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A REVISTA VÉRTICE E O NEO-REALISMO PORTUGUÊS

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Academic year: 2021

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I N T R O D U Ç Ã O

Movimento cultural e político de oposição, o neo-realismo português ocupa um lugar de destaque no palco literário desde finais dos anos 30. Muitos dos grandes intelectuais do Pós--Guerra sofrem a influência desse novo impulso; os mais entu-siastas enaltecem a sua dimensão humana, os cépticos põem em causa a sua fraqueza estética e criticam-lhe o impacto des-medido na literatura, mas raros são os que permanecem indi-ferentes às suas manifestações.

Além de um conjunto de obras que propõem uma visão crí-tica do neo-realismo, e das que põem em relevo um ou outro vulto mais representativo, existem numerosos artigos, essen-ciais para a compreensão do movimento, publicados em revis-tas. Muito resta, porém, a fazer para serem esclarecidos todos os arcanos duma corrente de pensamento que tanto marcou a consciência dos que queriam resistir à ideologia dominante e às práticas autoritárias do Estado Novo.

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desenvol-vimento no quadro de normas que se irão paulatinamente definindo. Para esse fim, o estudo diacrónico de uma revista, estreitamente ligada ao novo projecto cultural, possibilitará analisar as tomadas de posição dos principais protagonistas que se empenharam em tal aventura. Até porque, a diversi-dade de rubricas, a profusão dos artigos e a variediversi-dade dos temas abordados numa publicação periódica, constituem outros tantos desafios a uma análise capaz de fornecer dados que permitam uma percepção mais apurada da representação cultural do neo-realismo.

Que revista escolher?

Desde 1921, Seara Nova abre uma nova perspectiva na refle-xão sobre a sociedade e a política portuguesas. No primeiro número, os redactores afirmam:

O GRUPO SEARA NOVA não lisonjeará nenhuma classe da socie-dade.

O GRUPO SEARA NOVA não dará a nenhum dos seus aderentes qualquer esperança de benefício pessoal.

O GRUPO SEARA NOVA não pretende o poder, mas preparar as condições necessárias de todo o verdadeiro poder.

O GRUPO SEARA NOVA QUERE a Revolução, mas não aplaude as revoluções.

O GRUPO SEARA NOVA quere semear em proveito colectivo, e não colher em proveito próprio.

O GRUPO SEARA NOVA não se limita a prosternar-se perante as glórias passadas da Pátria: quere criar para a Pátria uma nova glória. O GRUPO SEARA NOVA não olha o Passado, marcha resoluta-mente para o Futuro.

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O GRUPO SEARA NOVA não fará festas, nem lançará morteiros. Dirige todos os esforços para a acção, e para a preocupação do dia de hoje e de amanhã1.

Seara Nova pretende ser, em primeiro lugar, uma publicação de “doutrina e crítica”. Nela, a actualidade política permanece durante muito tempo na ordem do dia, apesar dos ataques da censura, comuns a todas as revistas engagées, sobretudo a par-tir de 1935. O talento e a influência dos principais membros da direcção, tais como Aquilino Ribeiro, Jaime Cortesão, Raúl Brandão, Raúl Proença ou António Sérgio, são por todos reco-nhecidos. Deve sublinhar-se o papel precursor de Seara Nova, quer no plano político – no seu combate contra todas as for-mas de nacionalismo, “[…] essas doutrinas anti-humanas que pretendem erguer em volta de cada país um círculo espesso de muralhas da China2”, quer no plano literário e

particular-mente no seu apoio à arte engagée.

Mas não obstante o interesse, o papel, e até o impacto desta revista na vida intelectual portuguesa, ela não parece manter relações privilegiadas com o meio neo-realista. Por outro lado, no plano cronológico, lembremos que surge em 1921, durante a República. Ora Gaibéus de Alves Redol é publicado em Dezembro de 1939 e a colecção O Novo Cancioneiro é iniciada em 1941, quer dizer, na vigência já do Estado Novo. Além disso, o advento do neo-realismo não irá inflectir a linha redactorial da Seara Nova, a ponto de fazer da revista o porta--voz exclusivo do novo movimento.

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Em 1930, a revista Pensamento, fundada no Porto e de ten-dência socialista (subintitulada “Órgão do Instituto de Cultura Socialista”), parece empenhar-se numa reflexão social, com uma vontade de modificar as mentalidades a fim de transfor-mar o Homo Homini Lupus no homem-irmão-do-homem. Mas esta revista interrompe a sua publicação em 1940, na altura em que o neo-realismo apenas desponta.

Em 1934, aparece O Diabo, um semanário de crítica literá-ria e artística que segue o caminho traçado por Seara Nova. For-nece uma contribuição ideológica e política importante e par-ticipa na afirmação do realismo estético: a 25 de Abril de 1935, Amorim de Carvalho escreve um artigo intitulado O Carácter Social da Arte, no qual as funções didácticas da arte são forte-mente acentuadas: “arte para o povo e pelo povo”. No número 179, de 27 de Fevereiro de 1938, Álvaro Cunhal defende e ilus-tra a noção de ideologia; e é em 31 de Dezembro de 1938 que Joaquim Namorado utiliza pela primeira vez a palavra “neo--realismo”, num artigo intitulado “Do neo-realismo: Armando Fontes3”. Mário Ramos, a 25 de Março de 1939, falará de

“Rea-lismo Humanista”, expressão nova em Portugal para designar um movimento cultural nacional.

O Diabo deixará de ser publicado no final do ano de 1940 em condições que Álvaro Cunhal lembra publicamente:

E uma vez que se fala do encerramento de O Diabo, quero dizer que – as homenagens às vezes são devidas – o dono de O Diabo foi convidado a vendê-lo pelas entidades que o queriam fechar. Ele recusou-se a vendê-lo e preferiu que lhe fechassem o jornal. Era

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um homem que não tendo grandes recursos, tomou uma posição de grande dignidade nesse momento difícil4.

Apesar do interesse que representam as tomadas de posição teóricas na origem da emergência do novo movimento, O Diabo desaparece antes das grandes obras neo-realistas terem vindo a lume. Em tais condições, esta revista não pode evi-dentemente dar uma imagem significativa da nova linha de pensamento.

Sol Nascente sai em 1937, à razão de dois números por mês. Na sequência de O Diabo, agrupa um certo número de redac-tores de Coimbra e de Viseu que defendem o empenhamento do artista. Em 1945, Sol Nascente suspende a sua publicação. Todavia, alguns dos seus colaboradores não se deram por ven-cidos e conseguirão criar um novo título: Vértice.

Em Fevereiro de 1939 é lançado o primeiro número de Alti-tude. Apresenta-se sob a forma de um “Boletim de Literatura e Arte”, dirigido por Coriolano Ferreira, Fernando Namora, João José Cochofel e Joaquim Namorado. São ainda estudantes des-conhecidos do público: apenas Fernando Namora tinha publi-cado, em 1938, As sete partidas do mundo. Joaquim Namorado, cinco anos mais velho que os seus amigos, abre o primeiro número com Uma história sem importância em que critica com ironia a burguesia e a visão romântica que, com frequência, ela dava dos acontecimentos. No segundo número, em Abril de 1939, Mário Dionísio, autor do poema Não, mostra-se soli-dário com o povo, com os seus sofrimentos e as suas

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ças. As preocupações dos redactores de Altitude são, pois, cla-ramente enunciadas e ninguém duvida que venham na linha do neo-realismo. Contudo, é efémera a vida desta publicação: não haverá novos números, apesar da energia e do entusiasmo dos seus autores. Há quem diga que o desaparecimento desta revista terá sido motivado pela vontade de investir mais em Sol Nascente, a fim de manter uma revista já conhecida (e que, desse modo, vai poder sobreviver até 1945).

Não resta dúvida de que Seara Nova, O Diabo, Sol Nascente e Altitude mantiveram contactos, por vezes directos, com o neo-realismo e, como tal, continuam a ser citados pelos espe-cialistas. Mas tanto os livros consultados como a nossa pró-pria análise nos convencem que a publicação na qual o neo--realismo se manifesta e surge como um princípio fundador, é Vértice. Trata-se, é certo, de uma daquelas numerosas revis-tas juvenis cujo destino é muirevis-tas vezes breve. Nada, a bem dizer, a predispunha mais do que outra qualquer a conhecer um futuro promissor. Seja como for, à luz das principais obras de referência, Vértice aparece hoje em dia como a publicação mais ligada aos primórdios e, sobretudo, à evolução do neo--realismo.

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determinação os redactores vão acompanhar o movimento, numa altura em que o regime político fazia a vida dura aos seus opositores.

São numerosas as grandes figuras do neo-realismo que par-ticipam na redacção de Vértice: Alves Redol, Fernando Namora, e muitos outros redigem textos de ficção, bem como Carlos de Oliveira, igualmente autor de belos trechos poéticos. João José Cochofel, poeta reconhecido como neo-realista, ocupará um lugar primordial na revista. Os ensaios serão assinados por Mário Dionísio ou Egídio Namorado. A rubrica “Ciência e Téc-nica” será confiada a uma personalidade tão conhecida como Luís de Albuquerque. Os artigos de crítica musical terão, entre outras, as assinaturas de João José Cochofel e Fernando Lopes Graça; os de teatro, a de Luís Francisco Rebello; quanto à crítica literária, será com frequência redigida por Armando Bacelar. Seria, talvez, motivo de reparo o facto de tentarmos uma abordagem do neo-realismo através de uma revista quando nem todas as obras neo-realistas foram estudadas. Na reali-dade, parece-nos útil observar de dentro, digamos assim, o tra-balho latente do movimento.

A vantagem de analisar a produção de uma revista conside-rada como um dos órgãos de apoio do neo-realismo reside no facto de nos situarmos ao nível da fase de gestação e de ela-boração do movimento. É uma ocasião única para o acompa-nhar, por vezes nos bastidores, mas passo a passo, durante os anos 40, porque aqueles que escrevem na Vértice, durante esse período, são sempre portadores, com insuficiências, com excessos também, da mensagem neo-realista no que ela tem de mais espontâneo.

Referências

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