2 Objetivos Específicos ... 14

1.3. METODOLOGIA ... 14

1.4. REFERENCIAL TEÓRICO ... 15

CAPITULO 2. A CONSTITUIÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO ASSALARIADO NO BRASIL ... 17

2.1 A CONDIÇÃO LATINOAMERICANA ... 17

2.2 O DESENVOLVIMENTO DO SUBDESENVOLVIMENTO ... 25

2.3 A CRISE E A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA ... 33

CAPITULO 3: AS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS ... 40

3.1 O PAPEL DAS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS NO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA... 40

3.2 A CRISE DO CAPITAL E AS PEQUENAS EMPRESAS ... 42

3.3 PANORAMA DAS MICRO E PEQUENO EMPRESAS NO BRASIL ... 48

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CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO

1.1 TEMA E PROBLEMA DE PESQUISA

O esforço da análise de pensar o Brasil prescinde da compreensão das determinações socioeconômicas que implicam a realidade. A economia como matriz de reprodução da vida social possui específica importância nesse quesito, na medida em que se desdobram de sua estrutura problemas crônicos como a desigualdade social, o desemprego e a informalidade. Ao contrário das explicações fenomênicas atribuídas a estes elementos, a que se sugerem serem derivados de políticas econômicas relativas à cada momento histórico em que se tornam explícitas as contradições capitalistas, uma compreensão mais próxima à complexa realidade brasileira só é passível de ocorrer se compreendendo a natureza do modo de produção brasileiro, seu padrão de reprodução e suas implicações no mundo do trabalho. No atual padrão de reprodução de capital, as micro e pequenas empresas cumprem papel fundamental na sustentação econômica, política e ideológica deste modo de produção (MALAGUTI, 2000), alocando a superpopulação relativa não absorvida pela indústria e instituindo ideologicamente a superação individual como resposta às grandes questões nacionais.

A implementação do Plano Real em 1994, decorrente do descontrole inflacionário e da crise do modelo de industrialização brasileiro, reformulou o padrão de reprodução de capital no país, instituindo a abertura comercial, o superávit primário e o sistema de metas de inflação como política nacional e ainda, promovendo a chamada reestruturação produtiva, que transformou profundamente o mundo do trabalho e implicou em um aumento drástico dos índices de desemprego e informalidade. Neste contexto, o empreendedorismo se consolidou como a resposta ideológica dominante aos problemas reais dos trabalhadores (MALAGUTI, 2000) que viram sua condição de vida se deteriorar drasticamente, aumentando expressivamente os micro e pequenos negócios – que crescem anualmente no Brasil.

Dessa forma, este trabalho se propõe a analisar as micro e pequenas empresas e responder as seguintes questões: Qual a função que cumprem as micro e pequenas empresas no processo de reprodução de capital no Brasil? Qual a relação entre pequenos negócios e informalidade no Brasil? Como o Estado brasileiro incentiva as micro e pequenas empresas?

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1. 2 OBJETIVOS

1.2.1 Objetivo Geral

Investigar as determinações econômicas, políticas e ideológicas das micro e pequenas empresas no Brasil.

1.2.2 Objetivos Específicos

i. Descrever o processo de formação e consolidação do mercado de trabalho assalariado brasileiro até os anos 1980.

ii. Discutir o processo de auge e declínio do padrão industrial brasileiro e a emergência do atual padrão de reprodução pautado pela especialização produtiva.

iii. Analisar o papel das micro e pequenas empresas no processo de reprodução de capital no Brasil.

1.3. METODOLOGIA

A pesquisa será conduzida a partir da análise teórico-bibliográfica e documental de caráter qualitativo e quantitativo, numa perspectiva de investigação que compreende a relação entre o objeto e a realidade socioeconômica através da produção teórica que o fundamente e dos documentos disponíveis do período em questão que permitam analisá-lo com o devido rigor. A pesquisa bibliográfica busca referenciar a discussão proposta na problematização, através da revisão de textos, artigos e teses produzidas por autores relevantes do tema. A pesquisa documental se debruçará através de fontes como tabelas estatísticas, relatórios, projetos de lei, discursos, informativos, depoimentos orais e escritos (SANTOS, 2000) e demais documentos que possuam relevância para o tema.

Para tanto, o presente estudo está sistematizado em três eixos centrais:

i) Análise das determinações da economia capitalista e a especificidade da economia brasileira

ii) Análise da formação e constituição do mercado de trabalho brasileiro na década de 1980 e suas transformações após o Plano Real

iii) Análise das especificidades das micro e pequenas empresas brasileiras e a sua relação com a informalidade

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A análise das determinações da economia global e da especificidade da economia brasileira ocorrerá através da revisão de bibliografia de autores que utilizam categorias da crítica da economia política (modo de produção, trabalho, transferência de valor, acumulação de capital, reprodução de capital, superpopulação relativa) e permitirá uma contextualização socioeconômica do objeto a ser estudado.

Para analisar a constituição do mercado de trabalho no período de 1980 e as transformações ocorridas a partir da década de 1990, nos debruçaremos sobre bibliografia crítica do campo da Economia e Sociologia do Trabalho, bem como a análise estatística de dados do período referente à ocupação da força de trabalho no mercado brasileiro, fornecida pelas séries históricas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) disponível em diversos estudos sobre o tema.

Para discutir as especificidades das micro e pequenas empresas brasileiras, será analisada sua categorização em diferentes campos, através da análise de bibliografia de autores do campo da crítica da economia política e análise de discursos veiculados em instituições midiáticas, governamentais e não governamentais. A análise documental se concentrará em documentos de instituições como o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e demais estudos que utilizem as bases do IBGE, que permitam distinguir a participação destes empreendimentos na economia brasileira setorialmente, bem como mensurar seus respectivos graus de produtividade, remuneração e quantidade de horas trabalhadas.

1.4. REFERENCIAL TEÓRICO

Conforme a sistematização apresentada na Metodologia, a presente pesquisa se estrutura a partir de três eixos centrais. A análise das determinações da economia capitalista e a especificidade da economia brasileira utilizará como referencial teórico, obras do campo da crítica da economia política, a começar por Marx (2013) onde se apresentarão algumas categorias de análise para concepção do modo de funcionamento da economia capitalista, tais como modo de produção, trabalho, acumulação de capital, reprodução ampliada e simplificada de capital, superpopulação relativa. Para a contextualizar o modo de produção brasileiro, se utilizará Marini (1991), que insere novas categorias de análise que demarcam as especificidades nacionais, como o intercâmbio desigual, a superexploração da força de trabalho e a limitação do mercado interno, e por fim, através da obra de Osório (2012) será possível distinguir o novo padrão de reprodução de capital brasileiro em vigor a partir dos anos 1990.

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Para a análise da formação e constituição do mercado de trabalho brasileiro se utilizará Kowarick (1994), que realiza uma leitura histórica da transição do modo escravista para o assalariamento livre no Brasil e aponta as determinações dessa estrutura na informalidade como constituinte do mercado de trabalho brasileiro, e Barbosa (2016), que também realiza uma leitura histórica do processo de industrialização, crise e constituição do mercado de trabalho na década de 80. Para analisar a crise dos anos 80, Marini (1992) apresenta uma leitura crítica da crise de endividamento externo e contribui para a leitura das transformações na estrutura produtiva que viriam a desembocar no Plano Real. Antunes (2008) analisa com especial atenção essas transformações, discorrendo sobre modelos de produção fordista e taylorista, a flexibilização do trabalho e a sua centralidade para o capital.

Para compreender as especificidades das micro e pequenas empresas brasileiras e a sua relação com a informalidade, essa pesquisa se utilizará de obras como Malagutti (2000), que defende que as MPE’s são saídas individuais para a crise social; Fernandes (2019) demonstra como a ideologia do empreendedorismo emerge necessariamente no bojo das reformas neoliberais da década de 90 como resposta à crise. Para expandir o panorama das MPE’s no Brasil e sua relação com a estrutura econômica nacional, se utilizará a análise de diversos relatórios e compilação de dados do SEBRE, Banco Central do Brasil e IBGE. Por fim, Osório (2012) aprofunda a categoria de padrão de reprodução de capital, contribuindo para as reflexões desta pesquisa em compreender qual o papel que cumprem as micro e pequenas empresas para a economia brasileira.

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CAPITULO 2. A CONSTITUIÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO ASSALARIADO NO BRASIL

2.1 A CONDIÇÃO LATINOAMERICANA

O desemprego, o subemprego e a informalidade são problemas crônicos na economia capitalista, que se evidenciam em maior ou menor grau a partir dos movimentos de expansão e crise do capital. Segundo Meszaros (2011), a crise estrutural decorrente do impulso de autoexpansão do capital implica em consequências devastadoras para os trabalhadores. O desemprego fundamenta-se na contradição antagônica da busca de lucro e acumulação do capital, que não condiz com os princípios de satisfação racional e humana.

Não muitos anos atrás era confiantemente previsto que todos os males sociais conhecidos, mesmo nas mais "subdesenvolvidas" partes do mundo, seriam ultrapassados pela "modernização" universal, em conformidade com o modelo americano. Caracteristicamente, contudo, somos agora confrontados por algo diametralmente oposto àquele quadro róseo. Pois as condições outrora confinadas, nos contos da "teoria do desenvolvimento" e da sabedoria governamental, às supostamente temporárias dificuldades do "subdesenvolvimento" estão agora a tornar-se claramente visíveis mesmo nos mais desenvolvidos países capitalistas. (Meszaros, 2005, p. 05)

Segundo Marx (2013) o emprego e o desemprego da força de trabalho acompanham os processos de acumulação de capital emdois movimentos que formam a lei geral da acumulação capitalista: 1) O aumento do preço da força de trabalho e multiplicação do proletariado, decorrente do aumento de capital e de sua necessidade de valorização 2) A diminuição relativa do capital variável na composição orgânica de capital, e a consequente queda dos salários dado o aumento do contingente da força de trabalho. Através dessa alteração na composição orgânica do capital, surge como necessidade de valorização um exército industrial de reserva, isto é, força de trabalho disponível ao capital, mas não empregada no setor produtivo que cumprem a função de rebaixar os salários desta economia.

Nas nações subdesenvolvidas, estes elementos combinam-se de forma indissociável à dinâmica de reprodução de capital, que essencialmente nega o trabalho e o consumo à classe trabalhadora. Nestes países, a superpopulação que não é absorvida pelas frágeis estruturas produtivas submete-se à postos de ocupação precários na indústria, no comércio e nos serviços, mal remunerados e com poucas garantias trabalhistas.

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No Brasil, a forma e estrutura do mercado de trabalho é a síntese de um passado escravista e colonial, de uma frágil e tardia industrialização e de uma reestruturação produtiva regressiva pautada pela reprimarização da economia. Em suma, o mercado de trabalho brasileiro é fruto de sua imbricação dependente à economia global, cujo desenvolvimento esteve sempre atrelado aos centros capitalistas e profundamente marcada pela existência de uma superpopulação relativa, uma massa de desempregados que cumpre a vital função de rebaixar salários e aumentar as margens de lucro das classes dominantes locais.

A concepção marxista concebe o capital como uma relação social que pressupõe uma reprodução ampliada de suas condições de existência, a saber, um modo de produção sustentado pela propriedade privada dos meios de produção, e da venda da força de trabalho por uma massa de trabalhadores aos detentores destes meios de produção. A produção de valor ocorrerá por meio do trabalho vivo – o capital variável, que juntamente ao capital constante (máquinas e equipamentos) produzirá os bens de consumo e de capital a que todos temos acesso. O lucro dos capitalistas se desdobrará da apropriação do excedente produzido pelos trabalhadores, ou seja, pela exploração de sua força de trabalho e apropriação privada desta produção essencialmente social.

Marx (2013) descreve a lei de acumulação de capital em três pontos. No momento inicial de acumulação há uma demanda crescente por força de trabalho que será integralmente incorporada ao sistema de produção até o nível em que o aumento de capital torna insuficiente a força de trabalho explorável, ocasionando na diminuição relativa da parte variável que produzirá uma superpopulação relativa, um exército industrial de reserva que servirá como excedente em relação a necessidade média de valorização de capital.

Na primeira etapa, o crescimento de capital implica necessariamente em uma maior demanda por capital variável, produtor de valor, aumentando proporcionalmente a força de trabalho e o nível dos salários. Seguido deste aumento no preço da força de trabalho, tem-se sua diminuição na medida em que esta deve acompanhar a necessidade de valorização de capital, que vê seu valor relativo diminuído dado o aumento de produtividade que decorre do avanço das forças produtivas. Tem-se então a criação de uma superpopulação relativa ou exército industrial de reserva que cumpre a função de equilibrar a relação da composição orgânica de capital.

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O limite para o emprego de trabalhadores é o mesmo, a saber, a possibilidade de o proprietário obter um lucro. Se a taxa de salário sobe tanto que o lucro cai abaixo do lucro médio, ele deixa de ocupá-las ou rebaixa o salário. (...) A acumulação capitalista produz constantemente, e na proporção de sua energia e volume, uma população trabalhadora adicional relativamente excedente, e, portanto, supérflua. (MARX, 2013, p.462)

Essa superpopulação existirá de diferentes formas de acordo com os momentos históricos e o desenvolvimento produtivo de cada formação social. A superpopulação latente se formará com a industrialização do campo, decrescendo em termos absolutos na medida em que se acumula o capital, e produzindo um intenso deslocamento de trabalhadores do campo para a cidade. Na indústria moderna o incremento da produtividade terá como consequência a queda da parcela variável da composição orgânica do capital, promovendo uma massa de desempregados, decrescente de acordo com a faixa etária que irá compor uma superpopulação flutuante à indústria, que será incorporada ao desenvolvimento industrial de acordo com seus ciclos de expansão. Por fim, os indigentes, os órfãos e filhos dos indigentes, os degradados e incapacitados para o trabalho irão compor a superpopulação relativa estagnada, aquela que se submete ao máximo de tempo de trabalho e o mínimo de salário, composta pelos trabalhadores supranumerários da indústria e do campo, reproduzindo e perpetuando a si mesmas na medida em que sua condição de vida está completamente controlada pelo nível de produção e distribuição da riqueza social. Para Marx (2013), “quanto maior forem as camadas lazarentas da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva, maior será o pauperismo oficial. ”

Respeitando as particularidades de cada formação econômica, a compreensão do processo de acumulação de capital ganha mediações históricas que vão além de uma transposição mecânica dos conceitos utilizados por Marx. No Brasil, os mecanismos fundantes dessa superpopulação relativa têm em suas raízes o período colonial, mas é somente ao longo da constituição do mercado de trabalho assalariado que ela se concretiza.

Segundo Kowarick (1994) a transição para o regime de assalariamento ocorreu por meio do impedimento do acesso à terra aos trabalhadores, conformando o impedimento objetivo ao trabalho e submetendo uma massa de força de trabalho inteiramente aos interesses do capital. Através de marcos institucionais como a lei de terras de 1850 e os contratos de parceria, em que os imigrantes submetiam as dívidas

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advindas de sua migração ao trabalho não remunerado, o capital ao longo de seu desenvolvimento na economia dependente garantiu a destruição das formas autônomas de subsistência da classe trabalhadora brasileira, atando os trabalhadores às terras dos senhores e mantendo o latifúndio como estrutura agrária hegemônica.

Para Barbosa (2016) em uma perspectiva de longa duração, são três os momentos históricos determinantes do mercado de trabalho brasileiro: 1) o não mercado de trabalho esterilizava o capital sob a forma do escravo. Sem haver uma economia formal, os serviços e comércio urbano passaram a ser ocupados de forma autônoma pelos livres brancos, mulatos e negros libertos; 2) a lenta transição demarcou uma nova configuração espacial das relações de trabalho entre 1850 e 1930, de intensa regulação estatal de condições trabalhistas e; 3) nacionalização e consolidação do mercado de trabalho, quando a realização de capital passa a se dar no mercado interno.

Kowarick (1994) enxerga que a formação escravista brasileira estava subjugada ao desenvolvimento do capital, de forma que o trabalho em cativeiro surgia como uma necessidade à acumulação primitiva de capital através da não repartição da terra (própria ao regime de assalariamento). O autor insere que “por definição, o sistema colonial impedia o surgimento de circuitos econômicos internos, na medida em que eles entravam em conflito com os interesses da burguesia mercantil metropolitana”. Enquanto a tendência ao monopólio internacional guinado pelos industriais europeus se concretizava no plano global, a estrutura colonial latino-americana aprofundava-se na concentração fundiária e monocultura da produção. Para Gorender (1990) o regime que o autor denominou de capitalismo primitivo e agroexportador, definia um tipo de capitalista que ao contrário dos seus pares dos países centrais, não se definia pelo capital como meio de produção, mas sim pela terra, e cuja acumulação ocorria através da capitalização da renda da terra até sua transformação definitiva em capital.

As determinações dos países periféricos configuram uma estrutura produtiva monopolista no campo e, segundo Kowarick (1994), a formação de um mercado de trabalho assalariado pautada pelo impedimento objetivo e subjetivo de acesso ao trabalho. Para o autor “o processo de produção capitalista cria o excedente mediante uma modalidade especifica de subjugar o trabalhador: este deve ser livre e expropriado”.

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Sem um mercado interno consolidado por um regime de assalariamento, os homens livres foram condicionados às economias de subsistência (brancos, índios, negros libertos, mulatos, cafuzos e mamelucos). Para Kowarick(1964), numa sociedade escravocrata, aqueles que não eram senhores perdiam sua razão de ser e “dessa forma, só restaria o trabalho ocasional, a atividade de subsistência ou o perambular pelos campos e cidades”. Na segunda metade do século XIX, na medida em que a mão de obra escravizada era liberada e a mão de obra livre negava-se ao trabalho por referencia-lo ao trabalho escravo, a forte imigração europeia constituiu um outro fator para o mercado de trabalho em constituição e, na medida em que se desenvolvia o empreendimento cafeeiro no centro sul do país, promovia-se uma economia assalariada utilizando-se do elemento nacional na figura dos homens livres e ex escravos e do elemento estrangeiro advindo dos fluxos de migração europeus.

Estas conformações sócio históricas estão inseridas num amplo contexto de desenvolvimento capitalista global, em que o Brasil se integra ao sistema de produção como nação periférica. Como propõe Gunder Frank (1965), deve-se adotar um modelo de análise entre satélite-metrópole a nível regional e global que enxergue as tendências de polarização sistêmica mundial/nacional/provençal/local/setorial de um sistema que o autor caracteriza como “marcado por flutuações e transformações na estrutura produtiva que altera a forma de dominação entre satélite e metrópole”. Assim, o período escravista do não mercado de trabalho assalariado, a lenta transição e a nacionalização do mercado de trabalho obedecem, em última instância, ao movimento global de acumulação de capital, a partir dos laços entre as (ex) colônias e suas metrópoles num processo de produção integrado.

Segundo Marini (2017), a América Latina se forma em meio a expansão mercantilista de um sistema global capitalista em formação. A integração do subcontinente ao mercado global acontece por uma dupla necessidade: o fornecimento de matérias-primas e o consumo de bens leves de produção. Neste período, as exportações latino-americanas concentram-se em alimentos (cereais, açúcar, café, carnes) e matérias-primas (cobre, couro, lã), e possibilitam tanto o rebaixamento do salário real pela redução do preço dos alimentos, como também o rebaixamento dos custos de produção e o estimulo à especialização produtiva através das matérias primas necessárias para o processo produtivo. Através do crédito público e privado inglês, desenvolveu-se uma estrutura colonial que possibilitou uma infraestrutura básica e condições políticas estáveis

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para manter um sistema de escoamento da produção e importação de bens, que desde o início imbricou o desenvolvimento latino-americano ao desenvolvimento dos países centrais e em especial a economia britânica.

Para o autor, deve-se diferenciar a condição colonial da condição dependência, pois ainda que uma seja continuidade da outra, há uma mudança de caráter qualitativo entre as duas. A condição plenamente dependente das economias latino-americanas ocorre por meio de sua oferta mundial de alimentos para a nascente indústria moderna, que permitirá aos centros uma especialização produtiva e aumento de produtividade, que, por sua vez, formará também o mercado de matérias-primas latino-americano.

Marini (1991) destaca ainda que a industrialização nos países centrais pressupõe um aumento na composição orgânica de seu capital, que através da absorção de máquinas e equipamentos – e, portanto, de trabalho morto – diminuirá a extração de mais valor da força de trabalho, levando a uma queda na taxa de lucro. A oferta de alimentos e matérias-primas a preços baixos surge como necessidade parar superar esse obstáculo da industrialização, na medida em que diminuindo o preço dos bens básicos de subsistência, aumenta-se seu salário real, equilibrando novamente a taxa de lucro dos capitalistas.

Assim sendo, o que é apropriado pelo capitalista não é diretamente a mais-valia produzida, mas a parte desta que lhe corresponde sob a forma de lucro. Como a taxa de lucro não pode ser fixada apenas em relação ao capital variável, mas sobre o total do capital adiantado no processo de produção, isto é, salários, instalações, maquinário, matérias-primas etc, o resultado do aumento da mais-valia tende a ser — sempre que implique, ainda que seja em termos relativos, uma elevação simultânea do valor do capital constante empregado para produzi-la — uma queda da taxa de lucro. Essa contradição, crucial para a acumulação capitalista, é contraposta por diversos procedimentos que, desde um ponto de vista estritamente produtivo, se orientam tanto no sentido de incrementar ainda mais a mais-valia, no intuito de compensar a queda da taxa de lucro, quanto no sentido de induzir uma baixa paralela no valor do capital constante, com o propósito de impedir que o declínio se apresente. Na segunda classe de procedimentos, interessa aqui o que se refere à oferta mundial de matérias-primas industriais, a qual aparece como contrapartida — desde o ponto de vista da composição-valor do capital — da oferta mundial de alimentos. Tal como se dá com esta última, é mediante o aumento de uma massa de produtos cada vez mais baratos no mercado internacional, que a América Latina não só alimenta a expansão quantitativa da produção capitalista nos países industriais, mas também contribui para que sejam superados os obstáculos que o caráter contraditório da acumulação de capital cria para essa expansão. (MARINI, 1991)

Dessa forma, o intercâmbio desigual aparecerá como o fenômeno central que estrutura a relação de dependência. A deterioração dos termos de troca fundamenta-se como uma transgressão à lei do valor, na medida em que o valor das mercadorias expresso

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nos preços comercializados no mercado mundial não corresponde ao valor trabalho incrementado em sua produção. As economias industriais que monopolizam a produção de bens manufaturados fixam um preço acima do seu valor na medida em que alcançam um grau de produtividade que lhe permite essa possibilidade, e as economias periféricas submetem-se a esta condição ao optarem por um mecanismo de compensação interno pautado pela superexploração da força de trabalho.

Segundo o autor, a perda de renda ocasionada no comércio internacional é sustentada, na economia dependente, pela intensificação da exploração do trabalhador ao invés do aumento da capacidade produtiva do trabalho. Este mecanismo de compensação é chamado pelo autor de superexploração da força de trabalho e se caracteriza pela junção de três componentes centrais: um aumento da intensidade do trabalho, o prolongamento da jornada de trabalho e a remuneração abaixo do valor, reduzindo o consumo do trabalhador para além do seu limite normal.

Para Marx a dimensão do valor da força de trabalho se desdobra no valor diário e no valor total, sendo “o valor diário da força de trabalho calculado pelo tempo médio de vida dos trabalhadores, de acordo com as condições dominantes na época” (OSÓRIO, 2012, p. 50). Segundo o autor, os processos de sobredesgaste que “encurtem o tempo de vida útil e de vida total, constituem casos em que o capital está se apropriando hoje dos anos futuros de trabalho e de vida”, pois neste caso, o trabalhador não pode dispor de mecanismos necessários para repor seu desgaste físico e psicológico, conformando assim uma violação do valor da força de trabalho. Este mecanismo operante nas economias dependentes não deve ser entendido apenas como a remuneração da força de trabalhos com baixos salários, mas a partir do conjunto de itens básicos para a reprodução de vida dos trabalhadores no mundo contemporâneo, devendo abarcar suas necessidades referentes a alimentação, moradia, saúde e educação.

É sobretudo no processo de valorização dos valores de uso que se definirá as particularidades de cada formação capitalista, pois “os processos produtivos de um ou outro valor de uso são diferentes, e diferentes são os consumidores e os mercados de tais produções, assim como as políticas estatais que daí se originam” (OSÓRIO, 2012, p. 46). Sobre essa determinação, o autor sugere a análise do capital, historicizando sua reprodução em duas dimensões históricas i) os tipos de valores de uso assumidos em cada

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formação e período histórico e ii) os processos de emergência, auge e declínio de determinado padrão de reprodução de capital e destaca que

[...] em todos esses processos há razões econômicas que também são políticas. São projetos de classe de determinados setores do capital aqueles que se convertem em eixos de acumulação em cada caso, e são projetos de classe de outros setores aqueles que ocupam lugares subordinados ou perdem. Tudo isso, por sua vez tem consequências nas classes dominadas e em suas formas de existência. (OSÓRIO, 2012, p. 46)

Para categorizar sua análise do padrão de reprodução, Osório (2012) parte da perspectiva do ciclo do capital-monetário para analisar, nas fases de produção e circulação, as tarefas a serem empreendidas pelo capital em seu processo metabólico de reprodução. No ciclo descrito pelo autor, há a presença de duas fases que se desenvolvem na circulação, e que são intermediadas pela produção.

Ft

D – M ... P ... M’ – D’ Mp

1º fase Fase 2º fase circulação produção circulação Onde: D: dinheiro M: mercadoria Mp: meios de produção Ft: força de trabalho P: produção M’: capital mercadoria D’: dinheiro valorizado

Na primeira fase da circulação, o capital-monetário divide-se em força de trabalho e meios de produção (D - (Ft - Mp), e sobre este movimento levantam-se questões universais a respeito de quem investe, quanto investe e em que investe, sendo o capital privado nacional e estrangeiro e o capital público estatal as principais formas de investimento. Ao transformar-se em meios de produção, o capital-dinheiro (D-Mp) delimita a capacidade produtiva de uma empresa, que se determinará em última instância pelo seu grau de avanço em relação à média social. Osório destaca que neste estágio, é de fundamental importância considerar onde são adquiridos os equipamentos e tecnologias consumidos nos meios de produção, uma vez que a endogeneização de tecnologias e a produção de bens de capital está relacionada também com o grau de dependência dos países periféricos em relação aos centros capitalistas. Por fim, na primeira fase da

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circulação, o capital monetário se desdobra no que há de mais essencial ao modo de produção do capital: a força de trabalho, e deverá se corresponder à lei do valor.

Dessa forma, o capital adentrará a fase produtiva (....P....) e se ocupará em desenvolver as mais avançadas formas de extração de mais-valor, seja através do prolongamento da jornada, do incremento da produtividade ou da intensificação do trabalho nas distintas formas de organização laboral. Assim, após o processo de produção em que o mais valor é produzido, as mercadorias já introduzidas com o mais-valor passam a circular na segunda fase da circulação (M’ – D’) em que as mercadorias transformam-se novamente em capital-monetário, dessa vez também acrescido de mais-valor. Nesta fase, os mercados se constituem como categoria social e delimitam a estrutura econômica que se apresenta às nossas percepções. Para Osório (2012),

[...] esse é o momento em que se comprova se as decisões de investimento e produção de determinados bens foram corretas, ou se, pelo contrário, o tempo de trabalho social destinado foi maior do que o necessário. A lei do valor adquire aqui toda sua força (OSÓRIO, 2012, p. 61)

A ênfase na concepção do padrão de reprodução do capital como um ciclo econômico pertinente à reprodução de uma determinada forma de organização econômica é de fundamental importância para a análise da estrutura econômica brasileira e as implicações diretas que os padrões específicos de (re)produção determinam à vida dos trabalhadores. Além disso, nos permite analisar as inflexões políticas e sociais sob o ponto de vista da unidade da produção capitalista no plano global, cabendo aos diferentes padrões de reprodução do capital no Brasil, diferentes papéis de acordo com o eixo de acumulação no plano global. Por fim, a partir desta categoria podemos compreender que as políticas econômicas, a organização laboral, as formas que assumem as condições trabalhistas, de consumo e distribuição das mercadorias não determinam um padrão de reprodução, mas são determinadas por ele na medida em que espelham opções políticas pertinentes às classes dominantes.

2.2 O DESENVOLVIMENTO DO SUBDESENVOLVIMENTO

Se ao longo do século XIX e início do século XX o Brasil estruturou as bases de sustentação de sua economia a partir da concentração fundiária, de sua posição no mercado global como produtor agroexportador, da negação do acesso à terra aos trabalhadores e da superexploração da força de trabalho, a partir da década de 1930 haveria uma reorientação de seu desenvolvimento econômico pautada pela crise externa.

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Esta reorientação, viria a modificar também o mercado de trabalho na medida em que há um deslocamento do eixo de trabalho do campo para a cidade e o desenvolvimento de uma planta industrial. Marini (2013) destaca que há uma desorganização do mercado mundial no início do século com a guerra da partilha colonial de 1914, o crash da bolsa de Nova York em 1929 e a guerra mundial pela hegemonia de 1939. Este processo finca os Estados Unidos como nova potência mundial e impõe tendências contraditórias aos países latino-americanos a partir da janela que surge para a industrialização destas nações. No entanto, este desenvolvimento inicial expressa tão somente uma autonomia relativa das burguesias locais condicionada à crise que enfrentavam as classes dominantes locais, e cujo cerne estava o capital estrangeiro.

A inflexão política e econômica promovida pela industrialização conformaria a relação de dependência da América Latina com os centros de forma qualitativamente nova e mais intensificada. Não apenas através dos preços internacionais, mas sobretudo pela ação do capital estrangeiro, tendo como consequência uma limitação muito objetiva em seu desenvolvimento tecnológico, na produtividade de seus empreendimentos, na ideologia hegemônica e na condição de vida de seus trabalhadores. Segundo Gunder Frank (1965), o desenvolvimento periférico obedece a leis globais e reorienta seu desenvolvimento através de uma involução ativa ou passiva a partir do grau de distanciamento local ou setorial que estabelece com a metrópole. No caso brasileiro, os momentos de involução, ora ativa, ora passiva, marcaram especialmente as décadas de 1930, 1960 e 1990.

Para Marini (2013), tem-se a partir de 1930 um pacto pela industrialização formalizado por Getúlio Vargas e os industriais, e que viria a drenar o capital da agricultura para a indústria através do setor bancário. O conflito entre estas duas frações burguesas (industrial e latifundiária) é conciliado pelo Estado através da sustentação do preço do café e assim garantindo receitas para os latifundiários, que, por sua vez, garantia o consumo dos bens industriais nacionais.

Barbosa (2016) identifica neste período o processo de nacionalização e consolidação do mercado de trabalho (1930 – 1980). A reorientação dos investimentos para a indústria com a chegada de Vargas na presidência, provocou uma ação estatal em prol da regulação do fator trabalho cuja expressão máxima se deu com a Consolidação das Leis do Trabalho em 1943, que assegurou direitos aos trabalhadores como o salário mínimo, previdência

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social, regulamentação da jornada, além do acesso à organização de classe através dos sindicatos.

Decorrente das transformações produtivas em curso, uma massa de camponeses, cuja força de trabalho era empregada exclusivamente para a produção agrícola para exportação, vê-se desempregada. Esta superpopulação latente ao campo migra para as cidades e passa a ocupar postos de trabalho no setor privado, que dinamiza e se coloca como principal segmento da economia num momento crucial de acumulação de capital nacional. O fluxo migratório neste período foi fundamental para consolidar o capitalismo dependente em desenvolvimento, com uma forte migração do campo para a cidade, e do norte para o sul. Como demonstra Barbosa (2016), esta nova configuração espacial das relações de trabalho encadeia novas setores de produção e de serviços que os complementam. Há um crescimento substancial dos setores de transporte, logística telecomunicações e administração pública. E na medida em que o mercado não absorve toda a força de trabalho disponível, desenvolve-se uma dinâmica de um setor informal que presta serviços ao setor formal.

Neste plano, para Barbosa (2016), quatro características são fundamentais para compreendermos a consolidação do mercado de trabalho. A primeira refere-se à grandeza da força de trabalho ocupado no setor privado, que em 1940 possuía 37% da População Economicamente Ativa (PEA) já assalariadas no mercado formal e 51% da PEA constituída por autônomos. Há ainda, uma estagnação entre 1940 a 1980 da PEA rural de 12,5 milhões de pessoas ante um crescimento de 5 milhões para 30 milhões da PEA não agrícola no mesmo período, evidenciando a absorção da superpopulação latente do campo que era absorvida pelos centros urbanos em expansão.

A segunda característica refere-se à regulação seletiva do trabalho no campo e na cidade. Enquanto na cidade a porcentagem dos trabalhadores assalariados alcançou a marca de 65% em 1980 ante 45% em 1940, no campo somente 1/3 dos trabalhadores eram assalariados em 1976 (BARBOSA, 2016). Mesmo nos centros urbanos, o autor destaca, 35% dos assalariados não possuíam carteira assinada e 20% do total ocupado não era assalariado. Dessa forma, desenvolviam-se nas cidades uma classe trabalhadora e operária profundamente desigual entre si, na medida em que em alguns setores se constituía uma classe média, em outros a classe trabalhadora ocupava-se em formas precárias de trabalho, acentuado ainda pelos demais preços para sua subsistência como

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transporte e moradia, que condiciona a terceira característica observada pelo autor: a criação de um subproletariado como consequência das diferenças entre ocupações e rendimentos, com uma profunda distinção entre os salários dos operários industriais e dos trabalhadores do campo, cerca de três vezes maior, assim como as diferenças de remuneração de autônomos que prestavam serviços para a classe trabalhadora (manicures, pedreiros, costureiros, mecânicos) e autônomos que prestavam serviços para a indústria.Por fim, o autor identifica que:

[...] o desigual acesso às políticas sociais aprofundava a segmentação espacial e setorial do mercado de trabalho. Isso fica evidente no acesso à previdência social, onde apenas algumas ocupações assalariadas são contempladas, comprometendo severamente o acesso à saúde dos assalariados sem carteira e autônomos. (BARBOSA, 2016, p. 23)

Tal conformação do mercado de trabalho acompanhava o tipo de desenvolvimento encabeçado pela burguesia nacional. Para Gunder Frank (1965) este período é marcado por uma involução ativa em nossa economia, onde passou-se a utilizar a capacidade produtiva ociosa, a partir de investimentos estrangeiros. O papel que cumpre o capital estrangeiro será decisivo para tonalizar o grau e tipo de industrialização brasileira, e derrubará as ilusões nacionalistas de desenvolvimento autônomo no país, e ainda que haja uma complexa diversificação da planta produtiva e relativa dinamização do mercado interno, as determinações ultimas da economia será a expropriação do lucro pelos países centrais.

Marini (2013) reforça que o grau de complexificação industrial nacional esteve sempre atrelado ao grau de desenvolvimento tecnológico e reposição de capital dos países centrais. Com o prazo de renovaçãodo capital fixo cada vez maior naqueles países, cujos investimentos em ciência e tecnologia são endógenos ao seu processo de reprodução, crescia também a depreciação e amortização de máquinas e equipamentos e surgia a necessidade destes países de exportar suas tecnologias obsoletas à periferia em forma de investimento externo direto e dessa forma, engendrava uma dependência tecnológica sem precedentes.

Sendo esta tecnologia produzida nos países centrais ao invés de desenvolvidas organicamente nas instituições de pesquisa e desenvolvimento nacional, o desemprego por falta de mão de obra qualificada passou a vigorar na indústria brasileira de forma paradoxal, uma vez que a extensa superpopulação latente já não podia ser absorvida por essa indústria. Para Marini (2013), este fato representa a irracionalidade da lei geral de

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acumulação nas economias dependentes, uma vez que sua própria estrutura, ao não produzir ciência e tecnologia, não era capaz de qualificar sua força de trabalho para orientá-la para a produção que se utilizava de ciência e tecnologia estrangeira. A dependência tecnológica seria um entrave para a geração de empregos não apenas no senso mais restrito ao desenvolvimento científico, mas impactaria também o grau de produtividade das empresas e negócios locais.

A irracionalidade do desenvolvimento capitalista no Brasil deriva, por um lado, precisamente da impossibilidade de controlar seu processo tecnológico, uma vez que a tecnologia aqui é um produto de importação, estando sua incorporação condicionada por fatores aleatórios como a posição da balança comercial e os movimentos externos de capital; e, por outro, das circunstâncias particulares que o país tem de enfrentar para, repetindo o que fizeram os sistemas mais antigos, buscar no exterior a solução para o problema do mercado. (MARINI, 2013, p. 156)

Com a proletarização das cidades, o aumento do desemprego, aumento dos preços e marginalização da superpopulação relativa, apareciam já em 1950 as fissuras entre as frações burguesas locais, revelando as contradições que determinaram a industrialização nacional: os conflitos entre industriais e latifundiários, e a oposição entre mercado externo e mercado interno. No entanto, neste período, os industriais brasileiros já haviam alcançado relativo poder político e econômico, e tendo em vista o afastamento das decisões da metrópole em decorrência do pós-guerra, inicia-se uma política voltada ao fortalecimento do parque industrial brasileiro e da burguesia industrial nacional. “Na volta ao poder em 1951, Vargas institui o monopólio estatal sobre o petróleo e na proposição de plano semelhante para a energia elétrica – mais tarde consolidado na Eletrobrás” (MARINI, 2013, p.145). Além disso, o governo também discutia a possibilidade de uma reforma agrária que buscasse dinamizar o mercado interno a partir de uma aliança entre a burguesia industrial e os operários.

O latifúndio, ao priorizar a monocultura para a exportação, ignorava a produção de alimentos para o mercado interno, aumentando o preço dos produtos e rebaixando o salário real da indústria. Sem salário para consumir, a classe trabalhadora se inseria no processo de reprodução de capital sem assumir sua posição de consumidora e, portanto, sem garantir a realização de capital.

Trata-se de uma agudização da lei geral da acumulação capitalista, isto é, da absolutização da tendência ao pauperismo, que leva ao estrangulamento da própria capacidade produtiva do sistema, já evidenciada pelos altos índices de “capacidade ociosa” verificados na indústria brasileira mesmo em sua fase de maior expansão. O andamento dessa contradição fundamental do capitalismo

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brasileiro o leva à mais completa irracionalidade, isto é, à expansão da produção restringindo cada vez mais a possibilidade de criar, para ela, um mercado nacional, comprimindo os níveis internos de consumo e aumentando constantemente o exército industrial de reserva. (MARINI, 2013 p. 156) Além deste fator, a crise cambial surgia como entrave direto entre latifundiários e industriais, de um lado os capitalistas do campo buscavam um câmbio apreciado para aumentar seus rendimentos com exportações, do outro lado, buscava-se a depreciação do câmbio para baratear as importações de máquinas e equipamentos para as indústrias. Segundo Gunder Frank (1965), em 1945 houve um aumento de 83% na importação, sendo 338% o aumento de maquinarias.

A tentativa de Vargas fracassa, e em meio à crise o presidente se suicida em 1954. O impasse foi solucionado com a instituição da Instrução 113 da Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) , que instituiu em 1955 o livre fluxo no mercado de capitais da economia brasileira, integrando-a definitivamente ao imperialismo. A normativa da SUMOC estabelecia a aquisição de bens de capital sem cobertura cambial através de investimentos diretos externos, o que intensificou o grau de internacionalização da economia brasileira e resolvia o conflito cambial que havia se estabelecido entre os industriais e os latifundiários.

Segundo Caputo e Melo (2009), a entrada de investimentos diretos externos alcançou a grandeza de 500 milhões de dólares, com concentração em maior grau no início da década de 1960, tendo uma queda substancial a partir deste período devido às instabilidades políticas da época. Parte destes investimentos foram direcionados para a indústria de transformação e extração.

Entre 1955 e 1963, o valor dos investimentos diretos estrangeiros totalizou US$ 497,7 milhões. A sua maior concentração ocorreu entre 1957 e 1960, com 73,0% do total do período (US$ 363,1 milhões), explicado essencialmente pelo investimento direto no setor automobilístico, no contexto da implantação desta indústria no Brasil, uma das metas do plano governamental. No início dos anos de 1960, ocorreu uma queda bastante acentuada dos investimentos, que passaram de US$ 107,2 milhões em 1960 para US$ 39,2 milhões em 1961, US$ 20,1 milhões em 1962 e US$ 4,5 milhões em 1963, o último representando menos de 1% do valor total investido no período. [...] A quase totalidade dos investimentos diretos estrangeiros sem cobertura cambial que entraram no País entre 1955 e 1963 foi para o setor de Indústrias de Transformação. [...] este setor recebeu 97,69% do total dos investimentos. Foi seguido pelo setor de Indústrias Extrativas, com 1,87%. Os demais setores: Atividades Imobiliárias; Aluguéis e Serviços Prestados às Empresas; Transporte, Armazenagem e Comunicações, e Agricultura, Silvicultura e Exploração Florestal ficaram cada um abaixo de 0,2% da participação total. (CAPUTO; MELO, 2009)

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Para Marini (2013), a partir de 1960 os conflitos pela terra, as disputas pela reforma agrária, assim como as reivindicações pelo aumento do salário real, passam a ditar a luta social no Brasil e levam à queda no volume de investimentos estrangeiros. Dessa forma, com o aumento inflacionário, a burguesia capitaneada por Jango promoveu uma política de contenção dos níveis salariais através do liberalismo, e buscou promover algumas reformas de base. A recém instituída burguesia nacional, mesmo que buscando num primeiro momento promover um desenvolvimento autônomo, logo se deparou pelos limites do mercado externo e de sua própria condição de submissão ao capital estrangeiro, e em um cenário de conflito interno com as antigas oligarquias e de um descontrole inflacionário que aumentava o custo da produção e via o investimento público e privado decaindo, não teve outra opção que não apoiar o golpe civil militar que recuperaria o compromisso de 1937.

Para a grande burguesia nacional, a completa integração imperialista não era, a priori um problema, pois poderia aliar-se ao capital estrangeiro e usufruir da tecnologia e do crédito que este dispunha. Por outro lado, a pequena burguesia, originalmente formado por pequenas empresas do setor têxtil, viu suas possibilidades de desenvolvimento sufocadas pela concentração de capital que via originar-se em sua frente, e que logo a excluiria definitivamente do cenário nacional através da disputa pelos preços. Com o desemprego crescente que decorria desta industrialização integrada ao imperialismo, formava-se também uma superpopulação flutuante à indústria, uma massa de desempregados que passaram a ocupar os postos de autônomos que ofereciam serviços aos trabalhadores, nos mais variáveis e precários empregos. Dada a magnitude dessa população e as baixas remunerações associadas à essas modalidades de trabalho, a lei geral de acumulação no Brasil, assume um aspecto irracional, pois ao negar trabalho e renda aos trabalhadores, impede o seu consumo e impele a realização de capital no mercado interno.

O compromisso do golpe militar de 1964 sustentava-se na expansão subimperialista do Brasil para seus vizinhos latino-americanas, como forma de expandir também o espaço de realização de valor e também medidas institucionais que entre 1964 a 1967, através do Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), promoveu ainda mais a integração imperialista no país, e que segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV) , concentrava-se nos seguintes objetivos:

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a) concessão de estímulos tributários à reinversão dos lucros das empresas e à formação de economias pessoais, e forte tributação do consumo supérfluo; b) fortalecimento das poupanças privadas, através do combate à inflação e da criação de instrumentos mobiliários atrativos às pequenas e médias economias; c) implantação de uma política de incentivo ao ingresso de capitais estrangeiros, objetivando o financiamento, por poupanças oriundas do exterior, de cerca de 20% da formação de capital no país; d) implantação de esquemas de capitalização compulsória pelos usuários dos serviços de utilidade pública; e) reforço da receita tributária da União e compressão da percentagem de suas despesas de custeio e transferência no PIB; f) compressão do déficit de custeio de autarquias e sociedades de economia mista, através de uma política de realismo de tarifas e custos, e da racionalização de seus serviços; g) adoção de uma política salarial ajustada aos objetivos do programa desinflacionário e consentânea ao esforço de poupança necessário para acelerar o crescimento do produto; e h) eliminação dos subsídios cambiais ao consumo de produtos importados. (FGV)

Para Arend e Fonseca (2012), “o ingresso de capital estrangeiro influiu no desempenho da economia brasileira de forma positiva” na medida em que contribuiu para a internalização tecnológica de diversos setores da economia, possibilitando assim seu “catching up” na chamada quarta revolução industrial, com alto grau de integração intersetorial e diversificação da produção. Dessa forma, o complexo químico e metalomecânico “constituintes dos setores de bens de capital, bens de consumo duráveis e do setor automobilístico), que representavam 47,5% da produção industrial total em 1970, foram, em 1980, responsáveis por 58,8% do produto total da indústria”, de forma similar às plantas industriais de países como Estados Unidos, Japão e Alemanha Ocidental. Segundo os autores, este processo de internalização tecnológica ocorreu devido a maturação do desenvolvimento tecnológico dos países centrais, que viam suas taxas de investimento decaindo na medida em que a tendência monopolista presente nestes países acumulava ociosidade produtiva e alto poder de geração de riquezas, tendo como necessidade a exportação dessas tecnologias para a periferia. Os autores destacam que neste movimento de migração do capital produtivo do centro para a periferia, o capital financeiro teve vital importância na concessão de crédito e investimentos nas economias periféricas, “provocando internamente mudança industrial para estágios mais avançados, mas, ao mesmo tempo, diminuindo a necessidade por esforços nacionais para a internalização de um núcleo endógeno de desenvolvimento tecnológico”.

No caso brasileiro, o processo de industrialização associado aos capitais estrangeiros e submetido a eles reproduzia em si a condição dependente do país, em especial a sua impossibilidade em garantia de desenvolvimento tecnológico soberano e

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autônomo e por manter a superexploração da força de trabalho como característica geral. A complexificação de sua planta industrial não deve ser considerada genericamente como um indicador de superação do subdesenvolvimento, mas sim uma particularidade do desenvolvimento capitalista na periferia do sistema. Para Marini (2013):

(...) a subscrição de um acordo de garantias aos investimentos estadunidenses, tratou-se de atrair esses capitais para o país. Simultaneamente, restringindo o crédito à produção (o que leva as empresas a buscarem o sustento do capital estrangeiro ou a quebrarem, ocasião na qual são compradas a baixos preços pelos grupos internacionais), estimulando a assim chamada “democratização do capital” (o que implica, na fase de estancamento, facilitar o acesso a pelo menos parte do controle das empresas ao único setor forte da economia, o estrangeiro), criando fundos estatais ou privados de financiamento baseados em empréstimos externos, ou tributando fortemente a folha de pagamento das empresas (o que as obriga a renovar sua tecnologia a fim de reduzir a participação do trabalho e buscar a associação a capitais estrangeiros), o governo militar promove a integração acelerada da indústria nacional à estadunidense. (MARINI, 2013, p.155)

Há ainda que se observar que a dependência e fragilidade da economia brasileira no mercado mundial implodiria na crise internacional dos anos 1970, cujos aumentos substanciais do preço do petróleo e das taxas de juros internacionais viriam a estabelecer um quadro de endividamento externo crítico, de hiperinflação, de perda do salário real, além do aumento do desemprego e da precarização do trabalho. Em suma, a fragilidade da industrialização dependente se mostraria com a desindustrialização e reestruturação produtiva das décadas seguintes.

2.3 A CRISE E A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA

Após um longo ciclo de expansão, em meados da década de 1970, a economia global enfrenta um esgotamento de seu padrão de reprodução de capital e vê desacelerada sua produção a partir de um aumento substancial do preço do petróleo e das taxas de juros. Para Carneiro (2002) há neste período a ampliação de um circuito financeiro internacional denominado em dólar fora dos Estados Unidos, reorganizando o sistema financeiro e promovendo um aumento substancial da liquidez internacional a partir deste euromercado de crédito, que financiava expressivamente as contas deficitárias dos países periféricos. Esse fluxo de capitais viria a sofrer fortes impactos com o choque do Petróleo de 1971, que elevaria o custo de produção e promoveria a inflação dos países que produziam a partir dessa matriz energética, além de intensificar a tendência a deterioração dos termos de troca entre países centrais e periféricos. Com o aumento da inflação, as taxas de juros também aumentaram, representando um componente real no endividamento externo dos

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países latino-americanos cujo modelo de desenvolvimento estava associado ao capital estrangeiro.

Para Tavares (2010), a resposta brasileira à conjuntura internacional foi a escolha pela promoção da oferta e do crescimento a “marcha forçada” as custas de investimentos públicos e externos em megaprojetos, ao passo que Carneiro (2002) descreve que foi a opção pela expansão da demanda doméstica as custas de um endividamento maior, uma forma de legitimar o regime militar que se sustentava a partir dos interesses domésticos industriais, mas que não foi capaz de renovar o eixo de crescimento da economia ao transferi-lo para a indústria de bens de capital a partir de uma vulnerabilidade externa explicitada pelos altos níveis dos déficits comerciais, ampliados após o segundo choque do petróleo em 1979.

A consequência econômica da resposta brasileira foi a insustentabilidade de seu modelo de industrialização. Segundo Marini (1992), através da liquidação das reservas de capital, o Estado brasileiro se submeteu integralmente aos interesses do Fundo Monetário Internacional definindo como centralidade de sua política econômica a obtenção de saldos comerciais para financiar a dívida. Dessa forma, o governo passa a controlar o nível de importação ao volume de exportação, passando a controlar, portanto, o crescimento industrial através da diminuição da demanda interna e dos custos de produção, além da contenção salarial, desvalorização da moeda e uma série de incentivos fiscais e subsidiários aos empresários.

A estatização da dívida privada intensificou a crise do endividamento. Para Campos (1999) este processo ocorreu em duas etapas e implicou na onda de privatizações ao longo da década de 1990. Segundo destaca a autora, a primeira etapa decorre do peso do endividamento externo do setor público na economia, que cresce de 35% em 1974 para 60% em 1978. Este cenário é resultado da utilização das empresas estatais para a promoção da política macroeconômica a partir de dois fatores: 1) a utilização de seus preços e tarifas para controle de inflação, ao repassá-las ao setor privado a um determinado preço e; 2) a exclusividade do financiamento público para o setor privado. A segunda etapa refere-se às medidas de proteção cambial adotadas pelo Banco Central ao setor privado sob a forma de depósito em moeda estrangeira e posteriormente na sua transformação em tomador último de empréstimo junto aos bancos internacionais.

Referências

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