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A MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL E O SENADO FEDERAL NO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

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A MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL E O SENADO FEDERAL NO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

Fernanda Mendonça dos Santos Figueiredo

Advogada e sócia do escritório Tostes e Associados Advogados, Pós- Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho e Mestranda em Direito Constitucional pelo IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público.

31/03/2009

O presente artigo tem por objeto tema tanto polêmico quanto relevante, que é o papel do Senado Federal no controle concreto de constitucionalidade.

A exigência de que a eficácia geral no controle difuso de constitucionalidade esteja subordinada à decisão do Senado Federal foi introduzida, no direito brasileiro, na Constituição de 19341 e preservada em todas as constituições posteriores2, inclusive na de 1988 – art. 52, X.3

O Constituinte pretendeu, por meio desse ato – suspensão da execução, pelo Senado Federal, do ato declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal – conferir efeito erga omnes às suas deliberações, atribuindo-se generalidade à decisão definitiva, haja vista que, não obstante amparado no modelo americano, o Brasil não adotou a regra de vinculação aos precedentes – stare decisis4.

No entanto, a intervenção do Senado Federal no processo de declaração de constitucionalidade incidental gerou, ao longo desses anos, discussão na jurisprudência5 e hesitação na doutrina6, culminando com o

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enfraquecimento da regra em virtude das alterações trazidas pela CR/88 e que privilegiaram o modelo abstrato de constitucionalidade.

A celeuma em torno desse tema alcançou seu ápice por ocasião do julgamento da Reclamação nº 4.335/AC7, de relatoria do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, em que se sustentou ter havido, no art. 52, X, da Constituição, a chamada mutação constitucional, razão pela qual a declaração da Corte pela inconstitucionalidade em um caso concreto teria, por si só, efeito erga omnes, independentemente da participação do Senado Federal.

Nesse contexto é que o tema será enfrentado, tendo em consideração o nítido progresso que o moderno posicionamento enseja em termos de controle de constitucionalidade.

DA MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL

A realidade constitucional evidencia que as constituições rígidas, além das reformas constitucionais, suportam outras formas de mudança. Com propriedade, ANNA CÂNDIDA C. FERRAZ8 afirma que:

A mutação constitucional consiste na alteração, não da letra ou do texto expresso, mas do significado, do sentido e do alcance das disposições constitucionais, através ora da interpretação judicial, ora dos costumes, ora das leis, alterações estas que, em geral, se processam lentamente, e só se tornam claramente perceptíveis quando se compara o entendimento atribuído às cláusulas constitucionais em momentos diferentes, cronologicamente afastados um do outro, ou em épocas distintas e diante de circunstâncias diversas.

A mutação constitucional promove, portanto, a alteração do conteúdo do texto constitucional de maneira informal, com a modificação não da letra da lei, mas tão somente de seu entendimento, em face da dinâmica evolução social.

O Professor GILMAR FERREIRA MENDES leciona que:

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Vistas a essa luz, portanto, as mutações constitucionais são decorrentes – nisto residiria a sua especificidade – da conjugação da peculiaridade da linguagem constitucional, polissêmica e indeterminada, com os fatores externos, de ordem econômica, social e cultural, que a Constituição – pluralista por antonomásia – intenta regular e que, dialeticamente, interagem com ela, produzindo leituras sempre renovadas das mensagens enviadas pelo Constituinte.9

Nesse compasso, a mutação constitucional não importa apenas na alteração do sentido, do significado ou do alcance da norma constitucional, mas deverá, igualmente, ser constitucional e processar-se por modo ou meio diferentes das formas organizadas de poder constituinte instituído ou derivado.10

Pode-se afirmar que o debate acerca da ocorrência de mutação constitucional não é novo no Supremo, podendo ser identificado em diversos julgados.11 Conforme predito, a controvérsia acerca do papel do Senado Federal, após a Constituição de 1988 e modificações dela decorrentes, bem como o tema “mutação constitucional”, crescem de importância no Brasil, máxime para o estudo do controle de constitucionalidade difuso, quando se discute no seio da Reclamação nº 4.335-5/AC, ainda em trâmite no Supremo, qual o sentido jurídico da norma a ser extraída do art. 52, X, da CR.

O Relator da referida reclamação acolheu a pretensão, considerando desrespeitada a eficácia erga omnes da decisão proferida no Habeas Corpus nº 82.959-SP, ainda que proferida no caso concreto, fundamentando seu voto na ocorrência do instituto da mutação constitucional do art. 52, X, da CR/88.

Foi acompanhado pelo Ministro Eros Grau, com votos contrários dos Ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa. O processo está, atualmente, com vista ao Ministro Ricardo Lewandowski.

Caso se admita a ocorrência da mutação constitucional, ter-se-á uma expressiva alteração quanto aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade realizada incidentalmente e a própria decisão do Supremo conterá força normativa bastante para suspender a execução da lei declarada

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inconstitucional12, atribuindo-se ao Senado competência privativa para dar publicidade à decisão definitiva do STF.13

Vale relembrar o caráter rígido e principiológico da Constituição de 1988, razão pela qual se revela desnecessária sua reforma formal contínua, sendo suficiente que o Supremo Tribunal Federal ajuste os imperativos constitucionais à realidade social.

Conforme anteriormente mencionou-se, a mutação constitucional ocorre de maneira lenta, gradativa, preservando a coerência principiológica e mantendo a autoridade constitucional. Neste sentido, mostram-se precisos os argumentos a favor da incidência da mutação constitucional na hipótese em comento, os quais mantêm coesão com o ideal de racionalização da prestação jurisdicional, introduzido pela EC nº 45, bem como com a crescente admissão do precedente como fonte de direito, inclusive com a adoção dos institutos das súmulas vinculantes e da repercussão geral.

Segundo Hsü DAU-LIN14, a mutação constitucional sempre terá lugar quando a realidade para a qual emanaram as normas constitucionais já não mais coincide com estas últimas, ocasionando uma tensão entre a constituição escrita e a situação constitucional real.

É justamente essa a situação identificada pelo Supremo e que, ao pretender decidir pela desnecessidade de intervenção do Senado Federal no controle concreto de constitucionalidade, demonstra nítido progresso à jurisdição constitucional15 do País.

Vê-se, claramente, nesta posição, o rompimento com a concepção clássica acerca dos efeitos das decisões nos casos em que estas privilegiem o modelo de vinculação vertical dos fundamentos determinantes das decisões do Supremo, ainda que veiculadas por via de exceção.

NOTAS

Esta coluna é de responsabilidade do Instituto Brasiliense de Direito Público. 1 Art. 91. Compete ao Senado Federal: IV– suspender a execução, no todo ou em parte de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando

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hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário. E também o art.

96: Quando a Corte Suprema declarar inconstitucional qualquer dispositivo de lei ou ato governamental, o Procurador-Geral da República comunicará a decisão ao Senado Federal, para os fins do art. 91, IV, e bem assim à autoridade legislativa ou executiva de que tenha emanado a lei ou o ato. 2 À exceção da Constituição de 1937. 3 Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (...) X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.

4 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, pp. 41-42. 5 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 16.512-DF.

Engenharia Souza e Barker Ltda. e Outros x Senado Federal. Relator: Ministro Oswaldo Trigueiro. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Data do Julgamento:

25.05.66. DJ 31.08.66. EMENT. VOL-00665-01 PP-00150. 6 Entre os autores envolvidos nos debates sobre o tema, citam-se os seguintes nomes:

Themístocles Cavalcanti, Araújo Castro, Lúcio Bittencourt, Alexandre de Moraes, Bandeira de Mello, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, José Afonso da Silva, Gilmar Ferreira Mendes, entre tantos outros. 7 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação nº 4.335-AC. Defensoria Pública da União x Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco. Relator:

Ministro Gilmar Ferreira Mendes. Ainda pendente o julgamento. 8 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos Informais de Mudança da Constituição.

São Paulo: Max Limonad, 1986, p. 9. 9 MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 130. 10 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Ob.cit., p.

11. 11 Tal como ficou evidente quando do julgamento da Reclamação nº 4.219- SP, mais precisamente no voto-vista da lavra do Ministro Eros Grau. 12 Voto do Ministro Relator Gilmar Ferreira Mendes – Reclamação nº 433-AC. 13 Já na época da inserção da regra no ordenamento brasileiro, Lúcio Bittencourt sustentou o entendimento que hoje se pretende impor à participação do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade: “O objetivo do art.

45, IV, da Constituição é apenas tornar pública a decisão do tribunal, levando-a ao conhecimento de todos os cidadãos.” – Ref. à Constituição de 1946.

BITTENCOURT apud BRANCO; COELHO; MENDES. Op. cit., 2008, pp. 1086-

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1087. 14 DAU-LIN, Hsü. Mutación de La Constitución. Traducion de Pablo Lucas Verdú e Christian Förster. Bilbao: Instituto Vasco de Administración Pública, tradução original de 1932, p. 9. 15 Por meio da jurisdição, o Judiciário promove a fiscalização constitucional no que tange à compatibilidade vertical das normas que integram o ordenamento jurídico com sua fonte primeira, a Constituição.

Referências

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