Lucas Lima e Silva
Mecânica Quântica PT simétrica e a Hipótese
de Riemann
Brasil
2017
Lucas Lima e Silva
Mecânica Quântica PT simétrica e a Hipótese de
Riemann
Trabalho de Monografia apresentado ao Insti-tuto de Física da UFF, como parte dos requi-sitos necessários para a obtenção do grau de Graduado.
Universidade Federal Fluminense
Faculdade de Física
Programa de Graduação
Orientador: Marco Moriconi
Brasil
2017
Ficha catalográfica automática - SDC/BIF
Bibliotecária responsável: Danieli Brabo de Moraes - CRB7/5805
S586m Silva, Lucas Lima e
Mecânica Quântica PT Simétrica e a Hipótese de Riemann / Lucas Lima e Silva; Marco Moriconi, orientador. Niterói, 2017. 68 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Física)-Universidade Federal Fluminense, Instituto de Física, Niterói, 2017.
1. Simetria PT. 2. Hipótese de Riemann. 3. Produção intelectual. I. Título II. Moriconi,Marco, orientador. III. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Física. Departamento de Física.
-Lucas Lima e Silva
Mecânica Quântica PT simétrica e a Hipótese de
Riemann
Trabalho de Monografia apresentado ao Insti-tuto de Física da UFF, como parte dos requi-sitos necessários para a obtenção do grau de Graduado.
Trabalho aprovado. Brasil, 20 de dezembro de 2017:
Marco Moriconi
Orientador
Professor
Luis Esteban Oxman
Professor
Rubens Luis Pinto Gurgel do Amaral
Brasil
2017
Resumo
Nesta monografia estudamos a formulação PT simétrica da mecânica quântica e o Hamil-toniano proposto em [1], cujos autovalores estão relacionados com os zeros da função zeta de Riemann, como proposto pela conjectura de Hilbert-Pólya.
Abstract
In this dissertation we study the PT Symmetric formulation of Quantum Mechanics and the proposed Hamiltonian in [1], whose eigenvalues are related to the Riemann zeta function, as proposed by Hilbert-Pólya conjecture.
Lista de ilustrações
Figura 1 – Comparação entre a distribuição de valores para log |Z|, |ζ(12 + it)| e a distribuição gaussiana, retirado de [4]. . . 33 Figura 2 – Espaço de fase com cutoffs lx e lp . . . 35
Lista de tabelas
Tabela 1 – Momentos da distribuição de valores de log ζ, ZN(θ) no CUE, e da
Lista de abreviaturas e siglas
EBK Einstein Brillouin Keller
Lista de símbolos
Γ Letra grega Gama
ζ Letra grega minúscula zeta
∈ Pertence
Sumário
1 INTRODUÇÃO . . . . 19
Introdução . . . . 19
1.1 Um pouco de história . . . 19
1.2 Função zeta . . . 20
1.2.1 Zeros da função zeta e o que sabemos . . . 21
2 ALGUMAS ABORDAGENS FÍSICAS PARA A CONJECTURA . . . 25
2.1 Teoria de Matrizes Aleatórias [4]. . . 25
2.1.1 Distribuição de probabilidade dos autovalores no ensemble circular . . . 26
2.1.2 Momentos da distribuição de valores de ZN(θ) . . . 32
2.2 Conjectura de Berry-Keating, H = xp . . . 34
3 MECÂNICA QUÂNTICA PT SIMÉTRICA . . . . 37
3.1 Revisão dos Postulados da Mecânica Quântica . . . 37
3.2 Simetria PT . . . 38
4 O HAMILTONIANO DE BENDER. . . . 41
Conclusão. . . . 47
APÊNDICE A – CARÁTER DE DIRICHLET E PRODUTO DE EU-LER . . . . 49
APÊNDICE B – QUANTIZAÇÃO EBK [8] [9] . . . . 53
B.1 Partícula no círculo. . . 56
B.2 Oscilador Harmônico . . . 58
B.3 H = |x|p . . . 59
APÊNDICE C – CONEXÃO ENTRE Lχ(s, x) E A FUNÇÃO ZETA DE HURWITZ ζ(s, x) . . . . 63
19
1 Função zeta de Riemann e a hipótese de
Riemann
1.1
Um pouco de história
Bernhard Riemann (1826-1866) foi um dos principais matemáticos do século XIX, introduzindo ideias fundamentais nas áreas de análise complexa, análise real, teoria dos números e geometria diferencial, entre outras. Seu trabalho nesta última área proporcionou a base matemática necessária para a teoria da relatividade geral, que viria a ser desenvolvida no século seguinte.
Riemann era um jovem matemático quando foi aceito para a Academia de Berlim em 1859, e foi pedido que fizesse um relatório de seu trabalho recente para a academia. Riemann estava trabalhando na área de teoria dos números, também de grande interesse para seu antecessores na academia Gauss e Dirichlet, e desse trabalho resultou o artigo [2] onde foi proposta a famosa conjectura. A mesma que, décadas depois, iria capturar a atenção dos matemáticos mais competentes da época, e que se tornou uma obsessão que permanece até os dias de hoje, e a pressão para resolver essa conjectura está aumentando, com as recentes soluções de outros grande problemas: o teorema da quatro cores (resolvido em 1976 por K. Appel e W. Haken com ajuda de computador), o último teorema de Fermat (resolvido por A. Wiles em 1994) entre outros problemas.
Neste artigo, Riemann estabelece uma conexão entre teoria dos números e análise complexa, mais especificamente, ele relaciona a função π(x), que conta a quantidade de números primos menores que x, com a função zeta de Riemann, uma função definida sobre o plano complexo. No meio de seu artigo, Riemann propõe sua hipótese, afirmando que ela provavelmente é verdadeira, e escreve: "É claro que qualquer um gostaria de ter
uma prova rigorosa disso, mas deixei de lado a procura de tal prova depois de algumas tentativas rápidas e vãs, por que ela não é necessária para o objetivo imediato da minha investigação."1
A hipótese de Riemann é afirmação de que todos os zeros não triviais da função zeta de Riemann se encontram na reta ns = 12 + it
t ∈ R o
. A conjectura resistiu a todas tentativas de solução ou refutação por mais de 150 anos, mas é amplamente acreditada ser verdadeira, pois podemos testar numericamente e encontrar os primeiros 10 trilhões de zeros nessa reta (X. Gourdon e P. Demichel em 2004), entre vários outros resultados a serem discutidos. Com base nessa crença, vários matemáticos publicaram artigos tomando a hipótese de Riemann como verdadeira. Como a função zeta tem conexões com vários
20 Capítulo 1. Introdução
ramos da matemática, se a conjectura fosse provada, teríamos vários resultados tornados verdadeiros, de forma que haveria um grande impacto na matemática, principalmente na área de teoria dos números.
A hipótese de Riemann tomou espaço central na pesquisa matemática quando foi destacada no Congresso Internacional de Matemáticos (ICM) de 1900, na lista proposta por David Hilbert dos 23 principais problemas matemáticos não resolvidos, cujo propósito era levar ao aprofundamento das áreas da matemática. Em 2000, o Clay Mathematics
Institute promoveu a hipótese de Riemann a um dos problemas do milênio, uma lista de
problemas em analogia à lista proposta por Hilbert, atribuindo à solução ou refutação da hipótese de Riemann um prêmio de 1 milhão de dólares.2
1.2
Função zeta
Para definir a função zeta, começamos definindo a aplicação em s ∈ C com Re(s) > 1 por3: s 7→ ∞ X n=1 1 ns (Re(s) > 1), (1.1)
onde a exponencial complexa é definida por ns := es log n.
Outra forma muito útil de escrever esse somatório é com um produtório sobre os números primos4: ∞ X n=1 1 ns = Y p é primo 1 − 1 ps !−1 (Re(s) > 1). (1.2)
Sabemos que qualquer função definida num aberto não-vazio de C possui uma única continuação analítica que estende o domínio da função original (cf. [19] p. 261), assim, temos uma única função analítica que coincide com essa função para Re(s) > 0,
s 6= 1, a saber (cf. [3] p. 12): ˜ ζ(s) = s s − 1− s Z ∞ 1 {x}x−s−1dx (Re(s) > 0), (1.3)
onde {x} é a parte fracionária de x.
2 Mais detalhes em http://www.claymath.org/millennium-problems/riemann-hypothesis
3 É fácil verificar que o somatório diverge para Re(s) ≤ 1, e que converge para Re(s) > 1, com o teste
da integral, por exemplo.
1.2. Função zeta 21
Podemos finalmente estender essa função para todo o plano complexo5 pela equação
funcional de Riemann: π−s2Γ s 2 ˜ ζ(s) = π−1−s2 Γ 1 − s 2 ˜ ζ(1 − s) (0 < Re{s} < 1) (1.4)
De fato, definindo a função zeta de Riemann como
ζ(s) = ˜ ζ(s) para Re{s} > 0 π−12−s Γ( 1−s 2 ) Γ(s 2) ˜ ζ(1 − s) para Re{s} ≤ 0, (1.5)
vemos que ζ é uma função analítica no aberto C{1}6 que coincide com ˜ζ no aberto
{s ∈ C|Re{s} > 0} {1}. Como a continuação analítica é única, temos que a função ζ definida acima é a única função que estende o somatório inicial para o domínio C{1}.
Muitas vezes escrevemos ζ(s) para o somatório da equação (1.1), mas, a rigor, a função zeta é a continuação analítica que encontramos acima.
1.2.1
Zeros da função zeta e o que sabemos
Uma das consequências da demonstração do produto de Euler feita no apêndice é que o somatório que define a função zeta de Riemann na região Re{s} > 1 nunca se anula. Usando este fato e a equação funcional de Riemann, temos que para Re{s} < 0
ζ(s) = π−12−s Γ1−s2 Γ2s ∞ X n=1 1 n1−s 6= 0, (1.6)
exceto nos pontos onde Γ(s2) diverge. Por continuidade, nos pontos onde Γ(2s) diverge, devemos ter ζ(s) = 0, ou seja, temos trivialmente que a função zeta é zero nos inteiros pares negativos {−2, −4, −6, · · · }, os chamados zeros triviais.
Finalmente podemos propor a
Hipótese de Riemann: Se s ∈ C é tal que ζ(s) = 0 e 0 ≤ Re{s} ≤ 1, então
Re{s} = 12.
Como dito anteriormente, ainda não sabemos se a conjectura é verdadeira ou falsa, mas temos vários resultados a favor da conjectura, sendo alguns dos resultados provenientes da física que serão tratados nas próximas seções.
5 exceto o ponto s=1, onde há um polo simples. De fato, o somatório em s = 1 é a série harmônica. 6 Como ˜ζ não está definida em s = 1 e Γ diverge nos inteiros não positivos, a expressão não define ζ em
22 Capítulo 1. Introdução
Com o argumento simples acima, conseguimos estreitar a região de zeros não triviais para a faixa 0 ≤ Re{s} ≤ 1. Uma abordagem para a conjectura de Riemann seria então estreitar essa região o máximo possível, e de fato, temos o seguinte
Teorema(provado independentemente por Hadamard[13] e de la Vallée Poussin[14], 1896): ζ(1 + it) 6= 0 ∀t ∈ R.
A prova desse teorema já é não trivial (cf.[3], p.16) e na verdade é equivalente ao
Teorema dos números primos: Seja π(x) a quantidade de números primos
menores ou iguais a x. Então limx→∞π(x)log xx = 1.
Logo, é de se esperar que cotas melhores para a região dos zeros não triviais geram cotas melhores para π(x). De fato, é possível mostrar que7
π(x) = Z x 2 dx0 log x0 + O(x Θ log x) ⇐⇒ ζ(σ + it) 6= 0 ∀σ > Θ, t ∈ R, (1.7) ou seja, a veracidade da hipótese de Riemann é equivalente à melhor cota: π(x) =
Rx
2
dt
log t+ O(
√
x log x). Infelizmente, ainda não foi provada a cota para nenhum Θ < 1. Mas
temos o seguinte resultado sobre a região livre de zeros:
Teorema(ind. por Vinogradov e Korobov, 1958): Existem A, t0 ∈ R tais
que, se t > t0, então ζ(σ + it) 6= 0 na região
σ > 1 − A
(log t)23 log log t 1 3
. (1.8)
Também temos informação sobre a quantidade de zeros N (T ) da função zeta nos retângulos {σ + it | 0 < σ < 1, 0 ≤ t < T }. De fato, é uma aplicação do
Princípio do argumento de Cauchy: Seja C um contorno em C e f uma função
meromorfa em C que não tem polos em C. Se N e Z são os números de zeros8 e polos9 de
f no interior de C, então
I
C
f (z)
f0(z)dz = 2πi(N − P ). (1.9)
Com esse princípio, é possível mostrar que a quantidade N (T ) é dada
assintotica-7 Notação O grande: dizemos que f = O(g) para x → ∞ se existe M, x
0 ∈ R tal que |f(x)| <
M |g(x)| ∀x > x0.
8 Contando com suas multiplicidades. 9 Contando com suas ordens.
1.2. Função zeta 23 mente por (cf.[3], p. 19) N (T ) = T 2πlog T 2π − T 2π + O(log T ), (1.10)
Que posteriormente, em [17], foi melhorada para
N (T ) − T 2πlog T 2π − T 2π − 7 8
< 0.137 log T + 0.443 log log T + 4.350, (1.11)
25
2 Algumas abordagens físicas para a
conjec-tura
Vários trabalhos foram feitos na direção de resolver a hipótese de Riemann, com ideias de áreas de Teoria de Matrizes Aleatórias, desenvolvida originalmente para problemas de física nuclear, e Caos Quântico, que lida com a analogia de sistemas caóticos clássicos com sistemas quânticos.
2.1
Teoria de Matrizes Aleatórias [
4
]
A ideia surgiu no contexto de física nuclear1, onde estamos interessados, entre outras
coisas, em calcular as energias de excitação de núcleos atômicos. Para isso, deveríamos modelar os sistemas quânticos por certos operadores Hamiltonianos, e encontrar seus autovalores. Porém, os Hamiltonianos são tão complicados que, quando expressos em uma dada base, seus elementos de matriz não possuem nenhuma correlação óbvia entre si, ou seja, a distribuição dos elementos de matriz Hamiltoniana é a de números aleatórios. Daí a motivação de Wigner em [20] para aproximar a estatística dos níveis de energia de um certo núcleo pela média tomada sobre um ensemble de matrizes aleatórias.
A conjectura de Wigner é a afirmação de que a estatística dos níveis de energia de um sistema complicado, descrito por um Hamiltoniano com certas simetrias, pode ser muito bem aproximado por uma média sobre as estatísticas dos autovalores de matrizes hermitianas com as mesmas simetrias. Outro contexto notável onde essa conjectura pode ser aplicada é o de sistemas quânticos cuja contrapartida clássica tem comportamento caótico, onde se espera que a complexidade do caos clássico se reflita na complexidade da função de onda dos autovetores do Hamiltoniano, que por sua vez leva a uma efetiva aleatoriedade dos elementos de matriz do Hamiltoniano.
Um ensemble possível é tomado no espaço das matrizes hermitianas, com a condição de que seja invariante por transformações unitárias, ou seja, devemos ter o mesmo peso estatístico para matrizes hermitianas relacionadas por uma mudança de base H0 = U†HU ,
i.e., matrizes hermitianas que representam o mesmo sistema físico. Contudo, o espaço das matrizes hermitianas não é compacto, logo não podemos escolher os pesos igualmente para cada matriz. A solução é tomar o espaço de matrizes unitárias, que é compacto. Como as matrizes unitárias representam evolução sob um certo Hamiltoniano pela equação
U = e−iHt, os autovalores de matrizes unitárias estão relacionados com autovalores de matrizes hermitianas, e é possível mostrar que a estatística dos autovalores é de certa
26 Capítulo 2. Algumas abordagens físicas para a conjectura
forma equivalente [5]. Os ensembles de matrizes unitárias são chamados de ensembles
circulares.
A conexão com a função zeta de Riemann se dá com a distribuição dos valores da função zeta na linha crítica ζ(12 + it) para |t| −→ ∞, e a distribuição de valores do polinômio característico de matrizes N × N unitárias para N −→ ∞.
Dado um operador U , ele é dito unitário se U†U = U U† = 1. Daí, temos que os autovalores de um operador unitário são apenas fases complexas, i.e., um número da forma
eiθ onde θ ∈ R.
De fato, se |λi é um autovetor de U , então kU |λi k2 = kλ |λi k2 = |λ|2hλ|λi. Mas também temos kU |λi k2 = hλ| U†U |λi = hλ|λi. Como |λi não é o vetor nulo, temos
|λ|2 = 1, logo, λ = eiθ para algum θ ∈ R. Então o polinômio característico é escrito como
Z0(λ) =QN
n=1(eiθn− λ), ou ainda, como os autovalores de uma matriz unitária são somente
fases, podemos considerar a função2
ZN(θ) = (−1) N e−iN θ N Y n=1 (eiθn− eiθ) = N Y n=1 (1 − ei(θn−θ)) (2.1) que tem os mesmos zeros de Z0. Temos que a distribuição dos valores da zeta na reta crítica ζ(12 + it) para t −→ ∞ é dada por uma gaussiana, pelo
Teorema de Selberg: Para um retângulo qualquer E ⊂ C, vale
lim T →∞ 1 Tν t ∈ R, T ≤ t ≤ 2T log ζ(12 + it) q 1 2log log T ∈ E = 1 2π Z Z E e−x2−y22 dx dy
onde ν(A) é a medida do conjunto A.
Um resultado de [4] é que não somente a distribuição de valores de Z(θ) também converge para uma gaussiana para N −→ ∞, mas também, quando tomamos N ≈ log2πt e comparamos as distribuições de ZN(θ) e ζ(12+ it) com 0 ≤ t ≤ T , vemos que os momentos
dessas distribuições convergem mais rapidamente entre si do que com os momentos da distribuição gaussiana. Isso é uma forte evidência que suporta a conjectura de que os zeros da função zeta de Riemann estão relacionados com autovalores de um operador hermitiano.
2.1.1
Distribuição de probabilidade dos autovalores no ensemble circular
Vamos considerar primeiramente o ensemble circular ortogonal (COE, circular orthogonal ensemble, no original) das matrizes unitárias e simétricas. Tal ensemble é interessante para estudar sistemas com simetria rotacional e invariância por inversão temporal, ou ainda sistemas de spin inteiro e invariância por inversão temporal. Para uma matriz S neste ensemble, temos então,2 O fator (−1)N
2.1. Teoria de Matrizes Aleatórias [4] 27
S†S = 1, (2.2)
St= S, (2.3)
onde S† é a matriz transposta conjugada, e St é a matriz transposta.
Para definir uma distribuição de probabilidade neste espaço, precisamos definir volume e vizinhança, para que se faça a associação natural
P (S)dS = µ(dS) µ(T1c)
, (2.4)
onde P (S) é a probabilidade de uma matriz do ensemble estar na vizinhança S + dS, T1c3
é o espaço das matrizes unitárias e simétricas e µ é a medida de volume a ser definida.
Para que esta definição de probabilidade faça sentido, devemos tomar a vizinhança de forma que ainda esteja contida no espaço T1c. Ou seja, devemos ter
(S + dS)t = (S + dS), (2.5)
(S + dS)†(S + dS) = 1. (2.6)
Da primeira equação, como a transposição é linear e vale que S = St, temos a
condição dSt = dS. Da segunda equação, ignorando infinitesimais de segunda ordem e
usando que S†S = 1, temos
S†S + dS†S + S†dS = 1, (2.7)
dS†S + S†dS = 0, (2.8)
dS∗S + S†dS = 0, (2.9) onde dS∗ é a matriz onde cada entrada foi complexo conjugada. Agora vamos usar o seguinte resultado(cf. Apêndice A.23 de [12]): Dada uma matriz unitária e simétrica S, ela pode ser escrita como S = UtU onde U é uma matriz unitária.
Escolhendo uma matriz unitária U tal que S = UtU , temos que
dS∗(UtU ) + (UtU )†dS = 0, (2.10)
dS∗UtU + U†U∗dS = 0, (2.11)
U dS∗Ut+ U∗dSU† = 0, (2.12)
(U∗dSU†)∗ = −U∗dSU†, (2.13) 3 A escolha de índice vai ficar mais clara quando enunciarmos a distribuição de probabilidade para cada
28 Capítulo 2. Algumas abordagens físicas para a conjectura
ou seja, a matriz U∗dSU† é imaginária. Podemos ver facilmente que essa matriz também é simétrica, logo, podemos escrever
dS = iUtdM U, (2.14)
onde dM é uma matriz real e simétrica. Com essa motivação, fazemos a
Definição: Uma vizinhança de S é um conjunto de matrizes
S + UtidM U, (2.15)
onde U é uma matriz unitária tal que S = UtU e dM é uma matriz real simétrica cujas
entradas dMij com i ≤ j variam independentemente em intervalos de tamanho dµij e
dMij = dMji para i > j. Além disso, o volume dessa vizinhança é dado por
µ(dS) = Y
i≤j
dµij (2.16)
Nesta definição, é necessário mostrar que o volume da vizinhança não depende da escolha de dM (cf. p.95 de [12]).
Temos então o seguinte resultado:
Teorema 1: Temos um único ensemble ortogonal E1c definido no espaço das
matrizes N × N unitárias e simétricas com a propriedade de ser invariante por qualquer automorfismo
S 7→ WtSW, (2.17)
onde W é uma matriz unitária.
Primeiramente, ser invariante pelos automorfismos acima significa que, se S, S0 são duas matrizes no ensemble, temos que P (S)dS = P (S0)dS0 se S e S0 satisfazem a relação
S0 = WtSW para algum W unitário. Este fato é fisicamente importante, pois nos diz que
dois sistemas equivalentes tem o mesmo peso no ensemble E1c.
Prova do teorema 1: De fato, sejam S e S0 relacionados por S0 = WtSW para
2.1. Teoria de Matrizes Aleatórias [4] 29
(S + UtidM U )0 = Wt(S + UtidM U )W, (2.18) = WtSW + (WtUt)idM (U W ), (2.19) = S0+ (WtUt)idM (U W ), (2.20) onde U W é matriz unitária e (U W )t(U W ) = Wt(UtU )W = WtSW = S0. Ou seja, as
vizinhanças são dadas pela mesma matriz real e simétrica dM e vale que
µ(dS0) = Y
i≤j
dµij = µ(dS) (2.21)
⇒ P (S)dS = P (S0)dS0 (2.22)
Agora suponha que existe outra densidade de probabilidade ¯P (S)dS invariante
pelos mesmos automorfismos. Seja S = UtU com U unitário. Tomando W = U−1 como
automorfismo, temos que
P0(S) P (S) = P0((U−1)t(UtU )U−1) P ((U−1)t(UtU )U−1) = P0(1) P (1), (2.23)
que é um valor constante. Assim as densidades de probabilidade são proporcionais, mas como ambas devem estar normalizadas por R
T1cP (S) = 1, devemos ter que ¯P (S) =
P (S) ∀S ∈ T1c.
Com esse resultado, estamos prontos para enunciar e provar o seguinte
Teorema 2: No ensemble E1c a probabilidade P (θ1, θ2, ..., θN)dθ de encontrar uma
matriz com autovalores eiφj com φ ∈ (θj, θj + dθj) é dada por
P (θ1, θ2, ..., θN) = c Y
1≤l≤j≤N
|eiθl− eiθj|, (2.24) onde c é uma constante de normalização.
Com essa distribuição de probabilidades, é calculada em [4] a distribuição de valores do polinômio característico ZN(θ) e é comparada à distribuição de valores da função zeta
de Riemann.
30 Capítulo 2. Algumas abordagens físicas para a conjectura
Prova do Teorema 2: Temos que encontrar uma forma de representar a vizinhança
de uma matriz S ∈ T1c com autovalores eiθj j = 1, ..., N . Usamos o seguinte resultado (cf.
Apêndice A.23 de [12]):
Dada uma matriz unitária e simétrica S, ela pode ser diagonalizada da forma
S = R−1ER, (2.25)
onde R é uma matriz ortogonal e E = diag(eiθ1, eiθ2, ..., eiθN) é uma matriz diagonal cujas
entradas são os autovalores de S.
A vizinhança de E das matrizes com autovalores eiφj com φ ∈ (θ
j, θj+ dθj) é dada por E + dE = ei(θ1+dθ1) ei(θ2+dθ2) . .. ei(θN+dθN) (2.26) = eiθ1 eiθ2 . .. eiθN + eiθ1idθ 1 eiθ2idθ 2 . .. eiθNidθN (2.27) = E + iEdθ, (2.28)
onde dθ é a matriz diag(dθ1, dθ2, ..., dθN). Mas queremos a vizinhança que contém todas
as matrizes com autovalores nessa região, então devemos variar a matriz R em todo o espaço das matrizes ortogonais. Vamos calcular a densidade de probabilidade restrita a uma vizinhança de R, e depois somar sobre o espaço das matrizes ortogonais. Denotamos essa vizinhança dS(R) ≡ dS para não carregar a notação. Uma vizinhança de R deve satisfazer
(R + dR)(R + dR)t =RRt + RdRt+ dRRt =
1, (2.29)
RdRt+ dR Rt = 0, (2.30)
ou seja, dA := RdRt é uma matriz antissimétrica.
Voltando para a equação (2.29), podemos finalmente encontrar a vizinhança
2.1. Teoria de Matrizes Aleatórias [4] 31
S + dS = (R + dR)t(E + dE)(R + dR), (2.31)
UtidM U = dS = dRtER + RtdE R + RtE dR, (2.32)
RUtidM U Rt = dA E + iEdθ + EdAt, (2.33)
onde U é qualquer matriz unitária que satisfaz UtU = S = RtER. Tomando F =
diag(eiθ12 , eiiθ22 , ..., eiiθN2 ), temos que F2 = E, e portanto, escolhendo U = F R, temos
UtU = RtF2R = S. Daí, temos que
F idM F = dA F2+ iEdθ − F2dA, (2.34)
dM = dθ + i(F dA F−1− F−1dA F ), (2.35) logo, cada elemento de matriz dMij pode ser escrito como dMii= dθi, e
dMij = i(FiidAijFjj−1− F −1 ii dAijFjj) = idAij(ei θi−θj 2 − ei θj −θi 2 ), (2.36) para i 6= j
Assim, pela equação (2.20), o volume da vizinhança dS(R) é dada por
µ(dS(R)) = Y i<j (eiθi−θj2 − ei θj −θi 2 )µ(dE)µ(R) (2.37) = Y i<j
|ei−θj2 ei−θi2 | · |eiθi− eiθj|µ(dE)µ(R) (2.38)
= Y
i<j
|eiθi− eiθj|µ(dE)µ(R) (2.39)
Finalmente, integrando sobre todo o espaço das matrizes ortogonais R, obtemos uma constante multiplicativa:
µ(dS) ∝ Y i<j |eiθi− eiθj|dθ 1dθ2· · · dθN (2.40) ⇒ P (θ1, θ2, ..., θN) ∝ Y i<j |eiθi− eiθj| (2.41) Analogamente, para o ensemble circular unitário (CUE, circular unitary ensemble, no original) no espaço das matrizes unitárias T2c e o ensemble circular simplético (CSE,
32 Capítulo 2. Algumas abordagens físicas para a conjectura
circular symplectic ensemble, no original) no espaço das matrizes quaterniônicas, hermi-tianas e unitárias T4c (definidos precisamente em [3]) temos as seguintes densidades de
probabilidade:
Pβ(θ1, θ2, ..., θN) ∝ Y
i<j
|eiθi− eiθj|β, (2.42) onde β = 2 para o CUE e β = 4 para o CSE.
2.1.2
Momentos da distribuição de valores de Z
N(θ)
Ideia: Se duas distribuições tem momentos aproximadamente iguais, então de uma
certa forma as distribuições são parecidas. Vamos mostrar então que as distribuições dos valores de ζ(12 + it) e ZN(θ) são muito parecidas.
Definição: Dada uma distribuição Y (x) e uma variável aleatória Z, seu s-ésimo momento é dado por4
M (s) =
Z
ZsY (x) dx ≡ EY(Zs), (2.43)
onde EY(·) é o valor esperado com respeito à distribuição de probabilidade Y . Vamos tomar
a variável aleatória Z = |ZN(θ)| com a distribuição de probabilidade Y = P2(θ1, θ2, ..., θN).
Estamos interessados agora em calcular a distribuição de valores de log |ZN(θ)|,
que é definida por
ρN(x) = E(δ(log |ZN(θ)| − x)), (2.44)
onde δ é a distribuição delta de Dirac. Intuitivamente, essa é a probabilidade da função log |ZN(θ)| assumir o valor x.
Tomando a transformada de Fourier e usando a linearidade do valor esperado, temos a seguinte expressão mais simples:
ˆ ρN(s) = E Z ∞ −∞e isxδ(log |Z N(θ)| − x) dx = Eeis log |ZN(θ)|, (2.45) e agora, tomando a transformada inversa, temos
ρN(x) = 1 2πE Z ∞ −∞ e−isxMN(is) ds . (2.46)
Como mostrado em [3], essa distribuição tende para a distribuição gaussiana no limite N → ∞.
4
2.1. Teoria de Matrizes Aleatórias [4] 33
Figura 1 – Comparação entre a distribuição de valores para log |Z|, |ζ(12 + it)| e a distri-buição gaussiana, retirado de [4].
Também sabemos, pelo teorema de Selberg descrito no início da seção, que a distribuição dos valores de log |ζ(12 + it)| se aproxima da distribuição gaussiana para uma distância t suficientemente grande na linha crítica.
Assim, temos que ambas distribuições de valores, convergem para a distribuição gaussiana para N → ∞ e T → ∞. Resta agora achar uma forma de comparar a taxa de aproximação relativa entre essas duas distribuições. Como cada uma é descrita por parâmetros diferentes N e T , uma associação entre esses parâmetros pode ser feita ao comparar as duas distribuições quando ambas tem a mesma densidade de zeros.
Já sabemos que a quantidade de zeros na faixa crítica até a altura T é dada assintoticamente por N (T ) ∼ 2πT log2πT , logo, a densidade de zeros é dada por:
N (T ) T = 1 2πlog T 2π (2.47)
No caso de ZN(θ), como temos N autovalores distribuídos num círculo de
compri-mento 2π, a densidade de zeros é dada por 2πN, então vamos comparar as distribuições com a associação
N = log T
2π (2.48)
De acordo com a tese de Nina Snaith [4], o gráfico da distribuição de valores para
T = 1, 520 × 1019 e N = 42 (figura 1) mostra que nenhuma das distribuições convergiram
para a gaussiana, mas estão relativamente próximas. Essa afirmação pode ser feita mais rigorosa olhando para a tabela dos momentos das três distribuições plotadas (tabela 1).5
Essa excelente correlação pode ser vista como um indício significativo para a
5 Temos duas colunas para os momentos da função zeta de Riemann, que correspondem à dois intervalos
34 Capítulo 2. Algumas abordagens físicas para a conjectura
Tabela 1 – Momentos da distribuição de valores de log ζ, ZN(θ) no CUE, e da distribuição
gaussiana, retirado de [4].
Momento ζ a) ζ b) CUE Gaussiana
1 0,0 0,0 0,0 0 2 1,0 1,0 1,0 1 3 -0,536225 -0,55069 -0,56544 0 4 3,9233 3,9647 3,89354 3 5 -7,6238 -7,8839 -7,76965 0 6 38,434 39,393 38,0233 15 7 -144,78 -148,77 -145,043 0 8 758,57 765,54 758,036 105 9 -4002,5 -3934,7 -4086,92 0 10 24060,5 22722,9 25347,77 945
Conjectura de Hilbert-Pólya: As partes imaginárias dos zeros z = 12 + it da função zeta de Riemann são autovalores de algum operador hermitiano.
Na próxima seção, vamos ver uma conjectura que impõe qual deve ser a contrapar-tida clássica de um operador que satisfaça a conjectura de Hilbert-Pólya.
2.2
Conjectura de Berry-Keating, H = xp
Um argumento muito simples pode ser feito para mostrar uma relação muito interessante entre a quantidade de autovalores até uma energia E da Hamiltoniana H = xp e a quantidade de zeros não triviais da função zeta de Riemann com parte imaginária no intervalo 0 ≤ t ≤ T
Classicamente, temos as equações de movimento
dx dt = ∂H ∂p = x, (2.49) dp dt = − ∂H ∂x = −p, (2.50)
cujas soluções são
x(t) = x0et, (2.51)
p(t) = p0e−t. (2.52)
Pela contagem semiclássica de níveis6, temos que a quantidade aproximada7 de
níveis de energia até uma certa energia E é dada pela equação
6 Ver apêndice B.
2.2. Conjectura de Berry-Keating, H = xp 35
Figura 2 – Espaço de fase com cutoffs lx e lp
nπ~ = A(E), (2.53)
onde A(E) é a área no espaço de configuração abaixo da curva H(x, p) = E. A curva no espaço de configuração é p = p0e−t =
x0p0 x0et
= E
x. Aqui surge um problema: como as
trajetórias não são limitadas, a área A(E) =Rxf
xi p dx diverge.
Uma solução possível, descrita em [7], é tomar as condições de contorno8
x > lx, (2.54)
p > lp, (2.55)
com lxlp = 2π~ = h. Daí, a área é calculada entre a curva H(x, p) = E e as retas x = lx e
p = lp como na figura 1. A(E) = Z E/lp lx p dx − lp( E lp − lx) (2.56) =⇒ n = E h log E h − 1 + 1 (2.57)
que é aproximadamente a estimativa da quantidade de zeros da função zeta com parte imaginária menor que Eh
Uma estimativa melhor é dada pela condição de quantização EKB:
36 Capítulo 2. Algumas abordagens físicas para a conjectura
(n + µ
4)π~ = A(E), (2.58)
onde µ é o índice de Maslov (cf. apêndice B). A correção de Maslov resulta na seguinte estimativa: n = E h log E h − 1 + 7 8, (2.59)
que, com a identificação T = E
~, é exatamente a forma assintótica para a quantidade de
zeros da função zeta.
Com tal resultado, Berry e Keating fizeram a conjectura de que existe um Ha-miltoniano quântico cuja representação clássica é dada por Hcl(x, p) = xp, e cujos níveis
de energia estão relacionados com os zeros da função zeta de Riemann. Em seu artigo [7], Berry e Keating estudam o Hamiltoniano hermitiano H = 12(ˆxˆp + ˆpˆx), que é a
forma mais simples de quantizar o Hamiltoniano clássico Hcl(x, p) = xp. O
Hamiltoni-ano estudado nesta monografia é uma modificação do HamiltoniHamiltoni-ano PT simétrico de [1], H = 1
1 − e−iˆp(ˆxˆp + ˆpˆx)(1 − e
−iˆp), cuja parte clássica, onde x e p comutam, é igual à
37
3 Mecânica Quântica PT simétrica
3.1
Revisão dos Postulados da Mecânica Quântica
Dado um sistema físico, seu estado é descrito por um vetor, cuja evolução é dado pelo operador ˆH chamado de Hamiltoniano, que atua sobre um espaço vetorial H munido
de um produto interno (·, ·)1, com as seguintes propriedades:
1. O espaço vetorial H é um espaço de Hilbert.
2. Os observáveis ˆA : H −→ H são operadores hermitianos, i.e., dados quaisquer
|φi , |ψi ∈ H, temos que (A |φi , |ψi) = (|φi , A |ψi), e o valor esperado é dado por hAi = (|ψi , A |ψi)
3. A evolução de um estado |ψi ∈ H é dada pela equação de Schrödinger i~dtd |ψi = H |ψi, onde H é o observável que representa a energia do sistema, chamado de
Hamiltoniano.
O produto interno é mais comumente denotado por (|φi , |ψi) = hφ|ψi, onde hφ| é um elemento do espaço dual H∗, associado ao vetor |φi. Usaremos essa notação doravante.
As condições de hermiticidade para os observáveis garantem que seus autovetores correspondentes a autovalores diferentes são ortogonais e seus autovalores são reais. De fato, seja um espaço de Hilbert H e um operador hermitiano A : H −→ H com autovetores |ai, i.e., A |ai = a |ai. então, dados |ai , |a0i, temos:
a∗ha|a0i = ha| A |a0i = a0ha|a0i =⇒ (a∗ − a0) ha|a0i = 0 (3.1)
Tomando a = a0, temos ha|a0i 6= 02, o que leva a a∗
= a, i.e., a ∈ R.
Agora dessa vez tomando a 6= a0, temos a∗− a0 = a − a0 6= 0, o que leva a ha|a0i = 0.
Consequentemente, temos que a condição de hermiticidade da Hamiltoniana é suficiente para que seus autovalores sejam reais e possam ser interpretados como energias do sistema. Porém, tal condição não é necessária, como vamos ver na próxima seção, abrindo espaço para outras formulações da mecânica quântica.
1 Em física, o produto interno é anti-linear no primeiro argumento e linear no segundo argumento. 2 Um autovetor é sempre um vetor não-nulo.
38 Capítulo 3. Mecânica Quântica PT simétrica
3.2
Simetria PT
Seja H um espaço de Hilbert. Um operador anti-linear A : H −→ H com respeito a uma certa base |φni é um operador tal que sua aplicação num vetor |ψi = Pncn|φni
satisfaz:
A |ψi =X n
c∗nA |φni
Teorema 1: Seja um operador qualquer H : H −→ H com autovetores |Eni que
geram o espaço H, e um operador anti-linear A em relação à base |Eni, com autovalores
não nulos, e que comuta com H, i.e., [H, A] = 0. Segue que se os autovetores de H também forem autovetores de A, então os autovalores de H são reais.
Demonstração: Sejam |Eni os autovetores de H com autovalores En em relação
a H e autovalores an6= 0 em relação a A. Então:
HA |Eni = Han|Eni = anH |Eni = anEn|Eni (3.2)
AH |Eni = AEn|Eni = En∗A |Eni = En∗an|Eni (3.3)
Como AH = HA, devemos ter En = En∗, ou seja, En ∈ R.
Um dos operadores anti-lineares mais importantes é o produto PT , onde P é o operador de paridade com a propriedade P2 = 1, usualmente definido pela atuação
P ˆxP−1 = −ˆx e P ˆpP−1 = −ˆp, e T é o operador anti-linear de inversão temporal com a
propriedade T2 = 1, usualmente definido pela atuação T ˆxT−1 = ˆx e T ˆpT−1 = −ˆp.
É um fato que Hamiltonianos com simetria PT, isto é, Hamiltonianos que satisfazem (PT )H(PT )−1 = H, são comuns, então um argumento a favor da mecânica quântica PT
simétrica seria dizer que é mais natural impor simetria PT em vez de hermiticidade dos observáveis.
Temos agora uma nova classe de operadores que podem ser incluídos como observá-veis nos postulados da mecânica quântica, os operadores PT-simétricos com simetria PT não quebrada, i.e., operadores que comutam com PT , e cujos autovetores são também autovetores de PT .
Uma classe de Hamiltonianos PT simétricos muito estudada (cf. [6]) são os opera-dores da forma
H = ˆp2− (iˆx)δ (3.4) onde δ é um parâmetro real. Essa classe de Hamiltonianas apresenta características interessantes, uma delas a quebra de simetria PT apenas para δ < 2, onde os autovalores
3.2. Simetria PT 39
se tornam complexos. Além disso, o caso δ = 2, que representa o oscilador harmônico, se situa exatamente na fronteira de Hamiltonianas físicas e não físicas.
41
4 O Hamiltoniano de Bender
Em [1], Bender et al. propõem um Hamiltoniano que satisfaz formalmente a conjectura de Berry-Keating, i.e., sua contrapartida clássica é proporcional ao Hamiltoniano
H = xp. O Hamiltoniano proposto é 1
Hbender =
1
1 − e−iˆp(ˆxˆp + ˆpˆx)(1 − e
−iˆp) (4.1)
Supondo certas condições de contorno, Bender mostra que os autovalores En
satisfazem à relação zn = 12(1 − iEn), onde zn são os zeros da função zeta de Riemann.
Ou seja, a hipótese de Riemann é verdadeira se, e somente se os autovalores
do Hamiltoniano Hbender são todos reais. Infelizmente, tal operador Hamiltoniano
não é hermitiano, de modo que seus autovalores não são necessariamente reais. Mas o Hamiltoniano apresenta simetria PT, o que sugere que é possível mostrar de outra forma que os autovalores são reais, que então mostraria que a hipótese de Riemann é verdadeira.
A nossa proposta é estender o resultado para as funções L de Dirichlet, objetos da hipótese de Riemann generalizada, que afirma que os zeros não triviais das funções L também se encontram na reta Re{z} = 12. As funções L de Dirichlet são generalizações naturais para a função zeta de Riemann, e tem a seguinte forma:
Lχ(s) = ∞ X n=1 χ(n) ns , (4.2)
onde χ(n) é uma função característica de Dirichlet (ver apêndice A). A função zeta de Riemann é um caso particular de uma função L de Dirichlet com χ(n) = 1 ∀n ∈ N.
Seja m ∈ N fixo. Primeiro, tomamos o espaço vetorial onde o novo Hamiltoniano irá atuar Em = ( ψ = I X i=1 ∞ X n=1 ani (x + n)si I ∈ N, ani, si ∈ C, an+m,i= an,i ∀n ∈ N ) , (4.3)
onde para Re{si} ≤ 1, devemos entender P∞n=1 ani
(x+n)si como uma continuação analítica da
função s 7→ P∞
n=1 (x+n)ani s em s = si.
Propomos o seguinte Hamiltoniano:
1
42 Capítulo 4. O Hamiltoniano de Bender
H = ∆−1m (ˆxˆp + ˆpˆx + ˜p)∆m, (4.4)
onde ∆m ≡ 1 − eim ˆp, e ˜p é um operador a ser definido. Primeiro vamos observar qual deve
ser o domínio de atuação de ˜p.
Primeiramente, percebemos que a atuação do operador ∆m é dada por ∆mf (x) =
f (x) −P∞ n=0mn ∂
nf
∂xn(x) = f (x) − f (x + m). Dado ψ ∈ E , podemos escrevê-lo como uma
soma finita de termos do tipo ψs =P∞n=1
an
(x + n)s para alguns valores de s. Então para
cada termo, temos que
∆mψs = ∞ X n=1 an (x + n)s − ∞ X n=1 an (x + m + n)s, (4.5) = ∞ X n=1 an (x + n)s − ∞ X n=m+1 an−m (x + n)s, (4.6) = ∞ X n=m+1 an− an−m (x + n)s + m X n=1 an (x + n)s, (4.7) = m X n=1 an (x + n)s. (4.8)
O resultado ainda vale mesmo se s ≤ 1, pois funções do tipo s 7→Pm
n=1 (x+n)an s são
analíticas em todo o plano complexo.
Ou seja, o domínio de atuação de ˜p deve conter funções do tipo PI i=1
Pm
n=1 (x+n)an si.
Definimos então a atuação de ˜p por
˜ p m X n=1 I X i=1 ani (x + n)si = m X n=1 I X i=I 2nˆp ani (x + n)si. (4.9)
Analogamente ao artigo de Bender, a equação de autovalores pode ser escrita como
Hψ = Eψ, (4.10)
∆−1m (ˆxˆp + ˆpˆx + ˜p)∆mψ = Eψ, (4.11)
(ˆxˆp + ˆpˆx + ˜p)∆mψ = E∆mψ. (4.12)
43 (ˆxˆp + ˆpˆx + ˜p)∆mψ = m X n=1 I X i=1 (ˆxˆp + ˆpˆx + 2nˆp) ani (x + n)si (4.13) = m X n=1 I X i=1 ((ˆx + n)ˆp + ˆp(ˆx + n)) ani (x + n)si (4.14) = m X n=1 I X i=1 i(2si− 1) ani (x + n)si = m X n=1 I X i=1 E ani (x + n)si. (4.15)
Por independência linear, devemos ter que si = 1−iE2 , ou seja, podemos tomar I = 1
e o autovetor procurado é da forma ∆mψ =Pmn=1
an
(x + n)s.
Podemos mostrar que o operador formalmente definido por
1 1 − eim ˆp = 1 imˆp imˆp eim ˆp− 1 = 1 imˆp ∞ X n=0 Bn n!(imˆp) n , (4.16)
onde Bn são os números de Bernoulli, que aparecem na série de Taylor de exx−1, é realmente
o inverso do operador ∆m = 1 − eim ˆp. De fato, dado ∆ψs =Pmn=1
an (x + n)s, temos que 1 1 − eim ˆp∆ψs = 1 imˆp m X k=1 ∞ X n=0 Bn n! (imˆp) n ak (x + k)s (4.17) = 1 imˆp m X k=1 ∞ X n=0 Bn n! (imˆp) n imˆp m ak (x + k)s−1 1 1 − s (4.18) = 1 m(1 − s) m X k=1 ∞ X n=0 Bn n!m na k 1 (x + k)s−1+n Γ(2 − s) Γ(2 − s − n), (4.19)
onde foi usado que dn dxnxµ=
Γ(µ+1) Γ(µ+1−n)x
µ−n. Vamos usar a representação integral da função
gama, 1
Γ(2 − z − n) = 1 2πi
R
Ceuun+z−2du, onde C é um caminho de Hankel no plano
complexo, em torno do eixo real negativo. Temos então
1 1 − ei ˆmp∆ψs = 1 2πi Γ(2 − s) m(1 − s) Z C m X k=1 ∞ X n=0 Bn n!ak m u x + k n euus−2(x + k)1−sdu. (4.20)
Usando novamente a expansãoP∞ n=0 Bn n!x n= x ex−1, temos 1 1 − ei ˆmp∆ψs = 1 2πi Γ(2 − s) m(1 − s) Z C m X k=1 ak m u XXx+k e(mx+ku ) − 1 euus−2(x + k)A1−sdu. (4.21)
44 Capítulo 4. O Hamiltoniano de Bender 1 1 − ei ˆmp∆ψs = Γ(1 − s) 2πi m −sXm k=1 ak Z C t et− 1e x+k m tts−2dt, (4.22) = −m−s m X k=1 akζ(s, x + k m ), (4.23) = ∞ X k=1 ak (k + x)s, (4.24)
onde usamos a representação da função zeta de Hurwitz como uma integral num caminho de Hankel e o resultado do apêndice C. Ou seja, mostramos que o operador definido em (4.37) é realmente o inverso do operador ∆m = 1 − eim ˆp. Este passo é importante para
mostrar que o Hamiltoniano tem simetria PT.
Impondo a condição de contorno ψs(0) = 0, temos que os autovalores E = i(2s − 1)
devem satisfazer a equação ψs(0) = Lχ(s) = 0, i.e, s é um zero da função L de Dirichlet
com caráter χ(n) = an. Caso pudermos provar que os autovalores são reais, teríamos que
os zeros da função L de Dirichlet tem a forma s = 12 − iE
2, ou seja, temos que a hipótese
generalizada de Riemann é verdadeira se, e somente se os autovalores de H são todos reais.
É claro que os coeficientes ak não formam necessariamente um caráter de Dirichlet,
pois só possuem a propriedade de periodicidade. Precisamos restringir ainda mais o espaço vetorial, de forma que os ak estejam relacionados com algum caráter de Dirichlet. A forma
mais simples de implementar isso é tomando o seguinte subespaço vetorial de Em:
Eχ = {ψ ∈ Em | ani= λiχ(n) com λi ∈ C ∀n ∈ N} , (4.25)
A pergunta agora é, podemos usar as propriedades do espaço Eχ para mostrar que
os autovalores do Hamiltoniano H são reais?
Um indício para a resposta afirmativa, é que podemos mostrar que o Hamiltoniano é PT simétrico2, para o operador antilinear de inversão temporal T definido pela atuação
T ˆxT−1 = ˆx e T ˆpT−1 = −ˆp.3 De fato, separando o Hamiltoniano em dois termos
H = 1 1 − eim ˆp(ˆxˆp + ˆpˆx)(1 − e im ˆp) | {z } H0 + 1 1 − eim ˆpp(1 − e˜ im ˆp) | {z } H1 , (4.26)
temos que o primeiro termo é claramente PT simétrico:
T iH0T−1 = −i
1
1 − e(−i)(−m ˆp)(ˆx(−ˆp) + (−ˆp)ˆx)(1 − e
(−i)(−m ˆp)) = iH
0. (4.27) 2 Na verdade, iH é PT simétrico, mas como iH e H tem os mesmos autovalores e autovetores, podemos
trabalhar com qualquer um deles.
3 Perceba que as atuações de PT e T são opostas em relação à ˆx e ˆp, de forma que se tivéssemos definido
o Hamiltoniano trocando ˆx e ˆp de lugar, o Hamiltoniano iria ter simetria com relação ao operador PT
45
Falta mostrar agora que H1 é PT simétrico. Para isso, devemos lembrar que a
atuação do operador T nos kets na base |xi é dada pela conjugação complexa, logo temos que T ˜pT−1 m X n=1 I X i=1 ani (x + n)si = T ˜p m X n=1 I X i=1 a∗ni (x + n)s∗ i (4.28) = m X n=1 I X i=1 T 2nˆp a ∗ ni (x + n)s∗ i (4.29) = m X n=1 I X i=1 −2nˆpT a ∗ ni (x + n)s∗i (4.30) = −˜p m X n=1 I X i=1 ani (x + n)si, (4.31)
e como a igualdade vale para qualquer vetor do domínio de ˜p, temos que T ˜pT−1 = −˜p.
Assim T iH1T−1 = −i 1 1 − e(−i)(−m ˆp)(−˜p)(1 − e (−i)(−m ˆp)) = iH 1, (4.32)
e finalmente temos que
T iHT−1 = T iH0T−1+ T iH1T−1 = iH0+ iH1 = iH (4.33)
Infelizmente, não podemos usar o resultado da seção anterior para mostrar que os autovalores de iH (e portanto de H) são reais, o que provaria a hipótese de Riemann generalizada, pois os autovetores de H não são autovetores do operador antiunitário T . De fato, a simetria PT é quebrada, pois temos que
T ψs = T ∞ X n=1 λχ(n) (x + n)s = ∞ X n=1 λ∗χ(n) (x + n)s∗ ∝ ψs∗, (4.34)
que é outro autovetor de H.4
4 Temos que ζ(s)∗= ζ(s∗), logo, se s é zero de ζ então s∗também é, ou seja, se ψ
sé autovetor de H
47
Conclusão
Motivados pelos resultados em teoria de matriz aleatória, pela conjectura de Berry Keating e pelo artigo de Bender [1], encontramos um Hamiltoniano que formalmente satisfaz a conjectura de Hilbert-Pólya (generalizada para funções L de Dirichlet), i.e., um Hamiltoniano cujos autovalores estão relacionados às partes imaginárias dos zeros das funções L de Dirichlet, e mostramos que se esse Hamiltoniano tem espectro real, a hipótese de Riemann generalizada é verdadeira.
Embora não tenhamos mostrado que os autovalores desse Hamiltoniano são reais, conseguimos mostrar que ele possui simetria PT quebrada para o operador antiunitário de reversão temporal, o que pode implicar que exista outro operador antiunitário para o qual o Hamiltoniano em questão é PT simétrico.
Outras abordagens também são possíveis, como em [1], usando a ideia de estados biortogonais [18]. O argumento proposto nesta monografia talvez permita estender uma prova da hipótese de Riemann utilizando mecânica quântica para uma prova da hipótese de Riemann generalizada.
49
APÊNDICE A – Caráter de Dirichlet e
Produto de Euler
Um caráter de Dirichlet é uma função aritmética χ : Z → C com as seguintes propriedades:
i) ∃k ∈ N tal que χ(n + k) = χ(n) ∀n ∈ Z, (A.1)
ii) χ(n) 6= 0 ⇔ mdc(n, k) = 1 ∀n ∈ Z, (A.2)
iii) χ(mn) = χ(m)χ(n) ∀m, n ∈ Z. (A.3) Neste caso, dizemos que χ tem período k. Como exemplo, temos um caráter de período 4 dado por
n 0 1 2 3
χ(n) 0 1 0 -1 ,
e um caráter de período 5 dado por
n 0 1 2 3 4
χ(n) 0 1 i -i -1 .
Além disso, temos o caráter trivial χ1(n) = 1 para todo n ∈ Z, que satisfaz
trivialmente as três propriedades. A partir de uma característica de Dirichlet χ, a função
L de Dirichlet é definida pela série
Lχ(s) = ∞ X n=1 χ(n) ns . (A.4)
Em particular, função zeta de Riemann é gerada pelo caráter trivial:
ζ(s) = Lχ1(s) = ∞ X n=1 1 ns. (A.5)
Vamos mostrar que a função L de Dirichlet pode ser escrita como o produtório sobre os números primos
Lχ(s) = Y p é primo 1 − χ(p) ps !−1 , (A.6)
50 APÊNDICE A. Caráter de Dirichlet e Produto de Euler
que para o caso da função zeta de Riemann com χ = χ1, se reduz ao produtório apresentado
na seção 2.2.
Proposição: Seja χ um caráter de Dirichlet e s > 1 um número complexo. Então
vale a igualdade ∞ X n=1 χ(n) ns = Y p é primo 1 −χ(p) ps !−1 . (A.7)
Prova: Note que
χ(2) 2s ∞ X n=1 χ(n) ns = X n=1 χ(2n) (2n)s = X n é par χ(n) ns , (A.8)
de modo que podemos escrever1
1 −χ(2) 2s ! ∞ X n=1 χ(n) ns = ∞ X n∈N χ(n) ns − X n é par χ(n) ns = X n não é par χ(n) ns , (A.9)
ou seja, somamos sobre todos os números que não tem nenhum fator 2 na sua decomposição em números primos. Podemos reescrever de uma maneira mais sucinta2
1 − χ(2) 2s ! ∞ X n=1 χ(n) ns = X 2-n χ(n) ns . (A.10)
Para o próximo passo, escolhemos o próximo número primo, e fazemos
χ(3) 3s X 2-n χ(n) ns = X 2-n χ(3n) (3n)s, (A.11)
ou seja, estamos somando sobre todos os múltiplos de 3 que não são divisíveis por 2. Ou seja tomando 1 − χ(3) 3s ! X 2-n χ(n) ns = X 2-n χ(n) ns − X 2-n n é múltiplo de 3 χ(n) (n)s = X 2-n 3-n χ(n) (n)s, (A.12)
ou seja, temos que
1 − χ(3) 3s ! 1 −χ(2) 2s ! ∞ X n=1 χ(n) ns = 1 − χ(3) 3s ! X 2-n χ(n) ns = X 2-n 3-n χ(n) ns (A.13)
1 As manipulações são válidas pois a série é absolutamente convergente. 2
51
é uma somatória sobre todos os números que não tem fatores 2 nem fatores 3 na sua decomposição em números primos. Essa é a motivação para a seguinte
Afirmação: Sejam p1, ..., pk os k primeiros números primos, então
k Y i=1 1 −χ(pi) ps i ! ∞ X n=1 χ(n) ns = X n∈N pj-n ∀j≤k χ(n) ns . (A.14)
De fato, vamos mostrar por indução: Os casos k = 1 e k = 2 já foram provados. Agora suponha que vale a igualdade para k ∈ N. Então
k+1 Y i=1 1 −χ(pi) ps i ! ∞ X n=1 χ(n) ns = 1 − χ(pk+1) ps k+1 ! X n∈N pj-n ∀j≤k χ(n) ns , (A.15) = X n∈N pj-n ∀j≤k χ(n) ns − X n∈N pj-n ∀j≤k χ(pk+1n) (pk+1n)s . (A.16)
Como nos casos k = 1 e k = 2, no segundo somatório aparecem os múltiplos de pk+1
que ainda restavam no primeiro somatório. Então, a diferença pode ser escrita exatamente como X n∈N pj-n ∀j≤k χ(n) ns − X n∈N pj-n ∀j≤k χ(pk+1n) (pk+1n)s = X n∈N pj-n ∀j≤k+1 χ(n) ns , (A.17)
que prova a igualdade para k + 1, e termina a prova por indução.
Queremos agora tomar o limite k −→ ∞ na equação (59). Temos que o lado direito pode ser escrito como
X n∈N pj-n ∀j≤k χ(n) ns = 1 + X n≥2 pj-n ∀j≤k χ(n) ns , (A.18)
e temos a seguinte estimativa para o somatório do lado direito:
0 < X n≥2 pj-n ∀j≤k χ(n) ns < X n>pk χ(n) ns , (A.19)
pois como todo número diferente de 1 é divisível por um primo menor ou igual a ele mesmo, o somatório da direita tem pelo menos cada termo do somatório da esquerda.
52 APÊNDICE A. Caráter de Dirichlet e Produto de Euler
Por outro lado, se a sérieP∞ n=1
χ(n)
ns converge, temos que P n>pk χ(n) ns −→ 0 para pk−→ ∞.
Pelo teorema do confronto3, temos que o somatório do meio tem limite igual a zero, e das
equações (59) e (63) segue que
lim k→∞ k Y i=1 1 − χ(pi) ps i ! ∞ X n=1 χ(n) ns = k→∞lim X n∈N pj-n ∀j≤k χ(n) ns = 1, (A.20) ∞ Y i=1 1 − χ(pi) ps i ! ∞ X n=1 χ(n) ns = 1, (A.21) ∞ X n=1 χ(n) ns = ∞ Y i=1 1 −χ(pi) ps i !−1 . (A.22) Note que o produtório converge se a série converge, então o produtório está bem definido para Re(s) > 1. Além disso, outra consequência muito importante dessa dedução é que pela equação (109) devemos ter que P∞
n=1 χ(n)
ns 6= 0 para Re(s) > 1, i.e., a função
zeta de Riemann não tem zeros nessa região.
3 Sejam a
n, bn e cn sequências de números reais. Se an < cn < bn com an −→ L e bn −→ L, então
53
APÊNDICE B – Quantização EBK [
8
] [
9
]
O método EBK, devido a Einstein, Brillouin e Keller, é um método semiclássico de obter as autoenergias e as autofunções de um sistema quântico cujo operador Hamiltoniano tenha análogo clássico. É importante notar que, apesar de estarmos resolvendo o problema aproximadamente, os valores dos níveis de energia encontrados se tornam mais precisos quanto maior a energia, e em alguns casos, conseguimos os níveis de energia exatos!
Este método é um aperfeiçoamento da quantização de Sommerfeld-Bohr, onde se tem a condição H
H(q,p)=Enp dq = 2π~n para os níveis de energia En.
Por simplicidade, suponha uma sistema quântico unidimensional descrito pelo Hamiltoniano H = H(ˆx, ˆp). Temos então que o estado |ψi obedece à equação de Schrödinger i~dtd |ψi = H(ˆx, ˆp) |ψi. Tomamos o seguinte ansatz:
ψ(x, t) =X
k
Ak(x, t)e i
~Sk(x,t), (B.1)
com cada Ak e Sk funções reais. Posteriormente vamos mostrar que cada função Sk(x, t)
deve satisfazer a equação de Hamilton-Jacobi, e logo pode ser associada com a ação clássica, por isso o uso do ~ no denominador1. Geralmente, a ação é uma função multivalorada da
coordenada x, assim, cada Sk pode ser entendido como um ramo diferente. Substituindo o
ansatz na equação de Schrödinger, temos:
X k H(ˆx, ˆp)e~iSk(x,t)Ak(x, t) = X k i~∂Ak(x, t) ∂t − Ak(x, t) ∂Sk(x, t) ∂t ! e~iSk(x,t). (B.2)
Uma solução possível é tomar a igualdade para cada valor de k. Reescrevendo, temos: e−~iSk(x,t)H(ˆx, ˆp)e i ~Sk(x,t)Ak(x, t) = i~ ∂Ak(x, t) ∂t − Ak(x, t) ∂Sk(x, t) ∂t ! . (B.3)
Podemos entender as exponenciais como operadores atuando sobre a função Ak(x, t),
assim como H(ˆx, ˆp) é uma função dos operadores ˆx e ˆp. Adotando a linguagem de kets e
usando o resultado [ˆp, f (ˆx)] = ∂x∂f (ˆx):
1
54 APÊNDICE B. Quantização EBK [8] [9] e−i~Sk(ˆx,t)H(ˆx, ˆp)e i ~Sk(ˆx,t)|Ak(t)i = i~ ∂ ∂t − ∂Sk(ˆx, t) ∂t ! |Ak(t)i , (B.4) H x, ˆˆ p + ∂Sk(ˆx, t) ∂x ! |Ak(t)i = i~ ∂ |Ak(t)i ∂t − ∂Sk(ˆx, t) ∂t |Ak(t)i , (B.5)
onde hx|Ak(t)i = Ak(x, t). Igualando os termos de ordem zero em ~, temos2:
H x,∂Sk(x, t) ∂x
!
= −∂Sk(x, t)
∂t , (B.6)
que é exatamente a equação de Hamilton-Jacobi para a ação Sk(x, t). Para encontrar uma
equação para os Ak, tome f (ˆx) uma função qualquer do operador ˆx, multiplique a equação
(26) por hAk(t)| f (ˆx). Após tomar hermitiano conjugado e subtrair, temos:
hAk(t)| " f (ˆx), H x, ˆˆ p + ∂Sk(ˆx, t) ∂x !# |Ak(t)i = i~ ∂ hAk(t)| f (ˆx) |Ak(t)i ∂t . (B.7)
Supondo que H seja bem comportada, tomamos a série de potências em ˆp :3
H x, ˆˆ p + ∂Sk(ˆx, t) ∂x ! = H x,ˆ ∂Sk(ˆx, t) ∂x ! +∂H ∂p x,ˆ ∂Sk(ˆx, t) ∂x ! ˆ p + O(~2). (B.8)
Sabendo que f (ˆx) comuta com qualquer função do operador ˆx, e desprezando
termos quadráticos ou de ordem mais alta em ~, temos:
hAk(t)| df (ˆx) dx ∂H ∂p x,ˆ ∂Sk(ˆx, t) ∂x ! |Ak(t)i = d hAk(t)| f (ˆx) |Ak(t)i dt , (B.9) Z A2k(x, t)df (x) dx ∂H ∂p x, ∂Sk(x, t) ∂x ! dx = d dt Z A2k(x, t)f (x) dx, (B.10) Z f (x) ∂ ∂x A 2 k(x, t) ∂H ∂p x, ∂Sk(x, t) ∂x !! dx = Z f (x)∂A 2 k(x, t) ∂t dx. (B.11)
Finalmente, como esta equação deve valer para qualquer escolha da função f , temos a seguinte equação para os Ak’s:
∂A2 k(x, t) ∂t = ∂ ∂x A 2 k(x, t) ∂H ∂p x, ∂Sk(x, t) ∂x !! . (B.12) 2 lembrando que ˆ p = −i~∂ ∂x. 3 Aqui, ∂H ∂p ˆ x,∂Sk(ˆx,t) ∂x
significa tomar a derivada parcial de H em relação ao seu segundo argumento e avaliar em (ˆx,∂Sk(ˆx,t)
55
Com a associação dxdt = ∂H∂p x,∂Sk∂x(x,t), esta é exatamente a equação de Liouville em mecânica estatística para a distribuição de probabilidade Pk ≡ A2k.
Geralmente, a ação é uma função multivalorada da posição. De fato, em sistemas independentes do tempo podemos usar a separação de variáveis S(x, t) = W (x) − Et, onde
E é o valor constante da energia do sistema, e como sabemos da mecânica clássica que S = R
L dt, temos que a diferença entre dois valores da ação, em dois momentos distintos tal que x(ti) = x(tf) = x, é dada por:
S(x, tf) − S(x, ti) = Z tf ti L dt, (B.13) W (x) − W (x) − Etf + Eti = Z tf ti −H + p ˙q dt, (B.14) W (x) − W (x) − E(tf − ti) = Z tf ti p ˙q dt + E(tf − ti), (B.15) ∆W (x) = I p dq ≡ 2πI. (B.16)
Ou seja, acabamos de mostrar que a parte espacial da ação é uma função multiva-lorada, e seus valores distintos diferem por um múltiplo inteiro de 2πI, onde I é variável de ação. Como a amplitude de probabilidade Ak depende da ação Sk, geralmente também
será multivalorada. Assim, para evitar que a função de onda seja multivalorada, é suficiente que para cada k tenhamos
∆Ake i ~Sk = 0, (B.17) A(2)k e~iS (2) k − A(1) k e i ~S (1) k = 0. (B.18)
Usando Ak= elnAk e dividindo a equação pelo segundo termo, temos (usando que
h = 2π~): e~i∆Sk+∆ ln Ak = 1, (B.19) i ~∆Sk+ ∆ ln Ak = 2πn, (B.20) ∆Sk = h " n + i∆ ln Ak 2π # , (B.21)
que é a condição de quantização EBK. Esta condição se reduz à condição de Bohr-Sommerfeld quando a função Ak não é multivalorada. De fato, quando ∆Ak = 0, temos
que:
I