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A TEORIA QUÂNTICA DE CAMPOS E SEU PAPEL NA DESCRIÇÃO DAS INTERAÇÕES FUNDAMENTAIS

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A TEORIA QU ˆ ANTICA DE CAMPOS E SEU PAPEL NA DESCRIC ¸ ˜ AO DAS INTERAC ¸ ˜ OES FUNDAMENTAIS

Sebasti˜ ao Alves Dias

Centro Brasileiro de Pesquisas F´ısica - CBPF

Apresentamos um hist´ orico do desenvolvimento da descri¸c˜ao de trˆes intera¸c˜oes fundamen- tais (eletrodinˆ amica, intera¸c˜ oes fracas e fortes), ressaltando o papel da teoria quˆ antica de campos como unificadora dos princ´ıpios da relatividade especial e da mecˆanica quˆ antica.

T´ opicos relacionados, como a renormaliza¸c˜ ao, a quebra espontˆ anea de simetria e a liberdade assint´ otica tamb´em s˜ ao brevemente abordados.

I. INTRODUC ¸ ˜ AO

A descri¸c˜ ao atual da natureza, no seu n´ıvel mais fundamental, vale-se da hip´ otese da e- xistˆencia de quatro intera¸c˜ oes: a forte, caracterizada por uma constante de acoplamento, α s , da ordem da unidade, respons´ avel pelas for¸cas entre pr´otons e neutrons; a eletromagn´ etica, controlada pela constante de estrutura fina, α = e 2 / ~ c, cem vezes mais fraca que a ante- rior; a fraca, de magnitude t´ıpica mil vezes menor que a eletromagn´etica; e a gravitacional, 10 −34 vezes mais tˆenue que a fraca. Todas as intera¸c˜oes s˜ao descritas por modelos que se ba- seiam na troca de part´ıculas de spin ou helicidade inteiros (com ou sem massa) chamadas de b´ osons, entre part´ıculas de spin ou helicidade semi-inteiros (chamadas de f´ ermions, tamb´em com ou sem massa), dentro de um contexto te´ orico consistente com a Mecˆanica Quˆantica e a Relatividade Especial. A Gravita¸c˜ ao resiste, at´e o momento, a uma descri¸c˜ao compat´ıvel com a Mecˆ anica Quˆ antica. Devido ao curt´ıssimo alcance das intera¸c˜oes fortes e fracas (em geral, intranuclear), a maioria dos fenˆ omenos que ocorrem desde a escala atˆ omica at´e a or- dem do tamanho do universo pode ser atualmente descrita pela Eletrodinˆ amica (distˆancias interatˆ omicas) e pela Gravita¸c˜ ao (distˆ ancias desde metros at´e anos-luz ou mais). A incom- patibilidade entre Gravita¸c˜ ao e Mecˆ anica Quˆ antica n˜ ao tem efeitos observacionais registrados at´e agora, dada a extrema pequenez das poss´ıveis corre¸c˜oes gravitacionais a fenˆomenos nos

Este trabalho ´e oriundo da palestra apresentada pelo autor na IX Semana de F´ısica da UEFS ocorrida no

per´ıodo de 18 a 22 de setembro de 2006.

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dom´ınios atˆ omico e sub-atˆ omico. A Eletrodinˆ amica, contudo, n˜ ao poderia descrever adequada- mente estes dom´ınios sem ser consistente com os princ´ıpios quˆ anticos. Houve, pois, uma neces- sidade hist´ orica de construir uma teoria para os fenˆ omenos eletromagn´eticos que obedecesse a esses requerimentos.

A teoria que emergiu deste contexto foi a Eletrodinˆ amica Quˆ antica. As suas previs˜oes tˆem o maior grau de concordˆancia com os dados experimentais alcan¸cado pela F´ısica at´e hoje.

Poder´ıamos citar, como exemplo, o c´ alculo do momento magn´etico anˆ omalo do el´etron, onde a previs˜ ao te´ orica (1, 00115965221 ± 4 no ´ ultimo d´ıgito) concorda com o valor medido em nove casas decimais (1, 00115965246 ± 19 nos ´ ultimos dois d´ıgitos). Feynman comparou a precis˜ao desta medida com a que seria pretendida caso se desejasse medir a distˆancia entre Los Angeles e Nova Iorque com o erro menor que a espessura de um fio de cabelo. A base sobre a qual se funda essa teoria ´e o casamento entre a Relatividade Especial e a Mecˆanica Quˆantica, obtido atrav´es da Teoria Quˆ antica de Campos. Este ´e um formalismo que acomoda situa¸c˜oes em que o n´ umero de part´ıculas n˜ ao permanece constante, sendo, portanto, compat´ıvel com a descri¸c˜ao de processos como a emiss˜ ao ou absor¸c˜ ao de f´ otons por ´ atomos, ou a cria¸c˜ao ou aniquila¸c˜ao de pares el´etron-p´ ositron.

As teorias de campos, em geral, fazem uso de objetos matem´aticos chamados distribui¸c˜oes, ou fun¸c˜ oes generalizadas. Os campos quˆ anticos s˜ ao considerados como distribui¸c˜oes que tomam valores em operadores. Em geral, precisamos considerar situa¸c˜oes em que aparecem produtos de campos no mesmo ponto, o que implica em considerar produtos de distribui¸c˜oes, os quais n˜ ao est˜ao definidos em geral. Esse fato poderia invalidar toda a estrat´egia b´ asica das teorias quˆ anticas de campos, se n˜ ao houvesse uma classe dessas teorias onde este problema pode ser contornado. Tais teorias s˜ ao chamadas de renormaliz´ aveis. A Eletrodinˆ amica Quˆantica foi a primeira teoria de campos realista que se mostrou renormaliz´avel. Gra¸cas a este fato, ela se tornou o prot´ otipo para a constru¸c˜ ao das teorias para as intera¸c˜oes fracas e fortes. Isso se deu a partir da generaliza¸c˜ ao do conceito de simetria de calibre, ou de gauge. Esse conceito est´a na origem da renormalizabilidade da Eletrodinˆ amica e foi o guia para a constru¸c˜ao e interpreta¸c˜ao das outras teorias fundamentais.

Neste semin´ ario procuraremos mostrar o desenvolvimento da Teoria Quˆantica de Campos,

a partir dos sucessos conseguidos na descri¸c˜ ao de trˆes das quatro intera¸c˜oes [1]. Ao final,

discutiremos brevemente a situa¸c˜ ao atual e as perspectivas da ´ area.

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II. ORIGENS DA TEORIA QU ˆ ANTICA DE CAMPOS

O s´eculo XX inaugura uma era de restri¸c˜ oes ao modo pelo qual ach´ avamos que pod´ıamos conhecer o mundo. A primeira delas ´e o reconhecimento (a partir de bases experimentais) de que n˜ ao ´e poss´ıvel transmitir informa¸c˜ ao com velocidade infinita e que a velocidade m´axima ´e a velocidade da luz. A segunda restri¸c˜ ao diz respeito ` a precis˜ao com que podemos medir si- multaneamente alguns observ´ aveis f´ısicos (posi¸c˜ ao e momentum linear s˜ao exemplos de tais ob- serv´ aveis), quando consideramos dimens˜ oes atˆ omicas ou menores. Tais observ´aveis s˜ao chama- dos de incompat´ıveis, pois foi reconhecida a impossibilidade de conhecˆe-los simultaneamente com precis˜ ao arbitr´ aria (quanto mais preciso fosse o conhecimento de um, mais impreciso se- ria o do outro). As conseq¨ uˆencias dessas restri¸c˜ oes foram revolucion´ arias para toda a F´ısica.

A primeira levou ao desenvolvimento da Relatividade Especial, enquanto a segunda levou ` a Mecˆ anica Quˆ antica. A considera¸c˜ ao de dom´ınios da realidade onde fosse necess´ario levar em conta os dois tipos de restri¸c˜ oes levou naturalmente ` a tentativa de estabelecer uma teoria em que ambos os princ´ıpios estivessem satisfeitos. Tais quest˜oes apareceram j´ a nos primeiros fatos experimentais que marcaram o desenvolvimento da Mecˆanica Quˆantica. O problema do espec- tro de radia¸c˜ ao emitido por um corpo negro, o efeito fotoel´etrico e o efeito Compton (e, um pouco depois disso, a descoberta do spin), s˜ ao exemplos de situa¸c˜oes em que as dimens˜ oes e velocidades envolvidas exigem as duas teorias.

A Teoria Quˆantica de Campos j´ a se insinua como necess´aria na descri¸c˜ao do mundo sub- atˆ omico desde a an´ alise do campo eletromagn´etico numa cavidade, feita por Rayleigh e Jeans em seu trabalho pioneiro sobre a radia¸c˜ ao emitida por um corpo negro. Neste trabalho, ´e notado que o sistema dinˆ amico dado pelo campo eletromagn´etico cl´assico ´e equivalente a um outro, consistindo em infinitos osciladores harmˆ onicos desacoplados, cada um oscilando com uma freq¨ uˆencia diferente, distribu´ıda entre zero e infinito [2]. Mas uma teoria de campos (livre) ´e sempre equivalente a um sistema de infinitos osciladores harmˆonicos livres, como descrito acima. O fato de Planck e Einstein observarem, posteriormente, a necessidade de que a energia estivesse distribu´ıda em pacotes (quanta) implica, do ponto de vista formal, em simplesmente considerar a vers˜ ao quˆ antica de cada um destes infinitos osciladores harmˆonicos, o que representa a forma padr˜ ao de quantizar uma teoria cl´assica de campos (neste caso a Eletrodinˆ amica).

Assim, a Eletrodinˆ amica foi a primeira teoria cl´ assica de campos a ser quantizada. Isto foi

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feito atrav´es da associa¸c˜ ao de operadores aos seus graus de liberdade cl´assicos (as componentes do quadrivetor potencial eletromagn´etico), os quais, por sua vez, dependiam das coordenadas espa¸co-temporais. Aqui ´e preciso marcar a diferen¸ca entre esta quantiza¸c˜ao e a que foi feita por Schr¨ odinger e Heisenberg no caso n˜ ao-relativ´ıstico: as coordenadas espaciais s˜ao apenas parˆ ametros que indexam os verdadeiros graus de liberdade do sistema dinˆ amico. A quantiza¸c˜ao resulta num espa¸co de estados onde um autoestado do operador de momentum,

P µ | p µ , ε i = p µ | p µ , ε i , p µ p µ = 0,

´e associado com uma part´ıcula elementar com quadrimomentum p µ e helicidade (proje¸c˜ao do momentum angular na dire¸c˜ ao do movimento da part´ıcula) ε = ± 1. O estado acima ´e tamb´em autoestado de outros observ´ aveis (carga el´etrica, n´ umero bariˆ onico, n´ umero leptˆonico, etc.), com autovalores que correspondem ao f´ oton. Isso refor¸ca a identifica¸c˜ao feita entre o estado e a presen¸ca de um f´ oton. Um estado de n f´ otons pode ser indicado pelo s´ımbolo

| p µ 1 , ε 1 , p µ 2 , ε 2 ....p µ n , ε n i .

Na ausˆencia de intera¸c˜ oes, estes estados seriam estacion´ arios (n˜ao haveria transi¸c˜ao entre um estado com n f´ otons e um outro com m f´ otons). Dada a presen¸ca de correntes externas dadas, interagindo com o campo eletromagn´etico quantizado, tais transi¸c˜oes podem ocorrer e vemos que o n´ umero de part´ıculas n˜ ao necessariamente se conserva. Em outras palavras, pode haver cria¸c˜ ao ou aniquila¸c˜ ao de part´ıculas (neste caso, f´ otons). Esta ´e uma caracter´ıstica de qualquer teoria quˆ antica e relativista de campos. A ˆenfase deixa de ser na entidade (antes tida como indestrut´ıvel) representada pela part´ıcula e passa a ser na conserva¸c˜ao da energia e de outros n´ umeros quˆ anticos relevantes.

A concep¸c˜ ao acima n˜ ao prevaleceu imediatamente para os demais tipos de part´ıculas ele-

mentares, particularmente aqueles para os quais essas part´ıculas possuiam massas diferentes

de zero. Dirac, em 1930, propˆ os uma teoria quˆ antica e relativista para o el´etron introduzindo

novos graus de liberdade internos (que seriam identificados com o spin ) mantendo, contudo,

a identifica¸c˜ ao das coordenadas de posi¸c˜ ao como sendo os graus de liberdade fundamentais

do sistema (o que implicava na “indestrutibilidade” do el´etron). No entanto, o fato de ele

n˜ ao ter conseguido escrever uma hamiltoniana que possu´ısse um estado de energia m´ınima

fazia com que sua teoria fosse inst´ avel (el´etrons de energia positiva poderiam perder energia

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indefinidamente, atrav´es de intera¸c˜ oes com f´ otons ou campos externos dados). Para resolver este problema, Dirac postulou a existˆencia de um n´ umero infinito de el´etrons, prenchendo to- dos os n´ıveis acess´ıveis de energia negativa (que n˜ ao seriam observados) e evitando (devido ao princ´ıpio de exclus˜ ao de Pauli) que um el´etron pudesse decair para n´ıveis de energia iguais ou abaixo de − mc 2 . El´etrons de energia negativa poderiam ser excitados a n´ıveis de energia posi- tiva, deixando conseq¨ uˆencias observ´ aveis no “mar de el´etrons” de energia negativa, que seriam vistas como buracos (part´ıculas que se comportariam como sendo de energia positiva, mas com carga e componente de spin opostas). Similarmente, el´etrons de energia positiva poderiam emitir um f´ oton e ocupar a posi¸c˜ ao vaga no “mar”, tornando-se ent˜ao inobserv´aveis (ou seja, desaparecendo, na pr´ atica). Estava, assim, aberta a possibilidade de cria¸c˜ao e aniquila¸c˜ao de pares de part´ıculas com massa n˜ ao-nula, o que, na ´epoca, pareceu extremamente bizarro aos olhos da comunidade dos f´ısicos. Subrepticiamente, passava-se, tamb´em, de uma teoria de uma

´

unica part´ıcula para uma teoria sem n´ umero definido de part´ıculas, muito mais pr´oxima (em suas caracter´ısticas efetivas) da teoria quˆ antica constru´ıda anteriormente para os f´ otons.

Os buracos no “mar” de el´etrons, inicialmente identificados, por Dirac, como sendo os pr´ otons, logo foram associados a novas part´ıculas, de mesma massa e carga oposta ` a do el´etron.

Em 1932, Anderson descobriu experimentalmente uma part´ıcula com essas caracter´ısticas, `a qual foi dado o nome de p´ ositron e que se constituiu no primeiro exemplo f´ısico do que se convencionou chamar de anti-mat´ eria. Consubstanciou-se, a partir da´ı a teoria chamada de Eletrodinˆ amica Quˆ antica, na qual el´etrons e p´ ositrons (ou part´ıculas carregadas eletricamente, de spin 1/2) interagiam, de forma n˜ ao-linear, atrav´es da troca de f´ otons.

Assim, no in´ıcio da d´ecada de 30, eram conhecidos como part´ıculas elementares os el´etrons,

pr´ otons e f´ otons e haviam sido recentemente propostos o nˆeutron e o neutrino. A descoberta

do nˆeutron e a proposi¸c˜ ao, por Heisenberg, de que os n´ ucleos atˆ omicos eram compostos por

pr´ otons e nˆeutrons, conduziu ` a proposi¸c˜ ao de uma nova intera¸c˜ao (a intera¸c˜ao forte), que

seria responsabilizada pela estabilidade dos n´ ucleos. A observa¸c˜ao do decaimento β (Co 60

Ni 60 + e + ¯ ν e ), com a subseq¨ uente proposi¸c˜ ao da existˆencia do neutrino, ao n˜ ao poder ser

explicada por nenhuma das intera¸c˜ oes j´ a descobertas, implicou na hip´ otese da existˆencia da

intera¸c˜ ao fraca. Era natural que fossem tentadas descri¸c˜oes dessas intera¸c˜oes baseadas na

t´ecnica que t˜ ao bem havia funcionado no caso da Eletrodinˆ amica. Em particular, no caso

das intera¸c˜ oes fortes, foi proposto um modelo, por Yukawa, que seguia bem de perto o da

Eletrodinˆ amica, com uma part´ıcula de massa diferente de zero (chamada de m´ eson) fazendo

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o papel correspondente ao do f´ oton. No entanto, como veremos, a hist´oria seguiu caminhos bastante tortuosos at´e que consegu´ıssemos formular um modelo das intera¸c˜oes fracas e fortes baseado na Teoria Quˆ antica de Campos.

III. O PROBLEMA DOS INFINITOS E SUA SOLUC ¸ ˜ AO

Uma das bases da ciˆencia ocidental ´e o procedimento de incorporar, inicialmente, apenas os aspectos mais relevantes de um determinado fenˆ omeno, deixando para um segundo momento a considera¸c˜ ao de efeitos mais sutis e numericamente menores (mas que poderiam complicar excessivamente o problema). Assim, por exemplo, ao considerarmos o problema de estabelecer a ´ orbita da Terra no sistema solar, desprezamos, inicialmente, a atra¸c˜ao gravitacional exercida sobre ela pelos outros planetas, para nos concentrarmos naquela oriunda do Sol. Uma vez cal- culada a ´ orbita sob apenas esta influˆencia, vamos aos poucos incluindo as outras contribui¸c˜oes, chamadas de perturba¸c˜ oes (no exemplo, a influˆencia dos planetas, da Lua, o fato da Terra n˜ ao ser uma distribui¸c˜ ao de massa exatamente esf´erica, etc.) atrav´es de uma t´ecnica chamada de teoria de perturba¸c˜ oes. O alcance desta t´ecnica ´e amplo o suficiente para cobrir situa¸c˜oes tanto no dom´ınio cl´ assico quanto no quˆ antico. Ela se baseia em considerar que a solu¸c˜ao e- xata do problema dependa de algum parˆ ametro (caracter´ıstico da perturba¸c˜ao) que possa ser considerado pequeno em compara¸c˜ ao com parˆ ametros similares, correspondentes ao caso sem perturba¸c˜ oes. Se for este o caso, a solu¸c˜ ao pode ser expressa como uma s´erie de potˆencias neste parˆ ametro, chamado de constante de acoplamento. Um procedimento algor´ıtmico per- mite, ent˜ ao, o c´ alculo dos coeficientes desta s´erie, que v˜ ao nos dar a solu¸c˜ao truncada numa dada potˆencia da constante de acoplamento. Se ela for pequena o suficiente, ser˜ao precisos poucos termos na s´erie para dar uma boa id´eia do comportamento da solu¸c˜ao.

Assim, como n˜ ao poderia deixar de ocorrer, a teoria de perturba¸c˜oes foi aplicada para

os fenˆ omenos atˆ omicos onde havia a necessidade de utilizar a Eletrodinˆ amica Quˆantica. A

constante de acoplamento, neste caso, era a chamada constante de estrutura fina, definida

como α := e 2 / ~ c, onde e ´e a carga do el´etron. Esta constante ´e adimensional e da ordem de

1/137, o que a torna um parˆ ametro muito conveniente para controlar a aplica¸c˜ao da teoria de

perturba¸c˜ oes. No entanto, os primeiros c´ alculos perturbativos, realizados por Heisenberg e Pauli

em 1929/30 deram resultados nada animadores: os coeficientes da expans˜ao em potˆencias de α

davam infinito! Podia-se “parametrizar” este infinito, requerendo que os momenta dos estados

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intermedi´ arios n˜ ao contribu´ıssem para o c´ alculo, a partir de um certo Λ (este procedimento

´e chamado de regulariza¸c˜ ao). Obviamente, dever-se-ia tomar o limite Λ → ∞ ao final da conta. Isso mostrava que os c´ alculos divergiam seguindo uma lei do tipo 1/Λ 2 . Outros c´alculos, posteriores, mostraram resultados amb´ıguos: em alguns casos, os infinitos se cancelavam, em outros a divergˆencia era menos severa (os c´ alculos divergiam como ln Λ), enquanto que, em outros, a divergˆencia mencionada anteriormente se confirmava. A sensa¸c˜ao generalizada, entre os f´ısicos mais proeminentes da ´epoca (o que inclu´ıa nomes como os de Dirac e Heisenberg), era de que a Teoria Quˆ antica de Campos era inconsistente e que alguma modifica¸c˜ao essencial era necess´ aria, embora houvesse trabalhos isolados (como o de Weisskopf) que chamavam a aten¸c˜ ao para a possibilidade de os infinitos serem trat´aveis.

A confus˜ ao durou at´e depois do final da segunda guerra mundial, quando os trabalhos de Schwinger, Feynman, Tomonaga e Dyson, por volta de 1949, foram progressivamente estabele- cendo esquemas sistem´ aticos de c´ alculos perturbativos, atrav´es da defini¸c˜ao de regras gr´aficas que possibilitaram escrever rapidamente as contribui¸c˜oes perturbativas e analisar, de forma organizada, a origem dos infinitos. Descobriu-se, ent˜ao, que se os parˆ ametros caracter´ısticos da Eletrodinˆ amica Quˆ antica (massas e cargas das part´ıculas carregadas) fossem tomados como fun¸c˜ oes do parˆ ametro regularizador Λ, tais fun¸c˜ oes podiam ser escolhidas de forma que uma parte dos infinitos podia ser cancelada em qualquer ordem perturbativa. O restante dos in- finitos poderia ser descartado considerando que os operadores de campo fossem multiplicados por constantes que, por sua vez, eram tomadas tamb´em como fun¸c˜oes de Λ, escolhidas ordem por ordem perturbativa para deixar a teoria finita. O procedimento todo recebeu o nome de renormaliza¸c˜ ao. Os c´ alculos feitos com o aux´ılio da renormaliza¸c˜ao foram comparados com a experiˆencia, com o sucesso mencionado no in´ıcio deste artigo.

IV. OUTRAS INTERAC ¸ ˜ OES

O sucesso da Eletrodinˆ amica Quˆ antica, consubstanciado no in´ıcio da d´ecada de 1950, es- timulou a aplica¸c˜ ao da Teoria Quˆ antica de Campos ` a descri¸c˜ao das intera¸c˜oes fortes e fracas.

Em 1954, Yang e Mills propuseram uma generaliza¸c˜ao da Eletrodinˆ amica Quˆantica, que seria

adequada a uma descri¸c˜ ao das intera¸c˜ oes entre pr´ otons e nˆeutrons (mediada por p´ıons, con-

forme tinha sido proposto por Yukawa anteriormente). A Eletrodinˆ amica possui uma simetria,

bastante bem conhecida classicamente, a simetria de calibre, que implica na invariˆ ancia do

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lagrangeano perante as transforma¸c˜ oes

A 0 µ = A µ + 1

e g 1 ∂ µ g, ψ e 0 = gψ e ,

onde A µ ´e a µ-´esima componente do operador associado ao f´ oton, ψ e representa o operador de campo associado ao el´etron e

g = e ieθ(x) ,

´e fun¸c˜ ao de um parˆ ametro θ arbitr´ ario, dependente de x. O conjunto de todos os g forma um grupo, o grupo das transforma¸c˜ oes unit´ arias unidimensonais (chamado de U (1)). Yang e Mills generalizaram as transforma¸c˜ oes acima para um grupo chamado SU (2) (que pode ser visto como o conjunto das matrizes unit´ arias 2 × 2 de determinante 1). As matrizes deste grupo misturam campos de pr´ otons com campos de nˆeutrons

 a b c d

 ψ p ψ n

 =

 ψ p 0 ψ n 0

 ,

o que se baseia na observa¸c˜ ao experimental de que pr´ oton e nˆeutron s˜ao indistingu´ıveis sob a

´

otica das intera¸c˜oes fortes. Ocorre que SU (2) ´e um grupo n˜ ao-abeliano (ou seja, tal que dois elementos quaisquer g 1 e g 2 n˜ ao necessariamente comutam, g 1 g 2 6 = g 2 g 1 ). Isto implica numa teoria dinamicamente mais rica que a Eletrodinˆ amica Quˆ antica, j´ a que prevˆe, entre outras coisas, a intera¸c˜ao entre as part´ıculas mediadoras (no caso, os p´ıons).

De modo similar, a primeira tentativa de explica¸c˜ ao do decaimento β envolvia uma teoria quˆ antica de campos, proposta por Fermi, com uma intera¸c˜ ao qu´ artica do tipo

− P

µ

G F

√ 2

ψ ¯ p γ µ ψ n ψ ¯ e γ µ ψ ν ,

onde ¯ ψ p , ψ n , ¯ ψ e e ψ ν s˜ ao os operadores de campo associados, respectivamente, ao pr´oton, nˆeutron, el´etron e neutrino e γ µ (com ´ındices superiores e inferiores) s˜ao as matrizes de Dirac, necess´ arias para a formula¸c˜ ao de qualquer teoria envolvendo f´ermions. A constante G F , co- nhecida como constante de Fermi, faz o papel de constante de acoplamento da teoria, e vale aproximadamente, em unidades naturais ( ~ = c = 1),

G F ' 10 −5 /m 2 p ,

onde m p ´e a massa do pr´ oton.

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As tentativas acima, de utiliza¸c˜ ao da Teoria Quˆ antica de Campos na descri¸c˜ao das intera¸c˜oes fortes e fracas, fracassaram por v´ arios motivos distintos [3]. No caso das teorias de Yang-Mills, a generaliza¸c˜ ao proposta implicava em que os p´ıons deveriam ter massa nula, o que n˜ao era ob- servado. Al´em disso, a partir da d´ecada de 1950 o n´ umero de part´ıculas interagindo fortemente cresceu de forma dram´ atica, o que exigia uma teoria mais abrangente das intera¸c˜oes fortes.

Quanto ` a teoria de Fermi, logo se viu que o m´etodo da renormaliza¸c˜ao n˜ ao podia ser aplicado a ela (´e uma teoria dita n˜ ao-renormaliz´ avel; se insist´ıssemos e consider´assemos os p´ıons com massa, a teoria de Yang-Mills tornava-se n˜ ao-renormaliz´ avel tamb´em) e que violava a condi¸c˜ao fundamental da unitaridade (requerimento de que a probabilidade total seja conservada). Isto fez com que, na d´ecada de 60, a Teoria Quˆ antica de Campos fosse duramente questionada, no que diz respeito ` as suas aplica¸c˜ oes ` as intera¸c˜ oes fortes e fracas, em favor de abordagens mais puristas, que visavam avaliar o impacto das simetrias sobre as intera¸c˜oes (linha chamada de ´ algebra de correntes ) ou obter conseq¨ uˆencias de princ´ıpios fundamentais (como unitaridade e invariˆ ancia de Poincar´e) sobre as amplitudes de probalilidade associadas ao espalhamento das part´ıculas (a chamada teoria axiom´ atica da matriz S). Estes estudos foram muito impor- tantes e conseguiram estabelecer diversos teoremas com conseq¨ uˆencias experimentais ao longo daqueles anos, que seriam fundamentais para balizar as futuras teorias de campo para essas intera¸c˜ oes.

Mesmo assim, para as intera¸c˜ oes fracas a teoria de Fermi fornecia uma aproxima¸c˜ao quali-

tativamente razo´ avel (embora, devido aos problemas com a renormalizabilidade e unitaridade,

n˜ ao pudesse ser considerada uma teoria fundamental). N˜ao havia, contudo, uma teoria quˆ antica

de campos, nem mesmo aproximada, que fizesse o mesmo pelas intera¸c˜oes fortes. No final dos

anos 60 a situa¸c˜ ao estava t˜ ao confusa que mesmo os adeptos da abordagem via matriz S n˜ ao

conseguiam ver, em curto prazo, progressos no sentido de propor amplitudes de probabilidade

consistentes para os processos caracter´ısticos das intera¸c˜oes fortes. Um alento, nesta ´epoca, foi

a f´ ormula de Veneziano, que propunha um elemento de matriz S satisfazendo todas as simetrias

necess´ arias, para o espalhamento de part´ıculas de spin 0. Ao se procurar modelos dinˆamicos

que explicassem a amplitude proposta emp´ıricamente, progressivamente ficou claro que ela era

conseq¨ uˆencia de uma teoria onde o ente fundamental n˜ ao era mais uma part´ıcula (entidade

adimensional) mas sim uma corda (que possui uma dimens˜ao linear). As part´ıculas observadas

seriam excita¸c˜ oes desta corda fundamental (seus modos normais) e satisfaziam uma rela¸c˜ao

entre massa e momentum angular verificada para as intera¸c˜ oes fortes por Regge.

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O modelo original foi estendido para incluir f´ermions e, neste processo, descobriu-se que, ao fazer isso, aparecia uma nova simetria entre b´ osons e f´ermions que foi chamada de supersimetria.

Era a primeira vez que o mundo dos b´ osons dava indica¸c˜ oes de poder se misturar com o dos f´ermions. No entanto, apesar de tantas caracter´ısticas interessantes, a teoria de cordas apresentava problemas aparentemente incontorn´ aveis: requeria que o espa¸co-tempo tivesse 10 dimens˜ oes, exibia em seu espectro uma part´ıcula de spin 2 que nunca apareceu nas intera¸c˜oes fortes e, pior que tudo, dava resultados errados para as amplitudes de espalhamento em certos limites. Estes fatos, aliados a novos avan¸cos na teoria quˆ antica de campos (que narramos na pr´ oxima se¸c˜ ao) acabaram por fazer com que a maior parte dos f´ısicos te´oricos abandonasse a teoria de cordas, no in´ıcio dos anos 70 [5].

V. A QUEBRA ESPONT ˆ ANEA DE SIMETRIA E A VOLTA DAS TEORIAS DE YANG-MILLS

O problema da massa da part´ıcula intermedi´ aria era comum ` as intera¸c˜oes fortes e fracas, em meados da d´ecada de 1960 [4]. De fato, foi proposta uma modifica¸c˜ao da teoria de Fermi, na qual eram introduzidas part´ıculas mediadoras com massa e carga (as part´ıculas W + e W , cuja massa era necess´ aria devido ao curto alcance das intera¸c˜ oes fracas). No entanto, devido ao fato da part´ıcula intermedi´ aria ter massa, os problemas de unitaridade e renormalizabilidade persistiam.

Goldstone, no in´ıcio dos anos 60, mostrou que, numa situa¸c˜ao em que a hamiltoniana que descreve a teoria possui uma dada simetria cont´ınua (em termos mais t´ecnicos, a hamiltoniana comuta com o gerador dessa simetria) mas o seu estado fundamental (chamado de v´ acuo) ´e degenerado (h´ a v´ arios estados associados ` a menor energia poss´ıvel para o sistema) e n˜ ao ´e sim´etrico (n˜ ao ´e aniquilado pelo gerador da simetria, mas sim levado em outro v´ acuo pela a¸c˜ao dele) ´e poss´ıvel reparametrizar a teoria de modo que a hamiltoniana pare¸ca n˜ ao ser sim´etrica, ao custo do surgimento de um conjunto de part´ıculas sem massa (os b´ osons de Goldstone ). A simetria continua existindo, mas escondida, e visualizamos o espectro de part´ıculas de outra forma. Este fenˆ omeno foi chamado de quebra espontˆ anea de simetria, e sua inspira¸c˜ao remonta

`

a F´ısica da Mat´eria Condensada. O mecanismo, embora extremamente interessante, gerava o

problema de descobrir o que aconteceu com os b´ osons de Goldstone j´ a que, pelo fato de n˜ ao

terem massa, deveriam ser facilmente descobertos nos aceleradores onde, no entanto, n˜ ao havia

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sinal deles.

Ent˜ ao, em 1964, Higgs mostrou que a quebra espontˆanea de simetria poderia ser usada, no caso da simetria quebrada ser de calibre, para gerar massa para as part´ıculas mediadoras. A simetria de calibre possibilitava redefini¸c˜ oes dos campos que apareciam no hamiltoniano, que absorviam os b´ osons de Goldstone e geravam um termo de massa para os campos de calibre.

Este era o ingrediente que faltava para a constru¸c˜ ao de um modelo unificado das intera¸c˜oes eletromagn´eticas e fracas. Usando todo o conhecimento experimental e te´orico obtido sobre as intera¸c˜ oes fracas e fortes e acumulado ao longo dos ´ ultimos 30 anos, Glashow, Weinberg e Salam conseguiram montar (a partir de esfor¸cos independentes durante toda a d´ecada), em 1968, uma teoria quˆ antica de campos que descrevia, de maneira precisa, as principais caracter´ısticas dessas intera¸c˜ oes. Era uma teoria de calibre, do tipo daquela proposta por Yang e Mills, baseada em um grupo n˜ ao-abeliano SU (2) × U (1), onde a mat´eria (el´etrons, m´ uons e neutrinos) era descrita por f´ermions quirais (autoestados do operador γ 5 = iγ 0 γ 1 γ 2 γ 3 , onde os γ µ s˜ao as matrices de Dirac, mencionadas anteriormente) e os intermediadores da intera¸c˜ao eram b´ osons vetoriais, an´ alogos ao f´ oton. Nenhuma part´ıcula tinha massa, inicialmente, e o mecanismo de Higgs era o respons´ avel por gerar massa para todas elas, inclusive trˆes dos quatro b´ osons vetoriais que apareciam no modelo. Estes, ap´ os a reparametriza¸c˜ao que lhes concedeu massa, se tornaram as part´ıculas W + , W e Z 0 , enquanto o b´ oson vetorial sem massa foi identificado com o f´oton.

Em 1983 estas part´ıculas foram descobertas experimentalmente, o que se constituiu num grande triunfo para a teoria quˆ antica de campos. No entanto, uma das conseq¨ uˆencias do mecanismo de Higgs ´e o aparecimento de uma part´ıcula escalar fundamental com massa (a primeira a existir na natureza), o b´ oson de Higgs, que ainda n˜ ao foi visto experimentalmente.

VI. A CROMODIN ˆ AMICA QU ˆ ANTICA, A RENORMALIZAC ¸ ˜ AO DE TEORIAS N ˜ AO-ABELIANAS E A LIBERDADE ASSINT ´ OTICA

Paralelamente aos avan¸cos feitos na descri¸c˜ ao das intera¸c˜oes fracas, em 1964, Gell-Mann and

Zweig insinuaram a possibilidade de que as part´ıculas que interagiam atrav´es das intera¸c˜oes

fortes (chamadas de h´ adrons) poderiam ser constitu´ıdas por part´ıculas mais elementares, que

chamaram de quarks. Na ´epoca eles mostraram como conseguiam reproduzir todo o espectro

de m´esons (h´ adrons bosˆ onicos) e b´ arions (h´ adrons fermiˆonicos) com o aux´ılio de trˆes quarks

f´ermiˆ onicos (de spin 1/2) chamados de up, down e strange (u, d, s) que possuiam carga el´etrica

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fracion´ aria de 2/3, -1/3, -1/3, respectivamente. Embora at´e mesmo novos h´ adrons tivessem sido descobertos devido a este esquema classificat´ orio, os quarks foram tratados inicialmente como um artif´ıcio curioso e n˜ ao como part´ıculas de verdade, principalmente devido ` a carga el´etrica fracion´ aria, que nunca antes tinha sido observada. Pouco depois, em 1965, Greenberg, Han e Nambu propuseram o conceito de cor, como um novo atributo para os quarks, para resolver um paradoxo associado com o princ´ıpio de exclus˜ ao de Pauli. Tratava-se de um novo n´ umero quˆ antico, que nada tinha a ver com a cor no sentido eletromagn´etico do termo. A cor podia assumir trˆes valores distintos, que foram chamados de red, green e blue.

Ent˜ ao, em 1968, Bjorken e Feynman analisaram um experimento de colis˜ao entre el´etrons e pr´ otons, no Stanford Linear Accelerator Center (SLAC), e propuseram que os el´etrons estavam realmente sendo espalhados por part´ıculas constituentes dos pr´otons (que eles chamaram de p´ artons). Estimulados por tais an´ alises, entre 1972 e 1973, v´ arias pessoas (Fritzsch, Gell-Mann, Leutwyller, Weinberg, Gross e Wilczek) propuseram, ent˜ ao, uma teoria quˆ antica de campos, novamente do tipo Yang-Mills, para as intera¸c˜ oes fortes, pensadas agora como sendo intera¸c˜oes t´ıpicas dos quarks. Nesta teoria, a cor desempenhava um papel an´ alogo ao da carga el´etrica e, assim, a teoria foi chamada de Cromodinˆ amica Quˆ antica. As part´ıculas que intermediavam a intera¸c˜ ao foram chamadas de gl´ uons. A teoria era baseada num grupo n˜ ao abeliano do tipo SU (3), o que fixava o n´ umero de gl´ uons em 8. Aos trˆes quarks iniciais foi adicionado um quarto (desde 1964) chamado de charm, que desempenhava um papel importante para compatibilizar dados experimentais relativos ` as intera¸c˜ oes fracas (que redundariam na descoberta das correntes neutras).

A vit´ oria final da Teoria Quˆ antica de Campos, na descri¸c˜ao das intera¸c˜oes eletrofracas e

fortes, no entanto, tinha vindo um ano antes, em 1971, quando ’t Hooft apresentou sua demon-

stra¸c˜ ao de que as teorias de calibre n˜ ao-abelianas eram renormaliz´aveis, mesmo sob a a¸c˜ao do

mecanismo de Higgs [7]. Este resultado, juntamente com a formula¸c˜ao dos modelos descritos

anteriormente para as trˆes intera¸c˜ oes, fez com que trˆes das quatro intera¸c˜oes conhecidas fossem

unificadas em uma ´ unica teoria de calibre, baseada no grupo SU (3) × SU 2 × U (1), que hoje re-

cebe o nome de modelo padr˜ ao das intera¸c˜ oes fundamentais. A renormalizabilidade das teorias

de Yang-Mills possibilitou a aplica¸c˜ ao da t´ecnica do grupo de renormaliza¸c˜ao, que prevˆe que,

dependendo da energia envolvida em um dado processo, podemos utilizar uma constante de

acoplamento efetiva, dependente desta energia, para efetuar nossos c´alculos. Com isto, Gross,

Politzer e Wilczek descobriram, em 1973, uma propriedade essencial das intera¸c˜ oes fortes (vis-

(13)

tas a partir do ponto de vista da Cromodinˆ amica Quˆ antica): a constante de acoplamento efetiva destas intera¸c˜ oes, que regula a aplica¸c˜ ao da teoria de perturba¸c˜oes, diminui de intensidade `a medida que a energia do processo em considera¸c˜ ao aumenta. Isto possibilitou, pela primeira vez, a aplica¸c˜ ao da teoria de perturba¸c˜ oes ` as intera¸c˜ oes fortes, o que era invi´ avel em qualquer outro cen´ ario te´orico proposto at´e ent˜ ao.

VII. PERSPECTIVAS ATUAIS

Trˆes das quatro intera¸c˜ oes acham-se unificadas numa descri¸c˜ao consistente, atrav´es das teorias de calibre n˜ ao-abelianas. Resta ainda incluir a gravita¸c˜ao, a primeira intera¸c˜ao a ser estudada quantitativamente, numa descri¸c˜ ao que respeite os princ´ıpios quˆ anticos e relativ´ısticos.

A grande maioria dos f´ısicos que hoje se dedica a esta tarefa acredita que a resposta pode estar na reabilita¸c˜ ao da teoria das cordas, proposta no in´ıcio da d´ecada de 80 por Green e Schwarz [8]. Eles propuseram que o que havia de errado com a teoria das cordas era o contexto ao qual se pensava inicialmente que elas se aplicassem (no caso, as intera¸c˜oes fortes). Se a teoria fosse considerada como descrevendo a F´ısica em distˆ ancias da ordem do comprimento de Planck (um comprimento t´ıpico de uma teoria onde a gravita¸c˜ ao seja importante, tal como

L P =

r ~ G N

c 3 ' 1, 6 × 10 −33 cm

onde G N ´e a constante de Newton), ent˜ ao a part´ıcula de spin 2 poderia corresponder ao gr´aviton (a part´ıcula intermedi´ aria da intera¸c˜ ao gravitacional), as dimens˜oes a mais poderiam ser con- sideradas pequenas demais para serem vistas mesmo na escala atˆ omica e, como n˜ ao pretendia ser uma teoria somente das intera¸c˜ oes fortes, n˜ ao teria que reproduzir as suas amplitudes de espalhamento. Desenvolvimentos posteriores mostraram que o limite desta teoria em grandes distˆ ancias (ou seja, as distˆ ancias atualmente acess´ıveis aos nossos experimentos) coincide com os modelos citados acima, que abordam as outras trˆes intera¸c˜oes.

No entanto, n˜ ao h´ a uma maneira ´ unica de formular a teoria das cordas, considerada como

teoria fundamental da natureza, mas cinco maneiras distintas. Recentemente Witten mostrou

que estas cinco teorias parecem ser aspectos diferentes de uma mesma teoria, que seria mais

fundamental, e que foi chamada de teoria M. A dificuldade de investigar experimentalmente

distˆ ancias da ordem de L P impede um progresso mais decisivo da teoria das cordas, embora os

desenvolvimentos te´ oricos tenham sido fant´ asticos ao longo das ´ ultimas duas d´ecadas.

(14)

Em 2007 entrar´ a em opera¸c˜ ao o Large Hadron Collider (LHC), na Organisation Europ´ eenne pour la Recherche Nucl´ eaire (CERN, localizada na Su´ı¸ca), que vai se constituir no mais potente acelerador de part´ıculas constru´ıdo at´e hoje. H´ a intensa expectativa quanto ` a descoberta do b´ oson de Higgs (o que legitimaria definitivamente o mecanismo de gera¸c˜ao de massas proposto no modelo padr˜ ao) e de part´ıculas supersim´etricas (que dariam sinais na dire¸c˜ao da viabilidade da teoria das cordas, al´em de clarear certas quest˜ oes t´ecnicas do modelo padr˜ao). Tamb´em se espera poder investigar a quest˜ ao da existˆencia ou n˜ ao de dimens˜oes extras. Sejam quais forem os resultados obtidos, sabemos, no entanto, que a Teoria Quˆ antica de Campos continuar´ a a ser o principal instrumento de an´ alise te´ orica a ser aplicado ao estranho e fascinante mundo das part´ıculas elementares.

VIII. AGRADECIMENTOS

Gostaria de expressar os mais profundos agradecimentos aos meus amigos, professores da UEFS, Antˆ onio Vieira de Andrade Neto, Franz Peter Alves Farias, Germano Pinto Guedes e Milton Souza Ribeiro, pelo convite para falar sobre Teoria Quˆantica de Campos, pela acolhida e pelo ambiente extremamente estimulante propiciado por eles, durante a IX semana de F´ısica da UEFS. E tamb´em ao meu amigo, professor da UFRJ, Carlos Farina de Souza, igualmente convidado para o evento, que me estimulou imensamente na reda¸c˜ao destas notas e de quem assisti aulas brilhantes sobre o papel do vetor de Runge-Lenz nos problemas de for¸cas centrais, durante a mesma semana de F´ısica. A todos vocˆes, muito obrigado!

[1] Para uma hist´ oria dos prim´ ordios da Teoria Quˆ antica de Campos e uma lista detalhada dos artigos originais mais influentes na sua constitui¸c˜ ao, veja o cap´ıtulo 1 de S. Weinberg, The Quantum Theory of Fields, vol. 1, 1

a

edi¸c˜ ao, Cambridge University Press, Cambridge, 1995.

[2] Uma abordagem hist´ orica dos prim´ ordios da Mecˆ anica Quˆ antica, inclusive com uma demonstra¸c˜ao do teorema de Rayleigh e Jeans, ´e dada no cap´ıtulo 15 de J. Leite Lopes, A Estrutura Quˆ antica da Mat´ eria, 3

a

edi¸c˜ao, Editora UFRJ, Rio de Janeiro, 2005.

[3] Uma discuss˜ao (mais t´ecnica) sobre as motivos pelos quais as teorias de Yang-Mills e Fermi falharam

ao descrever as intera¸c˜oes fortes e fracas, respectivamente, pode ser encontrada nos cap´ıtulos 8 (se¸c˜ao

8.1) e 11 (se¸c˜ao 11.1) de T.-P. Cheng e L.-F. Li, Gauge Theory of Elementary Particle Physics, 1

a

edi¸c˜ ao, Clarendon Press, Oxford, 1984.

(15)

[4] O panorama hist´ orico detalhado, com descri¸c˜ oes de todos os problemas que apareceram no estudo das intera¸c˜oes eletrofracas (al´em do problema da massa do b´ oson vetorial intermedi´ario, citado no texto) e listas de referˆencias bastante completas, podem ser encontrados nas Nobel Lectures de Glashow, Salam e Weinberg, acess´ıveis nos endere¸cos eletrˆonicos abaixo:

http://nobelprize.org/nobel prizes/physics/laureates/1979/glashow-lecture.pdf http://nobelprize.org/nobel prizes/physics/laureates/1979/salam-lecture.pdf http://nobelprize.org/nobel prizes/physics/laureates/1979/weinberg-lecture.pdf

[5] Pode-se encontrar bastante informa¸c˜ ao sobre a teoria das cordas, como foi proposta no final dos anos 60, nos artigos de revis˜ ao de Scherk (Rev. Mod. Phys. 47 (1975), 123) e Mandelstam (Phys.

Rep. 13 (1974), 259).

[6] Uma vis˜ ao geral, incluindo o lado experimental, das part´ıculas elementares hoje conhecidas pode ser encontrada no site do Particle Data Group, vinculado ao Lawrence Berkeley National Laboratory, nos Estados Unidos, intitulado The Particle Adventure, no endere¸co:

http://www.particleadventure.org/index.html .

[7] Veja a hist´ oria deste conceito e uma descri¸c˜ ao do procedimento de renormaliza¸c˜ao nos endere¸cos eletrˆonicos abaixo:

http://nobelprize.org/nobel prizes/physics/laureates/1999/thooft-autobio.html http://nobelprize.org/nobel prizes/physics/laureates/1999/thooft-lecture.pdf

[8] Para uma introdu¸c˜ ao qualitativa ` a teoria das cordas, veja B. Greene, O Universo Elegante, Com- panhia das Letras, S˜ ao Paulo, 2001. Uma abordagem t´ecnica do assunto pode ser encontrada em J.

Polchinski, String Theory, volumes I e II, Cambridge University Press, Cambridge, 1998.

SOBRE O AUTOR -

Sebasti˜ ao Alves Dias - Doutor em F´ısica pelo CBPF, ´e Pesquisador Adjunto B II do Centro Brasileiro de Pesquisas F´ısicas.

e-mail: tiao@cbpf.br

Referências

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