Uma Breve Introdu¸c˜ ao ` a Teoria das Representa¸c˜ oes de Grupos
Conte´ udo
23.1 Representa¸ c˜ oes de Grupos . . . 1210
23.2 M´ edias Invariantes. A Medida de Haar . . . 1216
23.3 Representa¸ c˜ oes de Grupos Compactos . . . 1218
23.3.1 Representa¸c˜ oes de Grupos Compactos em Espa¸cos de Hilbert Separ´ aveis . . . 1219
23.4 O Teorema de Peter-Weyl . . . 1225
23.5 Representa¸ c˜ oes Irredut´ıveis de Dimens˜ ao Finita de SU(2) . . . 1234
23.6 Representa¸ c˜ oes Irredut´ıveis de Dimens˜ ao Finita de L
+↑. . . 1239
23.7 Exerc´ıcios Adicionais . . . 1242
G rupos desempenham um papel importante na F´ısica devido ` a sua rela¸c˜ ao com transforma¸c˜ oes de simetria. Na F´ısica Quˆ antica (na Mecˆ anica Quˆ antica ou na Teoria Quˆ antica de Campos), o conjunto de estados puros de um sistema f´ısico comp˜oe um espa¸co de Hilbert e, portanto, torna-se relevante estudar a a¸c˜ ao de grupos de simetria em espa¸cos vetoriais. Essa ´e a motiva¸c˜ ao b´ asica do estudo de representa¸c˜ oes de grupos, ao qual dedicamos o presente cap´ıtulo. Inicialmente fazemos uma apresenta¸c˜ ao resumida das ideias gerais da teoria de representa¸c˜ oes de grupos. Na Se¸c˜ ao 23.2, p´ agina 1216, apresentamos a no¸c˜ ao de medida invariante e na Se¸c˜ ao 23.4, p´ agina 1225, apresentamos o importante Teorema de Peter-Weyl. Na Se¸c˜ ao 23.5, p´ agina 1234, discutimos com algum detalhe um tema de grande interesse para a F´ısica Quˆ antica: a classifica¸c˜ ao de representa¸c˜ oes irredut´ıveis dos grupos SU(2). H´ a muitas referˆencias que estendem e aprofundam o material aqui apresentado e limitamo-nos a sugerir algumas poucas: as referˆencias [290], [32], [354], [138] e [413]. Para aplica¸c˜ oes ao contexto de fun¸c˜ oes especiais destaca-se [405]. Para aplica¸c˜ oes gerais `a F´ısica Quˆ antica, vide [425], [412], [112] e [113].
Em algumas das se¸c˜ oes que seguem faremos uso de algumas no¸c˜oes de Topologia e de An´alise. A no¸c˜ ao de grupo topol´ ogico foi introduzida na Se¸c˜ ao 22.2, p´ agina 1182. As no¸c˜ oes de espa¸co topol´ ogico compacto e de espa¸co topol´ ogico localmente compacto foram introduzido na Se¸c˜ ao 32.3.1, p´ agina 1536. Vide tamb´em Se¸c˜ ao 32.3, p´ agina 1536, e Se¸c˜ ao 32.3.6, p´ agina 1568. A teoria b´ asica dos espa¸cos de Hilbert foi desenvolvida no Cap´ıtulo 38, p´ agina 1976. O tratamento de operadores compactos ´e feito na Se¸c˜ ao 39.8, p´ agina 2138. Referˆencias a material contido em outros cap´ıtulos deste texto ser˜ao feitas se e quando necess´ario.
23.1 Representa¸c˜ oes de Grupos
A no¸c˜ ao de representa¸c˜ ao de grupos foi introduzida na Se¸c˜ ao 2.1.9.2, p´ agina 122. Recordemo-la: uma representa¸c˜ ao de um grupo G em um espa¸co vetorial V ´e uma aplica¸c˜ ao que a cada g ∈ G associa um operador linear invers´ıvel Π(g) : V → V de modo que as seguintes condi¸c˜ oes sejam satisfeitas:
1. Π(g)Π(h) = Π(gh), ∀ g, h ∈ G.
2. Π(e) = 1 . 3. Π g
−1= Π(g)
−1, ∀ g ∈ G.
Acima, e ´e a unidade de G e 1 o operador identidade agindo em V . O item 1 afirma que uma representa¸c˜ ao ´e um homomorfismo de G no grupo GL(V ) dos operadores lineares invers´ıveis de V em V . Comentamos que as propriedades dos itens 2 e 3, acima, derivam da propriedade 1 (como ´e o caso para homomorfismos de grupos. Vide coment´ arios `a p´ agina 123), tendo sido colocadas aqui apenas por ˆenfase.
1210
Podemos tamb´em, equivalentemente, dizer que uma representa¸c˜ ao de um grupo em um espa¸co vetorial V ´e uma a¸c˜ ao
`a esquerda de G em V atrav´es de operadores lineares invers´ıveis.
• A representa¸ c˜ ao trivial
A representa¸c˜ ao que associa todo g ∈ G ao operador identidade em V , ou seja, tal que π(g) = 1, ∀ g ∈ G, ´e denominada representa¸c˜ ao trivial.
• Intertwiners
Seja G um grupo e V
1, V
2dois espa¸cos vetoriais (sobre o mesmo corpo) onde atuem duas representa¸c˜ oes de G: Π
1e Π
2, respectivamente em V
1e V
2. Um operador U : V
1→ V
2tal que
U Π
1(g) = Π
2(g)U ,
para todo g ∈ G, ´e dito ser um operador de entrela¸camento de Π
1e Π
2. Operadores de entrela¸camento s˜ao mais frequentemente denominados intertwiners.
Voltaremos a falar sobre intertwiners quando tratarmos do importante Lema de Schur, adiante.
• Representa¸ c˜ oes equivalentes
Duas representa¸c˜ oes Π
1e Π
2de um mesmo grupo G, agindo em espa¸cos vetoriais V
1e V
2, respectivamente, s˜ao ditas ser representa¸c˜ oes equivalentes se existir um operador linear invers´ıvel U : V
1→ V
2tal que
U Π
1(g) = Π
2(g)U para todo g ∈ G, ou seja, se Π
1e Π
2possu´ırem um intertwiner invers´ıvel.
E muito f´acil mostrar que a equivalˆencia de duas representa¸c˜oes ´e uma rela¸c˜ ´ ao de equivalˆencia (no sentido usual) e que, portanto, a classe de todas as representa¸c˜ oes de um grupo pode ser quebrada em classes de representa¸c˜ oes equivalentes.
Um grupo pode ter v´arias representa¸c˜ oes distintas (e inequivalentes) em um mesmo espa¸co vetorial.
E. 23.1 Exerc´ıcio. Seja G = ( R , +) e V = R
2. Mostre que
T
1(x) :=
1 x 0 1
, T
2(x) :=
1 0 x 1
e R(x) :=
cos x − sen x sen x cos x
,
x ∈ R , s˜ ao trˆes representa¸c˜ oes de G. Mostre que T
1e T
2s˜ ao equivalentes (sugest˜ ao: tome U = (
0 11 0)). Mostre que R e T
1(ou T
2) n˜ ao s˜ ao equivalentes (sugest˜ ao: se o fossem, veja o que ocorreria para x = 2π). 6
• Subespa¸ cos invariantes
Seja G um grupo, V um espa¸co vetorial e Π uma representa¸c˜ ao de G em V . Um subespa¸co W de V ´e dito ser um subespa¸co invariante por Π se Π(g)w ∈ W para todo w ∈ W e todo g ∈ G, ou seja, se Π(G)W ⊂ W .
Qualquer representa¸c˜ ao possui sempre pelo menos dois subespa¸cos invariantes: aquele formado apenas pelo vetor nulo W = { 0 } e aquele formado pelo espa¸co todo W = V . Esses subespa¸cos invariantes s˜ao ditos triviais.
E. 23.2 Exerc´ıcio. 1. Mostre que a representa¸c˜ ao T
1, definida acima, tem um subespa¸co invariante de dimens˜ ao 1, a saber, o subespa¸co formado pelos vetores da forma (
a0), a ∈ R . Mostre que nenhum outro subespa¸co de dimens˜ ao 1 de R
2´e invariante por T
1. 2. Mostre que a representa¸c˜ ao T
2, definida acima, tem um subespa¸co invariante de dimens˜ ao 1, a saber, o subespa¸co formado pelos vetores da forma (
0b), b ∈ R . Mostre que nenhum outro subespa¸co de dimens˜ ao 1 de R
2´e invariante por T
2. 3. Mostre que a representa¸c˜ ao R, definida acima, n˜ ao tem nenhum subespa¸co invariante n˜ ao-trivial. 6
E. 23.3 Exerc´ıcio. Verifique que as express˜ oes abaixo definem representa¸c˜ oes de G = ( R , +) em V = R
4e identifique seus
subespa¸cos invariantes.
Π
1(x) =
1 x 0 0
0 1 0 0
0 0 1 x
0 0 0 1
, Π
2(x) =
1 x 0 0
0 1 0 0
0 0 cos x − sen x 0 0 sen x cos x
, Π
3(x) =
cos x − sen x 0 0
sen x cos x 0 0
0 0 cos x − sen x
0 0 sen x cos x
.
6
• Representa¸ c˜ oes irredut´ıveis
De grande importˆ ancia ´e o conceito de representa¸c˜ ao irredut´ıvel de um grupo G em um espa¸co vetorial V . Uma representa¸c˜ ao Π de um grupo G em um espa¸co vetorial V ´e dita ser irredut´ıvel se os seus ´ unicos subespa¸cos invariantes forem os triviais.
Uma representa¸c˜ ao que n˜ ao ´e irredut´ıvel ´e dita ser redut´ıvel.
E. 23.4 Exerc´ıcio. Mostre que as representa¸c˜ oes T
1e T
2, definidas ` a p´ agina 1211, s˜ ao redut´ıveis. Mostre que a representa¸c˜ ao R,
tamb´em acima, ´e irredut´ıvel. 6
Vamos supor que V seja um espa¸co de dimens˜ao finita, digamos n ≥ 2, e que Π seja uma representa¸c˜ ao de um grupo G em V que possua um subespa¸co invariante n˜ ao-trivial W (ou seja, Π ´e redut´ıvel). Seja m (com 0 < m < n) a dimens˜ao de W . Ent˜ ao, ´e poss´ıvel encontrar uma base em V tal que Π(g) possui a representa¸c˜ ao matricial em blocos
Π(g) =
π
1(g) φ(g) 0 π
2(g)
para todo g ∈ G, onde π
1(g) ´e uma matriz m × m, π
2(g) ´e uma matriz (n − m) × (n − m), e φ(g) ´e uma matriz m × (n − m).
Mostrar isso ´e bem simples, basta representar cada v ∈ V em uma base e
1, . . . , e
n, onde e
1. . . , e
mformam uma base de W . Fa¸ca-o!
O seguinte exerc´ıcio revela uma propriedade importante dos blocos π
1e π
2:
E. 23.5 Exerc´ıcio. Mostre que π
1e π
2definidos acima s˜ ao tamb´em representa¸ c˜ oes de G. Para tal, mostre que, como Π(g)Π(h) = Π(gh) para todos g, h ∈ G, ent˜ ao valem π
1(g)π
1(h) = π
1(gh), π
2(g)π
2(h) = π
2(gh) e π
1(g)φ(h) + φ(g)π
2(h) = φ(gh). 6 Uma representa¸c˜ ao Π de um grupo G em um espa¸co vetorial de dimens˜ao finita V ´e dita ser uma representa¸c˜ ao totalmente redut´ıvel se for redut´ıvel e se V puder ser escrita como uma soma direta de subespa¸cos invariantes por Π:
V = V
1⊕ · · · ⊕ V
k. Em tal caso, Π(g) pode ser escrita em uma base conveniente na forma de blocos
Π(g) =
π
1(g)
. ..
π
k(g)
para todo g ∈ G, onde cada π
i(g) ´e uma representa¸c˜ ao de G agindo no espa¸co invariante V
ide Π. Em um tal caso podemos escrever Π na forma Π = π
1⊕ · · · ⊕ π
k(vide a no¸c˜ ao de representa¸c˜ ao soma direta `a p´ agina 171. Vide, em particular, a defini¸c˜ ao (2.94)).
Particularmente importante ´e a situa¸c˜ ao em que Π ´e totalmente redut´ıvel e cada π
i´e irredut´ıvel. Em tal caso dizemos que Π ´e uma representa¸c˜ ao maximalmente redut´ıvel, ou ainda uma representa¸c˜ ao completamente redut´ıvel.
E. 23.6 Exerc´ıcio. Sejam as representa¸c˜ oes T
1e T
2definidas ` a p´ agina 1211. Mostre que T
1e T
2n˜ ao s˜ ao totalmente redut´ıveis. 6
E. 23.7 Exerc´ıcio. Sejam as representa¸c˜ oes Π
1, Π
2e Π
3definidas ` a p´ agina 1211. Mostre que Π
1e Π
2s˜ ao totalmente mas n˜ ao
maximalmente redut´ıveis. Mostre que Π
3´e maximalmente redut´ıvel. 6
As defini¸c˜ oes acima, de representa¸c˜ oes totalmente e maximalmente redut´ıveis, podem ser estendidas ao caso de representa¸c˜ oes em espa¸cos de dimens˜ao n˜ ao-finita (notadamente, a espa¸cos de Hilbert separ´ aveis), mas n˜ ao faremos uso dessas no¸c˜ oes em nosso tratamento inicial, restringindo-nos ao caso de dimens˜ao finita. Nesse contexto, a seguinte proposi¸c˜ ao ´e importante:
Proposi¸ c˜ ao 23.1 Seja V um espa¸co vetorial complexo de dimens˜ ao finita, dotado de um produto escalar h· , ·i , e seja Π uma representa¸c˜ ao de um grupo G por operadores unit´ arios (em rela¸c˜ ao a esse produto escalar). Ent˜ ao, ou Π ´e irredut´ıvel
ou ´e maximalmente redut´ıvel. 2
Para provar essa proposi¸c˜ ao, vamos antes demonstrar o seguinte lema, o qual tem importˆ ancia por si s´o, como veremos mais adiante.
Lema 23.1 Seja V um espa¸co vetorial complexo, dotado de um produto escalar h· , ·i , e seja Π uma representa¸c˜ ao de um grupo G por operadores unit´ arios (em rela¸c˜ ao a esse produto escalar). Se W ´e um subespa¸co invariante por Π, ent˜ ao seu complemento ortogonal W
⊥(em rela¸c˜ ao ao produto escalar) tamb´em o ´e. 2
Prova. Como Π ´e unit´ aria, vale Π(g)
∗= Π(g)
−1= Π g
−1para todo g ∈ G. Seja w
′∈ W
⊥e w ∈ W . Ent˜ ao, para
qualquer g ∈ G
Π(g)w
′, w
=
w
′, Π(g)
∗w
=
w
′, Π(g
−1)w
= 0 , pois Π g
−1w ∈ W , j´a que W ´e invariante, e w
′´e ortogonal a todo elemento de W . Como w ´e um elemento arbitr´ario de W , isso mostrou que Π(g)w
′∈ W
⊥para todo g ∈ G, e para qualquer w
′∈ W
⊥, provando assim que W
⊥´e invariante.
Prova da Proposi¸c˜ ao 23.1. Se Π ´e unit´ aria e ´e redut´ıvel, ent˜ ao V possui um subespa¸co invariante n˜ ao-trivial V
1e, pelo lema acima, V
2≡ V
1⊥´e tamb´em invariante. Logo, Π ´e totalmente redut´ıvel, V = V
1⊕ V
2e Π = π
1⊕ π
2. Agora, ´e f´acil ver que cada π
1´e tamb´em uma representa¸c˜ ao unit´ aria (justifique!). Assim, podemos aplicar a mesma conclus˜ao a cada π
ie, se π
ifor redut´ıvel, podemos tornar a quebrar o subespa¸co V
iem subespa¸cos invariantes ainda menores e π
iem uma soma de representa¸c˜ oes unit´ arias menores. Como a dimens˜ao de V ´e finita, esse procedimento ter´ a for¸cosamente um fim e cada representa¸c˜ ao menor a que se chegar ser´a for¸cosamente irredut´ıvel.
E. 23.8 Exerc´ıcio. Mostre que as mesmas conclus˜ oes valem para representa¸c˜ oes ortogonais em espa¸cos vetoriais reais. 6
O Lema 23.1 possui um outro corol´ ario relevante ao contexto de representa¸c˜ oes unit´ arias em espa¸cos de Hilbert
1. Corol´ ario 23.1 Seja V um espa¸co de Hilbert complexo, dotado de um produto escalar h· , ·i , e seja Π uma representa¸c˜ ao de um grupo G por operadores unit´ arios (em rela¸c˜ ao a esse produto escalar). Se W ´e um subespa¸co invariante por Π,
ent˜ ao seu fecho W tamb´em o ´e. 2
Prova. Pela Proposi¸c˜ ao 38.2, p´ agina 1983, tem-se W = W
⊥⊥. Pelo Lema 23.1, W
⊥´e um subespa¸co invariante por Π e pelo mesmo Lema 23.1, W
⊥⊥tamb´em o ´e.
• Representa¸ c˜ oes irredut´ıveis para operadores
Um outro conceito importante ´e o seguinte. Uma representa¸c˜ ao Π de um grupo G em um espa¸co vetorial V ´e dita ser uma representa¸c˜ ao irredut´ıvel para operadores se possuir a seguinte propriedade: os ´ unicos operadores lineares A : V → V tais que vale
AΠ(g) = Π(g)A para todo g ∈ G s˜ao da forma A = λ 1 , ou seja, s˜ao m´ ultiplos da identidade.
1Espa¸cos de Hilbert s˜ao estudados no Cap´ıtulo 38, p´agina 1976.
Podemos nos perguntar: qual a rela¸c˜ ao entre essa no¸c˜ ao e a de representa¸c˜ ao irredut´ıvel? Vamos demonstrar adiante os seguintes fatos:
1. Em um espa¸co de Hilbert, toda representa¸c˜ ao unit´ aria que seja irredut´ıvel para operadores ´e tamb´em irredut´ıvel.
2. Toda representa¸c˜ ao irredut´ıvel complexa de dimens˜ao finita ´e irredut´ıvel para operadores.
V´ arias das consequˆencias mais importantes da teoria das representa¸c˜ oes de grupos s˜ao extra´ıdas dessas observa¸c˜ oes.
Como vemos, ambas as afirma¸c˜ oes juntas dizem-nos que, para representa¸c˜ oes unit´ arias e em espa¸cos de Hilbert de dimens˜ao finita (de particular interesse na F´ısica Quˆ antica), os conceitos de representa¸c˜ ao irredut´ıvel e representa¸c˜ ao irredut´ıvel para operadores s˜ao coincidentes. Esse fato ´e importante por diversas raz˜ oes. Uma delas ´e pr´atica: por vezes, a maneira mais f´ acil de se demonstrar que uma dada representa¸c˜ ao unit´ aria e de dimens˜ao finita de um grupo ´e irredut´ıvel e provar que a mesma ´e irredut´ıvel por operadores.
Vamos come¸car demonstrando a afirma¸c˜ ao 1, a qual formulamos na seguinte proposi¸c˜ ao:
Proposi¸ c˜ ao 23.2 Seja Π uma representa¸c˜ ao unit´ aria em um espa¸co de Hilbert complexo H . Se Π ´e irredut´ıvel para
operadores, ent˜ ao Π ´e tamb´em uma representa¸c˜ ao irredut´ıvel. 2
Prova. Vamos supor que W seja um subespa¸co invariante por Π. Pelo Corol´ ario 23.1, p´ agina 1213, podemos supor que W ´e fechado. Seja P o projetor sobre W . Ent˜ ao, pelo Teorema da Decomposi¸c˜ ao Ortogonal, Teorema 38.2, p´ agina 1982, 1 − P ´e o projetor sobre W
⊥, que ´e tamb´em invariante, pois Π ´e unit´ aria. ´ E evidente que, para cada x ∈ H vale
Π(g)P x = P Π(g)P x , pois Π(g)P x ∈ W . Por outro lado, como x = P x + ( 1 − P )x, ent˜ ao
PΠ(g)x = PΠ(g)P x + P Π(g)(1 − P )x = P Π(g)P x ,
pois P Π(g)(1 − P )x = 0, j´a que W
⊥´e invariante. Comparando-se, conclu´ımos que Π(g)P x = PΠ(g)x para todo x ∈ H e todo g ∈ G, ou seja,
Π(g)P = P Π(g)
para todo g ∈ G. Por´em, como Π ´e irredut´ıvel para operadores, isso s´o ´e poss´ıvel se P = λ1. Como P
2= P , tem-se λ = 0 ou λ = 1. No primeiro caso P = 0, no segundo, P = 1 , ou seja, no primeiro caso W = { 0 } e no segundo W = H . Ora, isso diz precisamente que Π ´e irredut´ıvel.
• O Lema de Schur
Vamos agora passar `a demonstra¸c˜ ao da afirma¸c˜ ao 2 da p´ agina 1214, acima. A mesma ´e consequˆencia (Corol´ ario 23.3, abaixo) de um lema alg´ebrico de grande importˆ ancia: o chamado Lema de Schur
2.
Lema 23.2 (Lema de Schur) Se Π
1e Π
2s˜ ao duas representa¸c˜ oes irredut´ıveis de um grupo G em espa¸cos vetoriais n˜ ao-triviais
3V
1e V
2, respectivamente, e A : V
1→ V
2´e um intertwiner de Π
1e Π
2, ou seja, AΠ
1(g) = Π
2(g)A para todo
g ∈ G, ent˜ ao ou A ´e bijetor ou A = 0. 2
Prova. Sejam Ker (A) := { x ∈ V
1| Ax = 0 } e Ran (A) := { y ∈ V
2| y = Ax para algum x ∈ V
1} , o n´ ucleo e a imagem de A, respectivamente. ´ E f´acil ver que Ker (A) e Ran (A) s˜ao subespa¸cos invariantes de Π
1e Π
2, respectivamente. De fato, se x ∈ Ker (A) tem-se Ax = 0. Logo, AΠ
1(g)x = Π
2(g)Ax = 0, provando que Π
1(g)x ∈ Ker (A) para todo g ∈ G, ou seja, Ker (A) ´e invariante por Π
1. Analogamente, se y ∈ Ran (A), temos que y = Ax para algum x ∈ V
1. Assim, Π
2(g)y = Π
2(g)Ax = AΠ
1(g)x ∈ Ran (A), mostrando que Ran (A) ´e invariante por Π
2.
Pelas hip´ oteses do lema, Π
1e Π
2s˜ao irredut´ıveis e s´o possuem subespa¸cos invariantes triviais. Podem, portanto, valer apenas os seguintes quatro casos:
2Issai Schur (1875–1941). O trabalho original de Schur ´e Issai Schur “Neue Begrundung der Theorie der Gruppencharaktere”, Sitzungsbe- richte der K¨oniglich Preußischen Akademie der Wissenschaften zu Berlin, 406–432 (1905).
3Um espa¸co vetorial ´e dito n˜ao-trivial se n˜ao for composto apenas pelo vetor nulo.
1. Ker (A) = V
1e Ran (A) = V
2. 2. Ker (A) = { 0 } e Ran (A) = V
2. 3. Ker (A) = V
1e Ran (A) = { 0 } . 4. Ker (A) = { 0 } e Ran (A) = { 0 } .
Os casos 1 e 4 s˜ao imposs´ıveis: se Ker (A) = V
1n˜ ao se pode ter Ran (A) = V
2(pois se Ker (A) = V
1, ent˜ ao Ran (A) = { 0 } );
se Ker (A) = { 0 } n˜ ao se pode ter Ran (A) = { 0 } (pois se Ran (A) = { 0 } , ent˜ ao Ker (A) = V
1). Assim, podem valer apenas os casos 2 e 3. No caso 2 tem-se que A ´e bijetora. No caso 3, tem-se que A = 0.
O Lema de Schur tem v´arias consequˆencias importantes que listamos nos corol´ arios que seguem. Ele ser´a tamb´em usado de forma crucial na demonstra¸c˜ ao do importante Teorema de Peter-Weyl, Teorema 23.5, p´ agina 1226.
Corol´ ario 23.2 Sejam V
1e V
2espa¸cos vetoriais n˜ ao-triviais complexos de dimens˜ ao finita, e sejam Π
1e Π
2duas representa¸c˜ oes irredut´ıveis de um grupo G em V
1e V
2, respectivamente. Seja A : V
1→ V
2´e um intertwiner de Π
1e Π
2, ou seja, AΠ
1(g) = Π
2(g)A para todo g ∈ G. Se A for bijetor, ent˜ ao A e ´ unico, a menos de multiplica¸c˜ ao por escalar. 2
Prova. Se A ´e bijetor, ent˜ ao a dimens˜ao de V
1´e igual ` a de V
2e A pode ser visto como uma matriz quadrada. Seja B um outro intertwiner de Π
1e Π
2. Ent˜ ao, para qualquer λ ∈ C tem-se (λA − B)Π
1(g) = Π
2(g)(λA − B). Portanto, pelo Lema de Schur, Lema 23.2, ou λA − B ´e nulo ou ´e invers´ıvel. Afirmamos, por´em, que podemos escolher λ de modo que det(λA − B) = 0. De fato, como A possui inversa, temos λA − B = A λ1 − A
−1B
e vale det(λA − B) = det(A) det λ 1 − A
−1B
. Agora, det(A) 6 = 0, mas det λ 1 − A
−1B
´e um polinˆomio n˜ ao-nulo em λ (o polinˆomio caracter´ıstico da matriz A
−1B) e polinˆomios sempre tˆem ra´ızes complexas. Se escolhermos λ como uma dessas ra´ızes, teremos que a matriz λA − B n˜ ao ser´a invers´ıvel e, portanto, ser´a nula e valer´ a B = λA.
Corol´ ario 23.3 Se Π ´e uma representa¸c˜ ao irredut´ıvel complexa de dimens˜ ao finita de um grupo G, ent˜ ao Π ´e irredut´ıvel
para operadores. 2
Prova. Seja A tal que AΠ(g) = Π(g)A para todo g ∈ G. Sabemos tamb´em que 1 Π(g) = Π(g) 1 , trivialmente. Pela unicidade afirmada no Corol´ario 23.2, A = λ 1 .
A afirma¸c˜ ao do Corol´ario 23.3 possui uma extens˜ao importante para representa¸c˜ oes em espa¸cos de Hilbert.
Corol´ ario 23.4 Seja H um espa¸co de Hilbert complexo e seja Π uma representa¸c˜ ao irredut´ıvel de um grupo G por operadores limitados agindo em H . Seja A : H → H um operador limitado e agindo em H que satisfa¸ca AΠ(g) = Π(g)A
para todo g ∈ G. Ent˜ ao A = λ1 para algum λ ∈ C . 2
Prova. Temos trivialmente que 1Π(g) = Π(g)1 para todo g ∈ G. Logo, para qualquer λ ∈ C , vale tamb´em (A − λ1)Π(g) = Π(g)(A − λ1) para todo g ∈ G. Pelo Lema de Schur, Lema 23.2, ou A − λ1 = 0 ou A − λ1 ´e bijetor. Mas se escolhermos λ no espectro de A (que ´e n˜ ao-vazio. Vide e.g., Proposi¸c˜ ao 39.37, p´ agina 2071), isso n˜ ao seria poss´ıvel. Logo, para um tal λ ∈ σ(A) vale A = λ1
Outro corol´ ario ´ util ´e o seguinte:
Corol´ ario 23.5 As representa¸c˜ oes irredut´ıveis complexas de dimens˜ ao finita de um grupo Abeliano s˜ ao unidimensionais.
2
Prova. Se G ´e Abeliano e Π uma representa¸c˜ ao de G, vale Π(h)Π(g) = Π(g)Π(h) para quaisquer g, h ∈ G. Assim, se Π
´e irredut´ıvel complexa e de dimens˜ao finita, segue do corol´ ario anterior que Π(h) = λ(h) 1 , ou seja, Π(h) ´e uma matriz
diagonal com λ(h) na diagonal. Como Π ´e irredut´ıvel, a dimens˜ao do espa¸co s´o pode ser igual a 1.
A afirma¸c˜ ao do Corol´ario 23.5 n˜ ao ´e necessariamente v´alida no caso de representa¸c˜ oes irredut´ıveis reais de dimens˜ao finita de um grupo Abeliano: o grupo SO(2) tem representa¸c˜ oes irredut´ıveis reais que n˜ ao s˜ao unidimensionais. Por exemplo, aquela que define o pr´oprio grupo SO(2): R(φ) =
cos(φ) −sen (φ) sen (φ) cos(φ)
, φ ∈ ( − π, π].
• Exemplos de representa¸ c˜ oes irredut´ıveis de grupos Abelianos
E. 23.9 Exerc´ıcio. Mostre que as representa¸c˜ oes irredut´ıveis complexas de dimens˜ ao finita do grupo Z
N, N ≥ 2, s˜ ao Π
k(a) = exp
2πik N a
,
a ∈ Z
N, k = 0, , . . . N − 1. 6
E. 23.10 Exerc´ıcio. Mostre que as representa¸c˜ oes irredut´ıveis, complexas, cont´ınuas e de dimens˜ ao finita do grupo SO(2) s˜ ao Π
p(φ) = exp (ipφ) ,
φ ∈ [0, 2π), p ∈ Z . 6
E. 23.11 Exerc´ıcio. Mostre que as representa¸c˜ oes irredut´ıveis, complexas, cont´ınuas e de dimens˜ ao finita do grupo ( R , +) s˜ ao Π
z(x) = exp (zx) ,
x ∈ R , z ∈ C . 6
E. 23.12 Exerc´ıcio. Mostre que as representa¸c˜ oes irredut´ıveis, unit´ arias, cont´ınuas e de dimens˜ ao finita do grupo ( R , +) s˜ ao Π
k(x) = exp (ikx) ,
x ∈ R , k ∈ R . 6
E. 23.13 Exerc´ıcio. Mostre que as representa¸c˜ oes irredut´ıveis, complexas, cont´ınuas e de dimens˜ ao finita do grupo ( R
+, ·) s˜ ao Π
z(x) = exp z ln(x)
=: x
z,
x ∈ R
+, z ∈ C . 6
E. 23.14 Exerc´ıcio. Mostre que as representa¸c˜ oes irredut´ıveis, unit´ arias, cont´ınuas e de dimens˜ ao finita do grupo ( R
+, ·) s˜ ao Π
k(x) = exp ik ln(x)
= x
ik,
x ∈ R
+, k ∈ R . 6
23.2 M´ edias Invariantes. A Medida de Haar
Seja G um grupo finito e seja f : G → C uma fun¸c˜ ao que a cada elemento g do grupo associa um n´ umero complexo f (g).
Podemos definir a m´edia de f em G por
µ(f ) := 1
#G X
g∈G
f (g) , onde #G ´e o n´ umero de elementos de G.
Essa no¸c˜ ao de m´edia de uma fun¸c˜ ao em um grupo finito possui algumas propriedades importantes. Seja h um elemento fixo mas arbitr´ario de G e definamos as fun¸c˜ oes f
he(g) := f (hg), f
hd(g) := f (gh) e f
i(g) = f (g
−1). Ent˜ ao, vale que para qualquer h ∈ G
µ(f
he) = µ(f
hd) = µ(f
i) = µ(f ) ,
ou seja, a m´edia ´e invariante por multiplica¸c˜ ao ` a direita ou ` a esquerda por elementos de G ou pela invers˜ao do argumento
de f .
E. 23.15 Exerc´ıcio. Mostre isso! 6
Note-se tamb´em que a m´edia acima foi normalizada de modo que se f (g) = 1 para todo g ∈ G, ent˜ ao µ(f ) = 1. Por fim, note-se tamb´em que a m´edia acima ´e positiva: se f ≥ 0, ent˜ ao µ(f ) ≥ 0. Fora isso, se f ≥ 0 e µ(f ) = 0, ent˜ ao f (g) = 0 para todo g ∈ G.
Grupos finitos n˜ ao s˜ao os ´ unicos a possuir m´edias invariantes positivas. Vamos a alguns exemplos. Para o grupo SO(2) podemos definir
µ(f ) := 1 2π
Z
π−π
f (θ)dθ ,
caso a integral seja finita. ´ E f´ acil ver que as propriedades de invariˆancia observadas no caso de grupos finitos s˜ao v´alidas aqui tamb´em, inclusive a normaliza¸c˜ ao e a positividade. Para o grupo ( R , +) podemos definir
µ(f ) :=
Z
∞−∞
f (x)dx ,
caso a integral seja finita. Como se vˆe essa m´edia ´e positiva, invariante por transla¸c˜ oes f (x) → f (x + y) e pela troca do argumento da f por seu inverso: f (x) → f ( − x), em analogia ao caso de grupos finitos. Note-se, por´em, que essa m´edia n˜ ao pode ser normalizada, pois o grupo n˜ ao ´e compacto. No caso do grupo ( Z , +) a m´edia invariante ´e dada por
µ(f ) := X
m∈Z
f (m) , caso o somat´orio infinito seja convergente.
Outro exemplo ´e o grupo ( R
+, · ). Aqui a m´edia invariante ´e µ(f ) :=
Z
∞ 0f (x) 1 x dx , caso a integral seja finita.
E. 23.16 Exerc´ıcio. Mostre que essa m´edia ´e invariante pelas transforma¸c˜ oes f(x) → f(xy), y ∈ R
+, e por f(x) → f(1/x). 6
Novamente, note-se que essa m´edia n˜ ao ´e normalizada, pois R
+n˜ ao ´e compacto.
Podemos nos perguntar: quais grupos possuem m´edias invariantes positivas como nos exemplos acima? Uma resposta parcial foi dada por Haar
4. O teorema de Haar afirma que se G ´e um grupo compacto, ent˜ ao existe uma medida de integra¸c˜ ao dµ(g) em G, denominada medida de Haar, tal que se a m´edia
µ(f ) = Z
G
f (g)dµ(g)
´e finita, ent˜ ao tem-se Z
G
f (g)dµ(g) = Z
G
f (hg)dµ(g) = Z
G
f (gh)dµ(g) = Z
G
f (g
−1)dµ(g) para todo h ∈ G. Fora isso, a m´edia ´e normalizada: R
G
dµ(g) = 1 e positiva: se f ≥ 0, ent˜ ao R
G
f dµ ≥ 0 sendo que se f ≥ 0 e R
G
f dµ = 0, ent˜ ao f (g) = 0 para quase todo g ∈ G.
O Teorema de Haar pode ser parcialmente estendido a grupos localmente compactos (como ( R , +) e ( R
+, · )): Se G
´e localmente compacto existem medidas positivas de integra¸c˜ ao dµ
e(g) e dµ
d(g) em G tais que Z
G
f (g)dµ
e(g) = Z
G
f (hg)dµ
e(g) = Z
G
f (g
−1)dµ
e(g)
e Z
G
f (g)dµ
d(g) = Z
G
f (gh)dµ
d(g) = Z
G
f (g
−1)dµ
d(g) ,
4Alfr´ed Haar (1885–1933).
para quaisquer h ∈ G. Ou seja, existem uma medida invariante ` a esquerda e uma outra invariante `a direita. Em alguns casos essas medidas µ
de µ
ecoincidem (por exemplo, para grupos Abelianos), mas tal nem sempre ´e o caso para grupos n˜ ao-Abelianos. Um fato importante, que n˜ ao demonstraremos aqui, ´e que no caso de grupos compactos a medida invariante ` a esquerda e a medida invariante ` a direita tamb´em coincidem.
No caso de grupos apenas localmente compactos as duas medidas podem ser distintas e nem sempre podem ser normalizadas. O seguinte exerc´ıcio ilustra esses fatos.
E. 23.17 Exerc´ıcio. Mostre que o conjunto de todas matrizes reais da forma m(a, b) := (
a b0 1), com a > 0 e b ∈ R , forma um grupo com rela¸c˜ ao ao produto usual de matrizes. Esse grupo, que denotaremos por G, ´e n˜ ao-Abeliano, n˜ ao-compacto mas localmente compacto. Verifique que m(a, b)m(x, y) = m(ax, ay + b) e que m(x, y)m(a, b) = m(ax, xb + y).
Seja f : G → R uma fun¸c˜ ao cont´ınua e de suporte compacto que denotaremos por f m(x, y)
, sendo (x, y) ∈ (0, ∞) × R . Defina µ
e(f) :=
Z
∞−∞
Z
∞ 0f m(x, y) dx dy
x
2e µ
d(f) :=
Z
∞−∞
Z
∞ 0f m(x, y) dx dy x . Mostre que µ
e(f) ´e invariante ` a esquerda pela a¸c˜ ao de G e que µ
d(f) ´e invariante ` a direita, ou seja, mostre que
Z
∞−∞
Z
∞ 0f
m(a, b)m(x, y) dx dy
x
2= µ
e(f) e que
Z
∞−∞
Z
∞ 0f
m(x, y)m(a, b) dx dy
x = µ
d(f) .
para toda m(a, b) ∈ G. Sugest˜ ao: constate e use o fato que o determinante Jacobiano da transforma¸c˜ ao (x, y) 7→ (ax, ay + b) vale a
2, enquanto que o determinante Jacobiano da transforma¸c˜ ao (x, y) 7→ (ax, xb + y) vale a.
Do exposto acima vˆe-se que para o grupo em quest˜ ao a medida invariante ` a esquerda, que na parametriza¸c˜ ao usada ´e dada por
dx dy
x2
, difere da medida invariante ` a direita, que na mesma parametriza¸c˜ ao ´e dada por
dx dyx. 6
Na presente vers˜ao destas Notas n˜ ao nos estenderemos no estudo da medida de Haar. O estudante ´e convidado a procurar os cl´assicos do assunto (p. ex. [289]: “The Haar Integral”, de Leopoldo Nachbin
5. Vide tamb´em [177]- [178]). Como veremos, a medida de Haar de grupos compactos desempenha um papel muito importante no estudo das representa¸c˜ oes dessa classe de grupos. A constru¸c˜ ao da medida de Haar especificamente em grupos de Lie ´e mais simples, vide e.g., [410].
23.3 Representa¸c˜ oes de Grupos Compactos
Nessa se¸c˜ ao trataremos de alguns aspectos mais profundos de representa¸c˜ oes de grupos compactos e, para tal, alguma familiaridade com no¸c˜ oes de Topologia, com a teoria dos Espa¸cos de Hilbert e com a teoria dos operadores compactos ´e requerida.
• Representa¸ c˜ oes de grupos topol´ ogicos em espa¸ cos de Hilbert separ´ aveis
Seja G um grupo topol´ogico e seja Π : G → GL( H ) uma representa¸c˜ ao de G em um espa¸co de Hilbert separ´ avel H . Aqui, GL( H ) denota o grupo dos operadores lineares invers´ıveis agindo em H . O produto escalar em H ser´a denotado por h· , ·i
H, ou simplesmente por h· , ·i , e a norma por k · k
H, ou simplesmente por k · k . Vamos no que segue considerar apenas representa¸c˜ oes por operadores limitados em H .
Dizemos que Π ´e uma representa¸c˜ ao fortemente cont´ınua se para cada g ∈ G e todo u ∈ H valer k Π(g)u − Π(g
′)u k → 0 sempre que g
′→ g. Mais tecnicamente, isso significa que para cada g ∈ G e todo u ∈ H vale que para cada ǫ > 0 existe uma vizinhan¸ca N
g, ǫ∋ g tal que k Π(g)u − Π(g
′)u k < ǫ para todo g
′∈ N
g, ǫ.
No que segue trataremos quase exclusivamente de representa¸c˜ oes que sejam fortemente cont´ınuas e, como usual, denotaremos por k Π(h) k a norma operatorial
6de Π(h) com h ∈ G.
• Representa¸ c˜ oes limitadas
Uma representa¸c˜ ao Π : G → GL( H ) ´e dita ser uma representa¸c˜ ao limitada se sup
g∈Gk Π(g) k < ∞ . Um fato que nos ser´a relevante ´e que se G for compacto e Π fortemente cont´ınua, ent˜ ao Π ´e uma representa¸c˜ ao limitada. Isso ser´a
5Leopoldo Nachbin (1922–1993). Vide http://www.dmm.im.ufrj.br/doc/nachbin.htm
6A no¸c˜ao de norma operatorial de um operador agindo em um espa¸co de Banach ou de Hilbert ´e introduzida na Se¸c˜ao 39.1, p´agina 2018.
estabelecido no Corol´ario, 23.6, logo abaixo. Faremos uso do seguinte lema sobre grupos localmente compactos, o qual possui interesse por si s´o:
Lema 23.3 Seja G um grupo topol´ ogico localmente compacto e seja Π : G → GL( H ) uma representa¸c˜ ao de G por operadores limitados invers´ıveis em um espa¸co de Hilbert separ´ avel H . Assumamos tamb´em que Π seja fortemente cont´ınua.
Seja g ∈ G e seja C
guma vizinhan¸ca compacta de g. Ent˜ ao, existe uma constante finita K
Cg> 0 tal que Π(h) ≤ K
Cgpara todo h ∈ C
g. 2
Prova. Seja g ∈ G e seja C
guma vizinhan¸ca compacta de g. Para u ∈ H , defina-se O ≡ O
u, Cg:= { Π(h)u, h ∈ C
g} . Como C
g´e compacto e Π ´e fortemente cont´ınua, segue (do Teorema 32.5, p´ agina 1541) que O ´e um subconconjunto compacto de H e ´e, portanto, limitado (vide Teorema 32.11, p´ agina 1548). Logo, o conjunto de operadores S := { Π(h), h ∈ C
g} tem a propriedade que para cada u ∈ H existe uma constante finita M
u> 0 tal que Π(h)u ≤ M
upara todo Π(h) ∈ S . Pelo Teorema de Banach-Steinhaus, Teorema 39.6, p´ agina 2036, existe M finito tal que Π(h) ≤ M para todo Π(h) ∈ S . Essa constante M ´e a constante K
Cgdo enunciado, ela depende apenas da vizinhan¸ca compacta C
gescolhida.
23.3.1 Representa¸c˜ oes de Grupos Compactos em Espa¸cos de Hilbert Se- par´ aveis
Para representa¸c˜ oes de grupos compactos em espa¸cos de Hilbert separ´ aveis, tema no qual focaremos agora, vale o seguinte:
Corol´ ario 23.6 Seja G um grupo topol´ ogico compacto e seja Π : G → GL( H ) uma representa¸c˜ ao de G por operadores limitados invers´ıveis em um espa¸co de Hilbert separ´ avel H . Assumamos tamb´em que Π seja fortemente cont´ınua. Ent˜ ao, Π ´e uma representa¸c˜ ao limitada, ou seja, existe uma constante finita K > 0 tal que Π(g) ≤ K para todo g ∈ G. 2
Prova. Use-se o Lema 23.3 tomando-se C
g= G.
• Equivalˆ encia com representa¸ c˜ oes unit´ arias
Seja G um grupo compacto e seja µ sua medida invariante. Vamos supor que Π seja uma representa¸c˜ao de G por operadores limitados em um espa¸co de Hilbert complexo H no qual esteja definido um produto escalar h· , ·i . Vamos supor tamb´em que Π seja fortemente cont´ınua.
Com o uso de Π e dµ podemos definir em H um outro produto escalar h· , ·i
G,Π, µ, que denotaremos simplificadamante por h· , ·i
G, atrav´es da express˜ao
h x, y i
G:=
Z
G
D Π(g)x, Π(g)y E dµ(g) , x, y ∈ H . (Recorde-se que para um grupo compacto vale R
G
dµ(g) = 1).
E. 23.18 Exerc´ıcio. Prove que essa express˜ ao de fato define um produto escalar em H . A ´ unica dificuldade est´ a em provar que
hx, xi
G= 0 se somente se x = 0. 6
Denotemos por k · k
Ga norma em H definida pelo produto escalar h· , ·i
G: k x k
2G:=
Z
G
Π(g)x
2
dµ(g) ,
e demonstremos a seguinte afirma¸c˜ ao:
Lema 23.4 A norma k · k
Ge a norma original do espa¸co de Hilbert, k · k , s˜ ao equivalentes. Logo, H ´e tamb´em um
espa¸co de Hilbert em rela¸c˜ ao ao produto escalar h· , ·i
G. 2
Prova. Das hip´oteses e do Corol´ ario 23.6, p´ agina 1219, que existe constante K > 0 tal que Π(g) ≤ K para todo g ∈ G.
Logo, para x ∈ H ,
k x k
2G= Z
G
Π(g)x
2
dµ(g) ≤ K
2k x k
2Z
G
dµ(g) = K
2k x k
2. (23.1) Por outro lado, temos que k x k = Π g
−1Π(g)x ≤ Π g
−1Π(g)x ≤ K Π(g)x . Logo, pela positividade da
medida µ, Z
G
k x k
2− K
2Π(g)x
2
dµ(g) ≤ 0 . Assim,
k x k
2= Z
G
k x k
2dµ(g) ≤ K
2Z
G
Π(g)x
2
dµ(g) = K
2k x k
2G. (23.2) Em (23.1) e (23.2) estabelecemos que para todo x ∈ H vale K
−1k x k ≤ k x k
G≤ K k x k , provando que as normas k · k
Ge k · k s˜ao equivalentes.
O fato mais importante sobre esse produto escalar ´e o seguinte: para todo h ∈ G e todos x, y ∈ H valem D
Π(h)x, Π(h)y E
G
= h x, y i
Ge D
x, Π(h)y E
G
= D
Π(h
−1)x, y E
G
.
E. 23.19 Exerc´ıcio. Prove a primeira rela¸c˜ ao usando a invariˆ ancia da medida µ. Prove a segunda usando a primeira. 6
Essas igualdades afirmam que, no espa¸co de Hilbert complexo H com o produto escalar h· , ·i
G, cada Π(h), h ∈ G, ´e um operador unit´ ario. Como consequˆencia, vale a seguinte afirma¸c˜ ao:
Proposi¸ c˜ ao 23.3 Seja G um grupo topol´ ogico compacto e seja Π : G → GL( H ) uma representa¸c˜ ao de G por operado- res limitados invers´ıveis em um espa¸co de Hilbert complexo separ´ avel H . Assumamos tamb´em que Π seja fortemente
cont´ınua. Ent˜ ao, Π ´e equivalente a uma representa¸c˜ ao unit´ aria. 2
Essa ideia de se modificar o produto escalar em H da forma acima explicitada de modo a transformar Π em uma representa¸c˜ ao unit´ aria ´e conhecida como truque de Weyl.
• O operador de Peter-Weyl
Vamos agora definir e estudar propriedades de um objeto que nos ser´a ´ util no estudo de representa¸c˜ oes de grupos compactos que imediatamente faremos. Trata-se do operador de Peter-Weyl (tamb´em denominado operador de Weyl).
Esse operador foi introduzido e analisado na referˆencia citada na nota-de-rodap´e 11, p´ agina 1225.
Teorema 23.1 Seja G um grupo topol´ ogico compacto e seja Π : G → GL( H ) uma representa¸c˜ ao de G por operadores lineares limitados em um espa¸co de Hilbert complexo separ´ avel H . Assumamos tamb´em que Π seja fortemente cont´ınua.
Para cada y ∈ H , defina-se o operador linear W
y: H → H , denominado operador de Peter-Weyl, por W
yx :=
Z
G
D Π(g)y, x E
Π(g)y dµ(g) , x ∈ H . (23.3)
(Que esse operador est´ a definido para todo x ∈ H decorre facilmente da hip´ otese de Π ser uma representa¸c˜ ao limitada e G compacto). Ent˜ ao, valem as seguintes afirma¸c˜ oes:
1. W
y´e limitado.
2. W
y´e autoadjunto: W
y= W
∗y.
3. W
y´e um operador de Hilbert-Schmidt
7.
4. Para todo h ∈ G e todo y ∈ H vale Π(h) W
y= W
yΠ h
−1∗. Se Π for uma representa¸c˜ ao unit´ aria, isso diz que Π(h) W
y= W
yΠ h
.
5. Para y 6 = 0 tem-se W
y6 = 0. 2
Demonstra¸c˜ ao. Prova do item 1. J´a vimos (Corol´ ario 23.6, p´ agina 1219) que, sob as hip´oteses, existe K > 0 tal que Π(g) ≤ K para todo g ∈ G. Usando a desigualdade de Cauchy-Schwarz, temos
W
yx ≤ Z
G
D
Π(g)y, x E Π(g)y dµ(g) ≤ K y Z
G
Π(g)y k x k dµ(g) ≤ K
2y
2k x k . Da´ı, vale k W
yk ≤ K
2k y k
2.
Prova do item 2. Para x, x
′∈ H , tem-se x
′, W
yx
:=
Z
G
D Π(g)y, x ED
x
′, Π(g)y E
dµ(g) = Z
G
D x
′, Π(g)y E
Π(g)y, x
dµ(g)
= Z
G
D
Π(g)y, x
′E
Π(g)y dµ(g), x
=
W
yx
′, x . Como isso vale para x, x
′∈ H arbitr´arios, mostramos que W
y= W
∗y.
Prova do item 3. Para x ∈ H , vale
k W
yx k
2=
W
yx, W
yx
= Z
G
Z
G
D Π(h)y, x E D
Π(g)y, x ED
Π(h)y, Π(g)y E
dµ(h) dµ(g)
= Z
G
Z
G
D
Π(g)y, x ED
x, Π(h)y E D
Π(h)y, Π(g)y E
dµ(h) dµ(g) . Seja { x
n, n ∈ N } uma base ortonormal completa em H . Temos, para M ∈ N ,
X
M n=1k W
yx
nk
2= X
M n=1Z
G
Z
G
D
Π(g)y, x
nED
x
n, Π(h)y ED
Π(h)y, Π(g)y E
dµ(h) dµ(g)
= Z
G
Z
G
X
M n=1D Π(g)y, x
nED x
n, Π(h)y E ! D
Π(h)y, Π(g)y E
dµ(h) dµ(g)
= Z
G
Z
G
X
M n=1D Π(g)y, x
nED x
n, Π(h)y E ! D
Π(h)y, Π(g)y E
dµ(h) dµ(g)
≤ Z
G
Z
G
X
M n=1D Π(g)y, x
nED x
n, Π(h)y E D
Π(h)y, Π(g)y E dµ(h) dµ(g) . (23.4)
7Para a defini¸c˜ao da no¸c˜ao de operador de Hilbert-Schmidt e suas propriedades, vide Se¸c˜ao 39.10.2, p´agina 2186.
Agora, pela desigualdade de Cauchy-Schwarz para somas finitas,
X
M n=1D
Π(g)y, x
nED
x
n, Π(h)y E ≤ X
M n=1D
Π(g)y, x
nE D
x
n, Π(h)y E
≤ X
M n=1D
Π(g)y, x
nE
2
!
1/2X
M n=1D
Π(h)y, x
nE
2
!
1/2≤ Π(g)y
Π(h)y , sendo que na ´ ultima passagem empregamos a desigualdade de Bessel, express˜ao (38.24), p´ agina 1991. Portanto, re- tornando com isso a (23.4), usando a desigualdade de Cauchy-Schwarz e usando que Π(h) ≤ K para todo h ∈ G, temos
X
M n=1k W
yx
nk
2≤ Z
G
Z
G
Π(g)y
Π(h)y
D
Π(h)y, Π(g)y E dµ(h) dµ(g) ≤ K
4k y k
4. Isso mostra que lim
M→∞P
Mn=1
k W
yx
nk
2existe e estabelece que W
y´e um operador de Hilbert-Schmidt.
Prova do item 4. Usando a invariˆancia da medida µ temos, para todo x ∈ H ,
Π(h) W
yx = Z
G
D Π(g)y, x E
Π(h)Π(g)y dµ(g) = Z
G
D Π(g)y, x E
Π(hg)y dµ(g)
g→h−1g
= Z
G
D Π h
−1g y, x E
Π(g)y dµ(g) = Z
G
D Π(g)y, Π h
−1∗x E
Π(g)y dµ(g) = W
yΠ h
−1∗x . Provando que Π(h) W
y= W
yΠ h
−1∗. Se Π for uma representa¸c˜ ao unit´ aria, isso diz que Π(h) W
y= W
yΠ h . Prova do item 5. Pela defini¸c˜ ao (23.3) tem-se
y, W
yy
= Z
G
Π(g)y, y
2
dµ(g) . (23.5)
Agora,
Π(e)y, y = h y, y i > 0, se y 6 = 0. Como Π ´e fortemente cont´ınua, existe uma vizinhan¸ca da unidade e onde
Π(g)y, y ´e estritamente positiva. Isso implica que o lado direito de (23.5) ´e estritamente positivo e, portanto, y, W
yy
> 0, mostrando que W
yn˜ ao ´e o operador nulo.
Ainda sobre o operador de Peter-Weyl, no caso de representa¸c˜oes unit´ arias temos o seguinte resultado relevante:
Proposi¸ c˜ ao 23.4 Seja G um grupo topol´ ogico compacto e seja Π : G → GL( H ) uma representa¸c˜ ao de G por operadores unit´ arios em um espa¸co de Hilbert complexo separ´ avel H . Assumamos tamb´em que Π seja fortemente cont´ınua.
Seja W
y: H → H o operador de Peter-Weyl definido em (23.3) com y 6 = 0. Pelo Teorema 23.1, p´ agina 1220, W
y´e autoadjunto e ´e de Hilbert-Schmidt e, portanto, ´e tamb´em um operador compacto (Proposi¸c˜ ao 39.100, p´ agina 2194).
Consequentemente, seu espectro pontual σ
p( W
y) ´e um conjunto cont´ avel de R e cada autovalor n˜ ao-nulo ´e finitamente degenerado.
Como W
y6 = 0 (pois y 6 = 0), σ
p( W
y) \ { 0 } ´e n˜ ao-vazio, pois
− k W
yk , k W
yk ∩ σ
p( W
y) 6 = ∅ . Denotemos por { λ
k, k ∈ N } = σ
p( W
y) \ { 0 } o conjunto dos autovalores n˜ ao-nulos de W
ye convencionemos que λ
0= 0 se este for tamb´em autovalor de W
y.
O espa¸co de Hilbert H decomp˜ oe-se em uma soma direta de subespa¸cos ortogonais H = H
0⊕ M
∞ k=1H
k! , onde H
0:= Ker ( W
y) ´e o subespa¸co dos autovetores de W
ycom autovalor 0 e H
k:= Ker (λ
k1 − W
y) ´e o subespa¸co dos autovetores de W
ycom autovalor λ
k. Cada H
kcom k ≥ 1 tem dimens˜ ao finita e H
0pode ter dimens˜ ao infinita. O subespa¸co
M
∞ k=1H
k´e n˜ ao-trivial, pois σ
p( W
y) \ { 0 } ´e n˜ ao-vazio.
Por fim, cada subespa¸co H
k, k ∈ N
0, ´e invariante pela a¸c˜ ao da representa¸c˜ ao Π. 2
Prova. As primeiras afirma¸c˜ oes s˜ao consequˆencia de resultados gerais sobre operadores compactos: Teorema 39.36, p´ agina 2155, e Teorema 39.38, p´ agina 2159.
Vamos agora provar que cada subespa¸co H
k, k ∈ N
0, ´e invariante pela a¸c˜ ao da representa¸c˜ ao Π. Seja ψ ∈ H
k. Naturalmente, W
yψ = λ
kψ. Como Π ´e unit´ aria, sabemos pelo item 4 do Teorema 23.1, p´ agina 1220, que W
yΠ(h) = Π(h) W
ypara todo h ∈ G. Logo, Π(h) W
yψ = W
yΠ(h)ψ e, portanto, W
yΠ(h)ψ = λ
kΠ(h)ψ, estabelecendo que Π(h)ψ ∈ H
kpara todo h ∈ G, ou seja, estabelecendo que cada H
k, k ∈ N
0, ´e invariante pela a¸c˜ ao de Π.
• Representa¸ c˜ oes irredut´ıveis de um grupo compacto
Chegamos agora a um resultado importante sobre representa¸c˜oes irredut´ıveis de grupos compactos em um espa¸co de Hilbert: elas s˜ao de dimens˜ao finita!
Teorema 23.2 Seja G um grupo topol´ ogico compacto e seja Π : G → GL( H ) uma representa¸c˜ ao de G por operado- res limitados invers´ıveis em um espa¸co de Hilbert complexo separ´ avel H . Assumamos tamb´em que Π seja fortemente
cont´ınua. Ent˜ ao, se Π for irredut´ıvel, Π ´e de dimens˜ ao finita. 2
Coment´ario
.
A hip´otese de compacidade, acima, ´e importante. O grupo de Heisenberg, por exemplo, n˜ao admite representa¸c˜oes unit´arias de dimens˜ao finita em espa¸cos de Hilbert, pois a ´algebra de Heisenberg n˜ao pode ser representada por operadores lineares autoadjuntos limitadosem espa¸cos de Hilbert. Vide Nota `a p´agina 1046. ♣
Prova do Teorema 23.2. Aqui, seguimos proximanente [32]. Como vimos, podemos sem perda de generalidade considerar que Π ´e unit´ aria. Nesse caso, o item 4 do Teorema 23.1, p´ agina 1220, informa-nos que Π(h) W
y= W
yΠ h
para todo h ∈ G, onde W
y(para y ∈ H ) ´e o operador de Peter-Weyl, definido em (23.3). Pelo Corol´ario 23.4, p´ agina 1215, isso implica que W
y= λ(y)1. Nossa primeira tarefa ´e obter informa¸c˜ oes sobre λ(y) das quais extrairemos a conclus˜ao sobre a finitude da dimens˜ao de H .
E claro que para todo ´ x ∈ H tem-se λ(y) h x, x i = h x, W
yx i =
Z
G
D
Π(g)y, x ED
x, Π(g)y E
dµ(g) = Z
G
D
Π(g)y, x E
2dµ(g) . Em resumo,
λ(y) k x k
2= Z
G
D
Π(g)y, x E
2
dµ(g) . (23.6)
E claro por essa express˜ao que ´ λ(y) ≥ 0. Agora, temos tamb´em
λ(y) k x k
2= Z
G
D
Π(g)y, x E
2
dµ(g) = Z
G
D
x, Π(g)y E
2
dµ(g)
g→g−1
= Z
G
D
x, Π g
−1y E
2
dµ(g)
unitariedade
= Z
G
D
x, Π(g)
∗y E
2
dµ(g) = Z
G
D
Π(g)x, y E
2
dµ(g)
(23.6)= λ(x) k y k
2. Do fato que λ(y) k x k
2= λ(x) k y k
2para todos x, y ∈ H conclu´ımos imediatamente que para todo x ∈ H vale λ(x) = κ k x k
2para alguma constante κ ≥ 0. Com λ(x) = κ k x k
2, (23.6) fica
κ k x k
2k y k
2= Z
G
D
Π(g)y, x E
2
dµ(g) . (23.7)
Tomando-se x = y e k x k = 1 em (23.7), temos κ =
Z
G
D
Π(g)x, x E
2
dµ(g) . (23.8)
Disso segue que κ > 0, pois o integrando D
Π(g)x, x E
2
´e n˜ ao-negativo, ´e cont´ınuo e assume em g = e o valor |h x, x i|
2= 1.
Se { x
n, n = 1, . . . , M } ´e um conjunto ortonormal em H , teremos por (23.7) κ =
Z
G
D
Π(g)x
1, x
kE
2
dµ(g) , (23.9)
para todo k ∈ { 1, . . . , M } . Logo, M κ =
X
M n=1Z
G
D
Π(g)x
1, x
kE
2
dµ(g) = Z
G
X
M n=1D
Π(g)x
1, x
kE
2
dµ(g) ≤
†Z
G
Π(g)x
12
dµ(g) = k x
1k
2= 1 . (23.10) A desigualdade indicada com “ † ”, acima, segue da desigualdade de Bessel, express˜ao (38.24), p´agina 1991. Conclu´ımos disso que M ≤ 1/κ, demonstrando que n˜ ao pode haver no espa¸co de Hilbert H onde Π ´e irredut´ıvel um conjunto ortonormal com mais que κ
−1< ∞ elementos, estabelecendo que H tem dimens˜ao finita.
Nota
.
Se a dimens˜ao deHfor exatamenteM, ent˜ao toda (23.10) ´e uma igualdade e temos M =κ−1 =RG
Π(g)x, x
2dµ(g)−1
para
qualquerx∈Hcomkxk= 1. ♣
O seguinte corol´ ario ´e crucial para o que segue:
Corol´ ario 23.7 Seja G um grupo topol´ ogico compacto e seja Π : G → GL( H ) uma representa¸c˜ ao de G por operadores unit´ arios em um espa¸co de Hilbert complexo separ´ avel H . Assumamos tamb´em que Π seja fortemente cont´ınua. Ent˜ ao, existe um subespa¸co de dimens˜ ao finita, n˜ ao-trivial, K de H onde Π age unit´ aria e irredutivelmente. O complemento ortogonal K
⊥´e um subespa¸co invariante por Π e em K
⊥tamb´em age unitariamente. 2
Prova. Sabemos da Proposi¸c˜ ao 23.4, p´ agina 1222, que ao menos um dos subespa¸cos de dimens˜ao finita H
kcom k ≥ 1 ´e n˜ ao-trivial. Seja H
jum tal subespa¸co e seja P
jo projetor ortogonal sobre H
j. Sabemos da mesma Proposi¸c˜ ao que H
j´e invariante por Π. Segue facilmente disso que Π(g)P
j= P
jΠ(g) = P
jΠ(g)P
j. Defina-se Π
j(g) := Π(g)P
j. ´ E f´acil checar que Π
j´e uma representa¸c˜ ao de G em H
j, pois Π
j(g)Π
j(h) = P
jΠ(g)Π(h)P
j= P
jΠ(gh)P
j= Π
j(gh) e Π
j(e) = P
j.
Em verdade, Π
j´e uma representa¸c˜ ao unit´ aria de G em H
j, pois se ψ, φ ∈ H
jtemos para todo g ∈ G que Π
j(g)ψ, Π
j(g)φ
=
Π(g)P
jψ, Π(g)P
jφ
=
Π(g)ψ, Π(g)φ
=
ψ, φ , pois Π ´e unit´ aria.
Como H
jtem dimens˜ao finita, temos pela Proposi¸c˜ ao 23.1, p´ agina 1213, que Π
jou ´e irredut´ıvel ou maximalmente redut´ıvel. Em qualquer caso, Π
j´e uma soma direta finita de representa¸c˜ oes unit´ arias irredut´ıveis de G e, portanto, existe um subespa¸co de dimens˜ao finita K de H
j(e, portanto, de H ) onde Π
j(e, portanto, Π) age unit´ aria e irredutivelmente.
Como K ´e invariante por Π, seu complemento ortogonal K
⊥tamb´em o ´e e em K
⊥tamb´em age unitariamente (pelo Corol´ario 23.1, p´ agina 1213).
Reunindo os resultados acima, temos a seguinte consequˆencia importante, a qual diz-nos que, no caso de grupos compactos, as representa¸c˜ oes irredut´ıveis unit´ arias de dimens˜ao finita s˜ao os tijolos com os quais se constroem todas as representa¸c˜ oes:
Teorema 23.3 Toda representa¸c˜ ao unit´ aria fortemente cont´ınua Π de um grupo compacto G em um espa¸co de Hilbert separ´ avel H ´e uma soma direta cont´ avel de representa¸c˜ oes unit´ arias irredut´ıveis de dimens˜ ao finita. 2
Coment´ario
.
Grupos n˜ao-compactos podem n˜ao admitir nenhuma representa¸c˜ao unit´aria de dimens˜ao finita. Tal ´e o caso do grupo de Lorentz pr´oprio ort´ocronoL↑+ (que ´e apenas localmente compacto, mas n˜ao ´e compacto), tal como discutimos na Se¸c˜ao 23.6, p´agina 1239. Vide
Proposi¸c˜ao 23.7, p´agina 1241. ♣
Prova do Teorema 23.4. Sabemos do Corol´ ario 23.7 que existe um subespa¸co de dimens˜ao finita n˜ ao-trivial K em H onde
Π age irredutivelmente e unitariamente. Seu complemento ortogonal K
⊥´e igualmente invariante e nele Π tamb´em age
unitariamente.
Seja M a soma direta cont´ avel de todos os subespa¸cos de dimens˜ao finita de H onde Π age unit´ aria e irredutivelmente.
Pelas considera¸c˜ oes acima, sabemos que M 6 = { 0 } . ´ E claro que Π age unitariamente em M e como M ´e invariante por Π, seu complemento ortogonal M
⊥tamb´em o ´e (pelo Corol´ ario 23.1, p´ agina 1213). Mas M
⊥´e fechado e, portanto, ´e tamb´em um espa¸co de Hilbert separ´ avel, ´e invariante por Π e nele Π age unitariamente. Logo, se M
⊥6 = { 0 } temos pelo Corol´ ario 23.7 que existe um subespa¸co de dimens˜ao finita n˜ ao-trivial L em M
⊥onde Π age irredutivelmente e unitariamente. Isso contraria a hip´ otese que M ´e a soma direta de todos os subespa¸cos de dimens˜ao finita de H onde Π age unit´ aria e irredutivelmente. Logo, devemos ter M
⊥= { 0 } , o que implica que M = H .
Juntando o Teorema 23.3 ` a Proposi¸c˜ ao 23.3, p´ agina 1220, temos tamb´em:
Teorema 23.4 Toda representa¸c˜ ao fortemente cont´ınua de um grupo compacto G por operadores limitados invers´ıveis em um espa¸co de Hilbert complexo separ´ avel ´e equivalente a uma soma direta cont´ avel de representa¸c˜ oes unit´ arias
irredut´ıveis de dimens˜ ao finita. 2
Notar que o teorema acima, pelo Corol´ ario 23.5, p´ agina 1215, afirma que toda representa¸c˜ ao fortemente cont´ınua de um grupo compacto Abeliano G por operadores limitados invers´ıveis ´e equivalente a uma soma direta cont´ avel de representa¸c˜ oes unit´ arias de dimens˜ao 1.
23.4 O Teorema de Peter-Weyl
Um dos resultados mais profundos da teoria de representa¸c˜ oes de grupos compactos ´e um teorema sobre a ortogonalidade de suas representa¸c˜ oes irredut´ıveis unit´ arias de dimens˜ao finita, o qual, em v´arios aspectos, generaliza o c´elebre Teorema de Fourier
8da An´alise Harmˆ onica (vide Teorema 36.12, p´ agina 1834). Como veremos, esse teorema, devido a Peter
9e Weyl
10, ´e tamb´em em parte um corol´ ario do Lema de Schur.
O estudante iniciante deve ser informado que evocaremos em algumas das demonstra¸c˜ oes que seguem resultados sobre espa¸cos de Hilbert e sobre a teoria dos operadores compactos, os quais podem ser encontrados no Cap´ıtulo 38, p´ agina 1976, e na Se¸c˜ ao 39.8, p´ agina 2138. Demonstra¸c˜ oes semelhantes do Teorema de Peter-Weyl podem ser encontradas em diversos textos, como [32], [290] ou [354]. A maioria das demonstra¸c˜ oes segue mais ou menos proximamente a demonstra¸c˜ ao original
11de Peter e Weyl.
• A representa¸ c˜ ao regular ` a direita
Em diversos resultados anteriores constatamos a qualidade especial de representa¸c˜ oes unit´ arias e fortemente cont´ınuas de um grupo compacto G. H´ a uma representa¸c˜ ao espec´ıfica que possui essas duas propriedades e que assume um papel importante no estudo de representa¸c˜ oes de grupos compactos, a chamada representa¸c˜ ao regular `a direita.
A chamada representa¸c˜ ao regular ` a direita de G em L
2(G, dµ) ´e definida por R(g) ψ
(h) := ψ hg
, (23.11)
para g ∈ G e ψ ∈ L
2(G, dµ). ´ E elementar constatar que R ´e uma representa¸c˜ ao: para cada g
1, g
2∈ G e ψ ∈ L
2(G, dµ), R(g
1) R(g
2) ψ
(h) = R(g
2) ψ
(hg
1) = ψ hg
1g
2= R(g
1g
2) ψ (h) ,
ou seja, R(g
1)R(g
2) = R(g
1g
2). Al´em disso, ´e f´ acil verificar que R ´e uma representa¸c˜ ao unit´ aria. De fato, D ψ, R(g)φ E
L2(G, dµ)
= Z
G
ψ(h) φ hg
dµ
h=
h→hg−1
= Z
G
ψ hg
−1φ h
dµ
hg−1inv. deµ
= Z
G
ψ hg
−1φ h
dµ
h(23.11)
= Z
G
R g
−1ψ
(h) φ h
dµ
h= D R g
−1ψ, φ E
L2(G, dµ)
= D
R(g)
−1ψ, φ E
L2(G, dµ) 8Jean Baptiste Joseph Fourier (1768–1830).
9Fritz Peter (1899–1949).
10Hermann Klaus Hugo Weyl (1885–1955).
11A referˆencia original ´e F. Peter and H. Weyl, “Die Vollst¨andigkeit der primitiven Darstellungen einer geschlossenen kontinuierlichen Gruppe”, Math. Ann.97, 737–755, (1927). doi:10.1007/BF01447892