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O Estado de São Paulo

Quarta-feira, 18 de março de 2015

Ouvidos moucos

MARCELO DE PAIVA ABREU*

Em passado não tão remoto, mas que parece longínquo em meio à atual crise, o Brasil aparentava ter tido sucesso ao alcançar dois objetivos fundamentais: a consolidação de uma democracia vigorosa, capaz de acomodar alternância política sem grandes traumas, e a superação da nefasta combinação de alta inflação e estagnação prolongada. Afinal, a economia de uma das maiores democracias do mundo crescia decentemente com a inflação sob controle.

A Constituição de 1988 marcou uma inflexão ao expandir o colégio eleitoral e superar limitações autoritárias, muitas delas herdadas da ditadura. O impeachment de Fernando Collor foi celebrado como prova de maturidade política. A sobrevivência do frágil Itamar Franco e as eleições de Fernando Henrique, Lula e Dilma Rousseff foram episódios que enriqueceram a saga do inexorável progresso da democracia. O mensalão de 2004, mal ou bem, teria sido elucidado. Esta foi a herança recebida por Dilma. A economia, na esteira da estabilização afinal bem-sucedida, em meados dos 1990 e a despeito dos trancos e barrancos, começou a crescer além do mísero 0,5% de PIB per capita anual que marcou o quarto de século de estagnação pós- 1980.

A crise mundial de 2008 interrompeu o regozijo e, mais grave, ensejou a adoção de políticas que, mantidas muito além do que seria razoável, levariam ao lamentável estado atual da economia, com finanças públicas desequilibradas, déficit externo elevado, estagnação e aceleração inflacionária. Essa situação é resultado inequívoco da adoção de uma tresloucada

“nova matriz macroeconômica” cujas origens remontam ao segundo governo Lula.

Mas é a crise política, e não a econômica, que está no olho do furacão. As condicionantes principais para a superação da crise econômica são políticas. No cenário menos desfavorável, a crise levará tempo para ser superada, mesmo que o governo tenha condições de tramitar no Congresso a legislação necessária para viabilizar o ajuste fiscal. Talvez em 2016 seja possível vislumbrar a luz no fim do túnel.

O mensalão, longe de ter sido desestimulado pelas sentenças judiciais, parece coisa de ladrões de galinha comparado ao que se vislumbra ser a real dimensão do petrolão. O que deveria impressionar são, bem mais do que os montantes das propinas envolvidas, os fortes indícios de corrupção sistemática, envolvendo os partidos da coalizão governista e, em especial, o PT. É reincidência no mesmo crime, embora a origem e a escala dos recursos sejam diferentes. O governo garantiu sua maioria parlamentar com recursos desviados do Estado, papel jogado no passado por contribuições eleitorais. A atual comemoração da consolidação democrática no 30º aniversário da posse de José Sarney deve ser acompanhada de uma avaliação crítica das bases sobre as quais repousa a democracia brasileira. A começar pela atuação dos partidos políticos.

Não é fácil de vislumbrar a resultante dos movimentos de massa do último domingo.

Certamcnte, foram de censura ao governo: o argumento do Planalto de que os participantes eram eleitores da oposição é pueril. A melancólica entrevista coletiva de ministros tentando

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conter danos simplesmente comprova, mais uma vez, a baixa qualidade do ministério escolhido pela presidente, mesmo após ter consciência da gravidade da crise econômica, política e de gestão do Estado. Maus ministros, que não lhe fazem sombra, não têm condições de contribuir para tirar o Brasil do atoleiro.

As condições necessárias – mas não suficientes – para que a presidente possa remendar o seu governo são: autocrítica decente e convincente, apoio incondicional às propostas de Joaquim Levy e reforma ministerial, possivelmente suprapartidária, que inspire o País. E, se a melhor sugestão de seu criador é a mobilização do “exército do Stédile” deve fazer ouvidos moucos.

* Doutor em Economia pela Universidade de Cambridge, é Professor Titular no Departamento de Economia da PUC-Rio.

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