• Nenhum resultado encontrado

Pé torto congênito *

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Pé torto congênito *"

Copied!
8
0
0

Texto

(1)

Pé torto congênito

*

Congenital clubfoot

MARIA HENRIQUETA RENNÓ MERLLOTTI1, SUSANADOS REIS BRAGA2, CLÁUDIO SANTILI3

* Trabalho realizado no Grupo de Ortopedia Pediátrica do Departamento de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Central da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, Pavilhão “Fernandi- nho Simonsen” Diretor: Prof. Dr. Cláudio Santili – São Paulo (SP), Brasil.

1. Médica Observadora do Grupo de Ortopedia e Traumatologia Pediátrica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

2. Médica Assistente do Grupo de Ortopedia e Traumatologia Pediátrica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Pau- lo – São Paulo (SP), Brasil.

3. Professor Adjunto e Diretor do Departamento e do Grupo de Ortopedia e Traumatologia Pediátrica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo – São Paulo (SP), Brasil.

Endereço para correspondência: Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo – Grupo de Ortopedia e Traumato- logia Pediátrica do Hospital e da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Rua Cesário Motta Jr., 112 – 01277-900 – São Paulo (SP) – Brasil. Tel.: (11) 3221-2395. E-mail: c.santili@terra.com.br

Copyright RBO2006

RESUMO

Pé torto congênito (PTC) é deformidade complexa que compromete todos os tecidos músculo-esqueléticos distais ao joelho. A deformidade consiste de eqüino do retropé, varo (ou inversão) da articulação subtalar, cavo por fle- xão plantar do antepé e adução do mediopé e do antepé.

O PTC é um dos defeitos congênitos mais comuns do pé;

entretanto, sua patogênese ainda não foi totalmente escla- recida. O PTC idiopático ocorre em crianças sem altera- ções subjacentes que justifiquem o quadro e não se resol- ve de forma espontânea. O objetivo do tratamento é obter um pé plantígrado, funcional e indolor. Com a técnica não cirúrgica se visa, de forma progressiva, produzir remode- lação plástica e alongamento das estruturas contratura- das. A manipulação seguida de gesso, de forma seriada, é sempre o tratamento inicial. O tratamento cirúrgico deve ser reservado para as deformidades residuais e busca a completa resolução do quadro em um único procedimen- to. Deve-se lembrar que mesmo um pé corretamente tra-

tado nunca será um pé absolutamente normal, permane- cendo de tamanho menor e quase sempre associado à atro- fia da panturrilha.

Descritores – Pé torto congênito; Deformidade congênitas do pé/tera- pia; Deformidade congênitas do pé/ciurgia

ABSTRACT

The congenital clubfoot (CCF) is a complex deformity affecting all musculoskeletal tissues that are distal to the knee. The deformity consists of hindfoot equinus, subtalar joint varus (or inversion), cavus due to forefoot plantar flexion, and midfoot and forefoot adduction. CCF is one of the commonest foot congenital defects; however, its pathogenesis has not been totally clarified yet. Idiopathic CCF occurs in children with no underlying changes that justify the picture, and does not resolve spontaneously. The aim of the treatment is to achieve a plantigrade, functional and painless foot. It is believed that the nonsurgical technique has the capability to progressively produce a plastic remodelation and contractured structures lengthening. The initial treatment always consists of serial manipulation followed by casting. Surgical treatment should be reserved for residual deformities, aiming the complete picture resolution within a unique procedure. It must be remembered that even an adequately foot will never be an absolutely normal foot, remaining with a smaller size and almost always associated to calf atrophy.

Keywords – Clubfoot; Foot deformities, congenital / therapy; Foot deformities, Congenital / surgery

DEFINIÇÃO

Pé torto congênito (PTC) é o termo usado para descrever a deformidade complexa que inclui alterações de todos os teci- dos músculo-esqueléticos distais ao joelho, ou sejam, dos mús- culos, tendões, ligamentos, ossos, vasos e nervos(1).

(2)

A deformidade resultante consiste de eqüino do retropé, varo (ou inversão) da subtalar, cavo por flexão plantar do an- tepé e adução do médio e do antepé.

O PTC idiopático ocorre em crianças sem alterações subja- centes que justifiquem o quadro e não se resolve de forma espontânea. Outros tipos de pés tortos são: o postural, que se resolve habitualmente com manipulações; o neurológico, as- sociado à mielomeningocele; e o sindrômico, presente nas crianças com outras anomalias congênitas; os dois últimos, geralmente rígidos e muito resistentes ao tratamento.

EPIDEMIOLOGIA

A incidência do PTC apresenta ampla variação conforme a raça, sendo de 0,93 a 1,5 para cada 1.000 nascidos vivos da cor branca e de até 6,8 para cada 1.000 nascidos vivos poliné- sios(2-3).

O sexo masculino é duas vezes mais afetado. O envolvi- mento é bilateral na metade dos casos e, quando unilateral, é mais freqüente à direita.

Etiologia

O PTC é um dos defeitos congênitos mais comuns do pé;

entretanto, sua patogênese ainda não foi totalmente esclareci- da(1,4).

Segundo Cummings et al, a primeira descrição clínica do

PTC foi feita por Hipócrates, que propôs como fator causal a compressão sofrida pelo pé no ambiente intra-uterino(2). Tred- well et al observaram que aumenta a incidência de PTC quan- do ocorre perda de líquido amniótico entre a 11a e a 12a sema- nas de gestação(5). Christianson et al observaram que a presença de contraturas é mais freqüente quanto mais precoce e dura- douro for o período de oligodrâmnio, sendo o pé torto a con- tratura mais encontrada(6).

Kawashima e Uhthoff demonstraram que, entre a oitava e a 10a semanas após a concepção, o pé passa por um estágio fisiológico que lembra o PTC maduro, sugerindo, então, que, provavelmente, existe uma parada no desenvolvimento, que impediria o curso normal de correção espontânea da deformi- dade(7).

Ippolito e Ponseti acreditam na existência de alterações his- tológicas e estruturais como defeitos primários(8). Há, ainda, a hipótese de que a deformidade seja secundária a anormalida- des neurogênicas, em que a diminuição da inervação na re- gião póstero-medial do pé seria responsável pelo encurtamento e fibrose da musculatura, sendo comparável a uma forma li- mitada de artrogripose(9).

Fatores genéticos apresentam reconhecida influência na ocorrência do PTC(10-11). Wynne-Davies(10) observou que a ocor- rência é 17 vezes maior em parentes de primeiro grau, seis vezes maior em parentes de segundo grau e aproximadamen- te igual à da população geral quando parentes de terceiro grau.

Nos gêmeos monozigóticos a concordância é de 32,5%, en- quanto que nos gêmeos fraternos é de apenas 2,9%, seme- lhante à de irmãos que não são gêmeos, na população cauca- siana. Pais não afetados têm a probabilidade de 1:40 de ter um segundo filho afetado, enquanto que o risco de ter uma filha afetada é muito pequeno. Pais não afetados com uma filha afetada têm a probabilidade de 1:16 de ter um filho afetado e 1:40 de ter outra filha afetada. Dessa forma, considera-se que a herança seja feita através de um gene dominante de baixa penetrância, ou seja, de padrão multifatorial.

Anatomia

A deformidade no PTC é resultado do somatório entre o mau alinhamento dos ossos, alteração da conformação óssea e concomitante retração das partes moles.

O osso que apresenta maior deformidade é o tálus, que tem seu colo encurtado e sua superfície medial diminuída. O ân- gulo formado pelo eixo longo da cabeça e do colo com o eixo longo do corpo do tálus é chamado ângulo de declinação, que num pé do adulto normal é de aproximadamente 150o a 160o e no PTC seu valor está entre 115o e 135o.

A posição do tálus em relação ao tornozelo é motivo de controvérsia: é descrita como neutra(12), como rodada medial- mente(13) ou lateralmente(14). Cahuzac et al, utilizando a RNM

tridimensional, concluíram que o enlage cartilaginoso do tá- lus está em rotação medial tanto no pé normal como no PTC; entretanto, no pé torto o ângulo é menor (28o versus 38 o)(15). O navicular e o calcâneo estão deslocados medial e plan- tarmente em relação ao tálus; o cubóide está deslocado me- dialmente em relação ao calcâneo; e o tornozelo encontra-se em eqüino(16-17).

QUADRO CLÍNICO

Toda criança portadora de deformidade congênita deve ser examinada como um todo, tanto para excluir alterações asso- ciadas como para identificação de fatores etiológicos, o que é possível nos casos não idiopáticos. Nos pés tortos congênitos é importante certificar-se de que não se trata de parte de qua- dros sindrômicos ou neurogênicos, assim como é necessário o acurado exame dos quadris pela possibilidade da associa- ção com displasia do desenvolvimento(2,16-17).

(3)

O PTC é caracterizado pelo eqüino do retropé, varo (ou in- versão) da articulação subtalar, cavo (flexão plantar do antepé em relação ao retropé) e aduto (do antepé em relação ao me- diopé). Essas deformidades não se corrigem passivamente (fi- gura 1).

tando, por vezes, o correto traçado de seus eixos. Além disso, raramente conseguem-se radiografias com adequado posicio- namento dos pés.

O pé deve ser segurado na posição de melhor correção e, preferencialmente, com carga ou, ao menos, apoio. A inci- dência em ântero-posterior (AP) é feita com dorsiflexão e ro- tação externa; o perfil (P), com dorsiflexão e eversão máxi- mas. A ampola é direcionada para o retropé na incidência de frente e transmaleolar no perfil (figura 3).

Figura 1 – PTC bilateral demonstrando as deformidades típicas

Observam-se uma ou duas pregas cutâneas posteriores e uma prega longitudinal no mediopé; o calcâneo não é palpá- vel no seu coxim plantar. O tálus tem sua cabeça palpável na região dorsolateral e anteriormente à articulação do tornoze- lo. Numa criança com PTC unilateral, o pé é menor, a perna é levemente mais curta e tem menor diâmetro que a contralate- ral. O encurtamento ocorre na tíbia em 89% dos casos e no fêmur em 43%(1,3,17).

A avaliação da torção tibial é muito difícil nos recém-nas- cidos, mas torna-se mais evidente a torção interna à medida que a criança cresce, estando sempre associada, em maior ou menor intensidade(1,3,17).

Sodré et al, em um estudo arteriográfico, observaram asso- ciação do PTC com hipoplasia ou terminação precoce da arté- ria tibial anterior, sendo sempre recomendado um bom exame neurovascular nas avaliações prévias e durante o tratamento (figura 2)(18).

ALTERAÇÕES RADIOGRÁFICAS

O diagnóstico do PTC no recém-nascido é essencialmente clínico(16-17).

Existe grande dificuldade em avaliar e reproduzir as medi- ções radiográficas. Os núcleos de ossificação são arredonda- dos e excêntricos em seus moldes cartilaginosos, impossibili-

Figura 2 – Arteriografia de paciente com PTC bilateral. À esquer- da observa-se alteração da artéria tibial anterior.

Figura 3 – Radiografias nas incidências frente e perfil de PTC

(4)

No AP avaliamos os ângulos talocalcâneo (normal de 20o a 50o), talo-primeiro meta (normal de 0o a 20o) e talo-quinto meta (normal é 0o).

No perfil avaliamos o ângulo talocalcâneo (normal 25o a 50o), o tibiotalar (70o-100o) e o tibiocalcâneo com dorsiflexão máxima (25o-60o).

As radiografias são úteis em crianças maiores para confir- mar a correção, ajudar na identificação dos sítios de eventual deformidade residual, principalmente após o tratamento con- servador e, ainda, para direcionar o tratamento cirúrgico, quan- do indicado(2-3,19).

CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO

A graduação quanto à gravidade do PTC é fundamental para a comparação dos métodos de tratamento e de seus resulta- dos.

Dimeglio et al desenvolveram um método no qual o exami- nador aplica uma força corretiva “gentil” e observa quatro parâmetros principais: o eqüino no plano sagital, o varo no plano frontal, a derrotação do bloco calcâneo-antepé (supina-

ção) e a adução do antepé, ambas no plano horizontal; cada um desses parâmetros é avaliado quanto à redutibilidade apli- cando-se uma escala de quatro pontos, a partir do grau de deformidade residual. Adiciona-se mais um ponto na presen- ça de cada uma das quatro outras alterações observadas (qua- dro 1)(20). Já o método de avaliação de Pirani et al baseia-se em seis sinais clínicos de contratura (quadro 2)(21).

Um estudo comparativo entre as duas classificações, que investigou a correlação entre a avaliação e a gravidade do PTC, demonstrou que o método preconizado por Pirani et al apre- senta alto coeficiente de correlação e tem melhor reprodutibi- lidade(22).

Simons enfatiza a importância da avaliação radiográfica prévia nas incidências AP e P com correção máxima para ava- liar melhor a extensão da deformidade residual após o trata- mento conservador(19).

TRATAMENTO

O objetivo do tratamento é tornar o PTC um pé plantígrado, funcional e indolor(3,23).

Com a técnica não cirúrgica acredita-se na capacidade de produzir deformação plástica e alongamento das estruturas contraturadas, de forma progressiva, mediante as proprieda- des viscoelásticas inerentes ao tecido conjuntivo. A manipu- lação seguida de gesso deve ser feita de forma seriada e é sempre o tratamento inicial, existindo tendência de reservar o tratamento cirúrgico às deformidades residuais.

QUADRO 1

Critérios para a avaliação do PTC segundo Dimeglio et al

1) Faz-se a redução gentil do pé e, então, avalia-se a de- formidade residual do eqüino, do varo, da supinação e da adução, pontuando-se da seguinte forma:

+ 45o 4 pontos

45o a 20o 3 pontos

20o a 0o 2 pontos

0 a (–20o) 1 ponto

menos que (–20o) 0

2) Avaliam-se, então, outros quatro parâmetros e adicio- na-se mais um ponto para a presença de cada um de- les:

Prega posterior 1 ponto

Prega medial 1 ponto

Cavo 1 ponto

Condição muscular ruim 1 ponto

Dessa forma, a nota máxima é 20 e a graduação é feita da seguinte forma:

Grau 1 – < 5 Benigno

Grau 2 – 5 < 10 Moderado

Grau 3 – 10 < 15 Grave

Grau 4 – 15 < 20 Muito grave

Obs.: Entende-se como condição muscular ruim: contratura do tríceps, do tibial pos- terior e fibulares e ausência de dorsiflexão voluntária em eversão e pronação.

Fonte: Baseado em: Dimeglio A, Bensahel H, Souchet P, Mazeau P, Bonnet F. Classifi- cation of clubfoot. J Pediatr Orthop. 1995;4:129-36.

QUADRO 2

Método de Pirani et al para avaliação do PTC

Parâmetros avaliados no mediopé – Curvatura da borda lateral – Prega medial

– Palpação da cabeça do tálus lateralmente

Parâmetros avaliados no retropé – Prega posterior

– Rigidez do eqüino – Consistência do calcâneo

Pontuação para cada parâmetro avaliado 0 – Se não há anormalidade

0.5 – Se não há moderada anormalidade 1 – Se há grave anormalidade

O pé de maior gravidade tem nota seis

Fonte: Baseado em: Pirani S, Outerbridge H, Moran M, Sawatsky B. A method of evaluating the virgin clubfoot with substancial inter-observer reliability. POSNA. 1995, Miami, Florida.

(5)

TRATAMENTO CONSERVADOR

Entre as diferentes modalidades de tratamento conserva- dor, incluem-se a massoterapia fisioterápica seguida pelo uso de órtese(2,24), manipulações contínuas por uma máquina de mobilização passiva(2,25) e manipulações corretivas seguidas pelo uso de gesso(1-3), que é o método mais utilizado, por ser baseado na experiência individual do profissional, pela prati- cidade e pelo baixo custo.

Em relação às técnicas de manipulação seguidas por gesso, as mais utilizadas são a de Kite(26-27) e de Ponseti(28).

A técnica de Kite(2,27) preconiza a correção das deformida- des de forma seqüencial e inicia-se pela abdução do antepé, seguida da correção do varo do calcâneo e, por fim, do eqüi- no. O gesso é confeccionado e durante sua secagem é molda- do abduzindo-se o antepé e, com a outra mão, submete-se o calcâneo a uma força em valgo na sua borda medial, enquan- to se realiza uma contrapressão próximo à articulação calcâ- neo-cubóide. O tempo médio de uso do gesso é de 22 meses e uma órtese noturna é utilizada até os 10 anos. Kite relatou sucesso em até 95% dos casos; entretanto, considera-se que os índices de sucesso com esse método são muito variáveis, pois depende muito da experiência pessoal(2).

O bloqueio da articulação calcâneo-cubóide arqueando-se o pé como se tentássemos endireitar um fio curvo foi conside- rado por Ponseti o “erro de Kite”, já que isso, na sua opinião, impede a adequada eversão do calcâneo(28-29). Ponseti(28) tam- bém utiliza as manipulações seguidas por aparelho gessado inguinopodálico, com trocas a cada cinco a sete dias (figura 4). A manobra visa corrigir simultaneamente o cavo, o varo e a adução; porém, de forma inovadora e, a princípio, aparente- mente contraditória, inicia-se com a correção do cavismo, pro- duzindo ou exagerando a supinação, “elevando” ainda mais o primeiro metatarso com o polegar. A seguir, corrige-se a adução fazendo-se a abdução e supinação dos dedos com contrapres-

Figura 4 – Gesso confeccionado segundo a técnica de Ponseti

Figura 5 – Órtese de Denis-Browne

são na porção lateral da cabeça do tálus (redução da articulação talonavicular). Dessa forma, a articulação calcâneo-cubóide permanece livre, permitindo, depois, o adequado posiciona- mento do calcâneo. O gesso longo, cruropodálico, mantém o pé em rotação lateral. Após a resolução da adução e do varo, inicia-se a correção do eqüino; nesse momento, o pé deve estar abduzido até pelo menos 60º. Em 70% dos casos é ne- cessária a tenotomia percutânea do tendão calcâneo. São ne- cessárias, em média, oito a 10 trocas de gesso para que seja obtida a correção completa do pé e, então, o tratamento conti- nua mediante o uso da órtese de Denis-Browne, continua- mente, pelos próximos três meses e no período noturno até os três anos de idade de criança (figura 5)(2,16).

(6)

Figura 6 – Aspecto clínico e radiográfico do tratamento do PTC inveterado utilizando-se o aparelho de Ilizarov

Herzemberg et al obtiveram correção em 95% dos pés uti- lizando esse método(30). Cooper e Dietz, em uma avaliação a longo prazo, encontraram 78% de excelentes e bons resulta- dos em 71 pés de pacientes de 34 anos, em média, tratados pelo método de Ponseti. Os critérios avaliados foram a dor e a limitação funcional(31).

TRATAMENTO CIRÚRGICO

Somente quando não se obtém a correção satisfatória me- diante o tratamento com os métodos conservadores, indica-se o tratamento cirúrgico, que visa a completa e imediata resolu- ção do quadro em um único procedimento.

Como as deformidades residuais são variáveis, cada pé tem que ser cuidadosamente estudado através do exame físico e radiográfico. O diagnóstico correto permite a realização de cirurgias a la carte, ou seja, abordando-se apenas o necessá- rio, evitando-se as liberações excessivas.

A hipercorreção pode ser evitada pela preservação da por- ção anterior do ligamento deltóide profundo e do ligamento interósseo entre o tálus e o calcâneo. Além disso, deve-se ter cuidado com a redução do navicular em relação ao tálus e com os alongamentos dos tendões dos músculos tibial poste- rior e do tendão calcâneo(32). As transferências tendinosas são exclusivamente utilizadas em pés com deformidades dinâmi- cas.

A idade ideal para que a criança seja submetida ao trata- mento cirúrgico ainda é controversa; contudo, acredita-se que o melhor momento esteja entre os nove meses e um ano de idade ou quando o pé tiver o tamanho igual ou maior que 8cm. Nessa fase, as estruturas anatômicas são mais facilmen- te identificadas e o subseqüente início da marcha ajuda a evi- tar as recidivas(2,16).

A abordagem cirúrgica mais utilizada é a circunferencial, conhecida como via de Cincinnati, descrita por Crawford et al(33). Outras possíveis abordagens são: a dupla via de Carroll et al(34) ou a oblíqua, póstero-medial, de Turco(35).

No nosso meio não é infreqüente o diagnóstico tardio do

PTC inveterado, fazendo-se necessária a utilização de proce- dimentos ósseos, como as osteotomias corretivas, a talecto- mia, a artrodese tríplice modelante ou, ainda, a correção pro- gressiva mediante o emprego da técnica de tração-osteogênese, utilizando-se o fixador de Ilizarov(1-3,17) (figuras 6 e 7).

(7)

COMPLICAÇÕES

As complicações do tratamento conservador são decorren- tes do excesso de força (hiperpressão) e de técnica inadequa- da durante a manipulação. Quando a correção do eqüino é tentada antes da correção da adução e do varo, pode instalar- se a deformidade em “mata-borrão”. O excesso de pressão na superfície articular pode ocasionar rigidez e deformidade.

As complicações inerentes ao tratamento cirúrgico são a lesão do feixe vasculonervoso, a necrose de pele e a infecção no trajeto dos pinos. Além dessas, podemos encontrar defor- midades residuais, recidivas em até 25% dos casos, fraqueza muscular, hipercorreção e joanete dorsal(1-3,17).

A história natural do PTC não tratado é um pé com deformi- dade rígida, área de apoio dorsolateral, onde se forma uma calosidade e os pacientes deambulam com capacidade fun- cional semelhante à dos com amputação do tipo Syme sem prótese. A impossibilidade de usar sapatos convencionais pode representar um fator de exclusão social.

Advertência: o ortopedista deve ter em mente, e sempre orientar os pais, que mesmo um pé corretamente tratado nun- ca será um pé absolutamente normal, permanecendo de tama- nho menor e quase sempre associado à atrofia da panturrilha.

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Fernando Ferreira Fonseca Filho e ao Dr. Gastão Guilher- me Frizzo, pelas figuras 4, 6 e 7.

REFERÊNCIAS

1. Herring JB. Congenital Talipes Equinovarus. In: Tachdjian MO. Tachdjian:

Pediatric orthopaedics. Philadelphia: W.B. Saunders Company; 2001. p.

922-59.

2. Cummings RJ, Davidson RS, Armstrong PF, Lehman WB. Congenital clubfoot. J Bone Joint Surg Am. 2002;84(2):290-308. Review.

3. Fonseca Filho FF, Ferreira RC, Martins GM. Estado Atual do Tratamento do pé torto congênito. In: Pardini Jr., Souza JMG, editores. Clínica orto- pédica. Rio de Janeiro: Medsi; 2001. p. 283-307.

4. Alexander M, Ackman JD, Kuo KN. Congenital idiopathic clubfoot.

Orthop Nurs. 1999;18(4):47-55; quiz 56-8. Review.

5. Tredwell SJ, Wilson D, Wilmink MA; Canadian Early and Mid-Trimester Amniocentesis Trial Group (CEMAT), and the Canadian Pediatric Orthopedic Review Group. Review of the effect of early amniocentesis on foot deformity in the neonate. J Pediatr Orthop. 2001;21(5):636-41.

6. Christianson C, Huff D, McPherson E. Limb deformations in oligohydramnios sequence: effects of gestational age and duration of oligohydramnios. Am J Med Genet.1999;86(5):430-3.

7. Kawashima T, Uhthoff HK. Development of the foot in prenatal life in relation to idiopathic club foot. J Pediatr Orthop. 1990;10(2):232-7.

Figura 7 – Radiografias pré e pós-operatórias na incidência de perfil de PTC inveterado tratado com talectomia

(8)

8. Ippolito E, Ponseti IV. Congenital club foot in the human fetus. A histological study. J Bone Joint Surg Am.1980;62(1):8-22.

9. Isaacs H, Handelsman JE, Badenhorst M, Pickering A. The muscles in club foot – A histological histochemical and electron microscopic study. J Bone Joint Surg Br. 1977;59-B(4):465-72.

10. Wynne-Davies R. Genetic and environmental factors in the etiology of talipes equinovarus. Clin Orthop Relat Res. 1972;84:9-13.

11. Dietz F. The genetics of idiopathic clubfoot. Clin Orthop Relat Res. 2002;

(401):39-48. Review.

12. Mckay DW. New concept of and approach to clubfoot treatment: section I – Principles and morbid anatomy. J Pediatr Orthop. 1982;2(4):347-56.

13. Goldner JL. Congenital talipes equinovarus: fifteen years of surgical treatment. Curr Pract Orthop Surg. 1969;4:61-123.

14. Herzenberg JE, Carroll NC, Christofersen MR, Lee EH, White S, Munroe R. Clubfoot analysis with three-dimensional computer modeling. J Pediatr Orthop. 1988;8(3):257-62.

15. Cahuzac JP, Baunin C, Luu S, Estivalezes E, Sales de Gauzy J, Hobatho MC. Assessment of hindfoot deformity by three-dimensional MRI in infant club foot. J Bone Joint Surg Br. 1999;81(1):97-101.

16. Forlim E, Grimm DH. Pé Torto Congênito. In: SBOT. Ortopedia pediátri- ca. Rio de Janeiro: Revinter; 2004. p. 213-22.

17. Mosca VS. The Foot. In: Weinstein SL, Morrissy RT, Winter RB, Lovell WW, Morrissy BT, editors. Lovell and Winter’s pediatric orthopaedics.

5th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2001. p.1151-215.

18. Sodré H, Bruschini S, Mestriner LA, Miranda F Jr, Levinsohn EM, Packard DS Jr, et al. Arterial abnormalities in talipes equinovarus as assessed by angiography and the doppler technique. J Pediatr Orthop.

1990;10(1):101-4.

19. Simons GW. A standardized method for the radiographic evaluation of clubfeet. Clin Orthop Relat Res. 1978;(135):107-18.

20. Dimeglio A, Bensahel H, Souchet P, Mazeau P, Bonnet F. Classification of clubfoot. J Pediatr Orthop B. 1995;4(2):129-36.

21. Pirani S, Outerbridge H, Moran M, Sawatsky BJ. A method of evaluating the virgin clubfoot with substantial inter-observer reliability. POSNA.

1995;71:99. Miami, Florida.

22. Flynn JM, Donohoe M, Mackenzie WG. An independent assessment of two clubfoot - classification systems. J Pediatr Orthop. 1998;18(3):323-7.

23. Ponseti IV. Treatment of congenital club foot. J Bone Joint Surg Am.

1992;74(3):448-54.

24. Ponseti IV. Clubfoot management. J Pediatr Orthop. 2000;20(6):699-700.

25. Dimeglio A, Bonnet F, Mazeau P, De Rosa V. Orthopaedic treatment and passive motion machine: consequences for the surgical treatment of clubfoot. J Pediatr Orthop B. 1996;5(3):173-80.

26. Kite JH. Nonoperative treatment of congenital clubfoot. Clin Orthop Relat Res. 1972;84:29-38.

27. Kite JH. The clubfoot. New York: Grune & Stratton; 1964.

28. Ponseti IV. Congenital club foot: fundamentals of treatment. New York:

Oxford University Press; 1996.

29. Ponseti IV. Common errors in treatment of congenital clubfoot. Int Orthop. 1997;21(2):137-41.

30. Herzenberg JE, Radler C, Bor N. Ponseti versus traditional methods of casting for idiopathic clubfoot. J Pediatr Orthop. 2002;22(4):517-21.

31. Cooper DM, Dietz FR. Treatment of idiopathic clubfoot. A thirty-year follow-up note. J Bone Joint Surg Am. 1995;77(10):1477-89.

32. Carroll NC. Clubfoot: what have we learned in the last quarter century? J Pediatr Orthop. 1997;17(1):1-2.

33. Crawford AH, Marxen JL, Osterfeld DL. The Cincinnati incision: a comprehensive approach for surgical procedures of the foot and ankle in childhood. J Bone Joint Surg Am. 1982;64(9):1355-8.

34. Carroll NC, McMurtry R, Leete SF. The pathoanatomy of congenital clubfoot. Orthop Clin North Am. 1978;9(1):225-32.

35. Turco VJ. Resistant congenital club foot – One-stage posteromedial release with internal fixation. A follow-up report of a fifteen-year experience. J Bone Joint Surg Am. 1979;61(6A):805-14.

Referências

Documentos relacionados

Este trabalho tem como objetivo contribuir para o estudo de espécies de Myrtaceae, com dados de anatomia e desenvolvimento floral, para fins taxonômicos, filogenéticos e

DESCRIÇÃO SUMÁRIA DE ATIVIDADES: Exercer atividades de prevenção de doenças e promoção da saúde, mediante ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou

Aos funcionários da Disciplina de Endocrinologia e do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Escola Paulista de Medicina- UNIFESP e Depto de Ortopedia da Santa Casa

3 – Chefe do Grupo de Ombro e Cotovelo do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo – “Pavilhão Fernandinho Simonsen” – São

3 – Mestre em Ortopedia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Médica Assistente do Grupo de Ortopedia e Traumatologia Pediátrica da Santa Casa de São

No período entre outubro de 2001 e julho de 2006, foram operados e acompanhados pelo Grupo de Ombro e Cotovelo do Departamento de Ortopedia e Traumato- logia da Faculdade de

No Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo – “Pavilhão Fernandinho Simonsen”, no período de junho de 2000 a outubro de 2005

Professor Assistente do Grupo da Coluna do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo – FCMSCSP – São