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PROCESSO DE EXECUÇÃO PENAL

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Academic year: 2022

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P R O C E S S O

D E E X E C U Ç Ã O P E N A L

e o esta d o d e c o i sa s e o esta d o d e c o i sa s i n c o n st i t u c i o n a l

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L u í s C a r l os Va l o i s L u í s C a r l os Va l o i s

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e d i ç ã o e d i ç ã o

At u a l i za d a At u a l i za d a c o m b a se n a c o m b a se n a Le i 1 3.96 4 / 1 9, Le i 1 3.96 4 / 1 9, d e n o m i n a d a d e n o m i n a d a Le i A n t i c r i m e Le i A n t i c r i m e Diante do estado de coisas inconstitucional do siste-

ma penitenciário brasileiro, reconhecido pelo Supre- mo Tribunal Federal, este livro traz uma reinterpre- tação dos incidentes de execução penal, agregando argumentos teóricos e práticos em reforço à deci- são do STF, buscando minimizar a completa ilegalida- de em que se constitui o encarceramento no Brasil.

Fruto do trabalho do autor como juiz da execução penal e acadêmico, doutor em direito pela Universida- de de São Paulo - USP, o operador do direito poderá encontrar um verdadeiro manual argumentativo como auxílio aos pedidos em incidentes da execução penal.

Escrito de maneira simples e descomplicada, o texto visa inclusive orientar presos e familiares, igualmente legitima- dos a reivindicar direitos inerentes à execução da pena.

Desde a remição, passando pela progressão de regi- me, com séria contestação aos prazos estabelecidos pela Lei de Crimes Hediondos, até o Regime Disci- plinar Diferenciado, o leitor encontrará uma análise crítica, condizente com o reconhecimento do esta- do de coisas inconstitucional reconhecido pelo STF.

ISBN 978-65-5589-350-2

A presente obra é o resultado da ex- periência do autor como juiz da execu- ção penal, preocupado com a ilegalida- de do encarceramento, ilegalidade que diminui a legitimidade do poder judici- ário, fragiliza o ordenamento jurídico e favorece o seu descumprimento.

Embora só recentemente o STF tenha reconhecido a inconstitucionalidade do sistema carcerário, o autor a vi- nha denunciado há anos, apresentando agora um texto mais elaborado, um verdadeiro manual interpretativo de incidentes de execução em que se leva em consideração a decisão do STF.

O leitor terá acesso a inúmeros inci- dentes, com interpretações originais, lógicas e sistemáticas, que visam uma abordagem dos direitos do preso de forma a manter o mínimo de respei- to pela LEP, levando em consideração principalmente o fundamento do Esta- do Democrático de Direito: a dignida- de da pessoa humana.

Texto simples que serve inclusive aos presos, muitas vezes impossibilitados de se socorrerem da ação de um ad- vogado, podendo aqui encontrar argu- mentos para um pedido em uma Vara de Execuções Penais.

A declaração do STF deve servir de alerta a todos e de parâmetro para as futuras decisões, sob pena de morte mesmo da ideia de justiça.

O preso deve ser reconhecido como um cidadão que descumpriu regras, e por isso as regras de seu encarcera- mento devem ser respeitadas, pois não se pode exigir o cumprimento da lei se o próprio Estado a descumpre.

Nenhuma crítica ao abandono do sis- tema penitenciário por parte do Esta- do escapa, mas até por isso é livro que traz elementos preciosíssimos para uma reinterpretação da LEP, acrescen- tando legitimidade, coerência, onde, na prática, só se observa o caos.

Juiz de direito, titular da Vara de Execuções Penais do Ama- zonas, mestre e doutor em di- reito penal e criminologia pela Universidade de São Paulo – USP, Largo de São Francisco, pós-doutorando em crimino- logia na Alemanha (Hambur- ger Stiftung zur Förderung von Wissenschaft und Kultur), membro da Associação de Ju- ízes para Democracia – AJD, presidente da Comissão de Política de Drogas do Institu- to Brasileiro de Ciências Cri- minais – IBCCrim, membro da Academia Amazonense de Letras e Ciências Jurídicas, ex-membro do Conselho Na- cional de Política Criminal e Penitenciária, autor da obra

“O direito penal da guerra às drogas”, finalista do prêmio Jabuti no ano de 2017.

E-mail: lcvalois@yahoo.com.br

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Plácido Arraes Tales Leon de Marco Bárbara Rodrigues Letícia Robini (Imagem via VisualHunt) Letícia Robini Editor Chefe

Editor Produtora Editorial Capa, projeto gráfico

Diagramação Todos os direitos reservados.

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, por quaisquer meios, sem a autorização prévia do Grupo D’Plácido.

W W W . E D I T O R A D P L A C I D O . C O M . B R Belo Horizonte

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São Paulo Av. Paulista, 2444, 8º andar, cj 82 Bela Vista – São Paulo, SP CEP 01310-933

Copyright © 2019, D’Plácido Editora.

Copyright © 2019, Luís Carlos Valois.

Catalogação na Publicação (CIP)

Bibliotecária responsável: Fernanda Gomes de Souza CRB-6/2472 Valois, Luís Carlos

V198 Processo de execução penal e o estado de coisas inconstitucional / Luís Carlos Valois. - 2.

ed. atual. com base na Lei 13.694/19, denominada Lei Anticrime. - Belo Horizonte, São Paulo : D’Plácido, 2021.

194 p.

ISBN 978-65-5589-350-2 1. Direito. 2. Direito Penal. I. Título.

CDD: 341.5

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S u m á r i o

Prefácio 7

Introdução 11

1. O estado de coisas inconstitucional

declarado pelo STF 17

2. Numerus Clausus (número fechado) 33 3. Princípios constitucionais na execução penal 41

3.1. Princípio da legalidade 42

3.2. Dignidade da pessoa humana 46

3.3. O princípio da pessoalidade da pena 51

3.4. A vedação de determinadas penas 56

3.5. Princípio da isonomia no sistema penitenciário 60

3.6. Integridade física e moral dos presos 63

3.6.1. Sobre a violência física e moral 63 3.6.2. Direito do preso à saúde e a pandemia de Covid-19 67

3.6.3. A questão das mulheres trans 71

3.7. Garantias processuais 75

3.8. Princípio da individualização da pena 78

3.8.1. Individualização administrativa 78

3.8.2. Individualização judicial-executiva da pena 82

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4. A execução penal como processo e

outros direitos do preso na LEP 85

4.1. O processo de execução penal 86

4.2. A progressão de regime 90

4.2.1. Princípios da progressão de regime 90 4.2.2. Frações para a progressão de regime 96

4.3. Progressão de regime cautelar 100

4.4. Exame criminológico como requisito da progressão 104

4.5. O direito do voto do preso 111

4.6. Os direitos inerentes a cada regime e o RDD 114

4.7. O trabalho e a remição 124

4.8. Execução penal provisória e progressão por salto 130

4.9. Soma e unificação das penas 133

5. Procedimentos específicos na execução penal 145 5.1. Progressão com 16% em caso de penas hediondas 145 5.2. Não consideração da hediondez quando

a pena for igual ou inferior a 8 anos 150

5.3. Retificação do regime inicial na execução penal 153 5.4. A substituição da pena de prisão por

pena restritiva de direitos na execução 157 5.5. Indulto para penas de crimes hediondos 161

5.6. Monitoração eletrônica 167

5.7. Últimas considerações sobre a Lei 13.964/19 (Lei Anticrime) 175

Conclusões 181

Referências 185

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P r e f á c i o

João Marcos Buch1

No dia 2 de janeiro de 2017 minhas férias foram brutalmente atingidas por uma situação grave, envolvendo o sistema penitenciário.

Soube pelo noticiário que detentos de presídio em Manaus haviam se rebelado e que um massacre ocorrera, com 56 mortos. Como juiz da execução penal tinha conhecimento de que aquela tragédia era anunciada, pois o Estado brasileiro há tempos vinha caminhando por estradas marginais ao eixo constitucional. Podia sentir o desespero das famílias sem notícias, dos servidores em pânico, da população apre- ensiva, dos detentos despidos de proteção num estado de natureza, tudo ocorrendo com as festividades do ano novo ainda reverberando em minha mente e coração. E mesmo sem condições de me colocar no lugar do juiz da execução penal de Manaus, uma ansiedade por não poder me fazer presente ao menos para prestar solidariedade tomou meu espírito, especialmente porque o juiz era Valois, minha referência, meu paradigma, meu amigo. Agora, passado mais de ano, convidado que fui para fazer o prefácio desta obra, senti que chegou o momento de externar o apreço que tenho por esse homem, um dos mais admiráveis juízes do Brasil. E assim farei, ainda que incorra na natural parcialidade que existe entre companheiros de caminhada, coisa que alerto desde já será explícita.

O país vai mal em matéria de sistema carcerário e direito penal, muito mal. Seguindo políticas neoliberais dos EUA (leia-se Rudolf

1 Juiz de direto da vara de execuções penais da Comarca de Joinville/SC, mestre em direito, especialista em direito penal e política criminal, formador da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, escritor.

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Giuliane), conforme bem lembra Luïc Wacquant (“As Prisões da Miséria”), com abandono dos valores culturais, esquecimento dos expertos e descompromisso com inclusão, o país passou a criar medos e tragédias sociais, fortalecendo um Estado policial. Olvidaram-se os direitos humanos e os paradigmas constitucionais e seguiram-se leis penais de emergência, cujo ápice está na Lei Antidrogas, todas aditando um Código Penal que em sua parte especial continua ideologicamente comprometido com o capital. Vivemos assim sob a égide de um direi- to penal segregacionista, destinado a encarcerar na sua maioria seres humanos jovens, pretos, pardos, social e economicamente vulneráveis.

Direito penal esse desprovido de fundamentos racionais e científicos e que ignora os valores éticos da sociedade e os fatores políticos e his- tóricos da violência e do crime. Ou seja, direito penal que tem apenas contribuído para superlotar as prisões, que há pouco mais de uma década tinha uma população carcerária de cerca de 300.000 presos e atualmente ultrapassa a marca dos 700.000. A perspectiva, a seguir nessa linha encarceradora, é de alcançarmos um milhão de presos no ano de 2020. E não há vagas. Por todos os lugares, em maior ou menor grau, encontramos detentos sem colchão para dormir, sem kit higiene, sem trabalho, sem estudo, acesso à saúde, coisificados nos navios negreiros do século XXI. Essa ausência do Estado dentro das prisões, além de violadora dos direitos humanos, tem feito nascer e crescer nas entranhas do sistema facções e organizações paralegais. Quando preso, é preciso sobreviver, para tanto é preciso se aliar, mesmo que para lutar contra o Estado, de forma mais violenta. O sistema penitenciário brasileiro, portanto, está falido e tem sido usado para recrudescer a violência. Aliás, ele nunca deixou de ser um sistema excludente, escravocrata, das chi- batas e dos senhores feitores, um conjunto de calabouços coletivos cada vez mais opressor. Por isso, “Processo de Execução Penal e o Estado de Coisas Inconstitucional” é uma obra que chega no tempo e no lugar certos, na segunda década do século XXI, no Brasil.

Quantas vezes ouvimos da academia e nos bancos das faculdades de direito que a realidade cruel das ruas é outra e que aquela teoria aprendida em sala de aula jamais será aplicada. Há um pacto de me- diocridade que ceifa sonhos e contribui para a manutenção dum status quo de extrema injustiça. Pois Valois, com suas concretas experiências, seus profundos saberes acadêmicos e sua extrema competência frente à jurisdição da execução penal, tudo aliado a uma indelével ética e humanismo que pulsa em suas veias, nos prova com esta obra que é

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possível dar um basta nesse pacto, que é possível ao ator jurídico aplicar na prática a justiça de que tanto necessitamos, justiça no seu sentido ético e histórico mais profundo.

Sua perspicácia em tratar de forma coerente e crítica a decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou o estado de coisas inconsti- tucional sobre o sistema penitenciário nacional é inédita na literatura jurídica. A obra, mesmo quando aborda questões pontuais da execução penal, como a progressão de regime per saltum, a retificação do regime inicial do cumprimento da pena, a remição pelo trabalho, sempre se apresenta com sólida base principiológica. Valois aprofunda a necessidade de se respeitar os princípios constitucionais da execução penal, com ênfase no fundamento da dignidade da pessoa humana. E ao tratar da vedação constitucional de algumas penas, como as cruéis, claramente se coloca ao lado do padrão ético de civilidade a que toda a humanidade deve se colocar. Os institutos da educação, do sufrágio universal, da família, todos transitam pelos textos com uma familiaridade ímpar e fundamental à melhor compreensão de como deveria legalmente ser a execução de uma pena. Ou seja, se a Lei n.7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), fosse cumprida por esse norte, apenas cumprida, a redução dos danos do aprisionamento seria sentida por toda a sociedade. Para além disso, de forma coerente Valois, chamando à razão os juízes, mostra-nos que existem muitos que não compreendem os fundamentos constitucionais que devem reger o direito e a herme- nêutica jurídica e se sentem garantidores da segurança pública, sequer sabendo o conceito operacional de segurança pública.

Valois nos ensina a pensar, assim como já me ensinou entre tantas lições a perceber que como juiz muitas vezes não tenho condições de julgar alguém que me é estranho, que viveu em palafitas, que nunca soube o que é uma escola e que cresceu lutando entre esgotos a céu aberto e becos sem saída, simplesmente porque vim de um mundo onde sempre houve comida, onde a família nunca faltou e onde a escola sempre esteve presente. Com seu exemplo, colocando-se ou tentando se colocar no lugar do outro, Valois mostra que o julgador desenvolve a alteridade necessária para exercer seu mister, coisa que, diga-se, ele faz com naturalidade.

Anos atrás, numa viagem a Berlim resolvi conhecer o Campo de Concentração de Sachsenhausen, que fica nos arredores da pujante ca- pital germânica. Naquele local, milhares de opositores políticos, judeus, ciganos, homossexuais foram exterminados durante a Segunda Guerra

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Mundial. Ao adentrar no campo, passando pelo emblemático portal sob as inscrições “Arbeit Macht Frei” (em tradução livre: o trabalho liberta), caminhando por entre escombros e galpões preservados, senti profunda angústia. Mais, senti culpa, uma culpa amorfa, um lamento por ter chegado tarde demais, 70 anos atrasado, e não poder me irma- nar na dor que aquelas pessoas sofreram, que eu jamais sofreria. Hoje, ao pisar no chão de uma prisão e ver o holocausto daquela população formada em sua maioria por jovens, todos amontoados, juntos e mis- turados, confinados em espaços sujos, com ratos e baratas, sem vestes adequadas, sem materiais de higiene, comendo com as mãos a pastosa ração diária servida; quando percebo que boa parte não sobreviverá, matará e morrerá antes dos 30 anos, sinto igual angústia, como a que senti no campo de concentração.

Mas então, quando sou presenteado com uma obra desta magni- tude, tendo a sorte de compartilhar da história de alguém como Valois, que no início de 2017 esteve no inferno e dele voltou mais forte, mais determinado, sensível, vivo e justo, sinto que há esperança, pois sei que ao lado dele faremos por merecer, que teremos condições de chegar a tempo e que a humanidade sobreviverá.

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I n t r o d u ç ã o

Escrever sobre execução penal exige um grande esforço de sinceri- dade. É fácil camuflar a realidade citando um dispositivo legal qualquer, pois a tendência do profissional do direito tem sido a de pensar baseado no que está escrito na lei, independentemente do que diz o mundo real, mesmo que, para tanto, tenha que viver e argumentar fantasiosamente, ignorando a violação da própria lei que pauta o seu raciocínio.

Por óbvio, isso não é direito, nem muito menos justiça, mas uma tendência ideológica de manter o status quo de barbárie do nosso sis- tema penal e da sociedade de uma forma geral. Talvez uma tendência do próprio direito, elitizado, seletivo, branco, distante da periferia, marginalizada, na mira dos órgãos de repressão, e negra.

Assim, este será um texto escrito, ou melhor dizendo, reescrito, porque com o auxílio de outros artigos, livros e decisões prolatadas, mas um texto escrito sempre com o objetivo de mostrar a mais absoluta ilegalidade e inconstitucionalidade da execução penal, a verdade de morte, de abandono e de violência que é o sistema pe- nitenciário, as “sombras construídas pelo Estado chamadas prisões”

(ABU-JAMAL, 1995, p. 45).

Ao estudante de direito uma advertência: este não é um trabalho para desestimular, mas para acordar. Como aquele que dorme na sala de aula, sob o som inebriante de uma explanação insossa e desconectada, e acorda com o estrondo de um acidente de trânsito ao lado da facul- dade, espera-se que este texto contenha argumentos reais sobre a lei e a prisão que efetivamente acordem, ainda que não sejam comparados, porque são palavras, com o estrondo de uma experiência penitenciária real. Visitem as prisões, elas ensinam pela visão, pelo tato, pelo cheiro, melhor do que qualquer livro, sobre o seu estado de coisas inconstitucional.

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Alvino Augusto de SÁ já se referiu aos operadores de direito, como são chamados advogados, promotores e juízes, como operados pelo di- reito, “serviçais do direito” (2010, p. 42), pois sem capacidade para refletir sobre o ordenamento jurídico. Para os operadores do direito, então, ainda que tenham se transformado em engrenagens do sistema penal, que este texto ajude também a acordar, porque as mazelas do sistema prisional são conhecidas por todos e, às vezes, o que falta são apenas palavras capazes de expressar a injustiça que se percebe a sangue frio.

Aos demais estudantes, estudiosos e profissionais, assim como in- clusive aos presos, pode-se dizer que a tentativa será de construir um texto simples, acessível a todos. Sim, acessível inclusive aos presos, os verdadeiramente interessados no sistema prisional, pois a gratificação será dobrada se, ao final do trabalho, alguma coisa for útil para quem sofre a ilegalidade do sistema penal poder combater essa ilegalidade de forma fundamentada e coerente.

Não esquecer que ainda vige no ordenamento jurídico o habeas corpus, garantia constitucional contra qualquer violação da liberdade e, no campo penitenciário, todas as violações são violações à liberdade.

Apesar de fragilizado e abalado por decisões que diminuem seu alcance e efetividade, o habeas corpus ainda está em vigor e pode ser impetrado por qualquer pessoa, seja estudante ou preso.

A ausência de assistência médica é violação à liberdade de quem está encarcerado, assim como é a violação do direito à educação e às demais assistências previstas na Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), pois a pena, a sanção prevista em lei, é somente a de privação da liberdade de locomoção, não a de privação dos inúmeros outros direitos, vedados apenas pelo descaso e abandono da realidade do sistema prisional.

Diz a Constituição Federal que “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção” (art. 5º, LXVII), ora, portanto, qualquer violação da lei para quem está com sua liberdade suprimida é violência à liberdade de locomoção, pois violência na prisão, violência na ausên- cia de liberdade, tornando a pessoa presa vulnerável, passível de todas as mazelas que a obscuridade do sistema penitenciário proporciona, passível inclusive de perder o próprio direito à liberdade para sempre, com a morte, é cada vez mais comum nos cárceres.

O preso, justamente por estar encarcerado, não pode, sozinho, buscar assistência médica, não pode se proteger da tuberculose tão mais comum no cárcere do que em liberdade, como a maioria das doenças transmis-

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síveis, doença que, pela sua gravidade, ameaça sim a liberdade da pessoa presa, não só a liberdade atual como a futura2. O judiciário deve estar sempre atento para qualquer ameaça passível de eliminar por completo o direito à liberdade de alguém, ameaça não prevista constitucionalmente.

Se não bastar o habeas corpus, a garantia constitucional vem reforçada pela própria LEP (art. 195) que permite a qualquer preso, interessado, ou quem o represente, ingressar com pedidos ou reclamações diretamente ao juiz, seja por intermédio de uma petição, uma carta ou um bilhete, a lei não estipula e nem pode ser limitada à fórmula.

Por isso que este não é – e todos os trabalhos de execução penal não deveriam ser – direcionado apenas a operadores do direito. Terá cumprido sua função se um dia servir como argumento para qualquer pessoa combater alguma das diversas ilegalidades presentes no sistema.

O direito – a linguagem do direito – possui vários obstáculos para que todas as pessoas, além das afeitas aos termos jurídicos, sejam alcançadas. Aí está um grande desafio, desde já reconhecendo nossas limitações, não tanto só por dificuldade intelectual, mas também porque o direito constrói termos sem correspondência imediata com fatos da vida, justamente para se constituir em um sistema fechado, de aparente coerência, onde se há alguma coisa errada é a realidade e não o direito.

WARAT, falando sobre a linguagem, define bem o que é o direito de uma forma geral, “a organização coerente de um discurso [que], por vezes, permite silenciar problemas; através de tais silêncios, os discursos cumprem funções políticas na sociedade, tornando-se, a partir dessa coerência, um discurso ideológico”. O direito é um discurso que, por certo, contém um conhecimento, e que precisa ser forçado a dialogar com “realidade social e as relações de poder que a constituem” (1995, p. 23), para não se constituir em opressão pura e simplesmente.

O principal exemplo desse jogo de linguagens que acarreta viola- ções é a ideia de benefício. Costuma-se chamar o direito do preso de benefício. Ora, ou uma coisa é direito ou é benefício. Presos não têm benefícios, têm direitos. Chamar seus direitos de benefício é passar uma ideia de fraqueza dos seus direitos, como se fosse algo concedido e não algo que os presos podem exigir.

2 Nas palavras de Pontes de MIRANDA, “Integridade física e psíquica do detento.

A ofensa à integridade física e psíquica, dita, de comum, moral, dá ensejo a habeas corpus. Quem tem o direito a algo, tem o direito ao mais: seria absurdo que se pudesse prender e, depois, açoutar, torturar, ferir, queimar, pressionar com meios técnicos o prisioneiro” (1999, p. 306).

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Os que detêm o poder conhecem muito bem a diferença entre direito e permissão. (...) O direito, no sentido estrito da palavra, dá acesso ao exercício de um poder à custa de outro poder. A permissão não diminui o poder de quem a concede, não aumenta o poder de quem a recebe (Jean-Claude Milner apud Žižek, 2011, p. 58).

Os direitos do preso transformam-se em permissão, na linguagem do direito, nos livros e em julgamentos, como um obstáculo a mais para a sua concessão. Além do que, a situação precária do sistema prisional reforça o caráter de benefício de cada direito, já que sua efetivação só se dá, quando se dá, a duras custas, e normalmente com atraso. Um círculo vicioso difícil de se sair, porque “os opressores, falsamente generosos, têm necessidade, para que sua ‘generosidade’ continue tendo oportunidade de realizar-se, da permanência da injustiça” (FREIRE, 2011, p. 42).

O leitor que buscar conceitos básicos sobre a execução penal po- derá encontrá-los aqui, mas de forma negativa, no contexto da crítica.

Quando se fala, por exemplo, dos princípios constitucionais inerentes à execução penal, a intenção é também mostrar como eles não são reali- zados, dando um caráter inconstitucional à pena de prisão, sendo a única forma possível de se escrever um texto sincero sobre execução penal.

O ordenamento jurídico fala de pena privativa de liberdade e não de pena de prisão, mas porque achamos que a própria nomenclatura pena privativa de liberdade já traz consigo certa carga legitimadora da prisão, como se a pena privativa de liberdade fosse algo científico, procuramos usar os dois termos.

Não só na questão pena privativa de liberdade – prisão, mas em diversos outros institutos o direito usa termos elaborados, com ares técnicos, muitas vezes aparentemente de forma despretensiosa, mas que dificultam a compreensão do próprio direito, ou diminuindo sua função de garantia ou mesmo obstaculizando a sua realização.

A ênfase que se tem dado à segurança pública em diversas áreas do direito, com reflexos na prática judicial, é mais forte na execução penal, e isso faz com que o exercício do poder nessa área não queira abrir espaços para o poder do preso, o poder de possuir direitos, o que favorece ainda mais a ocorrência de violências e abusos.

Ênfase à segurança já é inconstitucional por si só, na medida em que o Estado Democrático de Direito brasileiro tem como fundamento,

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expresso no art. 1º da Constituição Federal, a dignidade da pessoa hu- mana, não a segurança pública que, por motivos óbvios, legais e cons- titucionais, não pode se sobrepor às condições básicas de sobrevivência do ser humano ou aos direitos e garantias que protegem essas condições.

Mas, infelizmente é o argumento segurança pública que tem impe- dido a atividade de técnicos, advogados ou mesmo da sociedade civil no sistema penitenciário, agravando o abandono do encarcerado3. Se- gurança pública que, não raramente, se constitui na simples segurança do emprego de um secretário de estado ou de um diretor da peni- tenciária4 que, com medo de uma rebelião e, principalmente, de uma fuga, impede trabalhos importantes e essenciais para a minimização da miséria das pessoas encarceradas. Todas essas circunstâncias serão levadas em consideração neste texto, a fim de que não se venha a produzir mais uma obra desvinculada da realidade.

Desculpas não faltam para se manter a prisão nesse estado de coisas inconstitucional, como reconheceu o próprio STF na ADPF 347, e uma delas é o eterno argumento de que a prisão é o caos conhecido por todos por culpa do poder executivo. Ora, não só porque o poder judiciário expede milhares de mandados de prisão, a prisão é problema de todos, o cumprimento da lei é uma das principais obrigações do

3 O preso não perdeu nenhum direito que a sentença ou a lei não tenham res- tringido, mas o argumento segurança faz com que perca direitos diariamente, como se o mundo penitenciário fosse um mundo à parte. O preso não perdeu o direito à família, à saúde, à vida, ao esporte e ao lazer. Um exemplo de como a atividade prisional acaba colocando direitos não restringidos, direitos cons- titucionais, abaixo da segurança, sem que isso seja reconhecido como absurdo, vem dos EUA, relatado por ABU-JAMAL. Ao ser punido com isolamento por ter escrito artigos para um jornal, argumentou que estava exercendo sua profissão de jornalista, e que sua manifestação estava amparada pelo direito constitucional da “liberdade de expressão”, o qual não podia ser violado por regras da prisão, ao que o oficial carcerário, responsável pelo procedimento disciplinar, respondeu que “isso não tem nada a ver com direitos” (2000, p.

127). O meio prisional acaba sendo visto como local de vácuo de direitos, onde o Estado de Direito é abandonado, sendo essa uma das características da prisão como instrumento punitivo.

4 Interessante a observação de Jessica MITFORD, citando George Shaw, de que a ideia de ressocialização foi reforçada pelos profissionais ligados ao encarceramento após o período em que a criminologia positivista pretendia entender o crime como uma patologia, posto que se o criminoso fosse um doente, não havia que se falar de tratamento penitenciário e, consequentemente, de toda a estrutura de empregos ligada ao cárcere (Op. Cit., 1973). As estruturas burocráticas e a maqui- naria humana que as movem estão sempre lutando por sua sobrevivência.

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poder judiciário, e não se pode esquecer que a prisão da realidade em nada se parece com a prisão limpa e arejada da Lei de Execução Penal, mas é uma prisão que mata, tortura, extorque e violenta.

Temos uma prisão prevista na Lei de Execução Penal que em nada se parece com a prisão da realidade. Assim, portanto, se a prisão que está na lei é uma e a prisão da realidade é outra, toda prisão, todo ato de aprisionamento mesmo, é ilegal5.

O campo da execução penal acaba sendo um espaço de relativiza- ção de direitos, onde alguns podem ser realizados e outros não, fazendo com que as autoridades tenham que escolher que lei ou que parte da lei deve ser cumprida, fato que ordinariamente ocorre em detrimento dos presos, o elo mais fraco da corrente que se chama sistema penal.

Quando falamos sobre direito de execução penal e realidade pri- sional precisamos também ter cuidado para não pendermos para um dos dois lados, pois se pendemos para o primeiro, caímos na metafísica, na descrição de sonhos, passamos a falar do nada que é um ordenamento jurídico de pretensões. Contudo, se falamos só da realidade prisional, a tendência é de lamento. Passamos a chorar a miséria dos estabelecimen- tos penais, mais calabouços da Idade Média do que instituições públicas.

Em ambas as perspectivas, mais uma vez quem sai prejudicado é o preso, que está efetivamente encarcerado e precisa que a lei seja cumprida o máximo possível, mas também não pode deixar de ter sua condição lamentada, pois desumana.

Por isso que o juiz e o promotor rigorosos fazem de tudo para não visitar uma penitenciária, pois ficando só com a lei, ficam com o mundo de ilusões da ordem, que chamam de ordem jurídica, mas que, na realidade, de ordem não tem nada, e de jurídica só as elucubrações encarceradoras de cada um.

Muitos críticos também, é verdade, evitam visitar a prisão. Criticam a prisão, alguns se dizem abolicionistas, elaboram teorias e esquecem que há pessoas presas precisando de comida, água potável e remédios.

Enquanto a prisão existir, e não há horizonte onde se vislumbre o seu fim, críticos, juiz ou promotor conservadores, serão sempre mais úteis conhecendo de perto o cárcere, para a crítica, elucubrações, mas essencialmente para quem sabe, talvez, salvar alguma vida.

5 O que se tem afirmado há algum tempo: “Toda prisão no Brasil é ilegal. Por- que se a prisão que está na lei não existe, a que aplicamos na realidade é ilegal”

(VALOIS, 2013, p. A4).

(18)

P R O C E S S O

D E E X E C U Ç Ã O P E N A L

e o esta d o d e c o i sa s e o esta d o d e c o i sa s i n c o n st i t u c i o n a l

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L u í s C a r l os Va l o i s L u í s C a r l os Va l o i s

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e d i ç ã o e d i ç ã o

At u a l i za d a At u a l i za d a c o m b a se n a c o m b a se n a Le i 1 3.96 4 / 1 9, Le i 1 3.96 4 / 1 9, d e n o m i n a d a d e n o m i n a d a Le i A n t i c r i m e Le i A n t i c r i m e Diante do estado de coisas inconstitucional do siste-

ma penitenciário brasileiro, reconhecido pelo Supre- mo Tribunal Federal, este livro traz uma reinterpre- tação dos incidentes de execução penal, agregando argumentos teóricos e práticos em reforço à deci- são do STF, buscando minimizar a completa ilegalida- de em que se constitui o encarceramento no Brasil.

Fruto do trabalho do autor como juiz da execução penal e acadêmico, doutor em direito pela Universida- de de São Paulo - USP, o operador do direito poderá encontrar um verdadeiro manual argumentativo como auxílio aos pedidos em incidentes da execução penal.

Escrito de maneira simples e descomplicada, o texto visa inclusive orientar presos e familiares, igualmente legitima- dos a reivindicar direitos inerentes à execução da pena.

Desde a remição, passando pela progressão de regi- me, com séria contestação aos prazos estabelecidos pela Lei de Crimes Hediondos, até o Regime Disci- plinar Diferenciado, o leitor encontrará uma análise crítica, condizente com o reconhecimento do esta- do de coisas inconstitucional reconhecido pelo STF.

ISBN 978-65-5589-350-2

A presente obra é o resultado da ex- periência do autor como juiz da execu- ção penal, preocupado com a ilegalida- de do encarceramento, ilegalidade que diminui a legitimidade do poder judici- ário, fragiliza o ordenamento jurídico e favorece o seu descumprimento.

Embora só recentemente o STF tenha reconhecido a inconstitucionalidade do sistema carcerário, o autor a vi- nha denunciado há anos, apresentando agora um texto mais elaborado, um verdadeiro manual interpretativo de incidentes de execução em que se leva em consideração a decisão do STF.

O leitor terá acesso a inúmeros inci- dentes, com interpretações originais, lógicas e sistemáticas, que visam uma abordagem dos direitos do preso de forma a manter o mínimo de respei- to pela LEP, levando em consideração principalmente o fundamento do Esta- do Democrático de Direito: a dignida- de da pessoa humana.

Texto simples que serve inclusive aos presos, muitas vezes impossibilitados de se socorrerem da ação de um ad- vogado, podendo aqui encontrar argu- mentos para um pedido em uma Vara de Execuções Penais.

A declaração do STF deve servir de alerta a todos e de parâmetro para as futuras decisões, sob pena de morte mesmo da ideia de justiça.

O preso deve ser reconhecido como um cidadão que descumpriu regras, e por isso as regras de seu encarcera- mento devem ser respeitadas, pois não se pode exigir o cumprimento da lei se o próprio Estado a descumpre.

Nenhuma crítica ao abandono do sis- tema penitenciário por parte do Esta- do escapa, mas até por isso é livro que traz elementos preciosíssimos para uma reinterpretação da LEP, acrescen- tando legitimidade, coerência, onde, na prática, só se observa o caos.

Juiz de direito, titular da Vara de Execuções Penais do Ama- zonas, mestre e doutor em di- reito penal e criminologia pela Universidade de São Paulo – USP, Largo de São Francisco, pós-doutorando em crimino- logia na Alemanha (Hambur- ger Stiftung zur Förderung von Wissenschaft und Kultur), membro da Associação de Ju- ízes para Democracia – AJD, presidente da Comissão de Política de Drogas do Institu- to Brasileiro de Ciências Cri- minais – IBCCrim, membro da Academia Amazonense de Letras e Ciências Jurídicas, ex-membro do Conselho Na- cional de Política Criminal e Penitenciária, autor da obra

“O direito penal da guerra às drogas”, finalista do prêmio Jabuti no ano de 2017.

E-mail: lcvalois@yahoo.com.br

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