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O CRISTÃO FRUTÍFERO MINISTÉRIOS E DONS ESPIRITUAIS. Misael Batista do Nascimento

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(1)

MINISTÉRIOS

E DONS ESPIRITUAIS

O CRISTÃO

FRUTÍFERO

(2)

O cristão frutífero

Ministérios e dons espirituais

Misael Batista do Nascimento 2019

(3)

© 2019 Misael Batista do Nascimento

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, do autor.

Conversão para e-Book: Misael Batista do Nascimento Dados para contato: Fone: 55-017-98149-4342

1ª edição – 2019

NASCIMENTO, Misael Batista.

O cristão frutífero: ministérios e dons espirituais/ Misael Batista do Nascimento.

São José do Rio Preto: Misael Batista do Nascimento, 2019.

1. Estudo bíblico 2. Pneumatologia 3. Eclesiologia. 4. Dons espirituais 5. Ministérios.

6. Serviço cristão. 7. Teologia do pacto. 8. Calvinismo. 9. Assembleia de Westminster.

10. Cessacionismo 11. Pentecostalismo 12. Novos apóstolos I. Título

(4)

Dedicado à honra do Cordeiro que foi morto e com o seu sangue comprou para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação, constituindo-os reino de sacerdotes (Apocalipse 5.9-10).

(5)

Sumário

INTRODUÇÃO ... 8

1. APROXIMAÇÕES NECESSÁRIAS ... 10

1.1.AFASTAMENTO, APROXIMAÇÃO E FUSÃO ... 10

1.2.ALGUNS CONCEITOS E IDENTIFICAÇÕES ... 15

1.2.1. Cessacionismo, cessacionismos e cessacionista ... 16

1.2.2. Pentecostais, carismáticos e novos entusiastas ... 17

1.3.UMA TENTATIVA DE ABORDAGEM ... 17

2. BATISMO COM O ESPÍRITO SANTO, MINISTÉRIO E CHAMADO ... 20

2.1.OPENTECOSTES E O BATISMO COM O ESPÍRITO SANTO ... 21

2.1.1. O entendimento pentecostal do batismo com o Espírito Santo em Atos ... 21

2.1.2. Um entendimento mais bíblico do batismo com o Espírito Santo ... 25

2.2.MINISTÉRIOS OU SERVIÇOS REALIZADOS PARA DEUS ... 27

2.3.O CHAMADO PARA O SERVIÇO ... 30

3. O SACERDÓCIO DE TODOS OS CRENTES E OS OFÍCIOS DE CRISTO E DA IGREJA ... 34

3.1.TODOS OS CRISTÃOS SÃO SACERDOTES DE DEUS ... 34

3.2.O SACERDÓCIO DOS CRENTES IMPLICA SERVIÇO DA IGREJA ... 36

3.3.O SACERDÓCIO DE TODOS OS CRENTES E OS OFÍCIOS DA IGREJA ... 38

3.4.OESPÍRITO SANTO FAZ O OFÍCIO TRIPLO DE CRISTO REPERCUTIR NA IGREJA ... 40

4. OS DONS DA CRIAÇÃO, OS DONS-SINAIS E OS DONS ESPIRITUAIS ... 42

4.1.OS DONS DA CRIAÇÃO OU DA GRAÇA COMUM ... 43

4.2.A BÊNÇÃO DOS DONS-SINAIS (PALAVRA E SACRAMENTOS) ... 44

4.3.A DÁDIVA DOS DONS ESPIRITUAIS ... 45

4.3.1. O que são os dons espirituais ... 45

4.3.2. Quem recebe os dons espirituais ... 48

4.3.3. Quantos dons existem ... 49

5. SOBRE A CONTINUAÇÃO DOS DONS E OFÍCIOS EXTRAORDINÁRIOS ... 51

5.1.LEITURAS FUNDACIONAIS DE EFÉSIOS 2.20 ... 52

5.1.1. João Crisóstomo: judeus e gentios unidos pela obra de Cristo ... 53

5.1.2. Roma: Pedro e a sucessão apostólica como fundamento ... 54

5.2.JOÃO CALVINO: A VERDADE BÍBLICA COMO FUNDAMENTO ... 56

5.3.JOHN RUTHVEN: A EXPERIÊNCIA DE REVELAÇÃO COMO FUNDAMENTO ... 58

6. PROFECIA FALADA E ESCRITA ... 65

6.1.OS PROFETAS BÍBLICOS ... 65

6.2.POR QUAL RAZÃO DEUS PROVIDENCIOU A ESCRITA DA REVELAÇÃO ... 70

6.3.A IMPLICAÇÃO LÓGICA DE UMA REVELAÇÃO FINALIZADA E ESCRITA ... 71

7. QUATRO DESAFIOS DOS DEFENSORES DA PROFECIA EXTRABÍBLICA ... 74

7.1.A PRETENSA AUSÊNCIA DE TEXTOS BÍBLICOS CESSACIONISTAS ... 74

7.2.PROFECIAS NA IGREJA ATÉ A VOLTA DE CRISTO ... 79

(6)

7.2.1. A lacuna da leitura cessacionista de 1Coríntios 13.8-13 ... 79

7.2.2. Orientações e incentivos à profecia em Atos e nos escritos de Paulo ... 81

7.2.3. Como a profecia permanece na igreja até a parusia ... 82

7.3.EXPERIÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS NOMEADAS COMO REVELAÇÕES” ... 84

7.4.SUFICIÊNCIA INSUFICIENTE ... 85

8. ACREDITAR, CURAR E REALIZAR MILAGRES ... 91

8.1.CRENTES EM DEUS QUE OPERA O EXTRAORDINÁRIO ... 91

8.1.1. Imprecisões na cosmologia do “mundo encantado” pentecostal ... 91

8.1.2. A reforma magisterial, o iluminismo e o naturalismo ... 94

8.1.3. A falácia do extraordinário que se torna ordinário ... 98

8.2.O DOM DA FÉ ... 99

8.3.DONS DE CURAR ... 101

8.4.OPERAÇÕES DE MILAGRES ... 101

9. DISCERNIR ESPÍRITOS, FALAR E INTERPRETAR LÍNGUAS ... 104

9.1.DISCERNIMENTO DE ESPÍRITOS ... 104

9.2.VARIEDADE DE LÍNGUAS ... 104

9.3.INTERPRETAÇÃO DE LÍNGUAS ... 104

10. ENSINAR, ACONSELHAR E PRESIDIR ... 105

10.1.O DOM DE ENSINAR ... 107

10.2.O DOM DE ACONSELHAR ... 108

10.3.O DOM DE DIRIGIR ... 108

11. SERVIR, DOAR E DEMONSTRAR MISERICÓRDIA ... 111

11.1.SERVIÇO ... 111

11.2.CONTRIBUIÇÃO ... 111

11.3.MISERICÓRDIA ... 111

12. PRODUZIR ARTE, SE CASAR E PERMANECER SOLTEIRO ... 112

12.1.PRODUÇÃO DE ARTE ... 112

12.2.SE CASAR E PERMANECER CASADO ... 112

12.3.PERMANECER SOLTEIRO ... 112

13. UMA PALAVRA SOBRE O “DOM” DE EVANGELISTA ... 113

13.1.OBREIROS E OFICIAIS PERMANENTES RECONHECIDOS COMO EVANGELISTAS ... 113

13.2.EVANGELISTAS DIFERENCIADOS, AUXILIARES DOS APÓSTOLOS ... 113

13.3.O QUE DIZER DO DOM CONTEMPORÂNEO DE EVANGELISMO OU EVANGELISTA ... 116

APÊNDICES 1 A 5 ... 122

APÊNDICE 1. A PROFECIA MAIS CONHECIDA DE JOEL ... 124

A1.INTRODUÇÃO ... 124

A1.1.QUANDO O ESPÍRITO SANTO SERÁ DERRAMADO ... 124

A1.2.QUEM RECEBERÁ O ESPÍRITO SANTO ... 126

A1.3.O QUE O ESPÍRITO SANTO REALIZA ... 126

A1.CONCLUSÃO ... 130

APÊNDICE 2. ÁREAS DE INTERESSE E POSSÍVEL CHAMADO ... 132

(7)

APÊNDICE 3. MARTINHO LUTERO E OS ENTUSIASTAS ... 135

PARTE 1 ... 135

PARTE 2 ... 136

PARTE 3 ... 138

APÊNDICE 4. ENTUSIASMO E ENTUSIASMADOS ... 141

A.4.1.OS ENTUSIASTAS DA REFORMA ... 141

A.4.2.SUBSTÂNCIA ... 141

A.4.3.ESTILO ... 142

APÊNDICE 5. O PROTESTANTISMO ACABOU E OS RADICAIS GANHARAM ... 144

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 151

(8)

Introdução

Estes estudos beneficiarão cristãos interessados em conhecer o que a Bíblia ensina sobre os ministérios e dons espirituais.

João Calvino afirmou o seguinte:

Os crentes são ricamente equipados com diferentes dons, mas é preciso que cada um reconheça que o Espírito de Deus lhe proporcionou tudo quanto possui, porquanto ele derrama seus dons, assim como o sol difunde seus raios em todas as direções.1

O que são os dons espirituais? Qual sua relação com as atividades de uma igreja e, mais ainda, o que eles têm a ver com o serviço do cristão no mundo? Os dons estendem a obra de Cristo — a redenção — ou são recursos extras, destinados a realizar uma obra adicional do Espírito Santo? Qual ponto de vista é o mais bíblico, o daqueles que afirmam que alguns ofícios e dons mencionados na Bíblia são extraordinários, e portanto, cessaram ou o daqueles que defendem a atualidade de todos os ofícios e dons citados na Bíblia? Podemos definir que um cristão ou uma igreja são “poderosos” ou “frios” baseados em sua percepção e prática dos dons espirituais? Nestes estudos respondemos a estas perguntas, analisando tópicos ligados aos serviços (ministérios) da igreja.

Escrevi uma primeira versão destes estudos em 1997, para uso em classes da escola dominical da Igreja Presbiteriana Central do Gama. O Senhor se manifestou graciosamente chamando, motivando e capacitando pessoas para o serviço. Quando deixei a igreja, em 2009, ainda funcionavam alguns ministérios iniciados naquele primeiro ciclo de estudos.

O material foi alterado algumas vezes, para atualização bibliográfica, em 1999 e 2001.

Em 2004, tudo foi reorganizado e reescrito com o título O Cristão Frutífero e esse foi o conteúdo mais compartilhado na internet, ao ponto de ser citado em artigo da Wikipédia.2 Apesar de sua popularidade, uma interpretação mais cuidadosa de algumas passagens bíblicas me conduziu a uma mudança de entendimento. Por isso, entre 2008 e 2009, a fim de apresentar as verdades dentro de uma moldura mais consistente com a doutrina sadia, o texto passou por sua mais extensa revisão e foi publicado em coautoria com Ivonete Silva Porto em três volumes, sob os títulos O Espírito Santo e o Discípulo no Pacto, Introdução aos Ministérios e Dons Espirituais e O Ofício de Pastor Mestre.3 Os volumes abordaram questões interessantes, que não foram incluídas no presente texto.

Em 2011 eu consultei o material em um diálogo com colegas de presbitério e em 2014 e 2019, retomei o título O Cristão Frutífero, em palestras ministradas na Primeira Igreja Presbiteriana de Itajaí, SC.

Os objetivos principais destes estudos de 2019 são:

1. Ajudar o leitor a conhecer o ensino da Bíblia sobre os ministérios, o chamado para o serviço e os dons espirituais.

1 CALVINO, João. 1Coríntios. São José dos Campos: Fiel Editora, 2013, p. 435-436. (Série Comentários Bíblicos).

Logos Software.

2 WIKIPÉDIA. Cessacionismo. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Cessacionismo>. Acesso em: 21 jun. 2019.

3 Estes estudos estão disponíveis para download gratuito na página da primeira aula do curso O Cristão Frutífero, no site do Centro de Treinamento Presbiteriano, em: <http://www.ipbriopreto.org.br/ctp/aula/aula- 01-rotulos-identicacoes-e-juizos/>. Acesso em: 15 abr. 2019.

(9)

2. Motivar a igreja para servir a Deus na dependência e poder do Espírito Santo.

3. Fornecer subsídios para que os cristãos não se sintam acuados por aqueles que insistem que o padrão de espiritualidade fiel exige que todos os ofícios e dons mencionados no NT existam na igreja de hoje.

Oro para que estes estudos contribuam para que a igreja seja viva, simples e unida, como família de discípulos de Jesus Cristo. Que os cristãos adorem ao Senhor, evangelizem, vivam comunhão e dediquem a Deus suas vidas, recursos e dons, na dependência do Espírito Santo. Que isso resulte no bem da igreja, em serviço ao Criador no mundo e em glória dada somente a ele.

Misael Batista do Nascimento, julho de 2019.

(10)

1. Aproximações necessárias

Eu me interesso pelos ministérios e dons como cristão, que abraça a fé bíblica propugnada pela Reforma Magisterial do séc. 16, e que acredita que Deus soberanamente chama pessoas para amá-lo e servi-lo, capacitando-as com dons e realizando milagres, em resposta às orações. Como gestor soberano, Deus não apenas institui serviços (ministérios) e funções (ofícios), bem como distribui capacidades (dons). Ele também é livre para modificá-los, quando a obra ou tarefa assinalada apresenta novas demandas, ou fazê-los cessar, assim que esta seja completada.

A Reforma Magisterial do séc. 16 é distinta da Reforma Radical. A primeira é assim chamada porque foi apoiada ou tornada oficial “pelos magistrados, as autoridades civis”.4 Capitaneada por Martinho Lutero, Ulrich Zwinglio e João Calvino, a Reforma enfatizou o retorno às Sagradas Escrituras como revelação ad extra, final e suficiente das verdades de Deus, necessária à pregação, como chamado externo do evangelho e aplicada no coração dos eleitos pelo Espírito Santo, para sua salvação, santificação, consolação e direção para a vida e o serviço a Deus. Esta concepção conduziu os reformadores ao lema sola Scriptura, implicando que a igreja e o cristão não precisam de novas revelações do Espírito Santo.

A Reforma Radical protestou contra a Igreja de Roma e também contra a Reforma Magisterial. “Considerada como uma entidade, representou uma crítica enérgica ao corpus christianum em suas mutações: protestante histórica e católica tridentina”.5 Pode ser identificada nos “profetas de Zwickau” (Nicolas Storch, Thomas Drechsel e Marcus Thomæ)6 e em Thomas Müntzer e Andreas Carlstadt,7 todos hostis a Lutero. E também no movimento anabatista começado por Conrad Grebel e Félix Mantz, inicialmente discípulos e depois oponentes de Zwinglio, em seguida conduzido por Meno Simons.8 Os adeptos da Reforma Radical foram chamados de “entusiastas”, por sua ênfase de fé e ação mobilizadas por “Deus dentro”, o Espírito Santo dispensando-se em novas revelações.

Os antigos faziam referência a esse estímulo do homem interior como motivado por influência divina. Consideravam as pessoas assim excitadas como que possuídas ou possuindo um deus dentro de si. Daí eram chamadas entusiastas (ἔνθεος). Em teologia, pois, os que ignoram ou rejeitam a orientação das Escrituras, e presumem ser guiados por uma influência divina interna para o conhecimento e obediência da verdade, são propriamente chamados entusiastas. Esse termo, contudo, tem sido em grande medida superado pela palavra místicos.9

1.1. Afastamento, aproximação e fusão

No movimento evangélico, os entendimentos (magisterial e radical) não apenas sobre revelação, mas sobre ministérios e dons espirituais, foram mantidos distintos e afastados por um tempo, depois, começaram a se complementar e mesclar (o enfrentamento inicial cedeu espaço para diálogo e aproximação). Em seguida, foi iniciada uma fusão que prossegue, gradativamente.

4 GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. 2. ed. Revisada e ampliada. São Paulo: Vida Nova, 2017, p. 32.

5 GEORGE, op. cit., p. 297.

6 FEBVRE, Lucien. Martinho Lutero, Um Destino. São Paulo: Três Estrelas, 2012, p. 248.

7 FEBVRE, op. cit., p. 249.

8 GEORGE, op. cit., p. 299-300.

9 HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001, p. 46. Logos Software.

(11)

O diálogo e aproximação podem ser vistos com bons olhos, afinal de contas, ambas as partes envolvidas acreditam no Espírito Santo. Por um lado, comemora-se o fato das crenças reformadas ganharem tento nas redes sociais e igrejas reformadas receberem gente advinda do pentecostalismo. Além disso, pregadores reformados são cada vez mais convidados para falar em eventos e igrejas pentecostais. Do lado pentecostal, celebra-se que tradicionais e reformados10 estão mais propensos a abraçar uma leitura concordante com a continuidade senão dos ofícios, pelo menos de alguns dons extraordinários. Acredita-se que isso fomenta uma oportunidade ímpar para iniciativas conjuntas centradas no evangelho, de serviço e testemunho cristão na cultura.11

Nem todos, porém, se acham prontos a celebrar a fusão em andamento, não apenas pelo desconforto com a fluidez de sistemas, conceitos e posições, mas também por uma percepção, ainda não devidamente ponderada, de que, nesse derretimento, a maior parte dos construtos magisteriais está evaporando.

E há quem sopese que é cedo para avaliar o que está acontecendo. Como medir, por exemplo a inserção da fé reformada nas redes sociais? A internet é uma plataforma interessante de publicação, pois propicia retorno quase instantâneo sobre o que é postado e até pessoas idosas são hoje beneficiadas com cultos transmitidos via streaming. Apesar disso (e dentre outras coisas), é plausível sugerir que os textos multissemióticos ou multimodais, quase onipresentes na rede, têm potencial para induzir à fragmentação e superficialidade informacional.12 O autor destes estudos recebeu um post compartilhado — uma figura estilizada e, sobre ela, a transcrição de uma frase atribuída a Martinho Lutero. O usuário típico visualiza, curte e compartilha, sem conferir se realmente Lutero disse ou escreveu o que foi postado. E poucos leem uma obra completa de Lutero. Com o passar do tempo, a mente vai cada vez mais se parecendo com um quadro de lembretes post-it, constituída de pedaços diminutos de informação (ou desinformação). As ponderações de Byung-Chul Han, sobre o impacto da mídia digital sobre nosso pensar e viver, nos ajudam a ter uma noção das dimensões do problema:

Somos desprogramados por meio dessa nova mídia, sem que possamos

compreender inteiramente essa mudança radical de paradigma. Arrastamo-nos atrás da mídia digital, que, aquém da decisão consciente, transforma decisivamente nosso comportamento, nossa percepção, nossa sensação, nosso pensamento, nossa vida em conjunto, sem que possamos avaliar inteiramente as consequências dessa embriaguez. Essa cegueira e a estupidez simultânea a ela constituem a crise atual.13

A cultura digital, por sua vez, desdobra a contemporaneidade, que “diz respeito aos tempos recentes, dos últimos vinte anos”,14 emoldurada por globalização e mundialização.

O “contemporâneo” é uma amálgama de modernidade e pós-modernidade, engendrando o

10 Igrejas podem ser reformadas e tradicionais, mas é possível uma igreja ser tradicional e não reformada. É o caso da Igreja Batista Regular, denominação tradicional, por não acolher o pentecostalismo e ao mesmo tempo, não reformada, por abraçar o dispensacionalismo.

11 Cf. CARSON, D. A.; KELLER, Timothy. (Org.). O Evangelho no Centro: Renovando Nossa Fé e Reformando Nossa Prática Ministerial. São José dos Campos: Editora Fiel, 2014, edição do Kindle. Especialmente o apêndice de documentos, p. 361-381.

12 Roxane Rojo e Jacqueline Barbosa esclarecem que “texto multimodal ou multissemiótico é aquele que recorre a mais de uma modalidade de linguagem ou a mais de um sistema de signos ou símbolos (semiose) em sua composição” (ROJO, Roxane; BARBOSA, Jacqueline P. Hipermodernidade, Multiletramentos e Gêneros Discursivos. São Paulo: Parábola Editorial, 2015, p. 108).

13 HAN, Byung-Chul. No Enxame: Perspectivas do Digital. Petrópolis: Vozes, 2018, p. 10.

14 PECCININI, Daisy. Módulo VII. Contemporaneidade. In: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. Disponível em:

<http://www.macvirtual.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo7/contemp/index.html>. Acesso em 21 jun. 2019.

(12)

estado de coisas que os teóricos tentam compreender e definir como hipermodernidade, cultura líquida ou da leveza,15 dificultando abordagens sistêmicas também na Teologia. O risco nesse contexto é o da incapacitação para abordar, compreender e articular crenças como sistemas e a capitulação diante de um tipo de utilitarismo16 que não vê problema em assumir, simultaneamente, doutrinas excludentes.

Em computação, os sistemas Windows e Unix (com seus derivados macOS, IOS, iPadOS, Linux e Android) podem conversar entre si, mas grosso modo, um dispositivo que roda o Windows não rodará o macOS nativamente. Fazer um sistema operacional funcionar dentro de outro exige um recurso denominado “virtualização”, ou seja, uma espécie de

“farsa computacional”, pois o sistema acessará o hardware físico através de uma máquina emulada, virtual. O que faz um sistema ser um sistema é o fato de ele ser fechado e distinto de outros sistemas. Quanto à teologia, para os menos entusiasmados com a fusão, as distinções indicativas das bordas dos sistemas se desbotam e somem. Estes (pouco entusiasmados) insistem que os reformadores magisteriais consideravam bíblico e necessário, batalhar contra a proposição dos radicais, de possibilidade de novas revelações do Espírito Santo. O entendimento de que alguns ofícios e dons mencionados no NT eram temporários e cessaram, se encaixava em um sistema bíblico-teológico coerente. Isso contrasta com a situação atual, em que se articula uma “fé reformada” distribuída em rede como pacotes de doutrina, cada um funcionando independentemente, como aplicativo, não como parte de um sistema operacional completo. Desta feita, ao mesmo tempo em que ocorre uma migração de pentecostais e neopentecostais para as igrejas reformadas, um contingente de reformados não vê problema em acolher novas revelações proféticas.

Mas não apenas isso. Com raras exceções, cinco décadas atrás, a literatura que defendia a continuidade dos dons extraordinários era frágil exegética e teologicamente, mais baseada em relatos testemunhais e formulações ancoradas em textos-prova. Atualmente, eruditos respeitados explicam e defendem a atualidade da revelação profética ou de outros ofícios e dons extraordinários.17

15 Zygmunt Bauman contribui refletindo sobre cultura (2012) e tornando popular a ideia de liquidez — da modernidade e da cultura (2001, 2013); cf. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, edição do Kindle; BAUMAN, Zygmunt. Ensaios Sobre o Conceito de Cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 2012, ePub; BAUMAN, Zygmunt. A Cultura no Mundo Líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. Depois de encontrar a ideia de liquidez não apenas em Bauman, mas também nos escritos de Marcos Novac, Gilles Deleuze, Michel Maffesoli, Félix Guattari e Peter Sloterdijk, Lucia Santaella (2007, p. 14-29) reflete sobre linguagens líquidas;

cf. SANTAELLA, Lucia. Linguagens Líquidas na Era da Mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007. (Comunicação).

Em 2004, Gilles Lipovetsky explica cultura utilizando o termo “hipermodernidade”, depois, pondera sobre uma “cultura da leveza e do ligeiro”; cf. LIPOVETSKY, Gilles. Os Tempos Hipermodernos. 4. Reimpressão. São Paulo: Editora Barcarolla, 2004; LIPOVETSKY, Gilles. Da Leveza. Lisboa: Edições 70, 2016. (Extra-colecção);

sobre o impacto disso para o pensamento investigativo, cf. KAKUTANI, Michiko. A Morte da Verdade. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018.

16 O utilitarismo é tanto uma teoria ética, quanto uma concepção de vida; “uma forma de consequencialismo, em que as consequências relevantes são identificadas em termos de graus de felicidade”; cf. BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997, p. 397. A partir de uma perspectiva utilitarista, a fim de agregar multidão e aumentar o número de fiéis no curto prazo, uma igreja pode ser calvinista no currículo da escola dominical, arminiana na evangelização e pentecostal nos ministérios e culto.

17 Cf. GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2000; GRUDEM, Wayne. (Org.).

Cessaram os Dons Espirituais? 4 Pontos de Vista. São Paulo: Editora Vida, 2003. (Coleção Debates); GRUDEM, Wayne. O Dom de Profecia: Do Novo Testamento aos Dias Atuais. São Paulo: Editora Vida, 2004; FEE, Gordon D.

Paulo: O Espírito e o Povo de Deus. São Paulo: Vida Nova, 2015; STORMS, Sam. Dons Espirituais: Uma Introdução Bíblica, Teológica e Pastoral. São Paulo: Vida Nova, 2016; KEENER, Craig S. O Espírito na Igreja. São Paulo: Vida Nova, 2017; RUTHVEN, Jon Mark. Sobre a Cessação dos Charismata. Natal: Editora Carisma, 2017; KEENER, Craig S. A Hermenêutica do Espírito. São Paulo: Vida Nova, 2018; KEENER, Craig S. A Mente do Espírito. São

(13)

Por fim, uma evidência de que, na fusão, ocorre evaporação dos construtos da reforma magisterial é a proposição, cada vez mais repetida, de que a crença magisterial, de que alguns ofícios e dons do NT cessaram, (1) apesar de ser ancorada em passagens da Bíblia, não possui peso exegético suficiente; (2) é contaminada pelo iluminismo; (3) é naturalista e deísta; (4) configura, na verdade, descrença, pois não espera que Deus opere milagres hoje;

(5) é oposta a Deus.

Retornando ao ponto inicial, herdeiros das duas reformas, magisterial e radical, se sentaram para conversar e essa aproximação encetou uma fusão tida como promissora e ainda em curso. No processo de fusão, a concepção dos ministérios e dons dos reformados magisteriais sofre evaporação, sob crítica de não dar conta, biblicamente, das demandas ministeriais vigentes.

Se as acusações contra o cessacionismo da Reforma Magisterial vingarem, esta última corre risco de sequer poder ser chamada de cristã (pois não há possibilidade de acordo entre fé e incredulidade, entre teísmo cristão e deísmo e entre submissão e oposição a Deus). Esse estado de coisas demanda averiguação.

A inquirição se faz necessária, também, pelo simples fato de que alguns sugerirem que o melhor é não este assunto é verificável. Desde os primórdios da era cristã, crenças e práticas relacionadas aos ministérios e dons do Espírito Santo demandam esforço de entendimento dos seguidores de Jesus Cristo. Bruner afirma que “pelo menos a partir de Montano, talvez a partir de Corinto, os dons do Espírito têm parecido ser mais fonte de embaraço do que de encorajamento para a igreja cristã”.18 Um impulso compreensível é o de aplicar ao tema, inadvertidamente, a parábola escrita por John Godfrey Saxe, sobre os seis homens do Hindustão.

Eram seis homens do Hindustão, inclinados para aprender muito, Que foram ver o Elefante (embora todos fossem cegos)

Cada um, por observação, poderia satisfazer sua mente.

O Primeiro aproximou-se do Elefante, e aconteceu de chocar-se Contra seu amplo e forte lado. Imediatamente começou a gritar:

“Deus me abençoe, mas o Elefante é semelhante a um muro”.

O Segundo, pegando uma presa, gritou, “Oh! O que temos aqui Tão redondo, liso e pontiagudo? Para mim isto é muito claro Esta maravilha de Elefante é muito semelhante a uma lança!”

O Terceiro aproximou-se do animal e aconteceu de pegar A sinuosa tromba com suas mãos. Assim, falou em voz alta:

“Vejo”, disse ele, “o Elefante. É muito parecido com uma cobra!”

O Quarto esticou a mão, ansioso e apalpou em torno do joelho.

“Com o que este maravilhoso animal se parece é muito fácil”, disse ele:

“Está bem claro que o Elefante é muito semelhante a uma árvore!”

O Quinto, por acaso, tocou a orelha, e disse: “Até um cego Pode dizer com o que ele se parece: Negue quem puder.

Esta maravilha de Elefante é muito parecido com um leque!”

Paulo: Vida Nova, 2018 e KEENER, Craig S. O Espírito nos Evangelhos e Atos. São Paulo: Vida Nova, 2018;

MCALISTER, Walter; MCALISTER, John. O Pentecostal Reformado. São Paulo: Vida Nova, 2018.

18 BRUNER, Frederick Dale. Teologia do Espírito Santo. 3. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 135.

(14)

O Sexto, mal havia começado a apalpar o animal, Pegou na cauda que balançava e veio ao seu alcance.

“Vejo”, disse ele, “o Elefante é muito semelhante a uma corda!”

E assim esses homens do Hindustão discutiram por muito tempo, Cada um com sua opinião, excessivamente rígida e forte.

Embora cada um estivesse, em parte, certo, todos estavam errados!19

Os cegos fornecem descrições sinceras, porém inexatas, sugerindo que, na discussão de um assunto, perspectivas diversas podem ser defendidas sem que se chegue, de fato, a uma exposição adequada da verdade. A solução para o problema dos cegos seria que alguém dotado de visão perfeita os ajudasse a perceber que cada um distinguiu um aspecto importante da realidade, mas os discernimentos apresentados não fizeram jus ao animal inteiro. A partir desse ponto, os cegos podiam ser conduzidos a uma compreensão baseada na representação fiel do elefante completo.

A primeira coisa a fazer, quando se aborda o assunto dos ministérios e dons espirituais, é admitir a limitação de nossos esforços para entender as coisas do Espírito de Deus. No entanto, temos a Escritura como guia. Podemos e devemos considerar o que nos é oferecido na Palavra. Os cristãos acreditam que, quanto às coisas fundamentais da fé, a Bíblia possui um único sentido, descortinado mediante correta interpretação. Isso possibilita que pessoas de diferentes denominações afirmem crenças comuns.

Os ministérios e dons do Espírito Santo dizem respeito a estas “coisas fundamentais”?

Há um sentido em que se admite a possibilidade de dizer algumas coisas com clareza e segurança sobre os ministérios e dons. Isso é assim por causa da declaração do próprio Senhor Jesus Cristo: “Quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade” (Jo 16.13). O anúncio de Jesus tem a ver com “a verdade” acerca da redenção, mas a doação de dons aos homens e, por conseguinte, nossa experiência com os dons, advêm da ressurreição e exaltação de Jesus Cristo como Redentor dos eleitos de Deus (Ef 4.8; cf. At 2.33; Rm 12.1, 6). Dito de outro modo, os ministérios e dons decorrem da redenção; a luz do Espírito, que nos ajuda a enxergar e acolher a Cristo, também nos conduz a compreender suficientemente e a praticar fielmente os dons que recebemos de Cristo. Se isso não bastasse, nós somos ungidos como habitação do Espírito (1Jo 2.20). Os filhos de Deus experimentam o cumprimento da promessa do pacto: “Todos me conhecerão, desde o menor até ao maior deles, diz o Senhor” (Jr 31.34). Uma vez que, por graça, fomos feitos cristãos conhecedores, nós recebemos subsídios para estudar as verdades de Deus. Os crentes de Corinto deviam se inteirar de algumas questões relativas aos dons espirituais (1Co 12.1).20 A averiguação do assunto é útil para o cristão contemporâneo.

19 SAXE, John Godfrey. Os Cegos e o Elefante. apud MINTZBERG, Henry; AHLSTRAND, Bruce; LAMPEL, Joseph. Safári de Estratégia: Um Roteiro Pela Selva do Planejamento Estratégico. Porto Alegre: Bookman, 2000, p.

12. Grifo nosso.

20 Leitores bem informados alertarão para o fato da palavra charisma (dom) não constar no texto grego de 1Coríntios 12.1, sendo plausível traduzir assim: “a respeito dos espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes”, sugerindo que Paulo pensava não nos dons e sim em algumas pessoas da igreja de Corinto que se achavam “espirituais”. O texto trata dos dons espirituais. Nesse particular, concordamos com Owen, para quem “a imaginação de alguns, relativas às pessoas espirituais a serem destinadas aqui, ao contrário do sentido de todos os antigos, é inconsistente com o contexto”. Cf. OWEN, John. A Discourse Concerning The Holy Spirit. In: GOOLD, William H. (Ed.). The Works Of John Owen. (WJO). Edinburgh: T&T Clark, 1967, p. 15- 16, v. 3. Logos Software. Kistemaker acerta quando argumenta: “O tópico que Paulo expõe nesse capítulo é dons espirituais. O adjetivo grego pneumatikōn (espiritual) aparece sozinho no texto original, de modo que somos forçados a acrescentar uma palavra. Completamos a ideia, não com o substantivo referente a pessoas (2.15; 3.1; 14.37), que alguns estudiosos preferem, mas com a palavra dons (comparar com 14.1). O Espírito Santo é o doador desses dons, de modo que a tradução dons do Espírito Santo é não apenas plausível, como também

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Mesmo assim, uma dificuldade persiste. É virtualmente impossível chegar a consensos sobre significados de textos bíblicos que tratam dos ministérios e dons espirituais, pois ocorre o que é descrito por C. S. Lewis: “o pensamento imaginário que colocamos no quadro depende [...] dos pensamentos que estamos na verdade tendo e não vice-versa. Esta é a realidade principal, sobre a qual repousa a atribuição de realidade a qualquer outra coisa”.21 Trocando em miúdos, o cristão convicto da Reforma Magisterial e o cristão assegurado da Reforma Radical enxergam, em uma mesma passagem da Escritura, sentidos não apenas singulares e complementares, mas excludentes. Se nos primeiros dois mil anos da história eclesiástica a exclusão favoreceu os magisteriais, agora, favorece os radicais — daí a evaporação mencionada na introdução, bem como as concepções díspares sobre o assunto, mesmo dentro de uma mesma denominação, de modo que um determinado dom é descrito por um estudioso como semelhante a uma maçã e por outro, como análogo a uma banana”.22

Não deixemos a discussão ser relegada a algum tipo de deep ou dark web teológica.23 Movidos pela própria Escritura, prossigamos tentando compreender e explicar o que a Bíblia diz sobre o assunto. Mas façamos isso conscientes de que, em determinado ponto, o consenso não será possível. Lidamos com sistemas diferentes, modos distintos de leitura de dados, maneiras singulares de abordar as mesmas informações da existência cristã.

1.2. Alguns conceitos e identificações

O desafio aqui é o de estabelecer conceitos, considerando “conceito” conforme Blackburn, como “o que é compreendido por um termo, em particular um predicado”.24 A discussão adequada de uma questão os demanda:

A clareza sobre conceitos é importante ao permitir uma boa discussão. Queremos enfatizar que isso é mais do que um jogo de linguagem. [...] estamos convencidos de que a meta primária da linguagem é nos habilitar a falar sobre a realidade. Por isso, em relação aos conceitos, pode-se certamente perguntar se eles oferecem uma representação adequada da realidade.25

atraente. O Espírito Santo continua a dotar os crentes com esses dons”; cf. KISTEMAKER, Simon. 1Coríntios.

2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 507. (Comentário do Novo Testamento). Logos Software. Uma testemunha deste entendimento antigo é Crisóstomo, cf. CRISÓSTOMO, São João. Homilias Sobre a Primeira Carta aos Coríntios: Homilias Sobre a Segunda Carta aos Coríntios. São Paulo: Paulus, 2010, p. 402. (Coleção Patrística). A edição de 1996 do comentário de 1Coríntios, de João Calvino, traz a tradução do próprio Calvino (modificada na edição posterior, publicada pela Editora Fiel): “no tocante às questões espirituais”. Cf.

CALVINO, João. Comentário à Sagrada Escritura: 1Coríntios. São Paulo: Edições Paracletos, 1996, p. 371. Não há problema em admitir que em 1Coríntios 12.1—14.40, Paulo instrui sobre os dons espirituais. No capítulo 12, ele destaca sua origem e utilidade no contexto do corpo. No capítulo 13, ele fala sobre o amor como dom supremo. No capítulo 14, ele orienta como os dons devem ser praticados especialmente nas reuniões de adoração da igreja.

21 LEWIS, C. S. Milagres: Um Estudo Preliminar. São Paulo: Mundo Cristão, 1984, p. 24. (Coleção Pensadores Cristãos).

22 Sobre a inclinação da cultura contemporânea, de rejeitar verdades objetivas, cf. KAKUTANI, op. cit., passim. Devo a Kakutani essa referência a maçãs e bananas, adaptada de uma propaganda da CNN: “Isto é uma maçã. Algumas pessoas vão tentar dizer que é uma banana. Talvez elas gritem repetidas vezes: ‘Banana, banana, banana’. Talvez elas escrevam BANANA em letras maiúsculas. Talvez você até mesmo comece a acreditar que isso é uma banana. Mas não é. Isto é uma maçã”. Comercial da CNN, mostrando a foto de uma maçã. CNN. This is an Apple. In: YouTube. Disponível em:

<https://www.youtube.com/embed/vckz6EAn30Y>. Acesso em: 14 abr. 2019, apud ibid., p. 22.

23 A deep ou dark web (web profunda ou escura) é uma parte da internet não aberta aos usuários comuns, frequentada por hackers, organizações governamentais, criminosos, viciados e grupos terroristas.

24 BLACKBURN, op. cit., p. 66.

25 VERKERK, Maarten Johannes; HOOGLAND, Jan; VAN DER STOEP, Jan; DE VRIES, Marc. J. Filosofia da Tecnologia: Uma Introdução. Viçosa: Ultimato, 2018, p. 29.

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1.2.1. Cessacionismo, cessacionismos e cessacionista

Começamos com o conceito de cessacionismo, até agora evitado pelos dicionários bíblicos e de teologia.

Cessacionismo é a persuasão de que alguns ofícios e dons mencionados no NT cumpriram seu papel no estabelecimento inicial da igreja, mas depois cessaram ou foram modificados a um modo de operação ordinário e permanente. Como não existe consenso acerca de quais ofícios e dons cessaram e em que grau ou modo ocorreu sua modificação, talvez o mais adequado seja falar sobre cessacionismos.

Isso tem de ser estabelecido, pois é comum explicar-se “cessacionismo” como ausência absoluta de crença na atualidade de qualquer dom espiritual ou atuação supernatural divina na história, o que não corresponde aos fatos.

Neste estudo, cessacionistas são também chamados de protestantes fundacionais, ou protestantes magisteriais, ou cristãos que abraçam a leitura fundacional protestante.

O que distingue um cessacionista de um pentecostal ou carismático é a crença do primeiro na cessação ou modificação de determinados ofícios e dons, por meio de raciocínio bíblico dedutivo. Isso quer dizer que, desde o início, cessacionistas admitem que não existe um texto na Bíblia no qual conste que determinados ofícios e dons devam cessar após a completação do NT, assim como não há qualquer passagem na qual se lê: “o Deus único é uma Trindade de pessoas”, ou “é preciso se casar para ter relações sexuais”. Tais verdades não são expressamente afirmadas pelas Escrituras, mas deduzidas delas.26

Em seu nascedouro, com os reformadores magisteriais, o cessacionismo não implicava, necessariamente, negação do extraordinário, nem de milagres extrabíblicos. Em um texto das Institutas (bastante citado por eruditos pentecostais), João Calvino não teve dificuldade em descrever profetas como aqueles “que eram excelentes em singular revelação, como agora nenhum subsiste, ou são menos evidentes”.27 Ou seja, Calvino não era cético quanto à possibilidade de, em sua soberania, Deus abrir espaço para algum tipo distinto de profecia, porém, a leitura sóbria da passagem exige reconhecer que, para ele, esse tipo de ocorrência deve ser tida como extraordinária, não podendo haver expectativa de profecias extrabíblicas na vida regular e ordinária da igreja; daí sua afirmação, “agora nenhum subsiste”. Um enquadramento mais rigoroso do cessacionismo foi proposto em 1918, por Benjamim

26 “Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser, lógica e claramente deduzido dela”.

ASSEMBLEIA DE WESTMINSTER. Confissão de Fé (CFW), 1.6. In: BÍBLIA DE ESTUDO HERANÇA REFORMADA (BEHR). Barueri; São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil; Cultura Cristã, 2018, p. 1994. Grifo nosso. Sendo assim, cessacionistas esclarecidos não se sentem ameaçados por declarações como as de G. A.

Taylor, de que “não temos ordem bíblica para restringir os dons à igreja primitiva, nem para proibir qualquer dom específico hoje” (TAYLOR, George Aiken. Miracles: Yes or No? Presbyterian Journal, [S.l.], v. 33, n. 16, 14 ago. 1974, p. 9,, apud RUTHVEN, op. cit., p. 94).

27 CALVINO, João. As Institutas: Edição Clássica. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, iv.iii.4 [v. 4, p. 67]. Logos Software. Grifos nossos. Ou seja, Calvino não era cético quanto à possibilidade de, em sua soberania, Deus abrir espaço para algum tipo distinto de profecia, porém, a leitura sóbria da passagem exige reconhecer que, para ele, esse tipo de ocorrência deve ser tida como extraordinária, não podendo haver expectativa de profecias extrabíblicas na vida regular e ordinária da igreja; daí sua afirmação, “agora nenhum subsiste”. Em outro lugar, Calvino também diz que não deseja provocar controvérsia sobre sua explicação sobre os profetas, admitindo que, dos ofícios e dons extraordinários, ainda podem ser percebidos “leves traços ou sombras” (CALVINO, 1Coríntios, 2013, p. 452). Seria exagero entender que a admissão da permanência desses

“traços” ou “sombras” dos ofícios e dons extraordinários significa, para Calvino, contemporaneidade de todos os ofícios e dons do NT. O mais certo é compreender que, para Calvino, tais ofícios e dons podem ser conferidos na igreja de hoje modificados, dentro da moldura ministerial de ofícios e dons ordinários e, por conseguinte, permanentes.

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Warfield,28 mas cessacionistas de hoje creem que Deus opera milagres e admitem (1) não apenas limitações, mas impedimento, de alegações de cessação de ofícios e dons baseadas no naturalismo; (2) a dificuldade, para não dizer impossibilidade, de afirmar tal interrupção com base na história pós-bíblica.

1.2.2. Pentecostais, carismáticos e novos entusiastas

Neste estudo, os que acreditam que revelação extrabíblica é para hoje, são chamados de “pentecostais”, “carismáticos” ou “novos entusiastas”.29

Pentecostal é quem abraça a membresia de uma igreja oficialmente denominada como pentecostal.

O carismático não é, necessariamente, vinculado à Renovação Carismática Católica (RCC), mas aquele que, afiliado a uma igreja tradicional ou herdeira da Reforma Magisterial, ainda assim, acredita em revelação extrabíblica.

Novos entusiastas são os que, como Jon Ruthven, levantam a bandeira não apenas da revelação extrabíblica, mas também do ofício de apóstolo.

Admitimos a simplificação da rotulação acima. Uma pessoa indecisa, mas propensa a um ou outro lado, pode não gostar de desde já ser identificada com determinada posição.

Além disso, há quem concorde com elementos de uma e de outra posição, ao mesmo tempo em que discorde de detalhes de ambas, portanto, considerariam qualquer rotulagem injusta ou precipitada. Não são poucas as combinações possíveis entre crenças e práticas relativas aos ministérios e dons. Mesmo assim, a identificação de posições é necessária ao estudo e discussão, especialmente porque, quando se tenta hoje conversar sobre sistemas ou plataformas teológicas, não é incomum alguém objetar que “isso não pode ser generalizado;

existem exceções”. Consentindo que fé reformada, arminianismo e calvinismo não são monolíticos,30 em hipnose, esse tipo de contradição é ensinada como “manobra do terreno elevado”, contrapor a um argumento uma declaração que não pode ser considerada errada, desviando a atenção do problema central,31 impossibilitando qualquer debate.

Nos limites deste estudo, o que distingue um pentecostal, carismático ou novo entusiasta, é a crença na continuação da profecia extrabíblica.

1.3. Uma tentativa de abordagem

O estudo dos ministérios e dons demanda quatro enquadramentos, da doutrina dos dons como aplicação da doutrina da Trindade; dos dons como capacidades divinas que nos ajudam a cumprir os mandatos pactuais; da dádiva do Espírito Santo como culminação da obra redentora e revelação de Jesus Cristo antes da consumação e, por fim, dos dons como bênçãos edificantes.

Um primeiro enquadramento é o da doutrina da Trindade. Os dons são chamados de

“espirituais” porque são concedidos pelo Espírito Santo, que opera em harmonia com Deus Pai e Deus Filho, como lemos no Credo Niceno: “Creio no Espírito Santo, o Senhor e o Doador

28 WARFIELD, Benjamin Breckinridge. Counterfeit Miracles. New York: Charles Scribner’s Sons, 1918. Logos Bible Software.

29 Não fazemos uso das designações “terceira onda” ou “abertos, porém cautelosos”, sugeridas por Grudem (2003, p. 10-14).

30 MCALISTER; MCALISTER, op. cit., p. 139; OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. São Paulo: Editora Reflexão, 2013, p. 41-58.

31 ADAMS, Scott. Ganhar de Lavada: Persuasão em um Mundo Onde os Fatos não Importam. Rio de Janeiro:

Record, 2018, edição do Kindle, posição 3185-3236.

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da vida; que procede do Pai e do Filho; que com o Pai e o Filho é juntamente adorado e glorificado; que falou por meio dos profetas”.32

Um segundo enquadramento é o das ordenanças da criação. O derramamento do Espírito Santo capacita o cristão para viver os mandatos espiritual, social e cultural. Os dons fazem parte do pacote de recursos divinos para nossa caminhada como discípulos de Jesus nesta vida. Dizer que andamos com Deus equivale a servir ao Senhor no mundo conscientes e dependentes do poder e capacitação do Espírito Santo.

O terceiro enquadramento é o entendimento dos dons à luz da pessoa e obra de Cristo como clímax de toda revelação necessária para a salvação, santificação, consolação e serviço dos crentes. A relação entre os ministérios, dons e a suficiência das Escrituras é levada muito a sério por aqueles que acreditam que alguns ministérios e dons mencionados no NT são extraordinários e temporários.

Por fim, quarto e último enquadramento, os dons são dados para edificação e unidade da igreja (1Co 14.26; cf. 1Co 14.12, 17). Se o Espírito aplica o evangelho, os dons espirituais são capacidades para o serviço do evangelho em amor. Deve ser rejeitada qualquer abordagem de doutrina que produza afetação, estranhamento ou divisão do povo de Deus.

Deus nos deu informação suficiente sobre os ministérios e dons, mas não exaustiva.

Nenhum ser humano, em qualquer lugar ou época antes da consumação dos tempos, soube, sabe ou saberá tudo sobre esse assunto. Nossa compreensão não apenas da doutrina dos ministérios e dons, mas de muitas outras questões da vida, da Bíblia e da Teologia é ainda parcial e limitada: “agora, vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face a face. Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido” (1Co 13.12).33 Não foi sem razão que o apóstolo sublinhou a supremacia do amor em meio às disputas dos

“espirituais” de Corinto (1Co 13.1-13).

Se a própria limitação de nossa capacidade intelectual não bastasse, lidamos ainda com o problema da lacuna de tempo entre a escrita do NT e hoje. Paulo menciona, mas não explica alguns dons, pois parece que, para ele, determinados termos não careciam de esclarecimentos.34 Vinte séculos depois, o significado autoevidente de algumas palavras usadas por Paulo desapareceu.

Se isso é assim, como tentar estabelecer significado para palavras, ou como tentar interpretar e atualizar experiências vividas pelos crentes do NT, mas que não estão mais disponíveis para nós, cristãos do século 21? Será que existe uma maneira de aferir o sentido dos textos bíblicos que conduza a um resultado satisfatório e que combine com a ênfase apostólica no amor cristão?

Nós leremos os textos particulares à luz da Bíblia como um todo. Sempre que possível, quando surgir dificuldade para descrever determinado dom, buscaremos auxílio em outros textos da própria Escritura, na expectativa de que os trechos mais claros forneçam luz para esclarecer os mais obscuros. Além disso, evitaremos dizer coisas sobre os ministérios e dons que a Bíblia não expresse claramente ou que não possa ser “lógica e claramente, deduzido dela”.35 “Calvino enfatizou que o que quer que Deus tenha decretado que ainda não tenha sido publicamente revelado por meio dos profetas e apóstolos [ou seja, das Escrituras] está

32 O Credo Niceno. In: BEHR, p. 1936.

33 Na seção 5.1, constam mais informações sobre a interpretação de 1Coríntios 13.8-13; 14.21-22.

34 Cf. a observação de R. A. Cole sobre as línguas na igreja de Corinto: “Foi obviamente parte tão familiar da vida da igreja em Corinto, que Paulo nunca explicou exatamente o que era, mas assumiu que seu leitor sabia”;

COLE, R. A. Línguas, Dom de. In: TENNEY, Merrill C. (Org.). Enciclopédia da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 974, v. 3. Grifo nosso.

35 Cf. CFW 1.6. In: BEHR, p. 1994.

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além da nossa capacidade de saber”.36 Se em sua providência no processo de revelação das Escrituras, Deus decidiu não entrar em detalhes sobre determinada questão; se em toda a história da igreja, iluminando gerações de intérpretes cristãos, Deus decretou que algumas coisas da Bíblia sobre os ministérios e dons fossem claras aos leitores do séc. 1 e não tão claras aos leitores do séc. 21; se algumas questões referentes ao assunto permanecem sob meia-luz;

isso aceitamos e com isso nos satisfazemos.

Por fim, entendemos que a lacuna de uma informação da Bíblia sobre determinado dom espiritual não pode ser preenchida com supostas “provas” advindas de experiências do passado ou contemporâneas. Por exemplo, um autor tenta explicar determinado dom, cujo significado e modo de operação não são biblicamente evidentes, e diz algo mais ou menos assim:

— Creio que esse dom é (e completa a frase com uma hipótese ou suposição). Eu me lembro de que atendi uma pessoa com tal problema em meu gabinete, na primavera de 2005 e naquela ocasião o Espírito Santo fez isso ou aquilo, que combina com essa minha explicação do dom.

Reconhecemos que essa forma de lidar com o assunto não parece tão empolgante. Em livros populares sobre os dons espirituais, argumentos são introduzidos ou rematados com narrativas que prendem irresistivelmente a atenção. Um livro que instrui sobre como Deus fala hoje por meio de profecias, sonhos e visões, inicia com a história do Espírito Santo revelando o vício em pornografia de um estudante de Teologia.37 Outro livro conclui o ensino sobre o dom de línguas descrevendo a experiência emocionante do autor recebendo o referido dom, após oração com imposição de mãos.38 Experiências podem ilustrar verdades abertamente declaradas das Sagradas Escrituras e neste estudo relataremos algumas, mas não usaremos experiências para tentar descrever ou sugerir um modo de operação de um dom para o qual a Bíblia não fornece explicação.39

36 HORTON, Michael. Doutrinas da Fé Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 383.

37 DEERE, Jack. Surpreendido Com a Voz de Deus. São Paulo: Editora Vida, 1998, p. 12.

38 STORMS, op. cit., p. 164-165.

39 Reconheço que essa forma de lidar com o assunto não parece tão empolgante. Em livros populares sobre os dons espirituais, argumentos são introduzidos ou rematados com narrativas que prendem irresistivelmente a atenção. Um livro que instrui sobre como Deus fala hoje por meio de profecias, sonhos e visões, inicia com a história do Espírito Santo revelando o vício em pornografia de um estudante de Teologia (DEERE, op. cit., p.

12). Outro livro conclui o ensino sobre o dom de línguas descrevendo a experiência emocionante do autor recebendo o referido dom, após oração com imposição de mãos (STORMS, op. cit., p. 164-165).

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2. Batismo com o Espírito Santo, ministério e chamado

Imaginemos quatro cenas, na primeira, um homem falando a um público cuja terra havia sido devastada por uma praga de gafanhotos que consumiu não apenas suas plantações, mas sua esperança. Na segunda cena, pessoas às margens do rio Jordão se aglomeram em volta de uma figura estranhamente vestida, atraídas por sua mensagem e também dispostas a receber o batismo. Na terceira, comendo a última refeição de Páscoa, o Senhor Jesus Cristo afirma aos seus discípulos que não os deixará órfãos, mas rogará ao Pai e ele dará a eles outro Consolador. A quarta e última cena tem lugar em Jerusalém. Mais de uma centena de cristãos está reunida em oração, aguardando uma promessa feita por Jesus Cristo ressurreto.

O homem da primeira cena olha para as pessoas alquebradas e diz:

E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões; até sobre os servos e sobre as servas derramarei o meu Espírito naqueles dias. Mostrarei prodígios no céu e na terra: sangue, fogo e colunas de fumaça. O sol se converterá em trevas, e a lua, em sangue, antes que venha o grande e terrível Dia do SENHOR. E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do SENHOR será salvo; porque, no monte Sião e em Jerusalém, estarão os que forem salvos, como o SENHOR prometeu; e, entre os sobreviventes, aqueles que o SENHOR chamar (Jl 2.28-32).

Tempos depois, o mensageiro da segunda cena proclama, em alto e bom som:

Eu vos batizo com água, para arrependimento; mas aquele que vem depois de mim é mais poderoso do que eu, cujas sandálias não sou digno de levar. Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo (Mt 3.11).

Marcos, Lucas e João também registram a fala do profeta, com pequenas variações (Mc 1.8; Lc 3.16-17; Jo 1.32-34). Os ditos de Jesus sobre o envio do Consolador, na terceira cena, não apenas repercutem a profecia do Batista, mas afunilam para sua replicação, em Atos 1.4-5.

A promessa ecoa igualmente profecias de Jeremias e Ezequiel. Na nova aliança, assegurada pelo Messias na inauguração dos últimos dias, Deus daria o Espírito Santo ao seu povo (Jr 31.31-34; Ez 36.26-27) e isso garantiria cinco bênçãos:

1. A mente e o coração dos crentes receberiam uma “impressão” ou “escrita” da lei de Deus — transformação.

2. O povo não mais praticaria a idolatria — fidelidade ao Senhor.

3. Os cristãos desfrutariam de conhecimento pessoal de Deus.

4. Os eleitos seriam completa e definitivamente perdoados — redenção.

5. O Espírito Santo seria colocado “dentro” e “derramado sobre” os crentes, dando a eles plenitude de revelação.

Jesus atualizou essa expectativa no Evangelho de João e a atendeu em Atos. A promessa do envio do Espírito Santo seria cumprida entre os crentes que a aguardassem em Jerusalém e foi isso que aconteceu. Dias depois da ressurreição, chegou o presente enviado dos céus:

Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar; de repente, veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam assentados. E apareceram, distribuídas entre eles, línguas, como de fogo, e pousou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem (At 2.1-4).

(21)

No batismo de Jesus, o Espírito Santo foi dado pelo Pai como dádiva ao Filho. Em seguida ele foi prometido pelo Filho aos discípulos. No dia de Pentecostes, o Espírito foi concedido aos cristãos pelo Pai através do Filho (Mt 3.16; At 2.33).

Ao proclamar que o evento do Pentecostes tanto cumpriu a profecia de Joel, quanto as promessas dos Evangelhos, Pedro esclareceu que as primeiras cenas imbricaram na última (cf. Jo 14.25; 16.7; At 2.16-21, 32-33).

2.1. O Pentecostes e o batismo com o Espírito Santo

Bruner elucida que, para os pentecostais, “o Pentecostes [...] significa especificamente a poderosa descida do Espírito sobre os primeiros discípulos, capacitando-os a falar em outras línguas — o enchimento pentecostal”.40

R. C. Sproul explica que:

O pentecostalismo deriva seu nome de sua ênfase sobre a sua compreensão quanto ao que sucedeu à igreja no dia de Pentecostes. O registro da atividade do Espírito Santo na vida da igreja primitiva é básico para o movimento carismático moderno.

Há um decisivo desejo de recapturar o poder espiritual e a vitalidade acenada no livro de Atos.41

De modo geral, pentecostais e carismáticos se aproximam do livro de Atos de um modo peculiar, como uma espécie de manual para a igreja. Para eles, o evento do Pentecostes estabelece um “modelo paradigmático e uma necessidade pessoal para todos os cristãos”.42 Isso é assim porque, nesse enquadramento, o NT inteiro — especialmente Atos —, passa a ser lido, interpretado e aplicado a partir de uma perspectiva de restauração.

2.1.1. O entendimento pentecostal do batismo com o Espírito Santo em Atos Na visão da restauração, apregoa-se a reintrodução das experiências do NT na igreja do séc. 21. Um estudioso pentecostal explica isso, nos seguintes termos:

A restauração, em qualquer dimensão da experiência humana, está no coração do evangelho cristão. Ela é tecida através de toda a Escritura e deve estar à frente do nosso ministério da verdade.

Atos 3.19-21 faz a mais apontada referência à restauração no NT. Pedro apressa um retorno a Deus para a purificação dos pecados. Ele acrescenta que esse retorno abriria o caminho para um período de uma renovação que resultaria na presença do Senhor com o seu povo. Ela também prepararia o retorno de Cristo, de quem Pedro disse: “o qual convém que o céu contenha até aos tempos da restauração de tudo, dos quais Deus falou pela boca de todos os seus santos profetas, desde o princípio”

(At 3.21).

Muitos acreditam que é agora, nesses últimos dias, que “tudo” que foi profetizado será cumprido e a restauração será completa. A principal restauração é o retorno da igreja, a noiva de Cristo, para a majestade e a glória de Deus preparada para ela. Para completar essa restauração, Deus começou a distribuir o seu poder e a sua pureza sem medidas, através da igreja. O processo de “peneiração” se iniciou a fim de que o reino inabalável possa ser revelado (Hb 12.27-28).43

40 BRUNER, op. cit., p. 47.

41 SPROUL, R. C. O Mistério do Espírito Santo. 3. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 100.

42 PACKER, J. I. Batismo no Espírito Santo. In: FERGUSON, Sinclair B.; WRIGHT, David F. (Ed.). Novo Dicionário de Teologia. São Paulo: Hagnos, 2009, p. 128. Grifos nossos.

43 ROBISON, James. O Espírito Santo e a Restauração. In: HAYFORD, Jack W. (Ed.). Bíblia de Estudo Plenitude (BEP). Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2002, p. 1389. Grifos nossos.

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Na teologia pentecostal, “restauração” equivale à “consumação”, ou seja, o estado de coisas definido no estabelecimento final do reino de Deus, após a volta de Cristo.44 Além disso, como lemos em Robison, há uma perspectiva de restauração presente, na distribuição do “poder” e “pureza sem medidas, através da igreja”;45 restauração esta, atual, que antecipa e aponta para aquela, futura. A visão pentecostal ou carismática atualiza “o protesto perene suscitado dentro da igreja quando se aumenta a força da instituição e se diminui a dependência do Espírito de Deus”.46 Nesse sentido, deve ser interpretada como uma nota bem-vinda e necessária da Providência, a fim de lembrar aos cristãos da necessidade de uma mudança de pensamento e posição na direção da piedade, do testemunho e do serviço.

Mesmo assim, temos de questionar a validade da leitura, interpretação e aplicação do livro de Atos feita pelos pentecostais. Apesar de Atos não sistematizar uma doutrina sobre os ministérios e dons, a maneira como ele é interpretado afeta nossa compreensão sobre o batismo com o Espírito Santo e o funcionamento dos ministérios e dons espirituais hoje.47 George Knight III informa que é virtualmente impossível estudar os dons espirituais sem mencionar o livro de Atos, considerando que:

Uma das diferenças mais importantes entre os reformados, os pentecostais e alguns carismáticos é a crença dos dois últimos grupos de que o livro de Atos é o nosso guia em relação aos dons espirituais e que o batismo do Espírito Santo, como aparece em Atos, ocorre como um ato especial subsequente à regeneração pelo Espírito.48

O livro de Atos se encaixa na categoria de narrativa. É histórico, descritivo e não prescritivo. Por um lado, ele registra o que sucedeu nos primórdios da igreja e engendra uma teologia (a teologia de Lucas-Atos), bem como destila verdades e princípios úteis para os cristãos de todos os tempos. Por outro lado, o fato de uma coisa ter ocorrido nos primeiros dias da igreja, conforme lemos em Atos, não implica exigência de que esta coisa deva acontecer hoje. Os acontecimentos de Atos tiveram seu lugar na história da redenção e não se repetiram ao longo da caminhada da igreja. São descritas experiências de um contexto singular da história da redenção, sem reivindicação de que as repliquemos. Em suma, Atos não deve ser lido, interpretado e aplicado como se fosse um manual para a igreja e sim como registro da história da salvação. Quando não atentamos para isso, corremos os perigos apontados por Gordon Fee e Douglas Stuart:

Muitos setores do protestantismo evangélico têm uma mentalidade voltada à

“restauração”. Com certa regularidade, lembramo-nos da igreja primitiva e da experiência cristã vivida no 1º século como uma norma a ser restaurada ou como um ideal que precisamos alcançar. Assim, muitas vezes dizemos frases como: “Atos nos ensina claramente que [...]”. No entanto, parece óbvio que nem mesmo a totalidade do “ensino claro” é igualmente clara para todos.

Na realidade, é nossa falta de precisão hermenêutica quanto ao que Atos procura nos ensinar que resultou em boa parte das divisões existentes na igreja. Tais práticas divergentes como [...] a venda de posses a fim de ter todas as coisas em

44 Cf. WILLIAMS, J. Rodman. Teologia Sistemática: Uma Perspectiva Pentecostal. São Paulo: Editora Vida, 2011, p. 1160-1161.

45 ROBISON, op. cit., loc. cit.

46 CAIRNS, Earle Edwin. O Cristianismo Através dos Séculos: Uma História da Igreja Cristã. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 87.

47 Alguns estudiosos usam a expressão “batismo no Espírito Santo” em lugar de “batismo com o Espírito Santo”; cf. BRUNER, op. cit., p. 47-117; WALKER, Paul. Os Dons e o Poder do Espírito Santo. In: BEP, p. 1394;

MCALISTER; MCALISTER, op. cit., p. 197-213. SPROUL, op. cit., p. 97-115 e KNIGHT III, George W. A Cessação dos Dons Espiritual Extraordinários. In: BEEKE, Joel; PIPA, Joseph A. (Org.). A Beleza e a Glória do Espírito Santo. São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 90, preferem “batismo do Espírito Santo”. No presente estudo, essas formas são consideradas sinônimas.

48 KNIGHT III, op. cit., loc. cit.

Referências

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