• Nenhum resultado encontrado

Política Internacional como Ciência? A teoria de dissuasão e o caso Estados Unidos-Coreia do Norte

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Política Internacional como Ciência? A teoria de dissuasão e o caso Estados Unidos-Coreia do Norte"

Copied!
70
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARCOS VINÍCIUS DA SILVA DE PAULA

POLÍTICA INTERNACIONAL COMO CIÊNCIA?

A TEORIA DE DISSUASÃO NUCLEAR E O CASO ESTADOS UNIDOS-COREIA DO NORTE

Florianópolis 2020

(2)

MARCOS VINÍCIUS DA SILVA DE PAULA

POLÍTICA INTERNACIONAL COMO CIÊNCIA?

A TEORIA DE DISSUASÃO NUCLEAR E O CASO ESTADOS UNIDOS-COREIA DO NORTE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Relações Internacionais, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção de título de Bacharel em Relações Internacionais.

Orientador: Prof. Paulo Roberto Ferreira, Me.

Florianópolis 2020

(3)

MARCOS VINÍCIUS DA SILVA DE PAULA

POLÍTICA INTERNACIONAL COMO CIÊNCIA?

A TEORIA DE DISSUASÃO NUCLEAR E O CASO ESTADOS UNIDOS-COREIA DO NORTE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Relações Internacionais, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção de título de Bacharel em Relações Internacionais.

Florianópolis, 23 de julho de 2020

____________________________________________________ Professor e orientador Me. Paulo Roberto Ferreira

Universidade do Sul de Santa Catarina

____________________________________________________ Prof. Dr. Rafael de Miranda Santos

Universidade do Sul de Santa Catarina

____________________________________________________ Profa. Dr. Silvia Natalia Barbosa Back

Universidade do Sul de Santa Catarina

Florianópolis 2020

(4)

Dedico este trabalho à minha mãe. Ninguém merece mais do que você.

(5)

AGRADECIMENTOS

Minha gratidão eterna à minha mãe, Jucimara Eliane da Silva, sem a qual esta trajetória não seria possível. Sua luta me motivou e orientou nos momentos de dúvida. A importância de seu apoio é imensurável para mim.

À minha família, em especial meus avós, Eronilda e José Hilton, por incentivarem e lembrarem que a educação é sempre uma oportunidade.

Aos meus professores por todos os ensinamentos, mas especialmente ao meu orientador Prof. Me. Paulo Roberto Ferreira, pelas colaborações, pelas incríveis discussões oportunizadas e, claro, por ter aceitado fazer parte dessa construção.

À minha namorada, Alexia Ribeiro, por seu carinho, compreensão, apoio e envolvimento durante toda essa jornada.

(6)

“Nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar pode esperar encontrar respostas para os problemas que a afligem.” (BAUMAN, Zygmunt)

“Numa época de mentiras universais, dizer a verdade é um ato revolucionário.” (ORWELL, George)

(7)

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo geral compreender se as recentes análises sobre a possibilidade de conflito nuclear nos anos de 2017 a 2019 entre Estados Unidos e Coréia do Norte podem ser consideradas científicas conforme os critérios tradicionais da filosofia da ciência. Inicialmente, disserta-se com base nas contribuições de Karl Popper, Imre Lakatos e Thomas Kuhn, de forma a ser possível apreender o que constitui o método científico. Além disso, o presente trabalho estuda as duas principais questões da filosofia da ciência: o problema da indução e o problema da demarcação. Após isso, torna-se necessário apresentar e avaliar a teoria da dissuasão nuclear apresentada por Kenneth Waltz demonstrando como ela pode ser falseada quando confrontada pela perspectiva popperiana da ciência. Posteriormente, é feito uma apresentação das principais análises quanto a possibilidade de conflito nuclear entre Estados Unidos e Coreia do Norte através de publicações de revistas e jornais internacionais, ao passo que são comparadas com a hipótese teórica da dissuasão nuclear de Kenneth Waltz buscando entender sua falseabilidade. Como conclusão, demonstra-se como as análises são baseadas na indução e, por consequência, não podem ser consideras científicas quando confrontadas com os critérios do falsificacionismo de Karl Popper. Identifica-se também como a teoria de Kenneth Waltz fornece base segura enquanto afirmação científica importante para política internacional ao passo em que pode ser falseado.

Palavras-chave: Teoria. Falsificacionismo. Indutivismo. Dissuasão Nuclear. Estados

(8)

ABSTRACT

This work has the general objective to understand if the recent analyzes about the possibility of nuclear conflict from 2017 to 2019 between the United States and North Korea can be considered scientific according to the traditional criteria of the Philosophy of Science. Initially, it is based on the contributions of Karl Popper, Imre Lakatos and Thomas Kuhn, in order to be able to understand what constitutes the scientific method. In addition, the present work studies the two main questions of the philosophy of science: the induction’s problem and the demarcation’s problem. After that, it becomes necessary to present and evaluate the theory of nuclear deterrence presented by Kenneth Waltz, demonstrating how it can be falsified when confronted by the Popperian perspective of science. Subsequently, a presentation of the main analyzes regarding the possibility of nuclear conflict between the United States and North Korea is made through publications from international magazines and newspapers, while they are compared with the theoretical hypothesis of Kenneth Waltz's nuclear deterrence seeking to understand its falsifiability. In conclusion, it demonstrates how the analyzes are based on induction and, consequently, cannot be considered scientific when confronted with the criteria of Karl Popper's falsificationism. It also identifies how Kenneth Waltz's theory provides a secure basis as an important scientific statement for international politics while it can be falsified.

Keywords: Theory. Falsificationism. Inductivism. Nuclear deterrence. United States.

(9)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 9

2 O QUE É CIÊNCIA, AFINAL? APRESENTANDO A FILOSOFIA DA CIÊNCIA . 13 2.1 O MÉTODO INDUTIVISTA E A CIÊNCIA ... 13

2.2 O FALSIFICACIONISMO EM KARL POPPER ... 17

2.3 OS PROGRAMAS DE PESQUISA EM LAKATOS ... 20

2.4 THOMAS KUHN E OS PARADIGMAS CIENTÍFICOS ... 23

2.5 CONSIDERAÇÕES DO CAPÍTULO... 27

3 A DISSUASÃO NUCLEAR EM KENNETH WALTZ ... 29

3.1 PREMISSAS DO SISTEMA DA POLÍTICA INTERNACIONAL ... 29

3.2 O REALISMO ESTRUTURAL DE WALTZ E A DISSUASÃO MÚTUA ASSEGURADA ... 32

3.3 CONSIDERAÇÕES DO CAPÍTULO... 41

4 ANÁLISES E PREVISÕES DA POSSIBILDIADE DE GUERRA ENTRE EUA-COREIA DO NORTE ... 42

4.1 ARGUMENTOS INDUTIVISTAS NAS PREVISÕES DE GUERRA NUCLEAR ENTRE ESTADOS UNIDOS E COREIA DO NORTE ... 42

4.2 AS PREVISÕES CITADAS PODEM SER CONSIDERADAS CIENTÍFICAS?.. 51

4.3 CONSIDERAÇÕES DO CAPÍTULO... 62

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 63

(10)

1 INTRODUÇÃO

As Relações Internacionais contemporâneas mostram-se complexas e exigem leituras precisas de cenários políticos, econômicos e sociais apresentados no sistema internacional. Desta forma, a disciplina se desenvolve e inova fazendo análises sobre assuntos como a cooperação, a guerra, o mercado etc. A realização de estudos como estes são de fundamental importância para que se possa entender a realidade política, econômica e cultural do mundo.

Entende-se que as relações entre os Estados nem sempre são amistosas e diplomáticas, mas belicosas e conflituosas em campos de competição internacional. Nesse contexto, estudar e compreender as relações entre as nações torna-se necessário para que haja um esclarecimento quanto aos motivos e razões por trás de suas ações. A interpretação desses comportamentos e seus impactos nas políticas externas são parte do campo das Relações Internacionais – e visam entender o cenário, a fim de que previsões sobre ele sejam possíveis de serem feitas.

É comum encontrar em jornais e revistas nacionais e internacionais suposições de cenários futuros. De certa forma, tentar prever os cenários internacionais é uma tarefa difícil, mas quanto mais precisa for uma leitura, maior a probabilidade de as previsões estarem corretas. Portanto, é importante valorizar e utiliza-se de teorias que deem embasamento e sustentação à orientação destas previsões – de modo que estas não sejam imprecisas e não colaborem na criação de alardes de acontecimentos que, posteriormente, não ocorrerão.

Um exemplo disto pode ser visualizado nas decorrentes previsões referentes à iminência de guerras nucleares – que embora nunca tenham ocorrido, são frequentemente alardeadas por especialistas, como se verá nos capítulos posteriores do presente trabalho. O advento do armamento nuclear criou, em muitos estudiosos de diferentes áreas, a ideia de catástrofe e perigo mundiais – embora muitos destes especialistas não baseiem suas previsões em teorias científicas.

Em contra partida, Kenneth Waltz contribuiu para a área das relações internacionais com sua teoria da dissuasão nuclear, derivada do realismo estrutural, apresentando uma hipótese falseável que é sustentada na crença de que a guerra nuclear não ocorrerá, pois o uso de armas nucleares é irracional e anula qualquer perspectiva de vitória (WALTZ, 1981).

(11)

Nos anos de 2017 a 2019 o sistema internacional foi palco de tensões entre duas nações nuclearizadas: Estados Unidos e Coreia do Norte. Lideradas por Donald Trump e Kim Jong-Un, ambas se ameaçavam mutuamente e colocavam, para muitos, o futuro do mundo em jogo. Desta forma, diversas previsões quanto a possibilidade de conflito foram surgindo nos periódicos internacionais. Estas, partiam de acadêmicos, cientistas políticos, jornalistas etc. que, devido as tensões apresentadas na realidade, previam um conflito nuclear iminente.

O fenômeno da guerra é frequentemente observado na política internacional. Porém, quando se trata de armas nucleares, percebe-se que seu uso é constantemente evitado devido ao seu potencial destrutivo. Os estados não as utilizam por razões de sobrevivência. Portanto, pressupor seu uso é tido como irracional para o realismo estrutural (WALTZ, 1981).

Dessa maneira, supor que armas nucleares dissuadem armas nucleares na política internacional (WALTZ, 1981) é entender a afirmação como uma hipótese que pode ser falseável (segundo os critérios implementados por Karl Popper). Para tanto, basta-se observar diversos casos que se evidenciam constantemente nas disputas políticas e econômicas entre as nações no sistema internacional.

A hipótese apresentada por Waltz agrega valor às relações internacionais, pois está enraizada nos critérios da filosofia da ciência. Assim, quando o autor se preocupa em apresentar uma análise dedutiva da política internacional, ou seja, pautada em uma teoria que precede a observação, o faz apoiado pela ideia de que a ciência está para ser testada.

A política internacional é de tamanha importância para a análise da política mundial. Contudo, grande parte das previsões nas relações internacionais partem de premissas indutivas e não-falseáveis e, assim sendo, afastam-se dos tradicionais critérios da filosofia da ciência. Desta forma, suas suposições passam a não ser tão confiáveis e a disciplina, por vezes, estagna e não demonstra sua verdadeira importância.

Esta preocupação é fundamental para a elaboração do presente estudo que tem como finalidade debater algumas previsões realizadas durante o período das tensões observadas e verificar se estas podem ser consideradas científicas pelo critério de falseabilidade de Karl Popper – além de compará-las com a teoria de dissuasão nuclear proposta por Kenneth Waltz.

(12)

Para isto, o seguinte problema de pesquisa foi elaborado, com o intuito de ordenar o presente trabalho: as recentes análises sobre a possibilidade de conflito nuclear entre EUA e Coréia do Norte podem ser consideradas científicas conforme os critérios tradicionais da filosofia da ciência?

Para tanto, tem-se como objetivo geral compreender se as recentes análises sobre a possibilidade de conflito nuclear entre EUA e Coréia do Norte podem ser consideradas científicas conforme os critérios tradicionais da filosofia da ciência.

Para que se chegue a inclinações acerca do problema formulado, foram traçados quatro eixos de pesquisa, dispostos como objetivos específicos deste trabalho: dissertar sobre as bases tradicionais da Filosofia da Ciência; apresentar a teoria de dissuasão nuclear de Kenneth Waltz; apresentar as principais análises sobre a possibilidade de conflito nuclear entre EUA e Coreia do Norte; e comparar as análises com as teorias de dissuasão nuclear.

Como aporte metodológico, foi utilizado o recurso objetivo descritivo e exploratório, sob o método hipotético-dedutivo, com abordagem qualitativa e realizada com procedimentos bibliográficos e documentais. Isto, visando analisar seis artigos publicados em jornais e revistas internacionais, que formam os objetos de análise deste trabalho. São eles:

• Waiting for the Bomb to Drop – Eliot A. Cohen. Publicado no The

Atlantic em 03 de janeiro de 2018.

• Armed and Dangerous – When Dictators Get the Bomb – Scott D.

Sagan. Publicado na Foreign Affairs em novembro de 2018

• Don't assume Trump is more responsible with nuclear weapons than North Korea – Anna Weichselbraun. Publicado no The Guardian no dia 06 de julho de 2017.

• Trump has taken us to the brink of nuclear war. Can he be stopped? –

Jonathan Freedland. Publicado no The Guardian no dia 09 de agosto de 2017.

• Trump is the real nuclear threat, and we can’t just fantasise him away

- Jonathan Freedland. Publicado no The Guardian no dia 11 de agosto de 2017.

• The Unthinkable – Uri Friedman. Publicado no The Atlantic no dia 25

(13)

• Nuclear War has become thinkable again – we need a reminder of what

it means – Paul Manson. Publicado no The Guardian no dia 17 de abril de 2017.

• Donald Trump Wants to Make It Easier to Start a Nuclear War. This

Should Petrify Us – Mehdi Hasan. Publicado no The Intercept no dia 08 de fevereiro de 2018.

Parte-se da hipótese de que as análises e previsões, em grande maioria, não podiam ser falseadas, ou seja, eram fundamentadas na indução e, portanto, não podem ser consideradas científicas. Já a dissuasão nuclear é a teoria falseável e que pode ser confrontada diante da realidade.

O trabalho está organizado em cinco capítulos. No primeiro capítulo, tem-se uma breve apresentação do tema e a introdução ao problema e objetivos de pesquisa, bem como a delimitação dos objetos de estudo e o aporte teórico metodológico utilizado.

No segundo capítulo, apresenta-se as bases da filosofia da ciência fundamentadas por seus principais teóricos (Karl Popper (2013), Imre Lakatos (1993), Thomas Kuhn (1993)). Ao longo do capítulo, discute-se o problema da indução como método científico e suas diferenças com o método hipotético-dedutivo. Procura-se elucidar o que constitui conhecimento científico, assim como apresentar o critério de demarcação entre ciência e pseudociência.

No terceiro capítulo, apresenta-se a teoria da dissuasão nuclear derivada do realismo estrutural de Kenneth Waltz (1981). Demonstra-se como a hipótese é estruturada em bases sólidas e testáveis e, portanto, é científica ao passo em que pode ser falseada pelos critérios do falsificacionismo de Karl Popper (2013).

1. No quarto capítulo, detalha-se os objetos de estudo e realiza-se as análises sobre a possibilidade de conflito nuclear entre Estados Unidos e Coreia do Norte no período de 2017 a 2019, comparando-as com a hipótese da dissuasão nuclear de Waltz (1981). Em seguida apresenta-se as considerações finais e conclui-se a presente pesquisa.

(14)

2 O QUE É CIÊNCIA, AFINAL? APRESENTANDO A FILOSOFIA DA CIÊNCIA

Nesta seção serão apresentados e debatidos a filosofia da ciência1 junto a seus principais colaboradores no que tange ao que é ciência e os métodos junto as críticas de como fazer com que determinadas teorias e afirmações possam ser consideras científicas. Será debatido e apresentado as críticas quanto ao método indutivista, assim como os reflexos do falsificionismo em Popper e Lakatos, assim como os paradigmas em Kuhn.

2.1 O MÉTODO INDUTIVISTA E A CIÊNCIA

De acordo com o dicionário DICIO da língua portuguesa o termo “ciência” é: “[a] reunião dos saberes organizados obtidos por observação, pesquisa ou pela demonstração de certos acontecimentos, fatos, fenômenos, sendo sistematizados por métodos ou de maneira racional” (DICIO, 2020). Para elaborar conhecimento científico, o pesquisador no processo da investigação pode utilizar dois métodos: o indutivo e o dedutivo.

O raciocínio indutivo parte da observação, ou seja, o observador que apontará os fatos deve ter órgãos sensitivos e expor o que puder ver, ouvir, tocar etc. As suas observações devem ser livres de preconceitos. O conjunto de observações a respeito do estado do mundo, ou de alguma parte dele, são utilizadas para alicerçar as leis e teorias que fundam o conhecimento científico. Dessa forma, as observações devem ser realizadas com o uso dos sentidos em determinado tempo e lugar (CHARLMERS, 1993). Com base nisso, pode-se afirmar que o conhecimento indutivo se resume a uma lista finita de afirmações singulares para a justificação de uma afirmação universal, partindo do particular para o todo através do processo da indução (CHARLMERS, 1993). De acordo com Charlmers (1993, p. 26) “podemos resumir a posição indutivista ingênua dizendo que, de acordo com ela, a ciência é baseada no princípio de indução. Para ilustrar a proposição da indução de forma legitimar o

1 “A escolha das abordagens filosóficas de Popper (2013), Kuhn (1993) e Lakatos (1993) como os critérios a serem considerados num primeiro nível, neste trabalho, reside no fato de que essas três abordagens são, reconhecidamente, as principais referências do ramo da Filosofia da ciência do século XX. Elas representam as contribuições filosóficas que mais tiveram implicações na discussão do segundo maior problema da Filosofia da ciência, que é o problema da demarcação” (DA SILVA, Eduardo D.; DA COSTA, Rodrigo S., 2019, p. 04).

(15)

determinado conhecimento, tem-se o seguinte exemplo: um observador ao notar um grande número de “As” em uma ampla diversidade de circunstâncias, percebe que se todos os “As” observados possuírem, sem exceção, a propriedade “B”, então todos os “As” têm a propriedade “B” (CHARLMERS, 1993).

Para determinar uma generalização, é necessário que certas condições estejam claras, dando ao observador condições que satisfaçam sua argumentação para permitir uma generalização, ou seja, elaborando leis e teorias. Para conceber teorias e leis a partir da experiência, de modo a comprová-las, o indutivista precisará de muitas observações (para dar base), que devem ser recorrentes sob uma ampla diversidade de condições e nenhuma delas deve conflitar com a lei derivada. Dessa forma, o pensamento indutivo fornece já em suas observações elementos e fundamentos da própria conclusão. Portanto, no raciocínio indutivo, é perfeitamente possível partir de enunciados singulares para o geral e quanto mais esta capacidade e experimentação for evoluindo, maior a será o alcance das leis e teorias, pois serão feitas por uma base empírica forte e legítima. Sendo assim, entende-se o indutivismo ligado à experiência e não à lógica (CHALMERS, 1993).

Já no raciocínio dedutivo, também conhecido como lógico-dedutivo, as teorias precedem à observação. Aqui, “as observações e experimentos são realizados no sentido de testar ou lançar luz sobre alguma teoria, e apenas aquelas observações consideradas relevantes devem ser registradas” (CHALMERS, 1993, p. 58). Quando bem formuladas, as teorias são um pré-requisito para observações precisas. Aqui se parte do geral para o específico. O raciocínio indutivo faz uso da lógico para atestar uma conclusão. Dessa forma, se as premissas de uma dedução logicamente válida são verdadeiras, então a conclusão deve ser verdadeira (CHALMERS, 1993). Segundo Chalmers (1993, p. 29) “A dedução está relacionada com a derivação de afirmações de outras afirmações dadas”. Por conseguinte, o raciocínio dedutivo implica também na capacidade de entender as leis e teorias como um instrumento de previsão e explicação na ciência (CHALMERS, 1993). Sendo assim, os métodos divergem em si, pois a indução se realiza a partir de observações divergindo da dedução cuja base são conhecimentos gerais e preestabelecidos, conforme figura abaixo:

(16)

Fonte: (CHALMERS, 1993, p. 27)

Entender os dois métodos é vital para entender as proposições teóricas apresentadas por estudiosos e cientistas. A dicotomia metodológica gerou um debate interessante na filosofia da ciência, vital para compreensão deste trabalho. Sendo assim, o método indutivista será retomado diante de suas problemáticas a fim de trabalhar os pontos que segundo Popper a distanciam de um método científico.

O indutivismo pode ser entendido como uma observação que parte do particular para o geral, através de um ciclo de observação e, ou, experimentação; levando a formulação de hipóteses explicativas; gerando então teorias e observações universais (CHALMERS, 1993). Contudo, no que tange este raciocínio, há uma grande discussão na filosofia da ciência: o problema da indução. A método é, por si só, incapaz de prever, uma vez que não há garantias que esses eventos ocorridos no passado repetir-se-ão no futuro (ROSA, 2006).

A proposta indutiva está embasada em uma crença na regularidade da natureza, em outras palavras, as generalizações desenvolvidas aceitam que os eventos futuros serão similares aos passados. A indução, infelizmente, não pode garantir a verdade das teorias. Mesmo que um grande número de informações obtidas através da observação favoreça uma teoria, ela pode vir a ser falseada (CHALMERS, 1993; POPPER, 2013). Ou sejam por não estar claro como qualquer quantidade finita de informações sobre o que ocorreu no passado poderá garantir que um padrão irá se perpetuar por todo o tempo a hipótese acabar por tornar-se inválida (PAPINEAU, 2014).

Desse modo, para muitos autores e cientistas, a indução não pode ser considerada como científica. Karl Popper é um desses, pois para este,os cientistas não começam com determinadas observações para então ensaiar uma teoria capaz de generalizar as hipóteses. Segundo Popper, a ciência de fato ocorre quando um

(17)

cientista propõe uma hipótese, não corroborada até o momento, que será testada por experimentos em contraponto com as observações a fim de confirmar ou falsear as proposições. Com relação ao critério de falseabilidade de Popper, o próximo capítulo tratará especificamente.

Nesse confronto, os experimentos são fundamentais, mas não como ponto de partida, como a base da teoria, e sim como um instrumento que testará a resistência da teoria a esses experimentos. Esses testes devem ser previstos pela teoria e são vistos como cruciais uma vez que, se falhar a esses testes, a teoria é considerada falsa (ROSA, 2006, p. 65).

De modo a ilustrar o problema da indução e sua ineficácia de prever, tem-se o exemplo do peru indutivista, de Bertrand Russel, porém fielmente relatada por Chalmers em sua obra “O que é ciência, afinal?”: um peru recebe sua ração todos os dias do ano, exatamente às 9 horas da manhã. No início o peru é cauteloso, mas depois de perceber que esta experiência se repete por um considerável período de tempo, todos os dias da semana inclusive sábados domingos e feriados, faça chuva ou faça sol, este peru finalmente conclui por indução a regra geral: “sou sempre alimentado às 9 horas da manhã!”. Infelizmente, para o peru indutivista, no dia de Natal a regra não se revela verdadeira e ele é degolado (CHALMERS, 1993). Ou seja, a indução acaba por ser muitas vezes apenas achismo. No que tange ao problema da indução, o fato dos cientistas não precisarem da indução para formar hipóteses acaba por anular consequentemente a sua existência (POPPER, 2013; CHALMERS, 1993). É então que a indução difere da dedução, pois nas inferências dedutivas as premissas realmente garantem a conclusão. A verdade das premissas não deixa espaço para a conclusão ser algo além de verdadeira. Porém isto não acontece na em uma inferência indutiva, já que possível que as premissas sejam verdadeiras e conclusão falsa (PAPINEAU, 2014).

O problema da indução põe em xeque a autoridade dessas afirmações gerais. Pois se o nosso indício é simplesmente o de que essas generalizações têm funcionado até agora, então como podemos estar certos de que elas não serão infirmadas por ocorrências futuras? (PAPINEAU, 2014, p. 133)

De modo a solucionar o problema da indução, Karl Popper introduziu o falsificacionismo como método para testar a ciência. O autor não só elucida o problema da indução como propõe melhores condições de perceber e diferenciar

(18)

ciência de pseudociência. Portanto, na próxima sessão será apresentado os pilares do falsificacionismo e sua contribuição para a filosofia da ciência.

2.2 O FALSIFICACIONISMO EM KARL POPPER

De acordo com Karl Popper “o trabalho do cientista consiste em elaborar teorias e pô-las à prova” (POPPER, 2013, p. 30). Para isso é necessário utilizar-se de metodologias que permitam ao pesquisador maneiras de verificar se o método e a teoria apresentados são capazes de levar ao conhecimento. Anteriormente observou-se como o raciocínio indutivo é duramente criticado por não apreobservou-sentar baobservou-ses observou-seguras de comprovação e, portanto, sua contribuição como método científico no domínio da ciência é questionável.

Nunca suponho que possamos sustentar a verdade de teorias a partir da verdade de enunciados singulares. Nunca suponho que, por forças de conclusões “verificadas”, seja possível ter por “verdadeiras” ou mesmo por meramente prováveis quaisquer teorias (POPPER, 2013, p.32).

Popper nega que a ciência derive do indutivismo e, baseado nesta perspectiva, propôs o método hipotético-dedutivo de forma a estabelecer uma epistemologia não indutivista da ciência. O método fundamenta-se em: a rejeição da indução, o falsificacionismo e a concepção de ciência como aproximação da verdade (POPPER, 2013; PAPINEAU, 2014).

Primeiro, a rejeição da indução na ciência se deve a incoerência dos métodos e da pressuposição de que as observações precedem as teorias. Segundo Popper, as teorias pressupõem as observações e as guiam no processo da investigação científica. Desta forma, “a ciência começa com problemas, problemas estes associados à explicação do comportamento de alguns aspectos do mundo ou universo” (CHALMERS, 1993, p. 72). Contrários à ideia indutivista de que as teorias fundadas pela observação levam ao progresso, o critério de falseabilidade é apresentado, objetivando levar a ciência ao avanço. (POPPER, 2013; CHALMERS, 1993).

O falsificacionismo tem como pilar a ideia de que uma teoria científica deve ser suscetível de ser falseada, ou seja, refutada. Assim, “uma hipótese é falsificável se existe uma proposição de observação ou um conjunto delas logicamente possíveis que são inconsistentes com ela, isto é, que, se estabelecidas como verdadeiras,

(19)

falsificariam a hipótese” (CHALMERS, 1993, p. 65). Para que uma teoria tenha cunho científico ela precisa correr o risco de ser refutada.

Uma boa lei ou teoria científica é falsificável porque faz afirmações decisivas sobre o mundo. Para o falsificacionista, quanto mais falsificável for uma teoria melhor ela será, num sentido bem elástico. Quanto mais uma teoria afirma, mais oportunidade potencial haverá para mostrar que o mundo de fato não se comporta da maneira como mostrado pela teoria. Uma teoria muito boa será aquela que faz afirmações bastante amplas a respeito do mundo, e que, em conseqüência [sic], é altamente falsificável, e resiste à falsificação toda vez que é testada (CHALMERS, 1993, p. 68).

De acordo com a perspectiva falsificacionista, uma teoria deve ser clara e objetiva em suas afirmações. Pois ao serem testadas por meio de experimentos e observações, ela corre o risco de ser falseada. Quando uma hipótese não afirma com consistência, ou seja, quando é vaga em seus enunciados, ela poderá sempre ser interpretada como consistente e em acordo com os resultados dos testes (CHALMERS, 1993). Desse modo, o critério de falseabilidade para enunciados científicos é o que garante que as hipóteses possam ser falsificadas e, portanto, eliminam as manobras de correção vistas em enunciados vagos. Consequentemente, se pode admitir que os falsificacionistas operam da seguinte maneira:

[...] primeiro avançam uma teoria como uma conjectura inicialmente não corroborada, e então comparam suas previsões com as observações para verem se resistem ao teste. Se tais testes se provarem negativos, então a teoria é experimentalmente falseada e os cientistas procurarão alguma alternativa nova. Se, por outro lado, os testes se enquadrarem na teoria, então os cientistas continuarão a sustentando – não como uma verdade admitidamente demonstrada, mas como uma conjectura não derrubada (PAPINEAU, 2014).

Sendo assim, o caminho evolutivo da ciência é caracterizado por proposições teóricas altamente falsificáveis, seguidas de tentativas determinadas e obstinadas de falsificá-las (CHALMERS, 1993). O modelo falsificacionista de Karl Popper é interessante de maneira que mostra que é mais fácil refutar teorias do que prová-las. Não importa o número de afirmações positivas quanto a teoria, basta um exemplo contrário surgir para que ela seja refutada de forma conclusiva (PAPINEAU, 2014). Portanto, o enunciado que estiver submetido a testes capazes de falseá-lo e refutá-lo será científico, pois a ciência se diferencia da pseudociência à medida que visa falsificar e não confirmar as suas hipóteses (POPPER, 2013).

Desta forma, pode-se depreender que, segundo a perspectiva popperiana, o caráter científico de um enunciado é sua possibilidade de falseabilidade. Porém, é

(20)

importante notar que, embora as hipóteses refutáveis possuam o status científico, não se pode afirmar que inferem, necessariamente, uma verdade - as teorias podem somente ser corroboradas, mas nunca estabelecidas como verdades absolutas. Isto significa que a teoria em questão pode ser considerada, dentro desta perspectiva, como a melhor no momento (POPPER, 2013). Dessa maneira, as teorias científicas são conjecturas e não trazem verdades absolutas. Elas são provisórias, pois para que uma teoria seja válida ela deve correr o risco de ser falsificada. A ciência se faz quando as teorias são apresentadas como hipóteses, e naturalmente são substituídas por novas hipóteses quando falsificadas (POPPER 2013; CHALMERS, 1993).

É adotando um modelo hipotético-dedutivo que se pode ter certeza da falsidade das teorias enquanto busca constantemente demonstrar a falsidade e não a verdade de uma teoria. O resultado deste processo é a eliminação dos erros e uma relação utópica onde o conhecimento evolui enquanto erra menos e, sendo assim, se aproxima da verdade. A linha de chegada nunca poderá ser alcançada, mas estará cada vez mais próxima à medida que a ciência evoluir. Consequentemente, o máximo que se poderá dizer é que a teoria sobreviveu a todos os testes determinados a refutá-la.

No processo de corroboração de teorias, as tentativas de falseá-la são medidas através de testes rigorosos realizados com o auxílio da tecnologia e da observação. Para que uma teoria seja corroborada ela deve sobreviver a todos os testes. Sendo assim, para um falsificacionista a ciência irá sempre começar com problemas e estes serão associados a explicações quanto aos comportamentos de aspectos da realidade. As hipóteses falseáveis apresentadas com o objetivo de solucionar determinados problemas serão críticas e testadas (CHALMERS, 1993). Quanto mais uma hipótese se perpetua ao não ser falseada, maior sua aproximação da verdade. Porém, quando uma teoria que até então era considerada corroborada é falseada, surge um novo problema:

[...] Este novo problema pede a invenção de novas hipóteses, seguindo-se a crítica e testes renovados. E, assim, o processo continua indefinidamente. Nunca se pode dizer de uma teoria que ela é verdadeira, por mais que ela tenha superado testes rigorosos, mas pode-se auspiciosamente dizer que uma teoria corrente é superior a suas predecessoras no sentido de que ela é capaz de superar os testes que falsificaram aquelas predecessoras (CHALMERS, 1993, p. 72).

(21)

Em outras palavras, as teorias podem ser vistas da seguinte maneira: “enquanto respondem a problemas, são aceitas e quando já não são capazes de atender nossas expectativas ou, antes, quando o mundo frustra as nossas pretensões teóricas, substituímos teorias” (ROSÁRIO, 2018, p. 101). No que tange a competição entre teorias, ou mesmo na escolha de uma teoria em relação a outra(s), o critério será novamente a falseabilidade. Pode-se afirmar que enquanto teorias competem entre si é preferível optar pela teoria que corre mais riscos (POPPER, 2013; ROSA, 2006).

Quanto mais genérica e abarcativa for uma conjectura, mais fácil é de refutá-la, é uma teoria que corre mais riscos. Entre uma teoria que diz que um específico lápis azul cairá com aceleração constante e outra que diz que todos os corpos caem com aceleração constante, a segunda é mais potencialmente falseável, pois basta que um corpo qualquer não caia com aceleração constante para a teoria ser refutada, enquanto que na primeira teoria, um lápis amarelo que não caia com aceleração constante não destruirá a teoria porque ela é menos genérica (ROSA, 2006, p. 65).

Vale ressaltar que “se uma teoria é descartada não significa que ela é ruim, apenas que, nos múltiplos caminhos que a ciência tem para escolher, ela não foi escolhida” (CHALMERS, 1993, p. 69). Percebe-se que, para Popper e Chalmers, a ciência progride errando menos e os caminhos para tal são trilhados na escolha de enunciados capazes de falsear ao máximo teorias causando uma maior aproximação do ideal da verdade.

Verificou-se no decorrer deste capítulo que o motor da ciência é a falseabilidade, cujo papel é falsificar a teoria vigente. Tamanho esforço em falsificar e refutar uma teoria é o que leva ao verdadeiro desenvolvimento científico. Para tanto, quanto mais uma teoria resistir, mais confiável ela é. A ciência é uma constante prática onde apenas as melhores teorias sobrevivem. A partir da pura tentativa e erro, no experimento através de conjecturas e refutações é onde se abre espaço para que o progresso científico aconteça (CHALMERS, 1993; POPPER, 2013). Quando as hipóteses são questionadas significa que estão sendo testadas. De modo a ser classificada como uma boa teoria, ela precisa resistir as críticas de forma convincente, respondendo as questões até que se prove que não há coesão em suas afirmações e seja, então, substituída.

(22)

A discussão quanto à natureza da ciência é ampla e oferece aos pesquisadores discussões importantes. Diversos cientistas se dedicaram a elucidar e apontar com clareza o caráter da pesquisa científica. Irme Lakatos foi um desses e, de acordo com Chalmers (1993, p. 112), “Lakatos desenvolveu sua descrição da ciência como uma tentativa de melhorar o falsificacionismo popperiano e superar as objeções a ele”. Ao fazê-lo, Lakatos apontou que a ciência é munida por programas de pesquisa onde há um corpo rígido em cada hipótese científica. Estes são instituídos de pressupostos considerados seguros e irrefutáveis que guiarão as pesquisas. Os frutos dos testes, ou seja, os resultados, devem ser resolvidos com base nos pressupostos teóricos irrefutáveis que norteiam a pesquisa (CHALMERS, 1993).

Destarte, o que Lakatos se refere como estrutura de programa de pesquisa pode ser interpretado da seguinte forma:

Um programa de pesquisa lakatosiano é uma estrutura que fornece orientação para a pesquisa futura de uma forma tanto negativa quanto positiva. A heurística negativa de um programa envolve a estipulação de que as suposições básicas subjacentes ao programa, seu núcleo irredutível, não devem ser rejeitadas ou modificadas. Ele está protegido da falsificação por um cinturão de hipóteses auxiliares, condições iniciais etc. A heurística positiva é composta de uma pauta geral que indica como pode ser desenvolvido o programa de pesquisa. [...] Os programas de pesquisa serão progressivos ou degenerescentes, dependendo de sucesso ou fracasso persistente quando levam à descoberta de fenômenos novos (CHALMERS, 1993, p. 112).

Sendo assim, um programa científico deve possuir um núcleo rígido não-refutável, ou seja, uma ou mais hipóteses teóricas para guiar o processo metodológico. O núcleo irrefutável que Lakatos se refere pode ser observado através da análise de outras teorias, conforme os seguintes exemplos:

O núcleo rígido da cosmologia aristotélica inclui, entre outras, as hipóteses da finitude e esfericidade do Universo, a impossibilidade do vazio, os movimentos naturais, a incorruptibilidade dos céus. O núcleo da astronomia copernicana consiste das assunções de que a Terra gira sobre si mesma em um dia e em torno do Sol em um ano, e de que os demais planetas também orbitam o Sol. O da mecânica newtoniana é formado pelas três leis dinâmicas e pela lei da gravitação universal; o da teoria especial da relatividade, pelo princípio da relatividade e pela constância da velocidade da luz; o da teoria da evolução de Darwin-Wallace, pelo mecanismo da seleção natural (CHIBENI, 2001, p. 13-14).

O objetivo da irrefutabilidade no núcleo firme é evitar que pequenas discrepâncias encontradas na pesquisa venham a falsear a pesquisa como um todo.

(23)

Tais discrepâncias poderão ser testadas e ajustadas com proposições ligadas ao cinturão protetor. Sendo assim, o programa segue sendo julgado pelos critérios de falseabilidade, mas não deverá ser anulado uma vez que heurística negativa do programa proíbe que o núcleo seja concebido como falso (CHALMERS, 1993; CHIBENI, 2001; SILVEIRA, 1996). Vale ressaltar que aqui não se está salvando a pesquisa da refutação para protegê-la do erro, mas objetiva-se “limitar, metodologicamente, a incerteza quanto a parte da teoria atingida pelas falseações [sic]” (CHIBENI, 2001, p. 14). Nesse caso, a falseabilidade será sempre sobre as hipóteses auxiliares envolvidas no cinturão protetor. Segundo Silveira (1996) um exemplo quanto à importância da obstinação para com programas de pesquisa pode observado no programa de Newton, pois haviam mais de um modelo de sistema solar e as características quanto a forma e distribuição.

Pode-se dizer que o cinturão protetor é formado pelas teorias e hipóteses que compõem a pesquisa. Portanto, o cinturão protetor ao proteger o núcleo rígido, está constantemente sendo modificado e expandido sob criteriosas críticas que podem levá-lo a ser falseado (CHIBENI, 2001; SILVEIRA, 1996). Porém, quando uma irregularidade surge e é declarada incompatível com as previsões teóricas, deve-se utilizar a heurística positiva, cujo papel é orientar para as modificações necessárias de modo a suplantar as objeções. A definição de heurística positiva pode ser definida nas palavras de Lakatos:

A heurística positiva consiste num conjunto parcialmente articulado de sugestões ou palpites sobre como mudar e desenvolver as ‘variantes refutáveis’ do programa de pesquisa, e sobre como modificar e sofisticar o cinto de proteção refutável" (LAKATOS, 1979, p. 165).

Para Silveira (1996, p. 03) “a heurística positiva impede que os cientistas se confundam, indicando caminhos que poderão, lentamente, explicá-las e transformá-las em corroborações”. De forma a resumir, um programa de pesquisa na visão de Lakatos pode ser considerado sinônimo de teoria científica e ela é composta de um núcleo, um cinturão protetor e a heurística.

De acordo com Lakatos há dois tipos de programas de pesquisa: degenerativos e progressivos. Por degenerativo entende-se um programa incapaz solucionar problemáticas acerca de sua pesquisa e inapto de prever novos fenômenos. Logo, um programa progressivo é o resultado da pesquisa onde suas predições foram

(24)

corroboradas e gerou novas hipóteses a serem investigadas. Sendo assim, pode-se observar que para Lakatos o avanço científico se dá com a estruturação de teorias, pois em sua apresentação das heurísticas se pode perceber que a heurística positiva mostra o que conservar e a negativa o que não contestar. A definição também contrasta com a de Popper, pois para ele à ciência é resultado de tentativa e erro, conjecturas e refutações (CHALMERS, 1993).

No que tange a diferença entre ciência e pseudociência para Lakatos, nas palavras de Chibeni (2001, p. 15) “funda-se em duas exigências principais: uma teoria deve, para ser científica, estar imersa em um programa de pesquisa, e este programa deve ser progressivo”. A ciência, portanto, será o resultado da disputa entre programas de pesquisa e, quanto mais progressivo ele for, melhor e mais importantes suas descobertas serão.

Ao trazer as avaliações de Lakatos sobre a ciência para a política internacional, é possível compreender como o autor é importante ao ponderar sobre programas de pesquisa progressivos e generativos. Hipóteses falseáveis como a da teoria da dissuasão mútua demonstra seu valor à medida que apresenta um programa de pesquisa progressivo, evidenciando os avanços e mantendo-se como uma teoria com afirmações importantes sobre o mundo. Já no que tange a programas degenerativos, pode-se citar aqueles ligados puramente a bases indutivistas, ou seja, que se baseiam apenas na experiência. Portanto, as teorias ou análises que tratam de fazer apenas descrições da realidade, por vezes pautadas em ideologias ou teorias descritivas não suscetíveis de serem falseadas.

2.4 THOMAS KUHN E OS PARADIGMAS CIENTÍFICOS

Thomas Kuhn foi um físico e filósofo da ciência responsável por questionar e considerar, em sua teoria, o contexto histórico em que uma hipótese teórica surge – indo além da forma como ela é vista no presente.

Sua contribuição para as discussões deste trabalho é importante por este se tratar de um dos principais autores que versam sobre o tema – a filosofia da ciência. Mesmo assim, é importante que se esclareça antes pontos de congruência e de distanciamento de sua teoria e das teorias de Popper e Lakatos, utilizadas em pontos chaves do presente projeto.

(25)

Aqui, sua contribuição teórica ampara-se, justamente, na proposta de crise e revolução – que, em sua visão, geram um avanço para as disciplinas que almejam ser científicas. Além disso, sua consideração dos fatores sociológicos (existentes e influenciadores na produção e condução de pesquisas científicas) são consideradas importante marco de sua teoria.

Kuhn, Popper e Lakatos convergem, no que tange ao debate da filosofia da ciência, na rejeição das propostas indutivistas – ponto trabalhado no subcapítulo anterior sob o ponto de vista dos dois últimos. De acordo com Chalmers (1993, p. 126) “Kuhn reconhece o papel desempenhado por um paradigma na orientação da busca e interpretação de fenômenos observáveis”, reiterando a relação de dependência da observação para com a da teoria.

Ao utilizar-se destes fatores, não se ignora, no entanto, que Kuhn possui pontos de divergência irreconciliáveis com os outros dois, ao rejeitar o critério de falseabilidade amplamente difundido por Lakatos e Popper. Como demonstrado anteriormente, no presente trabalho este critério é importante para a pesquisa em diferentes questões e é visto como essencial para análises subsequentes. Desta forma, é importante delimitar o uso de Kuhn aqui às suas contribuições paradigmáticas e considerações sobre crise e revolução. No entanto, a contribuição popperiana se traduz como a mais eficiente nas análises futuras justamente por sua capacidade de refutar e ser bem estruturada e assertiva em suas afirmações conceituais.

Esclarecido isso, a abordagem Kuhniana apresenta uma característica importante: o caráter revolucionário do conhecimento científico. Ou seja, no processo de investigação os pesquisadores estarão obstinados a solucionar paradigmas e utilizarão de teorias e hipóteses para nortear as pesquisas. Contudo, quando um paradigma estagna e não responde a questões vitais da pesquisa, os pesquisadores o abandonam e substituem a proposição teórica por outra (CHALMERS, 1993).

A concepção de um paradigma em si é ampla, pois o próprio Kuhn a específica de formas diferentes em sua obra. Sendo assim, observa-se um paradigma da seguinte forma:

[...] as partes integrantes de um paradigma: uma ontologia, que indique o tipo de coisa fundamental que constitui a realidade; princípios teóricos fundamentais, que especifiquem as leis gerais que regem o comportamento dessas coisas; princípios teóricos auxiliares, que estabeleçam sua conexão com os fenômenos e as ligações com as teorias de domínios conexos, regras metodológicas, padrões e valores que direcionem a articulação futura do paradigma; exemplos concretos de aplicação da teoria; etc. (CHIBENI, 2010, n.p.)

(26)

Em outras palavras, pode-se interpretar a noção de paradigma como uma estrutura pré-conceitual onde é permitido olhar para a realidade, detectando fenômenos e classificando-os, antes de tornar-se um objeto fielmente investigado (MARQUES, 2010). Feito isso, poder-se-á adotar o paradigma como a teoria científica apresentada pela comunidade científica envolvida.

De acordo com Chalmers (1993), a visão Kuhniana da ciência ocorre através do seguinte processo: fase pré-paradimática > ciência normal > crise > revolução > nova ciência normal > nova crise > nova revolução.

A fase pré-paradigmática [...] de uma ciência, aquele período no qual reina uma ampla divergência entre os pesquisadores [...] sobre quais fenômenos dever ser estudados, e como o devem ser, sobre quais devem ser explicados, e segundo quais princípios teóricos, sobre como os princípios teóricos se inter-relacionam, sobre as regras, métodos e valores que devem direcionar a busca, descrição, classificação e explicação de novos fenômenos, ou o desenvolvimento das teorias, sobre quais técnicas e instrumentos podem ser utilizados, e quais devem ser utilizados, etc. Enquanto predomina um tal estado de coisas, a disciplina ainda não alcançou o estatuto de científica, ou seja, não constitui uma ciência genuína (CHIBENI, 2010, n.p.).

A ciência normal é o resultado da ação de pesquisadores envoltos em uma tentativa de explicar determinado comportamento do mundo real em seus experimentos. No processo, os cientistas encontrarão dificuldades e contraposições que podem falsificar aspectos da pesquisa. A comunidade então deve ser capaz de explicar e com suas proposições avançar sob o paradigma. Segundo Chalmers (1993):

A ciência normal implica tentativas detalhadas de articular um paradigma com o objetivo de melhorar a correspondência entre ele e a natureza. [...] Kuhn retrata a ciência normal como uma atividade de resolução de problemas governada pelas regras de um paradigma. Os problemas serão tanto de natureza teórica quanto experimental (CHALMERS, 1993, p. 125).

De tempos em tempos, os cientistas encontrarão problemas sérios, tidos como anomalias, que desafiarão a hipótese que se busca confirmar. Na visão Kuhniana da ciência, todos os paradigmas encontrarão anomalias – aqui o autor discorda de Popper e o falsificacionismo – afirmando que um cientista normal não deve ser um crítico do paradigma em que está empenhado a esclarecer, pois assume que questões fundamentais da metodologia foram discutidas na fase pré-paradigmática (CHALMERS, 1993). Portanto, para Kuhn, é necessário aprofundar o trabalho e não

(27)

o descartar como sugerem os falsificacionistas. Todavia, se as respostas não surgirem, ou seja, as anomalias persistirem e mostrarem-se cada vez maiores e incongruentes com a pesquisa, ocasionará uma instabilidade, que por sua vez produzirá uma crise. Com a crise, surge naturalmente um novo paradigma que atrairá a comunidade científica na busca de explicar o que o controverso e complicado paradigma anterior não conseguiu. Tanto para Chalmers (1993) quanto para Kuhn (1997) esse processo é descontínuo e faz da ciência palco de disputas que causam revoluções.

Isto posto, é possível entender a ideia Kuhniana da ciência como uma tentativa de resposta ao problema da indução, pois o autor entende o paradigma como dependente da orientação e interpretação de fenômenos numa pesquisa. Em outras palavras, concorda com a noção anti-indutivista de que a observação depende da teoria (CHALMERS, 1993).

Visto que uma matéria ganha status de ciência a partir do momento que lida com um paradigma, qualquer incoerência ou incapacidade de eliminar as anomalias abrirá espaço para um confronto entre a ciência normal e a ciência extraordinária cujo resultado levará a revoluções advindas da competição de paradigmas destinados a explicar o mundo real (CHALMERS, 1993, CHIBENI, 2010). A instabilidade causada por muitas anomalias inseridas em determinado paradigma culminará no gradual abandono de um paradigma por outro. O abandono é gerado devido a incompatibilidade, pois “o novo paradigma será diferente do antigo e incompatível com ele. As diferenças radicais serão de vários tipos. Cada paradigma verá o mundo como sendo composto de diferentes tipos de coisas” (CHALMERS, 1993, p.129).

A motivação para a mudança não pode ser explicada apenas por fatores ligados a lógica, pois existem, para Kuhn, diversas situações que levam um cientista a seguir e lidar com um paradigma: interesses, necessidades sociais presentes, simplicidade etc. Os paradigmas divergem em suas premissas básicas de modo que se torna impossível partidários de um programa de pesquisa imigrarem para outro concordando com as premissas anteriores. Ou seja, os padrões utilizados são incompatíveis forçando a mudança real de posicionamento e metodologia. Citando Kuhn, Chalmers afirma que

É por este tipo de motivo que Kuhn compara as revoluções científicas às revoluções políticas. Exatamente da maneira como “as revoluções políticas objetivam mudar as instituições políticas de formas proibidas pelas próprias

(28)

instituições” e, consequentemente, “fracassa o resumo político”, assim a escolha “entre paradigmas prova ser uma escolha entre modos incompatíveis de vida em comunidade” e argumento algum pode ser “lógica ou probabilisticamente convincente (CHALMERS, 1993, p. 131).

Portanto, quando determinado paradigma é substituído, tem-se a revolução científica. Logo, uma característica chave da teoria de Kuhn é a ênfase dada ao caráter revolucionário do progresso científico, em que uma revolução implica o abandono de uma estrutura teórica e sua substituição por outra, sempre incompatível com a primeira (CHALMERS, 1993). As revoluções são necessárias para que a ciência avance e não fique estagnada em paradigmas incapazes de atender as necessidades.

Ressalta-se que os dois processos, ciência normal e ciência extraordinária, possuem funções importantes pois a primeira permite aos pesquisadores desenvolver as nuances da teoria de forma testável, ligando os fundamentos teóricos e experimentos sólidos objetivando uma conexão entre o paradigma e a natureza em grau elevado, e a segunda reside na necessidade da ciência ser capaz de romper com um paradigma estabelecido ou comumente aceito. Nota-se a importância de não aceitar o acúmulo de informações e dados para garantir uma verdade absoluta do conhecimento, ou seja, Kuhn não compactua com a noção indutivista de que muitas observações sejam suficientes para comprovar um conhecimento e torná-lo aceitável (CHALMERS, 1993). É um engano ignorar a influência dos paradigmas sob os pesquisadores, já que é “exatamente porque os paradigmas possuem uma influência tão persuasiva sobre a ciência praticada no interior deles é que a substituição de um por outro precisa ser revolucionária” (CHALMERS, 1993, p. 134).

2.5 CONSIDERAÇÕES DO CAPÍTULO

Sendo assim, após apresentar os três principais filósofos da filosofia da ciência, é possível refletir quanto as principais noções no debate do que é e o que não é ciência, assim como as ideias que norteiam a área. Em resumo, pode-se notar que há uma sintonia de Popper e Lakatos, uma vez que utilizam o critério de falseabilidade para defender a ciência de afirmações livres de serem contestadas. Já em Kuhn, pode-se perceber a noção de que a ciência acontece por meio de revoluções que

(29)

surgem por substituições de paradigmas quando um não dá conta de responder a todas as questões.

No que tange a Lakatos e Kuhn, pode-se observar que os pensadores entendem a evolução científica de forma diferente. Na noção lakatosiana as ciências evoluem através da competição de diferentes programas de pesquisa onde o melhor tende a perdurar, contrariando a versão de Kuhn, que atribui a evolução as crises paradigmáticas.

Para este trabalho, Kuhn é relevante pois apresenta a ideia de que paradigmas em crise proporcionam o avanço científico, pois mobilizam pesquisadores a darem respostas aos fenômenos. Tal impulso é benéfico para as disciplinas devido a sua capacidade de gerar e produzir conhecimentos que possam ser discutidos e estudados pelo confronto entre ciência normal e extraordinária. Isto é, o embate é benéfico pois resulta no avanço da ciência.

Entende-se que o falsificacionismo de Karl Popper é essencial para distinguir os saberes científicos. Assim, as propostas do autor quanto a falseabilidade como critério de demarcação é fundamental para este trabalho. A interação entre refutar e corroborar as teorias demonstra como estas devem ser afirmativas o suficiente para explicar a realidade. Destaca-se que para o autor, não existem hipóteses verdadeiras, ou seja, com verdades absolutas, mas sim hipóteses ainda não falseadas.

No próximo capítulo, será trabalhada a teoria da dissuasão nuclear de Kenneth Waltz e como ela pode ser entendida como uma hipótese falseável na política internacional ao ter suas afirmações analisadas quanto à impossibilidade de guerra nuclear entre Estados. Poderá ser verificada também como a teoria resiste à falsificação, à medida que atesta as razões existentes para a impossibilidade da guerra e que a realidade a corrobora. Pretende-se mostrar como a teoria da dissuasão nuclear defendida por Kenneth Waltz é uma teoria compatível com as premissas do falsificacionismo de Karl Popper e como sua aplicação em suas análises da política internacional apontam para uma dedução alicerçada em uma relação de causa e efeito. Desta forma, entende-se que é partir da construção de hipóteses teóricas falseáveis que a ciência das relações internacionais será capaz de avançar e evoluir.

(30)

3 A DISSUASÃO NUCLEAR EM KENNETH WALTZ

O campo de estudo das relações internacionais cresceu intensamente no último século, trazendo resultados específicos de forma a capacitar analistas a observar com atenção as situações políticas, econômicas e sociais da política internacional. Com isso, a política internacional foi aos poucos sendo objeto de estudos e recebeu diversas contribuições teóricas, como: realismo e neorrealismo, liberalismo e neoliberalismo, teoria crítica, construtivismo etc.

Será tratado no presente estudo a dissuasão mútua assegurada – teoria advinda do realismo estrutural de Kenneth Waltz e defendida pelo próprio. Para tanto, este subcapítulo será dividido em dois: primeiro tratará de aclarar os conceitos de Estados, anarquia e guerra nas relações internacionais. Em seguida, considera-se necessário estudar o realismo estrutural de Waltz enquanto disserta-se sobre a teoria da dissuasão nuclear segundo o autor americano e as razões pelas quais ela é científica na medida em que pode ser falseada pelos critérios da filosofia da ciência de Karl Popper.

3.1 PREMISSAS DO SISTEMA DA POLÍTICA INTERNACIONAL

Como bem colocado por Mendes (2019, Pág. 96.) “O realismo é a teoria, simultaneamente, mais conhecida e contestada das Relações Internacionais”. O número de críticas, porém, não destorce a importância da teoria para disciplina das RI. Dentre seus pensadores e teóricos tem-se Nicolau Maquiavel, Hans Morgenthau, Kenneth Waltz e John Mearsheimer.

Kenneth Waltz é visto como fundamental para o desenvolver deste trabalho através da sua contribuição para as relações internacionais na criação do realismo estrutural e como defensor da hipótese da dissuasão nuclear à proporção que se conecta com o anti-indutivismo de Karl Popper (MOURITZEN, 1997). Ressalta-se o desejo do próprio Waltz, em seu livro “Teoria das Relações Internacionais”, de alicerçar sua teoria dentro dos critérios da filosofia da ciência de modo a amparar a pesquisa em bases sólidas que pudessem ser consideradas científicas, distanciando-se do comum acúmulo de dados e informações ligados a indução (WALTZ, 2002; MOURITZEN, 1997).

(31)

O realismo evoluiu e apresentou desde o princípio diversos argumentos que são vistos como essenciais para compreensão da política internacional. As relações internacionais são compostas de premissas que explicam o funcionamento do sistema internacional. A primeira atrela-se a existência de Estados soberanos, sendo citado por Bull da seguinte maneira:

O ponto de partida das relações internacionais é a existência de estados. Comunidades políticas independentes, cada uma das quais possui um governo e afirma a sua soberania com relação a uma parte da superfície terrestre e a um segmento da população humana. De um lado, os estados têm, com relação a esse território e a essa população, o que poderíamos chamar de "soberania interna", ou seja, a supremacia sobre todas as demais autoridades dentro daquele território e com respeito a essa população; de outro, detêm o que se poderia chamar de "soberania externa", que consiste não na supremacia mas na independência com respeito às autoridades externas. A soberania dos estados, interna e externa, existe tanto no nível normativo como no factual. Os estados não só afirmam a sua soberania interna e externa como na prática exercem efetivamente, em graus variados, essa supremacia interna e independência externa. A comunidade política independente que simplesmente afirma o direito à soberania (ou é julgada soberana por outros) mas não pode exercer na prática esse direito não é propriamente um Estado. (BULL, 2002, p. 13)

Waltz (2002) afirma que os estados interagem entre si e estão constantemente influenciando uns aos outros na medida em que exercem sua soberania no sistema internacional. Existe, porém, uma diferença entre as unidades e segundo Scholz (2015, p. 21) “os estados diferem entre si no que diz respeito às habilidades (capacidades) que cada um possui” (SCHOLZ, 2015, p. 21). Estas unidades equivalentes, porém, diferentes no que tange a sua própria capacidade, enfrentam os mesmos desafios na política internacional: sobrevivência em um sistema anárquico, onde as unidades não estão submetidas a uma autoridade central (SCHOLZ, 2015).

A ausência de autoridade central, faz com que os estados convivam na política internacional e sejam impelidos a tomarem conta de si mesmos, pois este “é o imperativo da política internacional” (WALTZ, 2002). Portanto, a anarquia nas relações internacionais acaba sendo o princípio ordenador. Devido à ausência de um governo internacional, os estados vivem numa luta constante pelo poder. Esta busca pelo poder começa, em primeira instância, pela própria sobrevivência dos estados. Na ausência de um poder regulador supranacional, os estados passam a ser senhores do próprio destino, ou seja, responsáveis pela sua própria sobrevivência em um ambiente onde a luta por poder é evidente (MEARSHEIMER, 2001; MENDES, 2019).

(32)

O realismo é, na sua essência, uma teoria estrutural sobre a dinâmica competitiva de distribuição de capacidades materiais de poder dentro de um sistema anárquico. Neste sistema, os estados agem e reagem de forma contínua numa lógica de concentração e de contra concentração (balanceamento/guerra) de poder e, deste modo, preservam ou tentam alterar uma determinada ordem internacional que, tradicionalmente, pode ser unipolar, bipolar ou multipolar (MENDES, 2019, p. 97).

Cada ordem internacional será marcada pela relação entre os estados e o resultado das interações é o que se conhece como política internacional. De modo a explicar o funcionamento do sistema internacional, Aron, citado em Bull, afirma que “basta que as comunidades políticas independentes em questão mantenham regularmente relações entre si” (BULL, 2002, p. 15). Basta que elas "sejam todas capazes de estar implicadas em uma guerra generalizada” (ARON apud BULL, 2002, p. 15). Consequentemente “com cada estado atendendo a seus interesses de segurança da melhor maneira possível, a guerra é constantemente possível”2 (WALTZ, 1990, p. 744, tradução nossa).

A possibilidade de haver uma guerra generalizada entre as unidades deste sistema anárquico e a ausência de um poder regulador é o que caracteriza o Sistema Internacional como um sistema de autoajuda (WALTZ, 2002). A ausência de garantias de que haverá ajuda a uma unidade é o que as força a serem autossuficientes. Para Waltz (2002, p. 129) “se essas unidades vivem, prosperam, ou morrem, depende dos seus próprios esforços”.

Num sistema de auto-ajuda [sic] cada uma das unidades gasta uma porção do seu esforço, não a perseguir o seu próprio bem, mas a arranjar os meios de se proteger dos outros. [...] Em qualquer sistema de auto-ajuda [sic], as unidades preocupam-se com a sua sobrevivência, e a preocupação condiciona o seu comportamento (WALTZ, 2002, p.147).

A desconfiança mútua leva os Estados a buscarem meios de se defender, ou seja, buscar maneiras e recursos com o objetivo de sobreviverem em um ambiente hostil. A hostilidade na política internacional deriva da ausência de uma autoridade supranacional, gerando incerteza e deixando os Estados condicionados a atuarem em causa própria (WALTZ, 2002). Os Estados possuem diferentes características, mas todos têm que se preocupar com sua sobrevivência e segurança. A busca por

2 “With each state tending to its security interests as best it can, war is constantly possible” (WALTZ, 1990, p. 744, Original)

(33)

interesses gera desconfiança nos outros Estados e os deixa em alerta, pois não se pode saber as intenções reais dos demais países justamente pela desconfiança gerada pela anarquia.

O resultado da competição acirrada, por vezes, é a guerra. Martin Wight, em seu livro “A Política do Poder”, afirma que:

A causa fundamental da guerra não é a existência de rivalidades históricas, nem de acordos de paz injustos, nem de mágoas nacionalistas, nem da competição pelas armas, nem do imperialismo, nem da pobreza, nem da corrida econômica por mercados e matérias-primas, nem das contradições do capitalismo e nem da agressividade do fascismo ou do comunismo; ainda que alguns desses motivos possam ter ocasionado determinadas guerras. Sua causa fundamental é a ausência de um governo internacional; em outras palavras, é a anarquia dos estados soberanos (WIGHT, 2002, Pág. 92).

Portanto, a causa permissiva para a guerra é a anarquia internacional. Os Estados competem em uma arena internacional, gerando disputas traduzidas em guerras. Sendo assim, Resende ao citar Waltz, afirma que “a ausência de uma autoridade acima dos Estados para prevenir e conciliar os conflitos que surgem necessariamente de vontades particulares significa que a guerra é inevitável" (RESENDE, 2004, p. 186). Assim sendo, a guerra é um fenômeno presente na política internacional justamente por não haver razão que a impeça.

3.2 O REALISMO ESTRUTURAL DE WALTZ E A DISSUASÃO MÚTUA ASSEGURADA

Após evidenciar as premissas do cenário internacional, pode-se estudar a relação íntima das unidades e suas implicações na política internacional. Kenneth Waltz é o criador do realismo estrutural, também conhecido como neorrealismo. Para isso, o autor empenhou-se a explicar a política internacional através de uma teoria capaz de explicar as relações internacionais, preocupando-se simultaneamente em enquadrar a teoria nas bases da filosofia da ciência.

Para o autor americano a base da política internacional é composta por um sistema que opera em dois níveis. Em um nível “inferior”, unidades equivalentes (Estados) interagem entre si e mutuamente se influenciam. As unidades enfrentam os mesmos desafios: sobreviver num sistema anárquico, ou seja, um ambiente onde os Estados não estão subjugados a uma autoridade central superior. As unidades,

(34)

porém, possuem características e capacidades distintas para realizarem suas ações (SCHOLZ, 2015). O arranjamento das unidades é o que Waltz caracteriza como estrutura da política internacional e deve ser entendida com relativa abstração porque atua como uma força de ordenamento (devido às diferentes capacidades materiais) e constrangimento dos estados (WALTZ, 2000; SCHOLZ, 2015).

A estrutura é dinâmica e capaz de moldar e impulsionar o comportamento dos Estados, uma vez que constrange os Estados na tomada de decisão (WALTZ, 2000; SCHOLZ, 2015).

Contudo, estas estruturas não agem de maneira determinística. Por dois motivos: primeiro, porque comportamentos e resultados são influenciados por elementos presentes tanto em nível estrutural quanto em nível unitário (ações e interações entre estados); segundo, porque é possível resistir às pressões sistêmicas (SCHOLZ, 2015, p. 17).

O ambiente internacional não é seguro devido à anarquia. A ausência de um poder regulador gera desconfiança nos Estados, que por sua vez precisam buscar meios de garantirem a própria segurança e existência. Na visão de Waltz (1979), a estrutura tende a premiar certos comportamentos assim como punir outros de acordo com a lógica da política internacional. A estrutura também encoraja o armamento das unidades, pois os riscos de punição em casos de guerra são elevados. Confiança, em política internacional, é sinal de fraqueza. Estar vulnerável significa colocar em risco a segurança e, sendo assim, a própria existência. O resultado disso é a busca por armamentos capazes de tornar real a defesa da soberania. Portanto, é a estrutura - (aqui, entende-se também que a condição anárquica dela permite a guerra e não garante proteção) - que encoraja o armamento, que por sua vez, leva a uma escalada. John Herz, citado por Waltz no livro “Teoria das Relações Internacionais”, denominou a situação citada como Dilema de Segurança e argumenta que:

“[...] O dilema de segurança descreve a condição em que estados, inseguros das intenções dos outros, se armam por uma questão de segurança e, ao fazê-lo, colocam em movimento um círculo vicioso. Estando armados por questões de segurança, os estados se sentem cada menos seguros e compram mais armas, porém a medida que se armam tornam-se ameaças para outros estados, que respondem também se armando (HERZ, 1950, p. 157). Qualquer que seja o armamento e o número de estados no sistema, os estados precisam conviver com seu dilema de segurança, que é produzido não por suas vontades, mas por suas situações. O dilema não pode ser

Referências

Documentos relacionados

O necessário é preservar o sentido do objeto de ensino para o sujeito de aprendizagem, preservando na escola o sentido que a leitura e a escrita tem como práticas

Considerando a formação da equipe de trabalho, o tempo de realização previsto no projeto de extensão e a especificidade das necessidades dos catadores, algumas

Se os fornecedores de ITCM usam versões dos codecs de G.711 ou de G.729 que são diferentes daqueles usados nesse exemplo, você deve estaticamente configurar moldes de perfil de QoS

5.2 Importante, então, salientar que a Egrégia Comissão Disciplinar, por maioria, considerou pela aplicação de penalidade disciplinar em desfavor do supramencionado Chefe

m - Lote n.® 03, da quadra B, localizado no Distrito Industrial “Álvaro Britto - H”: “um lote de terreno, sem benfeitorias, medindo 44,00 m (quarenta e quatro metros) de

No entanto, quando se eliminou o efeito da soja (TABELA 3), foi possível distinguir os efeitos da urease presentes no grão de soja sobre a conversão da uréia em amônia no bagaço

Desta maneira, vemos que Rousseau conclui do homem natural que este tende a viver sem se aglomerar em grupos, sociedades, e, mesmo quando começa a se agrupar, ou contar

2 REVISÂO BIBLIOGRÁFICA 2.1 CONSUMO DE ENERGIA E EMISSÃO DE POLUENTES PARA MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO Ao buscar determinar o consumo de energia e a emissão de gases do efeito estufa