RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO
AUTOR(A/S)(ES) :MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERALDA REPÚBLICA INVEST.(A/S) :KÁTIA REGINADE ABREU
ADV.(A/S) :SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
DECISÃO: O Ministério Público Federal, em pronunciamento
subscrito pelo eminente Senhor Procurador-Geral da República, Dr. RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, manifestou-se pelo
arquivamento deste procedimento penal instaurado contra a Senadora
Federal Kátia Regina de Abreu, em promoção assim fundamentada (fls. 113/119):
“INQUÉRITO. PENAL. FALSIFICAÇÃO
DE SELO OU SINAL PÚBLICO. ART. 296, § 1º, II E III, DO CÓDIGO PENAL.
MATERIALIDADE CONFIGURADA.
CRIME IMPUTADO, EM TESE, À SENADORA DA REPÚBLICA. NÃO
VERIFICAÇÃO DA AUTORIA.
EXISTÊNCIAS DE OUTROS
INQUÉRITOS TRATANDO DE FATOS SIMILARES. REQUERIMENTO PELO ARQUIVAMENTO DO FEITO EM RELAÇÃO À PARLAMENTAR E PELO DECLÍNIO DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL DO DISTRITO FEDERAL.
Inquérito policial instaurado pela DPF em Londrina, no qual se aponta para a possível prática do delito previsto pelo art. 296, § 1º, II e III, do CP. Reconhecida, nos autos, a competência da Justiça Federal
investigada ter sede na Capital Federal. Crime praticado, em tese, com a participação de Senadora da República. Autos remetidos à Suprema Corte, onde foram autuados.
Identificados outros inquéritos tramitando no STF, tratando de fatos similares, sendo adequada a reunião dos feitos.
Configurada a materialidade e não verificados elementos mínimos da autoria da Parlamentar. Necessidade de declínio para o Juízo competente para o aprofundamento nas investigações, a fim de delimitar a autoria do ilícito ora investigado.
Manifestação pelo arquivamento em relação à Senadora, com a ressalva do art. 18 do CPP, e pelo declínio da competência para a Justiça Federal do Distrito Federal.
Trata-se de inquérito instaurado originariamente junto à Delegacia da Polícia Federal de Londrina/PR no qual se
investiga a suposta prática do crime previsto pelo art. 296, § 1º, II e III, do Código Penal.
No caso, durante o transcurso de reclamação trabalhista
verificou o Magistrado da Justiça do Trabalho a emissão, pela CNA, de demonstrativos de constituição de crédito e de guias de recolhimento de contribuição fiscal nos quais eram utilizados o brasão da República Federativa do Brasil e, ao lado, a inscrição “Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, além do nome e sigla da mencionada confederação.
Na sentença que proferiu no âmbito da Justiça Trabalhista, (cópia a fls. 04-09 dos autos), o magistrado explicitou
destacando que o uso do brasão poderia funcionar, de forma indevida, como elemento coativo ao particular que recebe a guia de contribuição com o referido símbolo.
Tendo em conta o possível cometimento do ilícito mencionado, a Vara do Trabalho de Apucarana encaminhou,
mediante o Ofício n. 2.695.398/2011, as referidas informações, que resultaram em instauração, no MPF, de Peças de Informação Criminal e, posteriormente, na instauração do Inquérito Policial, que tramitava inicialmente na Vara Federal da Seção de Apucarana, Seção Judiciária do Paraná.
Posteriormente, manifestou-se o Ministério Público Federal
em Apucarana pelo declínio de competência para a Seção Judiciária do Distrito Federal para a apreciação do feito (cópia a fls. 41-42), tendo em vista que a sede da CNA, entidade responsável pela possível prática delituosa, estaria localizada em Brasília. Reconhecida a incompetência do Juízo Federal de Apucarana (cópia da decisão à fl. 43), os autos foram remetidos para o Distrito Federal, passando a tramitar na 12ª Vara Federal do Distrito Federal sob o n. 41391-95.2013.01.3400.
Identificando-se, no transcorrer das investigações, que a
Senadora da República Kátia Regina de Abreu ocupava, à época dos fatos, a Presidência da CNA, foram remetidos os autos a essa Corte Suprema – e autuados –, com fulcro no art. 102, I, ‘b’, da Constituição Federal. Recebidos os autos pela e. Suprema Corte, vieram para essa Procuradoria Geral da República para as providências cabíveis (fl. 111).
Dentre as informações prestadas pela CNA, mediante o Ofício n. 609/2013-CNA, de 30 de outubro de 2013, é sustentado
pelo Chefe da Assessoria Jurídica que a Confederação fez uso, de forma adequada, de um modelo de Guia de Recolhimento de Contribuição Sindical Rural aprovado pelo MTE por meio da
Portaria MTB/GM n. 3233, de 29 de novembro de 1983.
Argumentou, ainda, que a Contribuição Social Rural (CSR) faz
parte do rol de contribuições sociais previstas pela Carta Magna, pelos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias e por legislação infraconstitucional (CLT e DL n. 1.166/71). Apontou, assim, que
‘a solidariedade entre credores, preconizada nos artigos 267 a 274 do Código Civil – CC, envolvendo parte de numerário pertencente ao Estado (MTE), gera plena legalidade do ato; via de consequência, acha-se formalmente aprovado o modelo da GRCSR utilizado pela CNA’. Foi anexada à manifestação um suposto modelo de GRCSR (fl. 80) – Guia de Recolhimento de Contribuição Social Rural –, com o intuito de embasar a tese entabulada.
Destaque-se, ainda, que está anexada ao Inquérito n. 3.834-
-MG a Nota Informativa n. 278/CGRT/SRT/MTE/2013 (fls. 26-27), exarada pela Secretaria de Relações de Trabalho da Coordenação-Geral de Relações de Trabalho do MTE, da qual se extrai, por se tratar de situação muito semelhante ao caso em comento e pela relevância ao caso, o seguinte excerto:
[…] 2. no que diz respeito à forma empregada para a
cobrança, tem-se que o MTE aprovou modelo da Guia de
Recolhimento de Contribuição Sindical Urbana (‘sic’) – GRCSU para empregadores, empregados, avulsos, profissionais liberais e agentes ou trabalhadores autônomos, bem como as instruções pertinentes ao preenchimento da referida guia, por intermédio da Portaria
Ministerial nº 488, de 23 de novembro de 2005.
3. O modelo de GRSU aprovado pela referida Portaria não
apresenta qualquer menção quanto à utilização da logomarca do Ministério do Trabalho e Emprego ou Brasão da República, justamente porque as guias são emitidas pelas próprias entidades sindicais, por meio de sistema informatizado disponibilizado pela Caixa Econômica Federal, sem possibilidade de controle por este Órgão.
4. No caso das contribuições sindicais a própria consolidação das Leis do Trabalho, como evidenciado pela
interpretação sistêmica dos arts. 586, 588, 589, estabelecem a competência da Caixa Econômica Federal como ente responsável pelo recolhimento das referidas contribuições.
5. Nesse diapasão, resta evidente que a emissão da GRCSU
não é atividade administrativa atribuída ao Ministério do Trabalho e Emprego e, por conseguinte, insuscetível da utilização do nome deste Órgão nas referidas guias, bem como a sua logomarca e eventuais
símbolos da República Federativa do Brasil.
6. Desta feita, opina-se pela irregularidade do emprego do
Brasão da República Federativa do Brasil e do nome do Ministério do Trabalho em Emprego junto às Guias de Recolhimento de Contribuição Social Urbana (‘sic’).
7. No ensejo, sugere-se, seja cientificado o Ministério Público
Federal para que avalie a necessidade de instauração de investigação criminal em face do uso indevido de sinais identificadores da Administração Pública, tendo em vista a possível incursão nas condutas previstas pelo artigo 296, § 1º, III, do Código Penal Brasileiro. […] […]
Tal informação deita por terra a tese trazida pela CNA de que apenas fez uso de um modelo já aprovado pelo MTE,
restando clara, portanto, a materialidade do ilícito perpetrado.
As provas dos autos também não deixam dúvidas de que a
Presidente da CNA à época dos acontecimentos era a atual Senadora Kátia Abreu (termo de posse às fls. 99-100).
No entanto, tal circunstância, por si só, não pode implicar em
indicativo de autoria do suposto ilícito pela senadora. Para eventual responsabilização e até declínio a justificar a competência do Supremo Tribunal Federal, é essencial – na linha de reiterados precedentes – a presença de mínimos elementos objetivos indicando a possível autoria.
Muito embora os elementos sejam suficientes, de início,
para a continuidade das investigações, não há indícios suficientes
da eventual participação da Parlamentar investigada. Isso
porque o simples fato de ele ocupar a Presidência da CNA no período em que ocorreram os fatos não implica na sua participação nos supostos ilícitos perpetrados. E nem mesmo se verificam diligências possíveis, no momento, a identificar a sua atuação na prática narrada. Acaso ulteriormente sobrevenham estes elementos, nenhum empeço para nova remessa ao STF.
Verificou-se, ainda, a existência de, pelo menos, mais três
inquéritos acerca de fatos similares e tramitando nessa e. Corte Suprema tratando da suposta prática do crime em comento pela Senadora investigada: Inquéritos n. 3.834-MG, n. 3.843-DF e n. 3.832-PR. Os três casos tratam de delitos idênticos, possivelmente
praticado pela CNA, mas, destaca-se, dizem respeito a fatos diversos.
Convém mencionar, ainda, que no presente caso se declinou,
inicialmente, para a Justiça Federal do Distrito Federal, tendo em conta que a sede da CNA é na Capital Federal.
Por esses motivos, entende-se adequado que se proceda à
reunião dos feitos quatro processos (o presente, e os
Inquéritos n. 3.834-MG, n. 3.843-DF e n. 3.832-PR), de modo que
tramitem de forma única e sejam analisados conjuntamente pela Justiça Federal do Distrito Federal, tendo em conta que a sede da CNA está firmada na Capital Federal. Tal medida contribuiria sobremaneira para a celeridade e a efetividade processual.
Ante o exposto, o Procurador-Geral da República manifesta-se pelo arquivamento do feito em relação à Senadora
da República Kátia Regina de Abreu, com a ressalva do art. 18 do CPP, e pelo declínio da competência, remetendo-se os autos à
Justiça Federal do Distrito Federal, tendo em conta que a
instituição ora investigada é sediada naquela Capital.” (grifei)
Sendo esse o contexto, passo a examinar a proposta de arquivamento formulada pelo Ministério Público Federal. E, ao fazê-lo, tenho-a por acolhível, pois o Supremo Tribunal Federal não pode recusar pedido de
arquivamento, sempre que deduzido pelo próprio Procurador-Geral da República (RTJ 57/155 – RTJ 69/6 – RTJ 73/1 – RTJ 116/7, v.g.), que
entendeu inocorrente, na espécie, a presença de elementos essenciais e autorizadores da formação da “opinio delicti”:
“O PEDIDO DE ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO
POLICIAL, MOTIVADO PELA AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE PERMITAM AO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA FORMAR A ‘OPINIO DELICTI’, NÃO PODE SER RECUSADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
– Se o Procurador-Geral da República requer o arquivamento de inquérito policial, de peças de informação ou de expediente consubstanciador de ‘notitia criminis’, motivado pela ausência de elementos que lhe permitam formar a ‘opinio delicti’, por não
caracterizem), essa promoção não pode deixar de ser acolhida pelo
Supremo Tribunal Federal, pois, em tal hipótese, o pedido emanado
do Chefe do Ministério Público da União é de atendimento
irrecusável . Doutrina. Precedentes.”
(RTJ 192/873, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
“ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO, A PEDIDO DO
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, POR AUSÊNCIA DE ‘OPINIO DELICTI’ – IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO QUE O DEFERE – REQUISITOS QUE CONDICIONAM A REABERTURA DAS INVESTIGAÇÕES PENAIS.
– É irrecorrível a decisão que acolhe pedido de arquivamento de inquérito policial ou de peças consubstanciadoras de ‘notitia criminis’ (RT 422/316), quando deduzido pelo Procurador-Geral da República,
motivado pelo fato de não dispor de elementos que lhe possibilitem o reconhecimento da existência de infração penal, pois
essa promoção – precisamente por emanar do próprio Chefe do Ministério Público – traduz providência de atendimento irrecusável pelo Supremo Tribunal Federal (...). Doutrina. Precedentes.”
(RTJ 190/894, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Sendo assim, e tendo presentes as razões expostas, acolho a promoção
subscrita pelo eminente Senhor Procurador-Geral da República,
determinando, em consequência, o arquivamento dos presentes autos, exclusivamente, em relação à Senadora Federal Kátia Regina de Abreu
(Lei nº 8.038/90, art. 3º, I), única detentora de prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, ressalvando, no entanto, nos termos do art. 18 do CPP, a possibilidade de reabertura das investigações penais,
desde que haja provas substancialmente novas (RTJ 91/831 – RT 540/393 – RT 674/356 – Pet 2.820-AgR/RN, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Súmula 524/STF, v.g.).
De outro lado, e considerando o pleito formulado pelo Ministério
Público Federal a fls. 119, remetam-se os presentes autos, por intermédio do E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ao Juiz Federal competente da Seção Judiciária do Distrito Federal, a quem o feito couber por distribuição.
Comunique-se a presente decisão ao eminente Chefe do Ministério
Público da União. Publique-se.
Brasília, 03 de setembro de 2014.
Ministro CELSO DE MELLO Relator