RESUMO
Objetivo: Avaliar a prevalência de tabagismo e variáveis associadas em mulheres proissionais do sexo (MPS). Métodos: Estudo de corte transversal quantitativo com MPS na cidade de Botucatu (SP), as quais completaram um questionário sociodemográico, incluindo informações sobre tabagismo, estágio motivacional para cessação do tabagismo e grau de dependência da nicotina, assim como a Escala de Estresse Percebido e a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão. Resultados: Foram incluídas 83 MPS. A média de idade foi de 26,8 anos. Entre as participantes, 58 (69,8%) possuíam pelo menos o ensino médio, apenas 26 (31,3%) residiam em Botucatu, 59 (71,1%) eram fumantes, 5 (6,0%) eram ex-fumantes, 74 (89,2%) faziam uso de bebidas alcoólicas e 43 (51,8%) faziam uso de algum tipo de drogas. A maioria foi classiicada com grau de estresse médio, 51 (61,4%) apresentaram nível de ansiedade possível ou provável, e 57 (68,7%) tiveram resultado improvável para depressão. O nível de dependência da nicotina foi elevado entre as fumantes. Dessas, a maioria não tinha intenção de parar de fumar. Houve associações do tabagismo com o consumo de drogas ilícitas (p = 0,0271) e com o uso de bebidas alcoólicas (p < 0,0001); porém, não houve associações do tabagismo com as questões de humor e nem da idade da iniciação tabágica com o tempo que trabalhavam como MPS (p = 0,4651). Conclusões: A prevalência de tabagismo entre as MPS estudadas se mostrou muito elevada quando comparada à da média nacional de mulheres (8,3%). Evidenciou-se que MPS estão expostas a diversos fatores de risco inerentes da própria proissão, sendo a redução de danos uma estratégia importante a ser trabalhada.
Descritores: Mulheres; Hábito de fumar; Proissionais do sexo; Prevalência; Fatores de risco.
Tabagismo em mulheres proissionais do
sexo: prevalência e variáveis associadas
Ligia Lopes Devóglio1, José Eduardo Corrente2, Maria Helena Borgato3, Ilda de Godoy3Endereço para correspondência:
Ligia Lopes Devóglio. Rua Doutor José Barbosa de Barros, 1540, bloco 07, apto. 404, Jardim Paraíso, CEP 18610-307, Botucatu, SP, Brasil. Tel.: 55 14 99617-8653. E-mail: ligia_lopes15@hotmail.com
Apoio inanceiro: Nenhum.
INTRODUÇÃO
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, o tabagismo deixou de ser considerado um hábito e passou a ser considerado uma doença, uma verdadeira epidemia, que pode ser completamente evitável. Atualmente morrem 5,4 milhões de pessoas todos os anos, e estima-se que,
se não houver mudanças signiicativas, em 2030, esse número chegará a 8 milhões e que 80% dos tabagistas
se encontrarão em países em desenvolvimento (de baixa e média renda).(1,2)
Atualmente, a prevalência do tabagismo entre os homens é maior do que entre as mulheres, visto que essas iniciaram o uso do tabaco mais tardiamente. Porém, observa-se que, ao longo das últimas décadas, tem ocorrido um pequeno declínio na curva dos homens fumantes, enquanto, em relação às mulheres, essa curva vem aumentando, revertendo-se a ideia de o tabagismo ser uma epidemia masculina.(2-4)
Dados apontam que 22% da população mundial fumam cigarros, sendo aproximadamente 820 milhões de homens
e 176 milhões de mulheres. O tabaco é responsável por
até 34% das mortes entre os homens e 22% entre as mulheres; no Brasil esses índices são mais baixos (12,8%
e 9,4%, respectivamente).(2) A Organização Mundial de
Saúde estima que, se nada for feito, o tabagismo entre as mulheres deverá dobrar em todo o mundo entre os
anos de 2005 e 2025.(5)
Alguns países desenvolvidos, como os EUA e Austrália, têm monitorado as tendências de uso do tabaco segundo a ocupação do indivíduo, com o intuito de auxiliar na
identiicação dos grupos ocupacionais que necessitam
de prioridade nas intervenções de controle e cessação do tabagismo. Um trabalho realizado no Brasil buscou descrever essa relação, e, assim como nos países men-cionados, percebeu-se que a prevalência do tabagismo é maior em indivíduos que ocupam cargos com exigência de menor nível de escolaridade e de maior esforço braçal.(6)
Apesar de o tema da prostituição ser pouco discutido nos dias atuais, esse ainda é um fenômeno presente na sociedade brasileira e em diversos países em todo o mundo.(7) São diversos os fatores determinantes da prostituição, sejam eles econômicos, como a migração para centros urbanos, a falta de emprego, o grande número
de mães solteiras com diiculdades em criar seus ilhos,
as condições de vida subumanas, abaixa escolaridade, a falta de perspectiva; ou psicológicos, como as carências 1. Departamento de Saúde Coletiva,
Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu (SP) Brasil. 2. Departamento de Bioestatística,
Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu (SP) Brasil. 3. Departamento de Enfermagem,
Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu (SP) Brasil.
afetivas, os traumas que marcaram a infância ou adolescência e a falta de apoio familiar. (8) Fatores esses que muitas vezes podem estar associados ao consumo do tabaco e de outras drogas nessa população.
Estudos mostram que essas mulheres estão expostas constantemente a diversos fatores de risco, como a vulnerabilidade social, a submissão e, sobretudo, o uso abusivo de drogas lícitas e ilícitas, por sentirem
diiculdades na manutenção da qualidade de vida,
acabam adotando atitudes prejudiciais à saúde, o que evidencia a necessidade de intervenções relacionadas aos mais diversos aspectos da saúde.(7,9)
Conhecer o peril dos usuários, como a prevalência e
os níveis de consumo do tabaco por faixa etária, sexo, renda, entre outros, também é um fator muito
impor-tante, pois é por meio desses dados que os proissionais
de saúde poderão planejar ações de prevenção mais
eicazes em determinadas populações. Por todos esses motivos, têm-se estudado a prevalência, o peril dos
fumantes, as motivações desses para cessar o fumo e as consequências do tabaco em diversos países do mundo, pois esses dados nos ajudam a compreender melhor a epidemia mundial do tabagismo.(1,10)
Portanto, o presente estudo teve como objetivo avaliar a prevalência do tabagismo e analisar a associação entre o tabagismo e as demais variáveis em mulheres
proissionais do sexo (PS).
MÉTODOS
Trata-se de um estudo quantitativo, exploratório, transversal e analítico. A pesquisa foi realizada no município de Botucatu, localizado na região central do estado de São Paulo, com uma população estimada
de 137.899 habitantes.(11) Utilizou-se como referência a área de abrangência da Unidade Básica de Saúde no bairro Cecap, região caracterizada por ser um dos principais pontos de prostituição da cidade. Foram realizadas visitas em dois locais de trabalho cadastrados no município.
Foram aplicados formulários em 83 mulheres PS.
A amostra foi calculada tendo por base um estudo
realizado em 2008 com 102 mulheres PS no município
de Botucatu, que evidenciou que o consumo de tabaco
nessa população foi elevado, correspondendo a 68,6% (70 mulheres).(12)
Para chegarmos a esses pontos de prostituição, inicialmente, entramos em contato com o programa municipal de doenças sexualmente transmissíveis/ AIDS, atuante no município, o qual realiza visitas a diversos grupos populacionais vulneráveis a essas doenças, dentre estes, o grupo das mulheres PS. Após esse contato, acompanhadas dos agentes de saúde, realizamos as primeiras visitas aos locais de trabalho das mulheres PS e, em seguida, fomos retornando
sozinhas aos locais de prostituição, a im de atingir o
número da amostra.
Foram realizadas inúmeras visitas aos locais de trabalho dessas mulheres e, por tratar-se de uma
população de difícil acesso por ter receio em participar de pesquisas, as entrevistas foram solicitadas e realizadas em seus ambientes de trabalho. Algumas PS se recusaram a participar da pesquisa por medo de serem descobertas pelas suas famílias, mesmo quando explicávamos que manteríamos o sigilo de seus nomes.
A coleta de dados foi realizada no período entre
fevereiro e novembro de 2014. Para todas as
mulheres que aceitaram participar do estudo, foram
aplicados formulários de identiicação e de avaliação da tabagista, foi feita também a identiicação do estágio
motivacional para cessação do tabagismo, através do modelo transteórico de DiClemente e Prochaska,(13)que
descreve a prontidão para mudar de acordo com os estágios pelos quais o indivíduo tem vivido e que são
classiicados da seguinte maneira: pré-contemplação:
não há intenção de cessar o tabagismo nos próximos
seis meses; contemplação: há intenção de cessar o
tabagismo nos próximos seis meses, porém sem data
marcada; preparação: pretende cessar nos próximos trinta dias; ação: cessou o tabagismo há seis meses ou menos; e manutenção: cessou o tabagismo há
mais de seis meses. Também foram aplicadas a Escala de Estresse Percebido(14) e a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão,(15) com o objetivo de avaliar as questões emocionais dessas mulheres.
As mulheres PS foram avaliadas quanto às
caracterís-ticas do tabagismo através de um formulário especíico,
baseado em outros estudos, contendo questões quanto a história tabágica, presença de doenças relacionadas, história social e familiar, fatores relacionados à iniciação do tabagismo e carga tabágica, com o objetivo de
traçar seu peril tabagista.(10) Perguntamos também
se elas faziam uso concomitante de outras drogas, sejam elas lícitas (bebidas alcoólicas) ou ilícitas, com o intuito de evitar a interpretação de possíveis vieses. A carga tabágica foi calculada através do número de
cigarros fumados por dia, dividido por 20 (quantidade
de cigarros em um maço), e o resultado foi multiplicado pelo número de anos durante os quais as mulheres usavam tabaco, chegando ao número de anos-maço. Para avaliar o grau de dependência foi utilizado o teste de Fagerströmpara a dependência de nicotina.(16,17)
Para a análise dos dados, inicialmente criou-se um banco de dados no programa Excel e, em seguida, foram calculadas as medidas descritivas para as variáveis quantitativas, com o cálculo de média e desvio-padrão e frequências e proporções para as variáveis qualitativas. As associações entre as variáveis qualitativas foram obtidas utilizando-se o teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher. As comparações de médias foram feitas utilizando ANOVA seguida do teste de Tukey para variáveis com mais de duas categorias.
Em todos os testes foi ixado o nível de signiicância de 5% ou o valor de p correspondente. Todas as análises
O estudo foi aprovado pela Secretaria Municipal de Saúde de Botucatu e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade
Estadual Paulista conforme a Resolução no. 466/13 do Conselho Nacional de Saúde (Protocolo no. 711.738).
RESULTADOS
Fizeram parte do estudo 83 mulheres PS. A média de idade foi de 26,8 ± 6,3 anos (variação, 18-48 anos). A maioria (n = 58; 69,8%) possuía pelo menos o ensino médio, 78 (94,0%) viviam só, e 49 (59,0%) tinham ilhos (média = 2,04 ± 1,3 ilhos). A média do tempo de atuação como PS foi de 3,7 ± 5,0 anos. A renda mensal média foi de R$ 3.708,33 ± R$ 3.001,58 (variação, R$ 500,00-R$ 17.000,00) sendo
que algumas citaram não saber quanto ganham pelo pouco tempo de serviço. Trata-se de uma população
lutuante; apenas 26 (31,3%) delas possuíam moradia ixa no município de Botucatu (SP).
A prevalência de tabagismo foi de 71,1% (n = 59), sendo que 6,0% (n = 5) eram ex-fumantes. O uso de
drogas lícitas e ilícitas mostrou-se prevalente nas PS;
74 (89,2%) das mulheres fazem uso de algum tipo de bebida alcoólica e 43 (51,8%) faziam uso de algum tipo
de droga ilícita, tais como maconha (36,1%), cocaína (34,9%) e crack (3,6%). Além disso, 65 (78,3%)
não praticam atividades físicas. A distribuição das características gerais está apresentada na Tabela 1.
Em relação à história tabágica das fumantes, a idade
média na qual começaram a fumar foi de 16,0 ± 4,5 anos. Das 59 mulheres fumantes, 81,4% revelaram fumar todos os dias, e 88,1% tragam a fumaça sempre;
a média do número de cigarros consumidos por dia foi
de 22,3 ± 20,0, correspondendo a aproximadamente 8,6 ± 8,2 maços por semana, gerando um custo mensal de R$ 139,56 ± R$ 115,25. A carga tabágica
nesse grupo de mulheres foi, em média, de 11,9
± 14,1 anos-maço. A prevalência de dependência
elevada ou muito elevada, determinada pela escala
de Fagerström, foi de 47,4%.
Ao analisarmos a idade da iniciação do tabagismo com o tempo que trabalham como PS, vimos que
não houve uma associação (p = 0,4651); portanto,
a maioria das mulheres já fumava antes mesmo de trabalharem como PS.
O estágio motivacional para cessação do tabagismo
foi maior na pré-contemplação, em 40,6%, e todas as
ex-fumantes encontravam-se na fase de manutenção.
Tabela 1. Distribuição das características gerais das proissionais do sexo estudadas (N = 83).a
Características gerais Resultados
Idade, anos 26,8 ± 6,3 (18-48)
Tempo de atuação como PS, anos 3,7 ± 5,0 (0,0027-15,0000)
Renda mensal, R$ 3.708,33 ± 3.001,58 (500,00-17.000,00)
Nº de ilhos 2,04 ± 1,30 (1-7)
Escolaridade
Ensino fundamental incompleto 11 (13,3)
Ensino fundamental completo 14 (16,9)
Ensino médio incompleto 24 (28,9)
Ensino médio completo 28 (33,7)
Ensino superior incompleto 5 (6,0)
Ensino superior completo 1 (1,2)
Situação conjugal
Amasiada 4 (4,8)
Casada 1 (1,2)
Divorciada 3 (3,6)
Solteira 74 (89,2)
Viúva 1 (1,2)
História tabágica
Fumantes 59 (71,1)
Ex-fumantes 5 (6,0)
Não fumantes 19 (22,9)
Tem ilhos 49 (59,0)
Pratica atividade física 18 (21,7)
É usuária de
Bebidas alcoólicas 74 (89,2)
Cocaína 29 (34,9)
Crack 3 (3,6)
Maconha 30 (36,1)
Outras drogas 43 (51,8)
Tabela 2. História tabágica das fumantes estudadas (N = 59).a
História tabágica Resultados
Idade ao início do tabagismo, anos 16,1 ± 4,5 (8-30)
Cigarros/dia 22,3 ± 20,0 (2-120)
Maços/semana 8,6 ± 8,2 (0,25-42,00)
Custo mensal, R$ 139,56 ± 115,25 (2,00-675,00)
Quantas vezes conseguiu parar de fumar 1,6 ± 0,9 (1-3)
Tempo máximo sem fumar, anos 0,6 ± 0,4 (0,0082-1,0000)
Carga tabágica, anos-maço 11,9 ± 14,1 (0,25-27,0)
Tipo de fumante
Diário 48 (81,4)
Fim de semana 0 (0,0)
Ocasional 11 (18,6)
Traga a fumaça
Sempre 52 (88,1)
Nunca 2 (3,4)
Ás vezes 5 (8,5)
Nível de dependência
Muito baixo 20 (33,9)
Baixo 5 (8,5)
Médio 6 (10,2)
Elevado 16 (27,1)
Muito elevado 12 (20,3)
Já tentou parar de fumar 32 (54,2)
Sintomas de abstinência nas que tentaram a cessação (n = 32)
Irritação 21 (65,6)
Insônia 5 (15,6)
Tristeza 6 (18,8)
Agitação 12 (37,5)
Lentidão 1 (3,1)
Perda de concentração 1 (3,1)
Aumento de apetite 20 (62,5)
Utilizou algum recurso para cessação 30 (6,3)
Estágio motivacional
Pré-Contemplação 26 (40,6)
Contemplação 15 (23,5)
Preparação 18 (28,1)
aValores expressos em média ± dp (mínimo-máximo) ou em n (%).
Tabela 3. História tabágica das ex-fumantes estudadas (N = 5).a
História tabágica Resultados
Idade ao início do tabagismo, anos 14,4 ± 2,5 (12-18)
Tempo de tabagismo, anos 11,4 ± 7,4 (0,25-17,0)
Idade à cessação do tabagismo, anos 25,8 ± 8,0 (16-37)
Tempo como ex-fumante, anos 4,4 ± 2,7 (1-7)
Cigarros/dia 33,0 ± 29,1 (5-80)
Maços/semana 11,6 ± 10,1 (2-15)
Carga tabágica, anos-maço 25,0 ± 29,7 (0,25-36,00)
aValores expressos em média ± dp (mínimo-máximo).
Esses dados estão apresentados na Tabela 2. Nesse
grupo, todas faziam uso do cigarro normal; além desse,
11 (18,6%) fumavam cigarro com sabor, 5 (8,5%) fumavam cigarro de palha, 5 (8,5%) fumavam narguilé e 2 (3,4%) fumavam cigarro eletrônico.
Das 32 mulheres (54,2%) que já haviam tentado parar de fumar, 21 (65,6%) relataram terem se sentido
mais irritadas durante o período de abstinência, e 20 (62,5%) referiram aumento do apetite. Dessas 32 mulheres, 30 (93,7%) não utilizaram nenhum recurso
para tentar parar de fumar.
Dentre as fumantes, 43 (72,9%) iniciaram o consumo
de tabaco por vontade própria e não porque alguém
(em 13,6%), amigos (em 55,4%) e a curiosidade em consumir cigarro (em 79,7%). Antes de comprar
cigarros, algumas PS relataram que os conseguiam com
familiares (em 20,3%) ou com amigos (em 42,4%).
A distribuição da história tabágica das mulheres PS
fumantes está apresentada na Tabela 2. Em relação à
história tabágica das ex-tabagistas, a idade média na
qual começaram a fumar foi de 14 ± 2,5 anos, fumaram, em média, durante 11,4 ± 7,4 anos e pararam de fumar por volta dos 25,8 ± 8,0 anos. A média do número de cigarros que consumiam por dia era de 33,0 ± 29,1, correspondendo a, aproximadamente, 11,6 ± 10,1
maços por semana. A carga tabágica nesse grupo de
mulheres foi, em média, de 25,0 ± 29,7 anos-maço.
A distribuição da história tabágica das mulheres PS
ex-fumantes está apresentada na Tabela 3.
O grau de estresse foi deinido como médio entre
as tabagistas, ex-tabagistas e não tabagistas, através da Escala de Estresse Percebido,(14) que pode variar entre zero e 40 (esse último representa o estresse percebido), não havendo diferenças signiicativas entre
os três grupos de mulheres, conforme apresentado na Tabela 4.
Em relação à classiicação dos escores da Escala
Hospitalar de Ansiedade e Depressão,(15) também não foram encontradas diferenças estatísticas signiicativas
entre os três grupos de mulheres, sendo que 51
(61,4%) das mulheres apresentaram escores relativos
ao nível de ansiedade possível ou provável, enquanto,
para a depressão, 57 (68,7%) apresentaram o nível
improvável. Os dados estão apresentados na Tabela 4.
Em relação aos sintomas respiratórios apresentados no momento do estudo, dispneia apareceu com
maior frequência (em 38,5%), seguido de tosse (em 26,5%), palpitação (em 25,3%), dor torácica (em 22,9%), tontura (em 22,9%), expectoração (em 20,5%) e chiado (em 14,5%). Entre as mulheres que
não apresentaram dispneia, as associações foram
signiicativamente diferentes somente em relação às não fumantes (p < 0,0001); portanto, o uso do
tabaco, no presente estudo, não esteve associado a esse sintoma respiratório, conforme os resultados apresentados na Tabela 5.
As fumantes apresentaram um maior consumo de
drogas ilícitas (p = 0,0271), sendo signiicante o não consumo de cocaína nas não fumantes (p = 0,0094) e ex-fumantes (p = 0,0114), assim como menos uso de maconha entre as não fumantes (p < 0,0001). Houve
um maior consumo de álcool entre as fumantes (p <
0,0001) e não fumantes (p < 0,0001). Os dados estão
apresentados na Tabela 6.
Acredita-se também que, por tratar-se de uma população que deve consumir bebidas alcoólicas, visto que os donos das boates impõem essa condição, a bebida não esteve relacionada apenas às fumantes mas também às não fumantes.
DISCUSSÃO
A prevalência do uso de tabaco em mulheres PS
(71,1%) se mostrou muito superior quando comparada à da média nacional da população em geral (10,4%) e especiicamente em mulheres, que foi de 8,3% em Tabela 4. Escore da Escala de Estresse Percebido e classiicação da Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão na amostra estudada (N = 83).a
Escores Status tabágico Resultados p
EEP Fumantes 23,4 ± 4,59 0,4301
Não fumantes 22,1 ± 4,34
Ex-fumantes 24,8 ± 7,46
Classificação da EHAD Improvável Possível Provável TOTAL
Ansiedade Fumantes 21 (25,3) 12 (14,5) 26 (31,3) 59 (71,1) 0,3715
Não fumantes 10 (12,1) 5 (6,0) 4 (4,8) 19 (22,9) Ex-fumantes 1 (1,2) 1 (1,2) 3 (3,6) 5 (6,0)
Total 32 (38,6) 18 (21,7) 33 (39,7) 83 (100)
Depressão Fumantes 23 (51,8) 8 (9,7) 8 (9,7) 59 (71,1) 0,4299
Não fumantes 12 (14,5) 5 (6,0) 2 (2,4) 19 (22,9) Ex-fumantes 2 (2,4) 2 (2,4) 1 (1,2) 5 (6,0)
Total 57 (68,7) 15 (18,1) 11 (13,2) 83 (100)
EEP: Escala de Estresse Percebido; e EHAD: Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão. aValores expressos em média ± dp ou em n (%).
Tabela 5. Distribuição da frequência de dispneia na amostra estudada (N = 83).
Dispneia p
Status tabágico
Sim Não Total
n (%) n (%) n (%)
Fumantes 27 (32,5) 32 (38,6) 59 (71,1) 0,4515
Não fumantes 2 (2,44) 17 (20,5) 19 (22,9) < 0,0001
Ex-fumantes 3 (3,6) 2 (2,4) 5 (6,0) 1,0000
2014.(18) Porém, quando essa prevalência é comparada à de outro estudo com mulheres PS, se mostrou
equivalente (68,6% de fumantes, 84,3% de usuárias de bebidas alcoólicas e 42,2% de usuárias de drogas
ilícitas).(12) Concluímos que, entre as fumantes, o nível
de dependência da nicotina é elevado e que na maioria dessas não há intenção de parar de fumar.
Corroborando os achados do estudo, no Brasil, a média da idade do início de experimentação de cigarros é de 15,9 anos, e a média de consumo é de 14,1 cigarros por dia.(19) Entre as PS tabagistas o consumo foi um pouco maior, 22,3 cigarros por dia. Um estudo
realizado em cinco países da Europa encontrou uma
média de idade mais elevada, de 18,2 anos entre as
mulheres,(20) constatando a atual mudança da epidemia
do tabagismo de países desenvolvidos para países em desenvolvimento.
A dispneia foi o sintoma respiratório mais relatado em nossa pesquisa, mas não houve sua associação com as tabagistas. Uma pesquisa realizada com fumantes e não fumantes também encontrou uma prevalência mais elevada dos sintomas respiratórios entre os
tabagistas; porém, não houve diferenças signiicativas
entre os grupos em relação à dispneia.(21)
A marca de cigarros mais consumida pelas PS (em
41,4%) é produzida no Paraguai e vendida de forma
ilegal; portanto, não se cobram impostos sobre essa marca de cigarros, tendo essa então um valor muito
abaixo do mercado, sendo vendida por até R$ 2,50, fato
esse que pode favorecer o aumento de consumo nessa
população: o baixo custo e o fácil acesso. Com a política
de controle do tabagismo no Brasil, os impostos sobre
os cigarros aumentaram em 116% no período entre 2006 e 2013, e, como consequência direta, houve uma queda de 32% nas vendas de cigarros.(22) Atualmente,
o Brasil propôs um protocolo de rastreamento do tabaco entre os países do MERCOSUL; a ideia é ter controle sobre a quantidade produzida e os locais em
que são vendidos, a im de combater o comércio ilegal
de cigarros, que têm se mostrado alto.(23)
As mulheres apresentaram diversos sintomas de abstinência, sendo a irritabilidade e o aumento do apetite dois deles; outros estudos revelaram que esses fatores, além de aumentarem as chances de recaída,
diicultam a cessação do tabagismo na mulher.(24,25)
Estudos também conirmam a inluência de familiares
e amigos como fator determinante no momento de iniciação do consumo do cigarro, que ocorre geralmente no período da adolescência; a curiosidade também aparece como um fator motivador para o consumo.(19,24-26)
Observamos que o consumo de bebidas alcoólicas e de drogas ilícitas é alto nesse grupo. Em relação ao consumo de bebidas alcoólicas, o consumo foi maior entre fumantes e ex-fumantes e, em relação ao consumo de drogas ilícitas (cocaína, crack e maconha) houve
signiicância nesses dois grupos em comparação com Tabela 6. Uso de drogas ilícitas, cocaína, maconha e bebidas alcoólicas na amostra estudada (N = 83).
Uso de drogas ilícitas
Status tabágico Sim Não Total p
n (%) n (%) n (%)
Fumantes 36 (43,3) 23 (27,7) 59 (71,1) 0,0271
Não fumantes 6 (7,2) 13 (15,8) 19 (22,9) 0,0515
Ex-fumantes 1 (1,2) 4 (4,8) 5 (6,0) 0,2019
Total 43 (51,7) 40 (48,3) 83 (100,0)
Uso de cocaína
Status tabágico Sim Não Total p
n (%) n (%) n (%)
Fumantes 24 (28,9) 35 (42,2) 59 (71,1) 0,0656
Não fumantes 5 (6,0) 14 (16,9) 19 (22,9) 0,0094
Ex-fumantes 0 5 (6,0) 5 (6,0) 0,0114
Total 29 (34,9) 54 (65,1) 83 (100,0)
Uso de maconha
Status tabágico Sim Não Total p
n (%) n (%) n (%)
Fumantes 27 (32,5) 32 (38,6) 59 (71,1) 0,4615
Não fumantes 2 (2,4) 17 (20,5) 19 (22,9) < 0,0001
Ex-fumantes 1 (1,2) 4 (4,8) 5 (6,0) 0,2059
Total 30 (36,1) 53 (63,9) 83 (100,0)
Uso de bebidas alcoólicas
Status tabágico Sim Não Total p
n (%) n (%) n (%)
Fumantes 54 (65,1) 5 (6,0) 59 (71,1) < 0,0001
Não fumantes 16 (19,3) 3 (3,6) 19 (22,9) < 0,0001
Ex-fumantes 4 (4,8) 1 (1,2) 5 (6,0) 0,2059
as não fumantes; portanto, podemos sugerir que o consumo de tabaco esteja associado ao consumo de drogas ilícitas.
O tabagismo é classiicado como fator de risco para
o envolvimento com outras drogas e é visto como antecessor ao envolvimento com drogas ilícitas, como a maconha, a cocaína e o crack. Em uma revisão
bibliográica, veriicou-se que foi possível identiicar
uma relação positiva entre o consumo de cigarro e de cocaína. Em tabagistas, o número de cigarros fumados sob o efeito de cocaína é maior, tornando-se essencial a inserção do tratamento do tabagismo concomitante ao tratamento da dependência de outras substâncias.(27,28)
E em relação às bebidas alcoólicas, os estudos não são muito conclusivos, visto que alguns estudos quantitativos trazem essa associação de forma positiva, dizendo que os consumidores de álcool são mais propensos a consumir e, futuramente, desenvolver a dependência do cigarro, enquanto outros estudos não mostram uma correlação entre o uso de ambos.(29-31)
Quando analisamos a ansiedade, a depressão e o
estresse percebido, não houve diferenças signiicativas
entre as mulheres; portanto, ser tabagista não esteve associado a nenhum desses sintomas. Entretanto, pudemos constatar que a ansiedade foi um sintoma
prevalente na maioria das PS e que pode estar ligada
à própria proissão e ao ambiente de trabalho, já que
não está associada apenas às tabagistas. A associação entre essas questões emocionais e o tabagismo é bastante complexa; estudos indicam que o tabagismo é um fator de risco para transtornos de ansiedade(32)
e a associação entre ambos é mais forte do que em relação à depressão; porém, acredita-se na hipótese de que essas questões emocionais surgiram antes mesmo do consumo de cigarros.(33)
Por estarem expostas a diversos fatores de risco, como o consumo de drogas lícitas e ilícitas, concluímos que a redução de danos seria uma estratégia importante a ser trabalhada nesse grupo de mulheres que vivem em uma situação de vulnerabilidade. Entendemos a redução de danos como uma estratégia de intervenção tardia, de baixa exigência, a qual se enquadra no nível da prevenção terciária, pois não se estabelece como meta inicial a abstinência do uso da droga, mas sim a minimização de suas consequências.(34) A redução de
danos consiste em intervenções singulares direcionadas a fornecer informação, educação e aconselhamento sobre os possíveis riscos e danos relacionados ao consumo de drogas lícitas e ilícitas, priorizando a qualidade de vida dos usuários,(35) como é o caso da
população estudada.
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