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Contemplação estética e libertação do sofrimento em Schopenhauer

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Academic year: 2021

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Aesthetic contemplation and deliverance of suffering in Schopenhauer

Jessé Willian Figueredo1

Resumo: O propósito desse trabalho é mostrar como as considerações de Schopenhauer sobre a

essência pessimista da vida se transformam na possibilidade de libertação do sofrimento por meio da experiência estética. Com base em sua obra magna “O mundo como Vontade e como representação”, esclarecemos como o sujeito pode descobrir a essência do mundo e constatar o sofrimento inerente à vida. Mostraremos como a partir do conhecimento da fonte do sofrimento sem fim, o sujeito pode abrir mão de quase todas as formas intelectivas que o colocam em relação com a essência dolorosa da vida e imergir momentaneamente na calmaria da pura contemplação, livre de qualquer perturbação. Assim, veremos que por trás da Metafísica da Vontade, uma filosofia dura, floresce uma teoria estética que fornece um consolo para as aflições da vida.

Palavras-chave: Ideia. Estética. Vontade. Representação.

Abstract: The purpose of this work is to show how Schopenhauer's considerations on the

pessimistic essence of life become the possibility of freedom from suffering through aesthetic experience. Based on his great work "The world as Will and representation", we clarify how the subject can discover the essence of the world and see the suffering inherent in life. We will show how from the knowledge of the source of endless suffering the subject can give up almost all the intellectual forms that put him in relation to the painful essence of life and immerse himself momentarily in the calm of pure contemplation, free from any disturbance. Thus, we will see that behind the Metaphysics of Will, a hard philosophy, flourishes an aesthetic theory that provides a consolation for the afflictions of life.

Keywords: Idea. Aesthetic. Will. Representation.

* * *

1. O mundo como Vontade e como representação

Em sua obra magna, O mundo como Vontade e como representação, Schopenhauer parte da distinção entre coisa-em-si e fenômeno trazida por Kant e, a partir de uma reformulação da questão, traz à luz a distinção entre Vontade e representação.

A Vontade é entendida como a essência do mundo, a coisa-em-si, parcialmente cognoscível a partir de um ato introspectivo do sujeito que percebe em si seu elo em comum com todo o mundo. A representação, cuja forma mais universal é o ser objeto

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para um sujeito, nos permite conhecer a aparência das coisas, o fenômeno. Por partir da representação como ponto de análise do mundo fenomênico, Schopenhauer não parte nem do objeto e nem do sujeito, mas da relação indissociável entre ambos, “’NENHUM

OBJETO SEM SUJEITO’: [...] o objeto, visto que sempre existe apenas em relação ao sujeito, é dependente deste, por este condicionado e, em consequência, é mero

fenômeno que não existe em si, incondicionadamente”. (SCHOPENHAUER, 2005, p.

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O mundo enquanto representação aparece como fenômeno em conformidade com as formas e princípios intelectivos do sujeito do conhecimento. Seguindo Kant, tempo e espaço são formas puras da sensibilidade, portanto, não são determinações da coisa-em-si, mas do sujeito e, os objetos com os quais se ocupa, são relações e entidades matemáticas. O entendimento, em contraposição ao seu antecessor, opera uma única função: estabelecer o nexo causal das impressões externas, portanto, também é uma forma do sujeito e não das coisas em si mesmas, seu objeto é empírico, real, singular. O entendimento, para Schopenhauer, é uma faculdade cognitiva intuitiva na medida em que opera sobre dados do sentido: o entendimento apenas intui e não pensa. A razão pega de empréstimo, em maior ou menor grau, o conhecimento formado pelas representações intuitivas e os converte em representações de representações, gerando os conceitos, a partir dos quais se forma conhecimento abstrato e discursivo.

Assim, temos as seguintes classes de representação: matemáticas, empíricas, conceituais e uma quarta classe: a motivação, que diz respeito às volições e ações do sujeito.

Cada classe de representação é dirigida por um princípio de base comum mas que se distingue em conformidade com o tipo de representação ao qual se refere: representações matemáticas são regidas pelo princípio de razão de ser (no tempo ou no espaço), representações empíricas são regidas pelo princípio de razão do devir, representações de representações (conceitos) são regidas pelo princípio de razão de conhecer e representações volitivas ou ativas (ações) são regidas pela lei da motivação. O nome dado a todos esses princípios em conjunto, portanto, à sua forma geral, é “princípio de razão suficiente”, que serve de guia explicativo para cada classe de representação e que, em sua formulação geral nos diz que “Nihil est sin sine ratione cur

potius sit, quam non sit” (SCHOPENHAUER, 1988, p. 33), ou seja, nada é sem uma

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Em todo caso, o princípio de razão suficiente também reside no sujeito e é aplicado à relação entre objetos e, portanto, não é uma determinação da coisa-em-si, toda aplicação do princípio de razão suficiente vale apenas para o fenômeno. A forma mais geral da representação, ser objeto para um sujeito, é anterior ao princípio de razão suficiente, portanto, sempre que falamos na forma geral da representação, estão exclusos os conceitos, tempo, espaço, causalidade e qualquer coisa que pertença ou dependa de uma das quatro figuras do referido princípio.

2. A essência do mundo

Traçamos de modo breve as determinações implicadas no caráter representacional do mundo: tempo, espaço e causalidade são formas intelectivas do sujeito que valem apenas para algumas classes de fenômenos, assim como o princípio de razão só vale para o mundo como representação. Não poderemos, pois, nos valer de nenhuma destas determinações como fios condutores para desvendar a essência do mundo, pois, o que queremos alcançar é a coisa-em-si e ela está para além dos fenômenos e suas formas. Desvendar a coisa-em-si é chegar ao estofo com o qual os fenômenos aparecem, permitindo compreender que o mundo não é algo fantasmagórico formado por meras representações vazias.

Mas se a essência do mundo não está em conformidade com as formas do conhecimento representacional, seria então a coisa-em-si totalmente incognoscível tal como propôs Kant? Schopenhauer dirá que não. Temos diante de nós algo que é tanto coisa-em-si, quanto se dá como representação: nosso próprio corpo. O corpo que, enquanto submetido às formas do conhecimento, é um objeto, com o privilégio de ser um objeto imediato, portanto, temos acesso diretamente, em contrapartida a todos objetos exteriores que só são conhecidos por intermédio do corpo, logo, de modo mediato.

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completamente outra, a saber, como aquilo conhecido imediatamente por cada um e indicado pela palavra VONTADE. (SCHOPENHAUER, 2005, p. 156-7)

É então por meio de um voltar-se a si mesmo, portanto, de modo intuitivo, que poderemos encontrar a chave que nos permite desvendar o enigma do mundo, encontrar a essência da existência. É, portanto, no sujeito que descobrimos a Vontade como essência.

O querer, isto é, a vontade é essencial em cada sujeito que conhece. Podemos reconhecer em cada indivíduo e seus atos uma vontade operante que dirige suas ações, movimentos e estímulos. Mesmo os atos fisiológicos de nossos corpos possuem a mesma direção volitiva essencial em diferentes figuras, que impulsiona o órgão ou o corpo como um todo a se manter em atividade, a se manter vivo.

O corpo, as ações, os indivíduos são todos eles próprios manifestação da Vontade que assume a forma representacional do sujeito que conhece em conformidade com as formas representacionais regidas pelo princípio de razão suficiente em suas diversas figuras.

O corpo nada mais é que vontade objetivada, representação de uma volição essencial, portanto, pelo fato de termos acesso imediato ao corpo, podemos encontrar a vontade como caráter essencial que, por analogia, se estende a todo mundo fenomênico em diferentes graus de aparição: o ser humano é o mais complexo e alto grau de manifestação da Vontade, todos os fenomênicos da natureza são manifestações menos complexas dessa mesma essência.

Certamente, o conceito de Vontade adquire um sentido amplo e não é mero desejo individual de um sujeito, mas sim, o desejo individual é ele próprio uma das diversas manifestações representacionais da Vontade, que se objetiva em diversos graus e em diferentes formas sobre todo o mundo fenomênico. A Vontade, portanto, é dita em sentido amplo e está destituída de qualquer caráter psicológico, tal como ordinariamente se entende o termo.

Mesmo a consciência, pela qual podemos ter ciência de nós mesmos e de nossos desejos, é aparição da Vontade. Portanto, a Vontade mesma não é consciente, antes, a

consciência, que é uma característica do ser humano, é um fenômeno da Vontade. Não

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A Vontade é um querer a si mesmo, pois, não havendo nada exterior a si mesmo na medida em que é essência da totalidade, não há como querer algo distinto de si. Querer a si mesmo esse que não está em conformidade com as formas, princípios e faculdades intelectivas do sujeito do conhecimento, mas que se apresenta a ele como aparência em toda representação. Esse querer a si gera um conflito consigo mesmo que se reflete no mundo enquanto representação: todo fenômeno, na medida que possui a Vontade como essência, está condenado ao conflito e à necessidade insaciável.

3. O pessimismo metafísico

O pessimismo filosófico do qual goza a fama de Schopenhauer está, então, ancorado em sua concepção metafísica acerca da essência do mundo, que reconhecidamente recebe o nome de Metafísica da Vontade.

Como a Vontade é a coisa-em-si, o conteúdo íntimo, o essencial do mundo, e a vida, o mundo visível, o fenômeno, é seu espelho; segue-se daí que este mundo acompanhará a Vontade tão insegue-separavelmente quanto a sombra acompanha o corpo. Onde existe Vontade, existirá vida, mundo. (SCHOPENHAUER, 2005, p. 358)

Vida e Vontade são uma só, a primeira enquanto representação e a segunda enquanto coisa-em-si. Ambas são, na verdade, unas de tal modo que “Vontade” e “Vontade de Vida” dizem exatamente o mesmo. Disso se segue que toda vida, tal como a Vontade, será essencialmente um espelhamento do querer sem fim, do esforço interminável pela satisfação de sua necessidade, mas que nunca se satisfaz plenamente.

[...] todo esforço nasce da carência, do descontentamento com o próprio estado e é, portanto, sofrimento pelo tempo em que não for satisfeito; nenhuma satisfação, todavia, é duradoura, mas antes sempre é um ponto de partida de um novo esforço, o qual, por sua vez, vemos travado em toda parte de diferentes maneiras, em toda parte lutando, e assim, portanto, sempre como sofrimento: não há nenhum fim último do esforço, portanto não há nenhuma medida e fim do sofrimento. (SCHOPENHAUER, 2005, p. 399)

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substâncias químicas mais puras são fenômenos da mesma essência e que atuam uns contra os outros e se esforçam, se aniquilam ou se transformam em compostos mais ou menos complexos.

Todo fenômeno necessita de matéria para que exista e, por não gerar em si mesmo a matéria que precisa, entra em conflito com outros fenômenos para lhes tirar a matéria que precisa e, assim, garantir sua existência própria. Desse modo, tudo o que existe singularmente se encontra em uma luta interminável por matéria com a certeza de que será vencido, pois, nenhum fenômeno é eterno.

Por todo mundo como representação, a mesma vontade essencial, cega e inconsciente atua querendo a si mesma em seus diversos graus e colocando os fenômenos em uma luta constante entre si. A consciência só aparecerá no grau mais elevado e é produto da Vontade mesma, embora não seja própria dela. Nós humanos, enquanto seres conscientes, devemos a essa Vontade cega nossa capacidade de sermos autoconscientes, nossa consciência é também fenômeno que conhecemos em conformidade com as formas representacionais. Nossa consciência é subordinada à Vontade e é fenômeno que findará com a morte.

Como o ser humano é o grau mais alto de realização fenomênica da Vontade, cada grau inferior será uma aspiração a esse grau mais elevado e que, entretanto, não o alcança.

[…] queremos considerar na EXISTÊNCIA HUMANA o destino secreto e essencial da Vontade. Todos irão facilmente reencontrar O MESMO na vida dos animais, apenas expresso em variados graus mais baixos e mais fracos; e assim nos convencer suficientemente de como, em essência, incluindo-se também o mundo animal que padece, TODA VIDA É SOFRIMENTO (SCHOPENHAUER, 2005, p. 400)

A insaciedade da Vontade manifesta-se na vida do ser humano em todos seus aspectos e se faz nítida em nosso cotidiano: estamos sempre querendo algo, raramente estamos satisfeitos com o que temos e, quando estamos, é por um curto período, logo o querer desponta novamente em nós e aquilo que nos satisfazia se torna indiferente, obsoleto, passamos então a desejar algo novo que, se satisfeito, se torna indiferente novamente e passamos a desejar outra coisa.

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aterradores, isto é, seu ser e sua existência mesma se lhe tornam um fardo insuportável. Sua vida, portanto, oscila como um pêndulo, para aqui e para acolá, entre a dor e o tédio (SCHOPENHAUER, 2005, p. 401-2)

Caso nosso desejo não seja satisfeito, nos frustramos, sofremos, caso o seja, logo sofreremos novamente pela falta de algo novo que passa ser o alvo de nossos desejos. Se nos satisfazermos rapidamente, o tédio nos assola, até que um novo desejo ocupe a ausência temporária do querer. “A vida apresenta-se como um engodo constante, tanto nas pequenas quanto nas grandes coisas” (SCHOPENHAUER, 2015, p. 683). Por toda sua singular existência, o indivíduo está condenado ao sofrimento em virtude do reflexo da Vontade na qual assenta sua essência.

A Vontade, essência do mundo, que se estende e manifesta em tudo, é primordialmente falta, carência, querer, enquanto o mundo fenomênico, como seu reflexo, é também essencialmente falta, carência e querer. Se há mundo e se há vida, então há Vontade, portanto, sofrimento.

4. A Ideia, a Vontade e a representação

Schopenhauer assume abertamente em seus escritos sua admiração por Platão e Kant. Temos aqui o ponto de conexão entre a Ideia em sentido platônico e a coisa-em-si kantiana, que agora reconhecemos como Vontade.

Como dito, todo mundo fenomênico é representação de diferentes níveis e graus de objetivação da Vontade. Cada nível de objetivação da Vontade possui um modelo que lhe é próprio, este modelo é a Ideia. A Ideia é a forma pura e perfeita de cada nível de objetivação da Vontade.

Intuitivamente, podemos pensar a Vontade como um polo irradiante central que fornece diferentes modelos a partir dos quais os fenômenos derivam. Cabe salientar que as Ideias não são formas da Vontade mesma, se fosse possível dar fim a uma ou todas as Ideais, a Vontade permaneceria a mesma. A Ideia não deve ser confundida com a Vontade: a Ideia é cognoscível e dependente da Vontade, mas a Vontade não depende da Ideia e jamais é conhecida integralmente.

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sujeito. Por não estar submetida ao princípio de razão suficiente, dentre os quais tempo, espaço e causalidade entram como figuras, a Ideia é atemporal, eterna e imutável.

Se nos despirmos das determinações do intelecto que nos permitem conhecer os fenômenos, nos restará o puro sujeito do conhecimento, a forma mais pura e elementar do sujeito. Façamos então a distinção entre sujeito do conhecimento e puro sujeito do conhecimento: o primeiro está impregnado com as formas, faculdades e princípios que condicionam o conhecimento do fenômeno, o último, conserva apenas um dos polos da forma mais geral da representação. Para o puro sujeito do conhecimento nada vale o tempo, o espaço e a causalidade, nada vale o conceito, nada vale o princípio de razão suficiente em qualquer de suas figuras. Assim, o puro sujeito do conhecimento é o polo subjetivo da forma geral da representação, o ser objeto para um sujeito.

O indivíduo é apenas representação, portanto, está sob as formas do sujeito do conhecimento. O indivíduo vê-se no tempo e no espaço entrelaçado por relações causais, pois essas são formas da sensibilidade que permitem conhecer seu corpo enquanto objeto empírico. O puro sujeito do conhecimento não conhece tempo, não conhece espaço e não conhece causa, logo, não conhece indivíduo.

O indivíduo é ele mesmo um exemplar perecível da Ideia, no caso uma manifestação da Ideia de Ser Humano. Cada ser humano individual é apenas um fenômeno de sua espécie, uma aparição da Ideia. Assim se dá com todo o mundo como representação: tudo o que experienciamos enquanto sujeitos do conhecimento é apenas cópia imperfeita da Ideia de um nível de objetivação da Vontade.

O reconhecimento de si mesmo como indivíduo, portanto, reside no sujeito do conhecimento, que porta as formas da intelecção menos gerais, mas podemos nos destituir delas, pelo menos momentaneamente. Com isso, o sujeito perde sua individualidade, pois o princípio individuador deixa de operar sobre si.

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A transição […] do conhecimento comum das coisas particulares para o conhecimento das Ideias ocorre subitamente, quando o conhecimento se liberta do serviço da Vontade e, por aí, o sujeito cessa de ser meramente individual e, agora, é puro sujeito do conhecimento destituído de Vontade, sem mais seguir as relações conforme o princípio de razão, mas concebe em fixa contemplação o objeto que lhe é oferecido, exterior à conexão com outros objetos, repousando e absorvendo-se nessa contemplação. (SCHOPENHAUER, 2005, p. 245)

O puro sujeito, ao aniquilar sua individualidade, esquece de si mesmo enquanto fenômeno submisso à Vontade. Por ter anulado sua individualidade na medida em que se transpôs para além de seu caráter fenomênico, o sujeito não conhece vontade, dor, sofrimento ou tédio, todas as perturbações essenciais que emanam da essência do mundo e se refletem na representação do sujeito do conhecimento são anuladas.

É por seu caráter fenomênico que o indivíduo sofre, pois, está sob as rédeas da Vontade se manifestando. Como visto anteriormente, o próprio corpo é manifestação da Vontade e, sendo a Vontade essencialmente um querer que gera sofrimento, o simples fato de conhecer o corpo já implica desejo, necessidade e dor. Afinal, o conhecimento do corpo é operado pelo sujeito do conhecimento e a este toda a essência do mundo se manifesta vorazmente com seu sofrimento essencial.

Assim como o puro sujeito do conhecimento não conhece indivíduo, também não conhece corpo, pois estes estão subordinados à formas especificas da representação para os quais ele está além. O puro sujeito é completamente liberto de todo o querer da Vontade.

5. A contemplação estética como libertação do sofrimento

A tal ponto, já transparece o caráter remediador da experiência estética diante o caráter essencial do mundo, a Vontade geradora de todo sofrimento. O puro sujeito é o rompimento do elo com a fonte de todo desejo, tédio e dor.

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temporal e é materialmente constituído, mas que ao colocar-se puramente diante dele, intuirá a Ideia e verá como se estivesse diante da própria espécie da qual o objeto enquanto representação é apenas um exemplar.

Em tal contemplação, de um só golpe a coisa particular se torna a IDÉIA de sua espécie e o indivíduo que intui se torna PURO SUJEITO DO CONHECER. O indivíduo enquanto tal conhece apenas coisas isoladas; o puro sujeito do conhecer conhece apenas Idéias. (SCHOPENHAUER, 2005, p. 247)

Por não se reconhecer como indivíduo, o sujeito se eleva a uma condição universal que propicia o conhecimento da Ideia que é a universalidade de uma espécie, perde-se por um momento com ela, está livre de suas relações com a Vontade, é tomado por uma satisfação estética e tem o Belo operando sobre si o sentimento de beleza.

A satisfação estética, certamente, não é a mesma que a satisfação de desejos, tal satisfação é de outro tipo. A satisfação dos desejos está inevitavelmente ligada com o querer de objetos particulares, que estão sob as rédeas da Vontade enquanto representação, logo, produz sofrimento. A satisfação estética, por estar liberta dos elos da Vontade, é contemplação de um objeto puro, a Ideia, portanto, não há desejo, não há interesse no objeto, logo, não há sofrimento, mas paz, um sentimento de alegria estética que preenche o contemplador.

Não importa onde esteja ou em que época viva ou onde o sujeito esteja: “É

indiferente se se vê o pôr-do-sol de uma prisão ou de um palácio”. (SCHOPENHAUER,

2005, p. 267). O tempo e o lugar que o indivíduo ocupa não pertencem a ele enquanto puro contemplador da Ideia. Por conseguinte, idade, formação acadêmica, sexo, classe social, tudo isso também desaparece momentaneamente por concernirem apenas ao indivíduo “[…] as diferenças de individualidade desaparecem tão completamente que é indiferente se o olho que vê pertence a um rei poderoso ou a um mendigo miserável”. (SCHOPENHAUER, 2005, p.269)

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Não bastará, decerto, que o sujeito se coloque diante de uma situação que lhe permita a experiência estética, é necessário que ele se coloque como sujeito puro do conhecimento, apto a conhecer a Ideia. Assim, talvez ironicamente, é necessário um certo esforço do sujeito para colocar-se em estado puramente contemplativo, libertar-se da Vontade e conhecer a Ideia imanente ao objeto que intui.

Mas quem tem a força para nele se manter por longo tempo? Assim que surge novamente na consciência uma relação com a vontade, com a nossa pessoa, precisamente dos objetos intuídos puramente, o encanto chega ao fim. (SCHOPENHAUER, 2005, p. 269)

A libertação da Vontade obtida pelo puro sujeito certamente possui duração limitada, pois, por mais que em seu estado contemplativo não haja tempo, seu corpo e suas determinações representacionais ainda estão presentes em si. O estado de contemplação estética é momentâneo na medida em que nenhum sujeito consegue se esforçar suficientemente de tal modo a se manter permanentemente em plena contemplação. Em comum, a satisfação de desejos e a satisfação estética tem o fato de não serem duradouras. Mas enquanto houver satisfação estética, não haverá sofrimento.

6. Considerações finais

Apesar da índole pessimista de sua filosofia, Schopenhauer nos fornece uma via estética (e também uma via ética que não foi objeto de análise) de alívio do sofrimento inerente ao mundo: se por um lado todo fenômeno está ligado à Vontade, essência do mundo inevitavelmente geradora de sofrimento, por outro, temos na contemplação estética a possibilidade de desligamento momentâneo do mundo, que nos acalma brevemente das dores da existência. Esquecemos de nossa individualidade e nos colocamos como um sujeito puro e universal que conhece intuitivamente um objeto puro, a Ideia, ambos livres de qualquer determinação física, temporal ou espacial. Livre da Vontade, o sujeito não quer o objeto, apenas o contempla.

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experiência estética. Embora jamais nos curemos dos sofrimentos da vida, seguiremos aliviados.

Referências

SCHOPENHAUER, A. O Mundo como Vontade e como representação. Tomo I. 2ª edição.Trad. Jair Barboza. São Paulo: Unesp, 2005.

______. O Mundo como Vontade e como representação. Tomo II. 1ª edição. Trad. Jair Barboza. São Paulo: Unesp, 2015.

Referências

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