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O CRISTÃO FRUTÍFERO MINISTÉRIOS E DONS ESPIRITUAIS. Misael Batista do Nascimento

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MINISTÉRIOS

E DONS ESPIRITUAIS

O CRISTÃO

FRUTÍFERO

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O cristão frutífero

Uma leitura bíblica dos ministérios e dons espirituais

Misael Batista do Nascimento 2019

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© 2019 Misael Batista do Nascimento

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, do autor.

Conversão para e-Book: Misael Batista do Nascimento

Dados para contato: Fone: 55-017-98149-4342

1ª edição – 2019

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

NASCIMENTO, Misael Batista.

O cristão frutífero: Uma leitura bíblica dos ministérios e dons espirituais/ Misael Batista do Nascimento.

São José do Rio Preto: Misael Batista do Nascimento, 2019.

1. Estudo bíblico 2. Pneumatologia 3. Eclesiologia. 4. Dons espirituais 5. Ministérios.

6. Serviço cristão. 7. Teologia do pacto. 8. Calvinismo. 9. Assembleia de Westminster.

10. Cessacionismo 11. Pentecostalismo I. Título [Nº CIP] CDD-233.[...]

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Dedicado à honra do Cordeiro que foi morto e com o seu sangue comprou para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação, constituindo-os reino de servos e sacerdotes (Apocalipse 5.9-10).

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Introdução

Estes estudos beneficiarão cristãos de todas as denominações evangélicas que se interessam em conhecer o que a Bíblia ensina sobre os ministérios e dons espirituais.

João Calvino afirmou o seguinte:

Os crentes são ricamente equipados com diferentes dons, mas é preciso que cada um reconheça que o Espírito de Deus lhe proporcionou tudo quanto possui, porquanto ele derrama seus dons, assim como o sol difunde seus raios em todas as direções. João Calvino.1

O que são os dons espirituais? Qual sua relação com as atividades de uma igreja e, mais ainda, o que eles têm a ver com o serviço do cristão no mundo? Os dons estendem a obra de Cristo — a redenção — ou são recursos extras, destinados a realizar uma obra adicional do Espírito Santo? Qual ponto de vista é o mais bíblico, o daqueles que afirmam que dons espirituais cessaram completamente ou o daqueles que defendem a atualidade de todos os dons citados na Bíblia? O que dizer da tendência da igreja das últimas décadas, de utilizar métodos para que os cristãos descubram seus dons espirituais? Podemos definir que um cristão ou uma igreja são “poderosos” ou “frios” baseados em sua percepção e prática dos dons espirituais? Essas e outras perguntas emergem quando discutimos esse importante assunto. Nestes estudos respondemos a estas perguntas, analisando tópicos ligados aos serviços (ministérios) da igreja.

Escrevi uma primeira versão destes estudos em 1997, para uso em classes da escola dominical da Igreja Presbiteriana Central do Gama. O Senhor se manifestou

graciosamente chamando, motivando e capacitando pessoas para o serviço. Quando deixei a igreja, em 2009, ainda funcionavam na igreja alguns ministérios iniciados naquele

primeiro ciclo de estudos. Desde então o material foi alterado algumas vezes, para

atualização bibliográfica, em 1999 e 2001. Em 2004 tudo foi reorganizado e reescrito com o título O Cristão Frutífero e esse foi o conteúdo mais compartilhado na internet, ao ponto de ser citado em artigo da Wikipédia. Apesar da popularidade do material de 2004, uma interpretação mais cuidadosa das passagens bíblicas fundamentais me conduziu a uma mudança de entendimento. O exercício hermenêutico me fez ver que algumas ideias que eu abraçava com entusiasmo em 2004 — e a palavra entusiasmo cabe bem aqui —2 não resistiam ao crivo da Palavra de Deus. A fim de apresentar as verdades dentro de uma moldura mais consistente com a doutrina sadia, o texto passou por sua mais extensa revisão e foi publicado em coautoria com Ivonete Silva Porto em três volumes, sob os títulos O Espírito Santo e o Discípulo no Pacto, Introdução aos Ministérios e Dons Espirituais e O Ofício de Pastor Mestre.3 Os três volumes abordaram questões interessantes que não foram incluídas neste texto que o leitor tem em mãos. Os ministérios e dons passaram a ser considerados a partir do entendimento da doutrina da Trindade, da teologia pactual4 e de uma leitura reformada calvinista cessacionista.5 Em 2011 eu voltei aos textos para

administrar uma controvérsia no Presbitério de São José do Rio Preto e em 2014 e 2019,

1 CALVINO, João. 1Coríntios. São José dos Campos: Fiel Editora, 2013, p. 435-436. (Série Comentários Bíblicos). Logos Software.

2 Tanto Lutero quanto Calvino batalharam contra os “entusiastas” do séc. 16. Os entusiastas eram ditos cristãos que acreditavam na continuação dos ofícios e dons extraordinários.

3 Estes estudos estão disponíveis para download gratuito na página da primeira aula do curso O Cristão Frutífero, no site do Centro de Treinamento Presbiteriano, em: http://www.ipbriopreto.org.br/ctp/aula/aula-01-rotulos-identicacoes-e- juizos/. Acesso em: 15 abr. 2019.

4 Quanto à teologia pactual, sou devedor às obras de Gerard Von Groningen.

5 Forneço uma primeira explicação sobre cessacionismo na seção 1.2. Apresento o assunto com mais detalhes nos capítulos 6 a 8.

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retomei o título O Cristão Frutífero em palestras ministradas na Primeira Presbiteriana de Itajaí, SC.

Os objetivos principais destes estudos de 2019 são:

1. Ajudar o leitor a conhecer o ensino da Bíblia sobre o chamado para o serviço a Deus e os dons espirituais.

2. Motivar a igreja para um ministério fiel e pujante, na dependência e poder do Espírito Santo.

Um objetivo secundário é fornecer subsídios para que cristãos com convicções cessacionistas não se sintam acuados diante da argumentação daqueles que acreditam na continuidade dos ofícios e dons extraordinários.

Oro para que estes estudos contribuam para que a igreja seja uma verdadeira família de discípulos de Jesus Cristo. Que a igreja seja viva, simples e unida. Que os cristãos

adorem ao Senhor, evangelizem, vivam comunhão e dediquem a Deus suas vidas, recursos e dons, na dependência do Espírito Santo. Que isso resulte no bem da igreja, em serviço ao Criador no mundo e em glória dada somente a ele.

Misael Batista do Nascimento, 10 de abril de 2019.

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Parte I: Aproximações necessárias

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1. Rótulos, identificações e juízos

Eu me interesso pelo assunto dos ministérios e dons como cristão bíblico, reformado, calvinista e cessacionista. Admito que o rótulo é muito extenso e até concordo com o Rev.

Cláudio Batista Marra, quando diz que o adjetivo “reformado” já deveria implicar nos demais.

1.1. Rótulos podem ser úteis

Rótulos não são, necessariamente ruins. É claro que a rotulagem sempre é errada quando cria uma caricatura que impede a compreensão, mas um rótulo pode ser bom e necessário.

Rótulos podem informar honestamente o que é determinada ideia ou produto. Podem inclusive advertir sobre sua validade, ou perigos para a saúde em seu uso ou consumo. No caso do estudo sobre os dons espirituais, se bem utilizados, rótulos podem ajudar como recursos da linguagem, necessários para descrever a realidade. Temos de esclarecer conceitos, a fim de discutir adequadamente uma questão, como preconiza a Filosofia Reformacional:

A clareza sobre conceitos é importante ao permitir uma boa discussão. Queremos enfatizar que isso é mais do que um jogo de linguagem. [...] estamos convencidos de que a meta primária da linguagem é nos habilitar a falar sobre a realidade. Por isso, em relação aos conceitos, pode-se certamente perguntar se eles oferecem uma representação adequada da realidade.6

Eu me vejo forçado a utilizar o rótulo dilatado para não deixar dúvida sobre minha posição. Desde o séc. 17 já se sabe que um cristão pode ser bíblico sem ser reformado (é o caso de Martinho Lutero). Hoje, em plena era da pós-verdade, os sistemas, conceitos e posições se tornaram ainda mais fluidos.7 Roger Olson afirma a existência de cristãos que são tanto bíblicos, quanto reformados e arminianos.8 Wayne Grudem, C. J. Mahaney e Sam Storms são populares como calvinistas que acreditam em revelações contemporâneas do Espírito Santo. Walter e John McAlister, líderes da Igreja Cristã Nova Vida, agora se assumem como pentecostais reformados.9

1.2. Presbiterianismo do Brasil cessacionista

Cessacionismo é a convicção de que os dons e ofícios extraordinários (apóstolos, profetas, línguas e cura direta) cumpriram um papel importante no estabelecimento inicial da igreja, mas cessaram e não estão mais disponíveis hoje. Um cessacionista não afirma que todos os dons cessaram, apenas que os dons e ofícios extraordinários cessaram.

Apresentarei o assunto com mais detalhes nos capítulos 6 a 8. Outra razão para me

identificar como fiz é que, pelo menos até o momento em que escrevo este texto, quanto aos ofícios e dons espirituais extraordinários a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) é oficialmente cessacionista.

6 VERKERK, Maarten Johannes; HOOGLAND, Jan; VAN DER STOEP, Jan; DE VRIES, Marc. J. Filosofia da Tecnologia:

Uma Introdução. Viçosa: Ultimato, 2018, p. 29.

7 Cf. KAKUTANI, Michiko. A Morte da Verdade. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018, p. 9-91; BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda., 2011. Edição do Kindle.

8 OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. São Paulo: Editora Reflexão, 2013, p. 41-58; OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. São Paulo: Editora Reflexão, 2013, p. 56-76.

9 MCALISTER, Walter; MCALISTER, John. O Pentecostal Reformado. São Paulo: Vida Nova, 2018, p. 15-37, 142-143;

GRUDEM, Wayne. O Dom de Profecia: Do Novo Testamento aos Dias Atuais. São Paulo: Editora Vida, 2004; STORMS, Sam.

Dons Espirituais: Uma Introdução Bíblica, Teológica e Pastoral. São Paulo: Vida Nova, 2016..

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1.2.1. Cessacionismo confessional, litúrgico e editorial

A IPB adota a Confissão de Fé de Westminster (CFW) como “sistema expositivo de doutrina e prática”.10 A CFW é cessacionista, como lemos em seu início: “isso torna indispensável a Escritura Sagrada, tendo cessado aqueles antigos modos de revelar Deus a sua vontade a seu povo”.11 E ainda, “à Escritura nada se acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações do Espírito nem por tradições dos homens”.12

Há quem argumente que as afirmações da CFW não devem ser entendidas como se coibissem novas revelações de modo absoluto. Há quem diga que Deus continua

fornecendo revelações do Espírito Santo para a direção cristã diária.13 Outros mencionam os “profetas da Reforma” e os “profetas puritanos escoceses” dos séculos 16 e 17, incluindo o pai do presbiterianismo, John Knox,14 insinuando que, se aqueles cristãos reformados dos séculos 16 e 17 receberam novas revelações do Espírito Santo, o texto da CFW não pode significar que a igreja reformada rejeita todo tipo de novas revelações. Tais proponentes persistem afirmando que subscrevem a CFW, ao mesmo tempo em que defendem que o Espírito Santo continua concedendo à igreja os dons de profecia, línguas e cura direta. O verdadeiro ponto a considerar é o seguinte: Em pleno séc. 17, com os “profetas escoceses”

tão próximos, sendo a experiência de profecias deles tão verificável, diante de evidências avassaladoras de revelação sobrenatural tão benéfica para a igreja, por que os teólogos de Westminster insistiram em uma redação tão estrita da CFW, que não abre espaço para novas revelações? Voltaremos a esta questão no capítulo 7.

Outra prova do cessacionismo da IPB é o texto da Forma de Ordenação de Ministros do Evangelho:

Os apóstolos, os profetas e os que possuíam o dom de línguas, de curar e fazer milagres foram oficiais extraordinários empregados, a princípio, por nosso Senhor e Salvador para reunir seu povo de entre as nações, conduzindo-o à família da fé. Esses oficiais e dotes miraculosos cessaram há muito tempo.15

O Manual do Culto da IPB não dá margem a dúvidas. Com a cessação dos ofícios extraordinários, cessaram também os dons de profecia, línguas, de curar e fazer milagres.

Uma vez que o Manual é um documento oficial da IPB, quem disser que não há documento oficial da igreja assumindo o cessacionismo desconhece ou distorce a verdade.

Além disso a IPB é cessacionista em suas publicações. Denominações investem em casas publicadoras com o objetivo de edificar e doutrinar seus membros. Uma verificação nas obras traduzidas e publicadas pela igreja demonstrará o cuidado do Conselho Editorial da Cultura Cristã em publicar comentários, teologias bíblicas, teologias sistemáticas e livros avulsos sempre postulando o cessacionismo. Não há sequer um livro publicado pela Cultura Cristã, de 1992 até hoje, que reconheça ou defenda a continuação dos ofícios e dons extraordinários.16

10 Constituição Interna da Igreja Presbiteriana do Brasil (CI/IPB), Artigo 1. In: SUPREMO CONCÍLIO DA IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL. Manual Presbiteriano. 4. reimp. 2016. São Paulo: Cultura Cristã, 2013.

11 ASSEMBLEIA DE WESTMINSTER. Confissão de Fé (CFW), 1.1. In: BÍBLIA DE ESTUDO HERANÇA REFORMADA (BEHR). Barueri; São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil; Cultura Cristã, 2018, p. 1992. Grifo nosso.

12 ASSEMBLEIA DE WESTMINSTER, CFW, 1.6, p. 1994. Grifos nossos.

13 Eu tive de lidar com este argumento em 2011, redigindo a sentença do Tribunal do Presbitério de São José do Rio Preto.

14 DEERE, Jack. Surpreendido Com a Voz de Deus. São Paulo: Editora Vida, 1998, p. 66-74; CUNHA, Renato. Sob os Céus da Escócia: Uma Análise das Profecias dos Puritanos Escoceses no Século 17. 2. ed. revisada. Natal; Rio de Janeiro: Editora Carisma;

Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2016. Edição do Kindle.

15 IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL. Manual do Culto. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 91. Grifo nosso.

16 HENDRIKSEN, William. Efésios e Filipenses. 3. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 1992. (Comentário do Novo Testamento).

Logos Software; BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. 1. ed. Barueri; São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil; Cultura Cristã, 1999. Notas de rodapé sobre as passagens que aludem aos dons espirituais e ofícios; artigo Dons e Ministérios, p. 1406;

BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. 2. ed. Barueri; São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil; Cultura Cristã, 2009. Notas de

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1.2.2. Cessacionismo conciliar

Por fim, o cessacionismo da IPB pode ser confirmado em seu Digesto, o corpo de decisões de seu Supremo Concílio (SC/IPB), disponível para consulta no site de sua Secretaria Executiva. Sem exceção, as decisões dos plenários do Supremo repudiam a postulação de continuidade dos dons extraordinários. Menciono e comento sucintamente as principais decisões nos parágrafos seguintes.

Em 1978 o SC/IPB definiu “igreja pentecostal” como aquela que admite “constantes revelações contemporâneas de Deus, além daquela que nos é apresentada pelas Escrituras Sagradas” e, além disso, exige “manifestações sensíveis para que se caracterize a presença do Espírito Santo numa pessoa”.17

Em 1984, a Comissão Executiva do Supremo Concílio (CE-SC) determinou que nenhum membro da IPB deveria ter vínculo com a ADHONEP — Associação de Homens de Negócios do Evangelho Pleno, considerando a divergência entre as doutrinas abraçadas pela IPB e os “princípios doutrinários exarados nos Estatutos da ADHONEP” que, como se sabe, são consistentes com o Pentecostalismo, aberto a novas revelações.18

Em 1985, na decisão mais aberta de sua história, a CE-SC estabeleceu que “é pouco prudente e muito inconveniente ordenar-se Ministro do Evangelho pessoa que anuncia ser o ‘dom de línguas’ uma experiência a que está sujeita”.19 Talvez pela falta de clareza da decisão anterior, acertadamente, em 1986 o SC/IPB nomeou uma comissão para redigir um documento sobre a doutrina do Espírito Santo. Foi determinado ainda que os presbitérios não deveriam ordenar candidatos ao Sagrado Ministério que sustentassem: “(1) A

contemporaneidade de todos os dons neotestamentários e apostólicos. (2) A experiência sobre o dom de línguas”, pelo menos “até término de trabalho da Comissão nomeada”.20 Tendo em vista que o trabalho da Comissão não estava finalizado, em 1990 decidiu-se

“devolver os estudos apresentados à Comissão Especial, para conclusão do assunto, determinando que sejam apresentados na próxima reunião ordinária da CE-SC/IPB”.21

rodapé sobre as passagens que aludem aos dons espirituais e ofícios; artigo O Espírito Santo: Todos Os Cristãos Têm o Espírito Santo?, p. 1424-1425; KUYPER, Abraham. A Obra do Espírito Santo. São Paulo: Cultura Cristã, 2010; VOS,

Geerhardus. Teologia Bíblica: Antigo e Novo Testamentos. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 361-367; SPROUL, R. C. Estudos Bíblicos Expositivos em Romanos. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 378-379; BRUNER, Frederick Dale. Teologia do Espírito Santo. 3. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 201; BRAY, Gerald. (Org.). Gálatas e Efésios. São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 357- 364. (Comentário Bíblico da Reforma); KISTEMAKER, Simon. 1Coríntios. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 507.

(Comentário do Novo Testamento). Logos Software; SPROUL, R. C. O Mistério do Espírito Santo. 3. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2014; POYTHRESS, Vern. S. O Que São Dons Espirituais? In: PHILLIPS, Richard D. (Org.). Série Fé Reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2015, p. 70-93, v. 2; CHUNG-KIM, Esther; HAINS, Todd R. (Org.). Atos. São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 79. (Comentário Bíblico da Reforma); HORTON, Michael. Doutrinas da Fé Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 922-934; KISTEMAKER, Simon. Atos. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2016, v. 1. (Comentário do Novo Testamento).

Logos Software; KISTEMAKER, Simon. Atos. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2016, v. 2. (Comentário do Novo

Testamento). Logos Software; KNIGHT III, George W. A Cessação dos Dons Espiritual Extraordinários. In: BEEKE, Joel;

PIPA, Joseph A. (Org.). A Beleza e a Glória do Espírito Santo. São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 89-109; LOPES, Augustus Nicodemus. O Culto Espiritual. 2. ed. revisada e aumentada. São Paulo: Cultura Cristã, 2017; BEHR, notas de rodapé sobre as passagens que aludem aos dons espirituais e ofícios; LIGHTFOOT, J. B. Atos dos Apóstolos. São Paulo: Cultura Cristã, 2018, p. 76-78.

17 Doc. SC – 1978 – DOC. XXXVI: Sínodo de São Paulo, Presbitério Belo Horizonte e Presbitério de Juquiá – Consulta Sobre a Definição de Igreja Pentecostal e Comunidades Evangélicas. In: SECRETARIA EXECUTIVA DA IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL. Digesto Presbiteriano. Disponível em: <http://www.executivaipb.com.br>. Acesso em: 10 abr. 2019.

18 CE – 1984 – DOC. LIII: Presbitério de Goiânia – Sobre a Associação de Homens de Negócios do Evangelho Pleno. In:

SECRETARIA EXECUTIVA DA IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL, op. cit., loc. cit.

19 CE – 1985 – DOC. XII: Presbitério de Niterói – Sobre “Dom de Línguas” – Doc. CI/IPB – Quanto ao Doc. 15 – Consulta do Presbitério de Niterói Sobre a Conveniência e a Legitimidade de Ordenar-Se Pastor Uma Pessoa Que Afirma Experimentar o Dom de Línguas. In: Ibid., loc. cit.

20 SC – 1986 – DOC. XLIX: Presbitério de Pernambuco e Niterói – Sobre Ordenação de Candidatos – Dom de Línguas. In:

Ibidem.

21 SC – 1990 – DOC. VIII: Quanto ao Doc. 192, da Secretaria Executiva do Supremo Concílio. In: Ibidem.

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Em 1991, a CE-SC encaminhou o assunto à recém-criada Junta de Educação Teológica da IPB (JET/IPB) que, com a “contribuição de especialistas que ensinam nos nossos

seminários”, deveria reestudar, reelaborar e unificar os trabalhos, “procedendo as alterações que se fizerem necessárias, observando revisão linguística-filológica, com um texto orientador claro e objetivo, devendo apresentar seu relatório até a próxima reunião da CE-SC/IPB”.22 Em 1993 surgiu um primeiro relatório — na verdade uma lista bíblica de ações do Espírito Santo —, sem qualquer apoio à continuação dos dons e ofícios

extraordinários, que foi aprovado como “orientador inicial”. Nomeou-se uma Comissão Permanente para dar continuidade ao trabalho, “visto a complexidade da matéria”.23 Em 1994 o SC/IPB aprovou o documento de vinte proposições denominado Doutrina do Espírito Santo produzido pela Comissão integrada “pelos Irmãos: Rev. Heber Carlos de Campos, Rev. Onézio Figueiredo e Rev. Odayr Olivetti”. Decidiu-se ainda publicá-lo para

divulgação junto às igrejas e seminários e “manter a mesma Comissão com os seguintes membros: Rev. Heber Carlos de Campos, Rev. Onézio Figueiredo, Rev. Odayr Olivetti, Rev. Elias Dantas Filho, Rev. Antônio Carlos Barro, Rev. Antônio José do Nascimento Filho, Rev. Augustus Nicodemus Lopes”.24

Em 1998 o SC/IPB decidiu “adotar como padrão doutrinário do SC/IPB acerca da doutrina do Batismo com Espírito Santo e sua evidência a carta pastoral denominada O Espírito Santo Hoje: Dons de Línguas e Profecia. Ademais, a doutrina do batismo com o Espírito Santo evidenciado pelo dom de línguas não deveria ser ensinada em nossas igrejas.25 Ainda em 1998, o SC/IPB determinou que “qualquer prática de profecia que não corresponda ao ensino bíblico e reformado seja banido do culto público e da vida de nossa igreja”. Estabeleceu-se, ademais, “que não seja admitido em hipótese alguma a suposta manifestação de ‘profecias’ no seu caráter revelatório”.26

Em 2002, deliberando sobre as “profecias contemporâneas” proferidas pelo Dr.

Samuel Doctorian, o SC/IPB entendeu que a crença do Dr. Doctorian “em revelações extrabíblicas” é “de todo contrário à sã doutrina”, assemelhada “ao montanismo”, contrária

“e prejudicial à suficiência das Escrituras, negando o lema da Reforma ‘Sola Scriptura’ e, portanto, herética. Por fim, os que “professarem ou divulgarem o conteúdo dos mesmos, por não estarem em conformidade com os ensinos da Sagrada Escritura, são passíveis de disciplina, a teor do disposto no Código de Disciplina, art. 4º”.27 Em 2003, ainda tratando da questão Doctorian, a CE-SC determinou nova publicação da carta pastoral sobre o Espírito Santo.

Em 2005, a CE-SC determinou que os ministros da IPB deveriam abandonar práticas de cura interior norteadas por premissas neopentecostais — a ideia de “opressão

demoníaca” de crentes, decorrente de “ganchos” em seu passado.28

Observe-se que, na carta pastoral denominada O Espirito Santo Hoje: Dons de Línguas e Profecia, citada nas resoluções de 1998 e 2003 a IPB assume o seguinte: (1) O dom de línguas

22 CE – 1991 – DOC. LXIX: Quanto ao Doc. 34, Relatório da Comissão Especial de Estudos de Doutrina do Espírito Santo e Contemporaneidade dos Dons. In: Ibidem.

23 CE – 1993 – DOC. LXXI: Quanto ao Doc. 137, Relatório da Junta de Educação Teológica, sobre a “Doutrina do Espírito Santo”. In: Ibidem.

24 SC – 1994 – DOC. XXVII: Quanto ao Doc. 100 – Relatório da Comissão Permanente de Doutrina Designada pela CE- SC/IPB – 093. In: Ibidem.

25 SC – 1998 – DOC. CXIX: Quanto ao Doc. N.º 175 – Proposta do Presbitério Serrano Espiritossantense Referente à Doutrina do Batismo com Espírito Santo e Sua Evidência. In: Ibidem.

26 SC – 1998 – DOC. CXXI: Quanto ao Doc. 173 – Proposta Acerca do Padrão Doutrinário do SC-IPB Referente à Doutrina e Dom de Profecia. In: Ibidem.

27 SC – 2002 – DOC. XV: Quanto aos Docs. 28, da CE-SC-2002, Encaminhamento do Seu Doc. XCIX, Para Pronunciamento do SC-IPB Quanto aos Ensinamentos e Revelações do Sr. Doctorian. In: Ibidem.

28 CE – 2005 – DOC. XX: Quanto ao Documento 78 – Consulta do Sínodo Centro América, Quanto ao Movimento de

“Cura Interior” – REVER – Restaurando Vidas, Equipando Restauradores. In: Ibidem.

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corresponde à capacidade de falar idiomas humanos; (2) que o dom de profecia como predição “cumpriu sua finalidade através dos antigos profetas e apóstolos [...]. Assim, como veículo de revelação divina, ela cessou com os apóstolos e profetas, os quais lançaram os fundamentos da Igreja de Cristo”.

Destaque-se que, em todo esse apanhado, não houve sequer uma decisão do

Supremo Concílio da IPB favorável à continuidade dos dons extraordinários, muito menos revogação da carta pastoral que é notadamente cessacionista. Se alguém lhe disser que a IPB não tem uma posição oficial contrária à contemporaneidade dos dons e ofícios extraordinários, isso não é verdade. Ao longo dos anos, Deus em sua providência tem guiado a IPB a compreender os dons e ministérios sob uma ótica bíblica, reformada, calvinista e cessacionista.

1.3. Movimentações na igreja, identificações e juízos

Nos últimos vinte anos, enquanto eu lia, escrevia e ensinava sobre ministérios e dons, algumas coisas aconteceram (e ainda estão acontecendo) na igreja. É possível discernir três movimentos que exigem uma abordagem de identificação, a fim de acertar determinadas opiniões ou juízos, que explicarei adiante.

1.3.1. Três movimentações na igreja, quanto aos ministérios e dons

O primeiro movimento é o da migração de cristãos pentecostais e neopentecostais para igrejas tradicionais e também reformadas.29 O segundo é o da aparente penetração de pregadores de linha reformada em denominações pentecostais. O terceiro é o da

aproximação de alguns tradicionais e reformados de uma leitura que concorda com a continuidade senão dos ofícios, pelos menos dos dons extraordinários.

Quanto ao primeiro movimento, a Igreja Presbiteriana de São José do Rio Preto recebe anualmente pessoas provenientes de diferentes igrejas pentecostais e

neopentecostais. Sem exceção, elas dizem que estão migrando para o presbiterianismo da IPB por causa da ênfase desta denominação na pregação expositiva e ensino da Palavra.30 Algumas se aproximam motivadas por pregações e vídeos sobre fé reformada disponíveis na TV ou em sites e redes sociais. Há quem chegue esgotado, moído por frustrações

decorrentes de manipulações, promessas falsas e doutrinação rasa ou incorreta. Ou apenas cansado de “viagens na maionese” e esquisitices possibilitadas pelo modo do

pentecostalismo e do neopentecostalismo entenderem e promoverem os ofícios e os dons espirituais extraordinários.

Quanto ao segundo movimento, pregadores vinculados a denominações reformadas são convidados para pregar em igrejas e eventos pentecostais. A partir de então, cogita-se que pelos menos algumas igrejas e ramos do pentecostalismo estão se dando conta de que podem ser beneficiados com aquilo que é provido pela fé reformada.31

O tempo há de mostrar em que darão os dois primeiros movimentos, considerando que a cultura contemporânea, especialmente em sua configuração de cultura digital, enseja fragmentação. Os chamados textos multimodais ou multissemióticos das redes

29 Igrejas reformadas como a IPB são reformadas e tradicionais, mas é possível uma igreja ser tradicional e não reformada. É o caso das igrejas batistas ligadas à Convenção Batista Brasileira ou da Igreja Batista Regular.

30 A primeira pergunta que fazemos a uma pessoa que deseja se tornar membro da IPB Rio Preto é: Por que você deseja se tornar membro de nossa igreja?

31 Esta parece ser uma das tônicas do livro dos McAlister (MCALISTER; MCALISTER, op. cit., passim).

(13)

sociais induzem ao espalhamento de fragmentos (se você não sabe o que um texto multimodal ou multissemiótico, veja a figura 1).32

Figura 1. Exemplo de texto multimodal ou multissemiótico, divulgado nas rede sociais.

Um usuário de grupos de mensagens ou sites de relacionamento recebe esse tipo de conteúdo todo dia. Eu recebi um post compartilhado — uma figura estilizada e, sobre ela, a transcrição de uma frase atribuída a Martinho Lutero. O usuário típico visualiza, curte e compartilha, mas poucos conferem se realmente Lutero disse ou escreveu isso. E poucos já leram uma obra completa de Lutero, porque, afinal de contas, nem todo mundo tem o hábito de ler um livro inteiro. Em outras palavras, a mente vai cada vez mais se parecendo com um quadro de lembretes post-it. A vida intelectual das redes sociais e da cultura contemporânea é constituída de pedaços diminutos de informação. Isso quer dizer que a era líquida abre mão do pensamento sistêmico. Deixamos de assumir sistemas e passamos a abraçar partes do que consideramos útil, verdadeiro ou que funciona para nós. Uma igreja pode ser calvinista em seu currículo de escola dominical, arminiana em sua

evangelização e pentecostal em sua teologia dos dons e liturgia — tudo ao mesmo tempo.

O que faz um sistema ser um sistema é o fato de ele ser fechado e distinto de outros sistemas. Um bom exemplo são os sistemas operacionais de computadores. Os sistemas Unix (e sua cria Linux), Windows, macOS, android ou IOS podem conversar entre si, mas grosso modo, um dispositivo que roda nativamente o Windows não rodará o macOS. Fazer um sistema rodar dentro de outro sistema exigirá um recurso denominado “virtualização”, uma espécie de “farsa computacional”, ou seja, o sistema rodará sobre uma máquina emulada (virtual) e não no hardware real.

Outro modo de dizer isso é afirmando que um sistema é, em si, uma orquestra que executa uma música em harmonia, por exemplo o Concerto para Clarinete Em A, K 622 – 2, de Mozart. Uma orquestra só consegue executar uma peça musical por vez. Se uma

orquestra tentar tocar o K 622 e outra peça de Beethoven ao mesmo tempo, o resultado será confusão e dissonância. Uma orquestra executando uma peça musical completa é

semelhante a um sistema. Aqui proponho que a doutrina da cessação dos ofícios e dons extraordinários é parte de uma obra musical completa — a sinfonia da fé bíblica, reformada e calvinista. Ao tentar executar a música inserindo outros conteúdos na

32 Roxane Rojo e Jacqueline Barbosa esclarecem que “texto multimodal ou multissemiótico é aquele que recorre a mais de uma modalidade de linguagem ou a mais de um sistema de signos ou símbolos (semiose) em sua composição” (ROJO, Roxane; BARBOSA, Jacqueline P. Hipermodernidade, Multiletramentos e Gêneros Discursivos. São Paulo: Parábola Editorial, 2015, p. 108).

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partitura (a ideia de continuação dos dons extraordinários) o sistema é violado e a

composição original se torna medley ou pot-pourri, junção de fragmentos, mas vivemos em uma era em que as pessoas gostam de misturas e de remix, que sugere que a ortodoxia seja humilde (as verdades bíblicas devem ser defendidas sem ferir as pessoas) e celebra a teologia sinfônica (que admite valor e validade de teologias diferentes).33 Nesse contexto não se fala mais sobre sistema calvinista e sim sobre perspectiva calvinista, como se o

calvinismo fosse apenas um dentre vários pontos de vista, sendo todos igualmente válidos, o que é logicamente impossível, mas quem disse que a teologia deve ser lógica?

É como se cada sistema não fosse uma música completa, mas parte da obra musical maior, a sinfonia “batisteriana presbitecostal do reino de Deus”.34 Esse irenismo pode combinar com Erasmo de Roterdã, mas não com Lutero, Calvino ou os teólogos de

Westminster.35 Como eu disse, temos de esperar as próximas duas décadas, para ver o que surgirá deste abandono da fé reformada e do calvinismo como sistemas. A fé reformada cresce como pedaços de doutrina sadia distribuídos em rede, como se cada pequeno pacote de doutrina baixado em nosso dispositivo funcionasse como aplicativo, mas não como um sistema operacional completo. Essa parece ser a estratégia de toda argumentação de Olson e dos McAlister: podemos adotar partes da fé reformada, e ainda assim

permanecer arminianos ou pentecostais. Suspeito que esta seja a tônica daquilo que segue

— o terceiro movimento.

Estranhamente, ao mesmo tempo que ocorre o êxodo dos pentecostais e

neopentecostais para as igrejas reformadas, um contingente de cristãos reformados — pastores, oficiais e membros de igrejas — diz que não concorda com novos apóstolos, ao mesmo tempo em que se abre para a continuidade dos dons extraordinários de profecia, línguas e cura direta.

Isso é agravado pelo seguinte fato: com raras exceções, vinte anos atrás, a literatura que defendia a continuidade dos dons extraordinários era produzida quase que

exclusivamente pelas casas publicadoras das igrejas pentecostais e outras editoras de pequeno porte. Ademais, os livros eram frágeis em sua articulação teológica e exegética, mais baseados em testemunhos e formulações simplistas ancoradas em textos-prova. Eu me lembro de que, em 1987, um movimento de “renovação” (leia-se divisão produzida pela crença na contemporaneidade dos dons extraordinários) irrompeu na igreja em que eu servia como presbítero e evangelista. Na ocasião eu ajudei na doutrinação dos

remanescentes fiéis à IPB utilizando o livro Teologia do Espírito Santo, de Frederick Dale Bruner, uma obra cessacionista então publicada por Edições Vida Nova.36 Depreende-se disso que, naquela época, Edições Vida Nova assumia uma teologia cessacionista, mas isso mudou. Os direitos do livro de Bruner foram adquiridos pela Editora da IPB (Cultura Cristã) e agora Edições Vida Nova publica livros de autores que defendem não apenas a continuidade dos dons extraordinários, mas também argumentam que esta é a leitura mais fiel e exata do texto bíblico. Tais livros são recomendados em Faculdades de Teologia e Seminários de todas as denominações evangélicas, inclusive os da IPB. Discordar da continuação dos dons extraordinários equivale a bater de frente com teólogos

33 Cf. HARRIS, Joshua; STANFORD, Eric. Ortodoxia Humilde. São Paulo: Vida Nova, 2013; POYTHRESS, Vern S. Teologia Sinfônica. São Paulo: Vida Nova, 2016.

34 Eu cunhei essa expressão em 2004, para tentar explicar meu próprio perfil doutrinário, em minha fase de adolescência bíblica e teológica.

35 Erasmo de Roterdã contribuiu com a causa da Reforma, mas retornou ao Catolicismo Romano preconizando o irenismo (de eirēnē; “paz”), a “atitude conciliadora e compreensiva para com os crentes de outras igrejas ou seitas”

(Irenismo, in: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio. Curitiba: Positivo Informática Ltda., 2009. CD-ROM).

36 BRUNER, Frederick Dale. Teologia do Espírito Santo. São Paulo: Vida Nova, 1983.

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respeitadíssimos pelos cristãos reformados, tais como Gordon D. Fee, Sam Storms, Craig Keener, os McAlister e D. A. Carson.37

A fala que reverbera nas obras destes autores é que a argumentação cessacionista não apenas carece de peso exegético, mas o cessacionismo é defeituoso de diferentes modos (cf.

seção 1.3.2). Ainda que eu não pretenda converter adeptos da teologia pentecostal para o ponto de vista cessacionista, mesmo assim se faz mister demonstrar que a posição

cessacionista da IPB é a simples aplicação de uma leitura sadia, sóbria e fiel das Escrituras, bem como o desdobramento racional de um sistema teológico coerente.

1.3.2. Identificações e juízos

Nestes estudos, dependendo do contexto, eu chamarei todos os que acreditam na continuação de um ou mais dons e ofícios extraordinários de “carismáticos”, “pentecostais”

ou “neopentecostais”.38 E chamarei de cessacionistas todos os que não acreditam na continuação dos ofícios e dons extraordinários.

Admito que se trata de uma simplificação deveras grosseira e imprecisa. Uma pessoa indecisa, mas propensa a um ou outro lado, pode não gostar de ser desde já identificada com determinada posição. Além disso, há pessoas que concordam com elementos de uma e de outra posição, ao mesmo tempo em que discordam de detalhes de ambas, portanto, considerariam radical, injusta ou precipitada qualquer rotulagem. Para complicar, tanto em igrejas pentecostais quanto em igrejas reformadas, há pessoas que não acreditam na continuação do ofício de apóstolo, mas abraçam a contemporaneidade de profecia, línguas e cura direta. E algumas aceitam profecia e línguas, mas não a cura direta.

Não são poucas as possibilidades de combinações entre diferentes crenças e práticas do pentecostalismo e cessacionismo. Apesar disso, eu assumo o reducionismo como método, porque quando tentamos hoje conversar sobre os grandes sistemas ou

plataformas teológicas, somos logo interrompidos pela objeção de que “isso não pode ser generalizado ou existem exceções, nem todos pensam ou procedem assim”. Tanto Olson quanto os teólogos McAlister fazem questão de reiterar que fé reformada, arminianismo e calvinismo são cheios de nuances, subdivisões e não monolíticos.39 Em hipnose isso é chamado de “manobra do terreno elevado”, contrapor a um argumento uma declaração que não pode ser considerada errada, e que desvia a atenção do tema até então discutido.40 Esse argumento — de que a pluralidade de opiniões impede o consenso sobre uma

questão — tropeça ao desconsiderar a natureza conciliar e confessional das igrejas reformadas (incluindo a IPB).

Igrejas conciliares e confessionais são compostas de membros com muitas opiniões;

mesmo assim, na decisão do concílio e na subscrição de uma confissão, estabelece-se uma posição única. É possível saber como uma igreja, como um todo, define e entende um assunto verificando o que dizem os símbolos de fé que ela subscreve, bem como as suas decisões conciliares. Igrejas conciliares e confessionais não operam no terreno pantanoso e subjetivo das exceções. Nelas os debates são levados para um plano objetivo que torna possível o diálogo, bem como avaliações das questões pertinentes ao que é tratado.

Quando se aceita a sugestão de que algo não pode continuar sendo discutido, porque nem

37 Além dos livros já mencionados, de D. A. Carson, Sam Storms e Walter e John McAlister, a Edições Vida Nova tem investido nas obras do teólogo carismático Craig S. Keener; cf. . KEENER, Craig S. O Espírito na Igreja. São Paulo: Vida Nova, 2017; . KEENER, Craig S. A Hermenêutica do Espírito. São Paulo: Vida Nova, 2018 e . KEENER, Craig S. A Mente do Espírito. São Paulo: Vida Nova, 2018 e KEENER, Craig S. O Espírito nos Evangelhos e Atos. São Paulo: Vida Nova, 2018.

38 Não farei uso das designações “terceira onda” ou “abertos, porém cautelosos”, sugeridas por Grudem; cf. GRUDEM, Wayne. (Org.). Cessaram os Dons Espirituais? 4 Pontos de Vista. São Paulo: Editora Vida, 2003, p. 10-14. (Coleção Debates).

39 MCALISTER; MCALISTER, op. cit., p. 139; OLSON, Contra o Calvinismo, p. 41-58.

40 ADAMS, Scott. Ganhar de Lavada: Persuasão em um Mundo Onde os Fatos não Importam. Rio de Janeiro: Record, 2018, edição do Kindle, posição 3185-3236.

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tudo ou todos se enquadram no que é descrito, fecha-se todo espaço para uma ponderação e análise racional da questão, ou seja, o ponto deixa de ser observável e passível de

avaliação. É como se os diferentes grupos ou posições passassem a funcionar como células talibãs. Não se encontra um centro, nem líder, nem norte. Em algumas denominações, a questão da cessação dos ofícios e dons extraordinários é armazenada em algum tipo de deep ou dark web teológica.41 Resumindo, estes estudos não analisam as exceções e sim o grande quadro geral dos ministérios e dons dentro da moldura cessacionista da IPB.

É a partir do quadro geral que conduzirei o leitor a alguns juízos. Isso será necessário porque o cessacionismo tem sido acusado de ter sido contaminado pelo escolasticismo ou iluminismo, ou de depender quase que exclusivamente de um argumento formulado por Benjamin Breckinridge Warfield. Há quem diga que é improvável que João Calvino fosse cessacionista, que o cessacionismo implica deísmo bíblico, que o cessacionismo é

naturalista e, por fim que o cessacionismo é até incrédulo e oposto a Deus.42 Jack Deere chega ao ponto de afirmar que:

De acordo com os deístas bíblicos, Jesus não faz mais essas coisas [milagres]. Ele usou os milagres e a revelação divina no século 1 para ‘dar corda’ à igreja como se fosse um relógio e depois a deixou com a Bíblia. A Palavra deve servir para manter o relógio funcionando

corretamente. [...] Os deístas bíblicos têm a tendência de substituir Deus pela Bíblia. Na verdade deificam a Bíblia.43

Para Deere, cessacionistas são deístas e bibliólatras. Sam Storms endossa que “os dons espirituais nunca podem ser vistos de maneira deística, como se um Deus ‘lá do alto’

tivesse enviado alguma ‘coisa’ para nós que estamos ‘aqui embaixo’”.44 Em seguida:

“Rejeitar os dons espirituais, dar as costas a essa capacitação divina direta e graciosa é, de certo modo, dar as costas a Deus. [...] Ao afirmá-las, nós recebemos o Senhor. Ao negá-las, nós o negamos”.45 Ou seja, Storms não acusa diretamente, mas deixa subentendido que a negação da continuidade dos dons e ofícios extraordinários denota deísmo e negação de Deus.

Walter e John McAlister propõem que a admissão de que Deus é soberano e pode muito bem fazer de novo o que fez no passado (uma crença dos cessacionistas), “não traz nenhum tipo de expectativa da ação milagrosa de Deus”.46 Trocando em miúdos, para os reformados pentecostais McAlister, calvinistas cessacionistas não esperam milagres de Deus. E prosseguem:

O milagre é visto como uma interferência excepcional no mundo natural como Deus o criou — um mundo que funciona por meio das leis naturais que Deus pôs em andamento e que operam com certa autonomia. [...] Há um deísmo tácito mantido por muitos dos que veem um mundo natural que opera segundo os parâmetros que Deus estabeleceu, mas sem uma conexão contínua com o mundo espiritual.47

Na nota de rodapé da mesma página, os McAlister citam D. A. Carson:

O movimento carismático tem desafiado a igreja a esperar mais de Deus, a esperar que Deus derrame seu Espírito sobre nós por meio de formas que quebrem nossos moldes tradicionais

41 A deep ou dark web (web profunda ou escura) é uma parte da internet não aberta aos usuários comuns, muito frequentada por hackers, pedófilos e viciados sexuais, organizações governamentais, criminosos e grupos terroristas.

42 No decorrer desses estudos eu retornarei a cada uma dessas afirmações.

43 DEERE, op. cit., p. 252.

44 STORMS, op. cit., p. 14.

45 Ibid., p. 15. Grifos nossos.

46 MCALISTER; MCALISTER, op. cit., p. 69-70. Grifo nosso.

47 Ibid., p. 70. Grifo nosso.

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para por em xeque uma teologia que, sem garantias exegéticas suficientes, rejeita toda possibilidade do que é miraculoso, com exceção da regeneração.48

Entenderam? A teologia cessacionista não possui garantias exegéticas suficientes.

Além disso, rejeita a possibilidade do miraculoso, a não ser a regeneração. Será que percebemos a gravidade destas afirmações? A insinuação de que a crença na soberania de Deus diminui a expectativa de milagres, a sugestão de que a aceitação de um mundo natural que opera segundo os parâmetros estabelecidos por Deus corresponde a deísmo tácito e a citação de Carson sobre a necessidade da igreja ser desafiada pelo

pentecostalismo a “esperar mais de Deus”, podem evocar uma noção falsa, de que ser cessacionista corresponde a não acreditar em milagres, não crer em um “mundo espiritual”

e esperar pouco de Deus. Se tais postulados forem verdadeiros, um cessacionista pode sequer ser cristão?

Em suma, os que abraçam a crença na continuidade dos dons e ofícios

extraordinários não apenas começam a publicar mais livros com argumentos mais

sofisticados em editoras de renome, mas saem a campo para induzir a impressão de que o cessacionismo não apenas não é ancorado em exegese sólida, quanto depende de

construtos tanto extra quanto antibíblicos. O cessacionismo — como pintam —

simplesmente não dá conta da explicação dos dons espirituais, como revelados na Sagrada Escritura.

Esse estado de coisas demanda posicionamento, não de quem chama para a briga, mas de quem não foge dela, quando necessário. Cabe aqui esclarecer e firmar posição com gentileza, mas sem insegurança ou covardia; dizer em que cremos certos de que não sabemos tudo, mas também de que possuímos conhecimento bíblico sadio e suficiente.

Sobre isso falaremos mais no capítulo seguinte.

Atividades do capítulo 1

01. Marque Falso ou Verdadeiro. O uso do rótulo “cristão bíblico, reformado, calvinista e cessacionista”

é desnecessário, porque “bíblico” automaticamente significa reformado, calvinista e cessacionista. ___

Falso. ___ Verdadeiro.

02. Marque as opções certas:

___ A Igreja Presbiteriana do Brasil entende que os ofícios e dons espirituais extraordinários (apóstolos, profetas, línguas e cura direta) são contemporâneos e necessários na igreja atual.

___ A Igreja Presbiteriana do Brasil entende que os ofícios e dons espirituais extraordinários (apóstolos, profetas, línguas e cura direta) cessaram.

___ A Igreja Presbiteriana do Brasil confirma que não é cessacionista em sua Confissão de Fé, Liturgia e publicações.

___ As decisões do Supremo Concílio da IPB demonstram que a igreja é cessacionista.

03. Complete a frase com uma palavra extraída do texto: O primeiro movimento é o da [migração] de cristãos pentecostais e neopentecostais para igrejas tradicionais e também reformadas.

04. Marque Falso ou Verdadeiro. Nos últimos anos, mais editoras publicaram livros explicando a doutrina cessacionista. ___ Falso. ___ Verdadeiro.

48 CARSON, D. A. A Manifestação do Espírito: A Contemporaneidade dos Dons à Luz de 1Coríntios 12—14. São Paulo: Vida Nova, 2013, p. 183, apud MCALISTER; MCALISTER, op. cit., p. 70.

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2. Se é possível estudar os ministérios e dons e como fazer isso

Neste capítulo eu defendo que, apesar da multiplicidade de entendimentos sobre os dons espirituais, é possível estudar o assunto com segurança e clareza bíblicas. Para isso sugiro alguns enquadramentos e proponho uma interpretação limitada pela Bíblia e baseada no amor. Concluo informando que a maneira como consideramos o livro de Atos afeta nosso entendimento da doutrina do batismo com o Espírito Santo.

2.1. A possibilidade de clareza no estudo dos ministérios e dons

Desde o 2º século da era cristã, poucos assuntos contribuem tanto para a divisão de igrejas quanto os dons espirituais. Bruner afirma que “pelo menos a partir de Montano, talvez a partir de Corinto, os dons do Espírito têm parecido ser mais fonte de embaraço do que de encorajamento para a igreja cristã”.49 Mesmo dentro de uma mesma denominação, teólogos e pastores sugerem entendimentos dissonantes da doutrina, tornando os crentes suscetíveis à ideia equivocada de que o juízo sobre o assunto oscila conforme o pastor: “o reverendo Fulano acredita que este dom é semelhante a uma maçã; já para o teólogo Beltrano, trata-se de uma banana”.50

Parece que, para alguns, quando estudamos os ministérios e dons, devemos aplicar a parábola escrita por John Godfrey Saxe, sobre os seis homens do Hindustão.

Eram seis homens do Hindustão, inclinados para aprender muito, Que foram ver o Elefante (embora todos fossem cegos)

Cada um, por observação, poderia satisfazer sua mente.

O Primeiro aproximou-se do Elefante, e aconteceu de chocar-se Contra seu amplo e forte lado. Imediatamente começou a gritar:

“Deus me abençoe, mas o Elefante é semelhante a um muro”.

O Segundo, pegando uma presa, gritou, “Oh! O que temos aqui Tão redondo, liso e pontiagudo? Para mim isto é muito claro Esta maravilha de Elefante é muito semelhante a uma lança!”

O Terceiro aproximou-se do animal e aconteceu de pegar A sinuosa tromba com suas mãos. Assim, falou em voz alta:

“Vejo”, disse ele, “o Elefante. É muito parecido com uma cobra!”

O Quarto esticou a mão, ansioso e apalpou em torno do joelho.

“Com o que este maravilhoso animal se parece é muito fácil”, disse ele:

“Está bem claro que o Elefante é muito semelhante a uma árvore!”

O Quinto, por acaso, tocou a orelha, e disse: “Até um cego Pode dizer com o que ele se parece: Negue quem puder.

Esta maravilha de Elefante é muito parecido com um leque!”

O Sexto, mal havia começado a apalpar o animal, Pegou na cauda que balançava e veio ao seu alcance.

“Vejo”, disse ele, “o Elefante é muito semelhante a uma corda!”

E assim esses homens do Hindustão discutiram por muito tempo, Cada um com sua opinião, excessivamente rígida e forte.

Embora cada um estivesse, em parte, certo, todos estavam errados!51

49 BRUNER, op. cit., p. 135.

50 Sobre a inclinação da cultura contemporânea, de rejeição de verdades objetivas, cf. KAKUTANI, op. cit., passim.

51 SAXE, John Godfrey. Os Cegos e o Elefante. apud MINTZBERG, Henry; AHLSTRAND, Bruce; LAMPEL, Joseph. Safári de Estratégia: Um Roteiro Pela Selva do Planejamento Estratégico. Porto Alegre: Bookman, 2000, p. 12. Grifo nosso.

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Os cegos fornecem descrições sinceras, porém inexatas. Isso mostra que, na discussão de um assunto, perspectivas diversas podem ser defendidas sem que se chegue, de fato, a uma exposição adequada da verdade.

Eis a solução para o problema dos cegos: Alguém dotado de visão perfeita poderia ajudá-los a perceber que cada um, ao seu modo, distinguiu um aspecto importante. Tal pessoa explicaria ainda, que os discernimentos apresentados não fizeram jus ao animal inteiro. A partir desse ponto, os cegos seriam guiados a uma compreensão correta, baseada na representação fiel do elefante completo.

De modo semelhante, em nossos esforços para entender as coisas do Espírito de Deus, somos limitados. No entanto, temos a Escritura como guia. Podemos e devemos considerar o que nos é oferecido na Palavra. Alguns podem argumentar que, mesmo assim, a dificuldade persiste — que é impossível chegarmos a um consenso sobre o significado dos textos bíblicos.

Cremos, no entanto, que, quanto às coisas fundamentais da fé, a Bíblia possui um único sentido, descortinado mediante correta interpretação. É possível dizer algumas coisas com clareza e segurança bíblica sobre os ministérios e dons espirituais. A própria Escritura informa que o ensino sobre o ministério do Espírito Santo pode e deve ser conhecido. Deus deseja que saibamos sobre isso com nitidez e de modo edificante. Isso é assim por causa da declaração do próprio Senhor Jesus Cristo: “Quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade” (Jo 16.13). No contexto, o anúncio de Jesus tem a ver com “a verdade” acerca da redenção, mas isso alcança a doutrina dos ministérios e dons espirituais, uma vez que a doação de dons aos homens e, por

conseguinte, nossa experiência com os dons, advêm da ressurreição e exaltação de Jesus Cristo: “Por isso, diz: Quando ele subiu às alturas, levou cativo o cativeiro e concedeu dons aos homens” (Ef 4.8; cf. At 2.33). Dito de outro modo, a doutrina dos ministérios e dons espirituais desdobra a doutrina da redenção; a luz do Espírito, que nos ajuda a enxergar e acolher a Cristo, também nos conduz a compreender suficientemente e a praticar

fielmente os dons que recebemos de Cristo.

Se isso não bastasse, como habitação do Espírito nós somos ungidos: “E vós possuís unção que vem do Santo e todos tendes conhecimento” (1Jo 2.20). A igreja é composta de ungidos (At 2.16-21). Os regenerados e convertidos experimentam o cumprimento da promessa do pacto: “Todos me conhecerão, desde o menor até ao maior deles, diz o Senhor” (Jr 31.34). Isso quer dizer que nós recebemos subsídios espirituais para estudar as verdades de Deus. Por graça, fomos feitos cristãos conhecedores.

Vejamos ainda que Efésios 2.20 nos informa que a igreja é edificada “sobre o

fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular”. O fundamento da igreja é a revelação infalível contida na Sagrada Escritura e esta doutrina

“dos apóstolos e profetas” é suficiente para nos ajudar no estudo das verdades precisas para nossa salvação, santificação, consolação e serviço.

Por fim, Deus informa por meio de Paulo que devemos ser esclarecidos acerca dos dons: “A respeito dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes” (1Co 12.1).52 O propósito do Senhor é que a questão dos dons seja adequadamente averiguada.

52 Alguns leitores bem informados alertarão para o fato da palavra charisma (dom) não constar no texto grego de

1Coríntios 12.1 (τῶν πνευματικῶν). Destarte, é plausível traduzir assim: “a respeito dos espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes”, sugerindo que Paulo pensava não nos dons e sim em algumas pessoas da igreja de Corinto que se achavam “espirituais”. Ainda assim, entendo que o texto trata dos dons espirituais. Nesse particular eu concordo com Owen, para quem “a imaginação de alguns, relativas às pessoas espirituais a serem destinadas aqui, ao contrário do sentido de todos os antigos, é inconsistente com o contexto”. Cf. OWEN, John. A Discourse Concerning The Holy Spirit.

In: GOOLD, William H. (Ed.). The Works Of John Owen. Edinburgh: T&T Clark, [201-?], p. 15-16, v. 3. Logos Software.

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Em suma, a Bíblia fornece base segura e suficiente. Podemos e devemos estudar os dons espirituais com a expectativa de encontrar ensino fiel às Sagradas Escrituras.

2.2. Quatro enquadramentos úteis

O estudo dos ministérios e dons é beneficiado quando atentamos para quatro

enquadramentos, da doutrina dos dons como aplicação da doutrina da Trindade; dos dons como capacidades divinas que nos ajudam a cumprir os mandatos pactuais; da dádiva do Espírito Santo como culminação da obra redentora e revelação de Jesus Cristo antes da consumação e, por fim, dos dons como bênçãos edificantes (figura 2).

Figura 2. Quatro enquadramentos para o estudo dos ministérios e dons espirituais.

O primeiro enquadramento é o da doutrina da Trindade. Os dons espirituais são bênçãos do Deus Triúno. Eles estão disponíveis por causa da veracidade do que consta no Credo Niceno: “Creio no Espírito Santo, o Senhor e o Doador da vida; que procede do Pai e do Filho; que com o Pai e o Filho é juntamente adorado e glorificado; que falou por meio dos profetas”.53

Um segundo enquadramento é o dos pactos da criação, redenção e graça. O derramamento do Espírito Santo capacita o cristão para viver os mandatos espiritual, social e cultural. Os dons fazem parte do pacote de recursos divinos para nossa caminhada como discípulos de Jesus nesta vida. Dizer que andamos com Deus equivale a afirmar que servimos ao Senhor no mundo conscientes e dependentes do poder do Espírito Santo.

O terceiro enquadramento é o entendimento dos dons à luz da pessoa e obra de Cristo como clímax de toda revelação necessária para a salvação, santificação, consolação e serviço dos crentes.54 A relação entre os dons espirituais e a doutrina de revelação — foi

Kistemaker parece acertar quando argumenta: “O tópico que Paulo expõe nesse capítulo é dons espirituais. O adjetivo grego pneumatikōn (espiritual) aparece sozinho no texto original, de modo que somos forçados a acrescentar uma palavra.

Completamos a ideia, não com o substantivo referente a pessoas (2.15; 3.1; 14.37), que alguns estudiosos preferem, mas com a palavra dons (comparar com 14.1). O Espírito Santo é o doador desses dons, de modo que a tradução dons do Espírito Santo é não apenas plausível, como também atraente. O Espírito Santo continua a dotar os crentes com esses dons”; cf.

KISTEMAKER, 1Coríntios, p. 507.Uma testemunha deste entendimento antigo é Crisóstomo, cf. CRISÓSTOMO, João. 2:

Homilias Sobre a Primeira Carta aos Coríntios: Homilias Sobre a Segunda Carta aos Coríntios. São Paulo: Paulus, 2010, p. 402.

(Coleção Patrística). A edição de 1996 do comentário de 1Coríntios, de João Calvino, traz a tradução do próprio Calvino (modificada na edição posterior, publicada pela Editora Fiel): “no tocante às questões espirituais”. Cf. CALVINO, João.

Comentário à Sagrada Escritura: 1Coríntios. São Paulo: Edições Paracletos, 1996, p. 371. Não há problema em admitir que em 1Coríntios 12.1—14.40 Paulo instrui sobre os dons espirituais. No capítulo 12 ele destaca sua origem e utilidade no contexto do corpo. No capítulo 13 ele fala sobre o amor como dom supremo. No capítulo 14 ele orienta como os dons devem ser praticados especialmente nas reuniões de adoração da igreja.

53 O Credo Niceno. In: BEHR, p. 1936. Retornamos a este tema no capítulo 5.

54 Retornaremos a esse ponto quando olharmos para o dom de profecia, no capítulo 6.

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levada muito a sério por alguns reformadores do séc. 16, pelos teólogos de Westminster, no séc. 17 e pelos cristãos reformados contemporâneos.

Por fim, quarto e último enquadramento, os dons são dados para edificação da igreja.

Eles foram concedidos “para que não haja divisão no corpo; pelo contrário, cooperem os membros, com igual cuidado, em favor uns dos outros” (1Co 12.25) e isso de tal modo que seja tudo feito para edificação” (1Co 14.26; cf. 1Co 14.12, 17). Se a obra sublime do Espírito aplica o evangelho, os dons espirituais são capacidades dadas por Deus para o serviço do evangelho em amor. Isso quer dizer que deve ser rejeitada qualquer abordagem de doutrina que produza afetação, estranhamento ou divisão na igreja de Cristo.

2.3. Uma interpretação baseada no amor e limitada pela Bíblia Deus nos deu informação suficiente sobre os ministérios e dons espirituais, mas esta informação não é exaustiva. Isso quer dizer que nenhum ser humano, em qualquer lugar ou época antes da consumação dos tempos, soube, sabe ou saberá tudo sobre os

ministérios e dons espirituais. De fato, nossa compreensão não apenas da doutrina dos ministérios e dons, mas de muitas outras questões da vida, da Bíblia e da Teologia é ainda parcial e limitada: “agora, vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face a face. Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido” (1Co 13.12).55 É por isso que o apóstolo sublinhou a supremacia do amor em meio às disputas dos

“espirituais” de Corinto (1Co 13.1-13).

Se a própria limitação de nossa capacidade intelectual não bastasse, lidamos ainda com o problema da lacuna de tempo entre a escrita do NT e hoje. Paulo menciona, mas não explica alguns dons, pois parece que, para ele, as acepções dos termos eram bem conhecidas por seus leitores, portanto não careciam de esclarecimentos.56 Vinte séculos depois, desapareceu o significado autoevidente de algumas palavras usadas por Paulo.

Se isso é assim, como tentar estabelecer significado para palavras, ou como tentar interpretar e atualizar experiências com os ministérios e dons vividas pelos crentes do NT, mas que não estão mais disponíveis para nós, cristãos do século 21? Será que existe uma maneira de buscar aferir o sentido dos textos bíblicos que conduza a um resultado satisfatório e que combine com a ênfase apostólica no amor cristão?

Minha proposta é dupla. Primeiro, podemos ler textos particulares à luz da Bíblia como um todo. Segundo, podemos assumir o texto da Bíblia como um sistema suficiente de verdades (figura 3).

55 Para o autor deste estudo, “o que é perfeito”, em 1Coríntios 13.10, se refere à consumação (a perfeição do cosmos restaurado) ou à parusia (a segunda vinda de Jesus). Paulo está comparando as coisas aqui e agora, antes da vinda de Jesus, parciais e imperfeitas, com as coisas lá e então, completas e perfeitas após o estabelecimento definitivo do reino de Deus.

Não combina com o contexto a ideia de que “o que é perfeito” se refira ao fechamento do cânon bíblico. Kistemaker está certo ao explicar que “uma das objeções a este ponto de vista é que não podemos esperar que os coríntios, em 55 d.C., tivessem a ideia de ligar perfeição com fechamento do cânon na última década do século 1°” (KISTEMAKER, 1Coríntios, p.

575. E complementa: “Quando os crentes partem desta vida terrena, eles deixam para trás tudo o que é imperfeito e incompleto. Adentram o céu e experimentam a alegria e a paz de um estado sem pecado. Mas sua perfeição não será completa até que aconteçam a volta de Cristo, a ressurreição e o dia do juízo final. No fim do tempo cósmico, os dons espirituais, que os crentes agora possuem em parte, cessarão. Seus dons espirituais imperfeitos sobre a terra serão superados pelo seu perfeito estado de conhecimento na consumação” (op. cit., p. 575–576). Este parece ser também o entendimento de George W. Knight III e Preben Vang; cf. KNIGHT III, op. cit., p. 107; VANG, Preben. 1Coríntios. São Paulo: Vida Nova, 2018, p. 183. (Série Comentário Expositivo).

56 Cf. a observação de R. A. Cole sobre as línguas na Igreja de Corinto: “Foi obviamente parte tão familiar da vida da igreja em Corinto, que Paulo nunca explicou exatamente o que era, mas assumiu que seu leitor sabia”; COLE, R. A. Línguas, Dom de. In: TENNEY, Merrill C. (Org.). Enciclopédia da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 974, v. 3. Grifo nosso.

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Sempre que surgir dificuldade para descrever determinado dom, buscaremos auxílio em outros textos da própria Escritura. Os trechos mais claros fornecerão luz para

esclarecer os mais obscuros.

Figura 3. Uma possibilidade de interpretação da doutrina dos ministérios e dons limitada pela Bíblia e baseada no amor.

A admissão da Bíblia como sistema suficiente de verdades denota que aquilo que consta no texto bíblico não apenas basta, mas estabelece um limite de significado. Implica não dizer coisas sobre os dons que a Bíblia não diz. “Calvino enfatizou que o que quer que Deus tenha decretado que ainda não tenha sido publicamente revelado por meio dos profetas e apóstolos [ou seja, das Escrituras] está além da nossa capacidade de saber”.57 Se em sua providência no processo de revelação das Escrituras Deus decidiu não entrar em detalhes sobre determinada questão; se em toda a história da igreja, iluminando gerações de intérpretes cristãos, Deus decretou que algumas coisas da Bíblia sobre os dons fossem claras aos leitores do séc. 1 e não tão claras aos leitores do séc. 21; se algumas questões referentes aos dons permanecem sob meia-luz; isso aceitamos e com isso nos satisfazemos.

Por fim, entendemos que a lacuna de uma informação da Bíblia sobre determinado dom espiritual não pode ser preenchida com supostas “provas” advindas de experiências do passado ou contemporâneas. Por exemplo, um autor tenta explicar determinado dom, cujo significado e modo de operação não são biblicamente evidentes, e diz algo mais ou menos assim:

— Creio que esse dom é (e completa a frase com uma hipótese ou suposição). Eu me lembro de que atendi uma pessoa com tal problema em meu gabinete, na primavera de 2005 e naquela ocasião o Espírito Santo fez isso ou aquilo, que combina com essa minha explicação do dom.

Experiências podem ilustrar verdades abertamente declaradas das Sagradas

Escrituras e neste estudo relataremos algumas, mas não usaremos experiências para tentar descrever ou sugerir um modo de operação de um dom para o qual a Bíblia não fornece explicação.58

2.4. Atos como história da salvação e não como manual para a igreja Finalmente, nestes estudos interpretaremos o livro de Atos como história da salvação e não como manual para a igreja. Adotaremos esse procedimento porque, apesar do livro de Atos não sistematizar uma doutrina sobre os ministérios e dons, a maneira como ele é interpretado afeta nossa compreensão sobre o batismo com o Espírito Santo e o funcionamento dos ministérios e dons espirituais hoje.

57 HORTON, op. cit., p. 383.

58 Reconheço que essa forma de lidar com o assunto não parece tão empolgante. Em livros populares sobre os dons espirituais, argumentos são introduzidos ou rematados com narrativas que prendem irresistivelmente a atenção. Um livro que instrui sobre como Deus fala hoje por meio de profecias, sonhos e visões, inicia com a história do Espírito Santo revelando o vício em pornografia de um estudante de Teologia (DEERE, op. cit., p. 12). Outro livro conclui o ensino sobre o dom de línguas descrevendo a experiência emocionante do autor recebendo o referido dom, após oração com

imposição de mãos (STORMS, op. cit., p. 164-165).

Referências

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