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Academic year: 2021

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TÍTULO: ALZIRA VARGAS, A FILHA DE GETÚLIO TÍTULO:

CATEGORIA: CONCLUÍDO CATEGORIA:

ÁREA: CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS ÁREA:

SUBÁREA: HISTÓRIA SUBÁREA:

INSTITUIÇÃO: UNIVERSIDADE DE SOROCABA INSTITUIÇÃO:

AUTOR(ES): RAFAELLA ROZO DA COSTA AUTOR(ES):

ORIENTADOR(ES): LETÍCIA NUNES DE MORAES ORIENTADOR(ES):

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1 RESUMO

Alzira Vargas do Amaral Peixoto (1914-1992) foi a filha que mais estreita convivência manteve com o pai e presidente da República Getúlio Vargas (1892-1954) de quem ganhou a amizade e a confiança ao aceitar o desafio proposto pelo próprio Vargas de organizar sua biblioteca particular. Desafio proposto e cumprido, a etapa seguinte de aproximação foi um novo desafio: organizar os arquivos pessoais do pai. A partir daí, além de arquivista autodidata, Alzira assumiu o papel de principal responsável pela guarda da memória de Getúlio, função que manteve até o final de sua vida, apresentando-se sempre como personagem coadjuvante nas histórias do pai narradas no livro que escreveu após o seu suicídio, em 1954, intitulado Getúlio Vargas, meu pai (1960) e nas duas entrevistas que concedeu à equipe de pesquisadores do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV), em 1979 e em 1991. O objetivo desta pesquisa é compreender a construção da relação de Alzira Vargas do Amaral Peixoto com o pai; identificar a memória que Alzira procurou registrar como arquivista e responsável pela guarda da memória de Getúlio Vargas, para, por fim, conhecer a visão de mundo da própria Alzira. A partir da leitura do livro memorialístico Getúlio Vargas, meu pai, escrito por Alzira e publicado em 1960, pretendeu-se separar a narrativa sobre si da narrativa sobre o pai, entrecortadas no texto de Alzira. A análise desse material de pesquisa foi realizada com base em conceitos da nova história cultural, como: memória, narrativa, identidade. A história da trajetória de Getúlio foi contada por Alzira Vargas de forma particular. Ao mesmo tempo, sua visão de mundo é cortada ao longo de sua narrativa, dificultando a separação de sua própria história e sua intencionalidade como “guardiã da memória” de seu pai. A colocação de si mesma como coadjuvante da narrativa não impediu que se percebesse sua visão de mundo, seus gostos, suas análises e sensações mesmo que a separação total da sua história e de seu pai não possa ser feita e que algumas barreiras tenham se mantido instransponíveis.

2 INTRODUÇÃO

A trajetória pessoal de Alzira Vargas revela a atuação privilegiada de uma mulher na política. No entanto, o papel de guardiã da memória do pai, colocando-o

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frequentemente no primeiro plano de suas narrativas, permanecendo ela própria como coadjuvante, parece reproduzir a tradição da história política em que as mulheres estão ausentes:

Em uma perspectiva política, a partir da qual a história é a memória da República e da Nação, o relato histórico se organiza em torno dos acontecimentos públicos. Já que a política interior e exterior dos Estados (a diplomacia, as guerras) torna-se o essencial, pesquisa-se principalmente os documentos administrativos (crônica de poder). As mulheres, que estão a maior parte do tempo ausentes desses lugares, desaparecem consequentemente do relato histórico. (PERROT, 1995, p.14)

Pretendeu-se, assim, no desenvolvimento desta pesquisa inverter os lugares, ou seja, considerar Alzira Vargas a personagem principal da narrativa a ser desenvolvida, ainda que a figura do pai persista como elemento central em sua narrativa. “Alzirinha” era, “no folclore da política brasileira”, o apelido de Alzira Vargas do Amaral Peixoto (1914-1991), “diminutivo que busca reduzir a força de sua presença em vários momentos cruciais da vida política do país”. (GOMES, 1996, p.19) Esta visão reducionista, contudo, não é apropriada para falar da filha de Getúlio Vargas que atuou ao lado do pai e do marido, Ernani do Amaral Peixoto, durante quase meio século da vida política do país, dos anos 1940 até a década de 1980. Ao longo deste período, Alzira foi chefe de gabinete de Presidência da República, conselheira pessoal de Getúlio Vargas, que passou a chamar de “patrão”. Entre todas as funções que assumiu, a mais importante talvez tenha sido a de “guardiã da memória de seu pai, de sua família, de seu país”. (GOMES, 1996, p.4)

3 OBJETIVOS

3.1 Objetivo geral

O objetivo geral da presente pesquisa é identificar a visão de mundo de Alzira Vargas, situada como personagem central deste trabalho, embora ela mesma, muitas vezes se apresente como coadjuvante, reservando para si a função de guardiã da memória de seu pai, Getúlio Vargas.

3.2 Objetivos específicos

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1) Identificar os elementos que compõem a relação de Alzira Vargas com o pai, sejam afetivos, familiares, políticos.

2) Compreender a “verdade política”, a memória histórica do pai que Alzira se empenhou em guardar.

4 METODOLOGIA

O trabalho de pesquisa com a fonte primária, ou seja, com a obra escrita por Alzira Vargas, Getúlio Vargas, meu pai, foi desenvolvido de modo a separar em meio à narrativa da autora, a personagem principal desta pesquisa histórica, o que ela diz sobre si, do que ela diz sobre seu pai. A partir de uma abordagem cultural da história, trabalhou-se com conceitos como identidade, memória, narrativa e arquivo pessoal de forma a alcançar os objetivos propostos, compreender a visão de mundo de Alzira e, ao mesmo tempo, identificar a verdade que desejou registrar sobre a trajetória política do pai sem perder de vista as relações com o contexto político do período em questão. Este trabalho de separação foi feito por meio de fichamentos específicos.

5 DESENVOLVIMENTO

Alzira começou a se interessar pelas atividades do pai e dele se aproximar após a Revolução de 1930. Começou ganhando sua confiança ao aceitar o convite para organizar sua biblioteca particular: “Ninguém, nem Papai, poderia retirar das estantes um único livro sem meu conhecimento”. (PEIXOTO, 1960, p.89) O passo seguinte foi organizar o arquivo pessoal do pai. A tarefa não foi fácil, mas marcou um momento de virada em sua trajetória pessoal:

Fiquei com medo de mim mesma. O que aqueles documentos me revelavam, a verdade verdadeira sobre fatos e homens, a causa real de certos acontecimentos, deixaram-me petrificada. Como é dura. Como é dura, cruel e fugidia a verdade! Uma nova perspectiva da vida política de meu país se abria para mim e eu perdia uma tonelada de ilusões. (PEIXOTO, 1960, p.101) A partir daí, Alzira assumiu, cada vez mais, o papel de arquivista e, sobretudo, o de “guardiã da memória”. “O guardião ou o mediador, como também é chamado, tem como função primordial ser um ‘narrador privilegiado’ da história do grupo a que pertence e sobre o qual está autorizado a falar.” (GOMES, 1996, p.19)

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Ângela de Castro Gomes, pesquisadora do Centro de Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas1, entrevistou Alzira em

duas ocasiões: em 1979 e em 1991. O objetivo da entrevistada nas duas oportunidades era mostrar e preservar a “verdade” sobre seu pai. Observou Ângela que:

Ao falar a ‘verdade’ sobre seu pai e, portanto, sobre a história do Brasil, ela indiscutivelmente construía uma imagem sobre si mesma como pessoa preocupada e ocupada com a questão da memória. Se eu estava interessada em suas relações com a política, não poderia deixar de reconhecer que tudo o que d. Alzira dizia e fazia, quando da entrevista, sofria a inflexão fundamental de seu papel precípuo de guardiã”. (GOMES, 1996, p.19) Antes das entrevistas ao CPDOC-FGV, a guardiã já se apresentara na redação do livro Getúlio Vargas, meu pai, iniciada após o suicídio de Vargas, em 1954. Publicado em 1960, teve o sentido de recompor uma identidade abalada: “foi escrito com o sangue de minhas veias, com as lágrimas que ainda me sobraram e com um resto, um rebotalho de energia nervosa que por algum motivo me foi poupada” (PEIXOTO, 1960). Assim, o livro e as duas entrevistas compõem “um trabalho de ‘solidificação da memória’. Ou seja, d. Alzira construiu uma certa interpretação dos principais eventos que envolveram a figura do pai (e dela mesma), elegendo estruturas narrativas que se repetem” e revelam “extrema convergência”. (GOMES, 1996, p.17)

Apesar da insistência em se apresentar como coadjuvante da história do pai, suas narrativas permitem entrever seu modo de viver e apreender o mundo. Segundo Robert Darnton (1986, p. XV): “Analisando o documento onde ele é mais opaco, talvez se consiga descobrir um sistema de significados estranho. O fio pode até conduzir a uma pitoresca e maravilhosa visão de mundo”.

Assim, estudar historicamente a trajetória de Alzira Vargas pode revelar a atuação singular de uma mulher na política, em um momento no qual as brasileiras tinham acabado de conquistar o direito ao voto:

Quando a lei eleitoral foi promulgada, a mulher brasileira passou a ter não somente acesso ao voto, mas também ao direito de ser escolhida e eleita. Colaborando na vida econômica e política do país, tinha a sua vez de ser ouvida. A cooperação que mulher pode dar e deve dar na construção de um país não seria mais desprezada. Não sei se contribuíra, através da minha

1 1 O acervo do CPDOC-FGV foi formado a partir do acervo pessoal de Getúlio Vargas, organizado

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insubordinação aos clássicos cânones da educação gaúcha, para que Papai pendesse para esse lado. Devo ter influído, mas não estou certa disso. (PEIXOTO, 1960, p.99)

Alzira participou, por quase 50 anos, como lembra Ângela de Castro Gomes (1996), da política de forma singular, em situações privilegiadas, como esposa e filha de políticos influentes, Getúlio2 e Ernani do Amaral Peixoto3. Esta constatação remete

às considerações da historiadora francesa Michelle Perrot (2001) sobre as relações das mulheres com o poder, inscritas em um jogo de palavras: “Se elas não têm o poder, as mulheres têm, diz-se poderes”:

No singular, ele tem uma conotação política que designa basicamente a figura central, cardeal do Estado, que comumente se supõe masculina. No plural, ele se estilhaça em fragmentos múltiplos, equivalente a “influências” difusas e periféricas, onde as mulheres têm sua grande parcela.” (p.167)

Se esta noção, ainda segundo Perrot, pode levar a supor “mais prosaicamente, a ideia muito difundida de que as mulheres puxam os fiozinhos nos bastidores, enquanto os pobres homens, como marionetes, mexem-se na cena pública” (2001, p.168). Alzira Vargas, no entanto, estava “longe de ser uma personalidade a reboque” (Gomes, 1996), sem autonomia, pois “a partir de 1940 era de conhecimento geral (nacional e internacional) que Getúlio Vargas tinha na filha um de seus interlocutores privilegiados”. Contudo, o papel de Alzira, mesmo que relevante, não tem sido tema de trabalhos científicos, principalmente no campo histórico. A originalidade dessa pesquisa contribui para a descoberta de uma mulher não notada. É presente nos trabalhos de Lira Neto (2012 e 2014), que como jornalista, aborda a trajetória de Getúlio Vargas também através de observações da própria Alzira em seu livro Getúlio

Vargas, Meu Pai, publicado em 1960, esquecido, e republicado no ano de 2017, com

material inédito.

6 RESULTADOS

Alzira Vargas do Amaral Peixoto foi mais do que esposa e filha de políticos. Como mulher, teve uma atuação diferente de todas as outras de sua época e mesmo

2 Getúlio Vargas, durante sua trajetória, ocupou cargos públicos diversos até chegar à chefia do

Estado entre 1930 e 1945, retornando em 1950, até sua morte em 1954.

3 3 Ernani Amaral Peixoto ingressou na Escola Naval do Rio de Janeiro em 1923. Teve atuação

militar como Capitão e Tenente, o que propiciou sua entrada à política. Foi um dos fundadores do Partido Social Democrático (PDS) e ocupou cargos públicos.

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de seu lugar social. Seis anos depois da morte de seu pai, publicou o livro best-seller da época Getúlio Vargas, Meu Pai, no qual não esconde sua intenção em transformar a trajetória do “pai dos pobres” em uma história de cunho heroico e poético. Mesmo seu livro tendo recebido grandes atenções logo após a publicação, caiu no esquecimento, como costumava acontecer com os escritos de mulheres, que por muito tempo não participaram do mundo erudito ou do político. “Existe, no entanto, muitas fontes. Fontes que falam delas. Fontes que emanam delas, nas quais se pode ouvir suas vozes diretamente. ” (PERROT, p.25, 2007). Dessa forma, Alzira reproduz um sistema de relatos, nos quais a autoria feminina não enfoca quem a escreve.

Chamando Getúlio de “Papai”, descreve sua trajetória como a de alguém com um destino patriótico. A narrativa se desenrola entre lembranças e saudosismos. Como manda a tradição patriarcal, Darcy, mãe de Alzira, casou-se aos 15 anos com o então advogado Getúlio Dornelles Vargas, 13 anos mais velho. Em 1914, nasceu Alzira, a terceira dos cinco filhos que tiveram. A menina, que também receberia educação patriarcal, recebeu o nome de sua avó materna.

Quando eu nasci, ao entardecer de um domingo, nada houve de especial. Nem meu Pai estava presente. Mais uma menina na vida de um casal gaúcho é apenas mais uma menina. Por coincidência, como Papai, eu era também o terceiro rebento. No mundo havia uma guerra, no meu país uma expectativa, no meu Estado uma revolução, na minha cidade um caos. Não obstante, eu nasci. Teimosia, talvez. (PEIXOTO, p.17)

“Nascera para herói, era preciso continuar” (PEIXOTO, p.3) Descreve, também, a infância e adolescência de Getúlio, como uma investigação prazerosa, passando por soldado, promotor, até atingir sua condição de homem público. Alzira expressa o entusiasmo em descobrir seu pai, desfazendo-se de uma linha do tempo linear. Os pensamentos da autora ao escrever não estão separados de seus pensamentos do período descrito.

Enquanto Getúlio alcançava diferentes patamares na política brasileira, sua terceira filha se preocupava com o conforto das casas que moravam ao longo do tempo. Recebeu de sua mãe o estímulo para o estudo e herdou o exemplo do pai, ao gostar da literatura “séria”. Mesmo afirmando que “não era nada mal ser filha do Presidente do Estado” (p.39), em sua adolescência, recebeu alguns limites de Vargas: “Filha minha não dança”; “Mulher foi feita para tomar conta da casa. Precisa saber música, costurar e cozinhar”. (PEIXOTO, p.39). Porém, Alzira minimiza a fala autoritária do pai, apontando para que seria o voto feminino conquistado em 1932:

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“Mamãe não estava de acordo, (...) mal sabia ela que, em menos de uma década, Papai a ultrapassaria tornando-se o advogado da emancipação feminina. ” (PEIXOTO, p.39-40)

Em 9 de julho de 1932, ela descreve suas percepções sobre os acontecimentos passados naquela noite que ela ainda não compreendia em seu todo4. Quando seu

pai se tornou chefe do governo do Brasil, Alzira estava aliviada por ele estar vivo; ainda pensava em voltar para o Rio Grande. Com as movimentações de 1932, tentava entender a Revolução em curso. Alzira recorda: “Foi durante esse período de angústia e excitação que comecei a me tornar útil a meu Pai e indispensável a seus colaboradores. (p.83-84) Daí em diante, ela sempre estaria a par de todos os acontecimentos. É o começo de uma atuação política singular para uma mulher. Como suas articulações aconteciam na esfera doméstica, Alzira não cita espanto ou reparo em sua condição feminina. Descreve a análise do período em questão com maestria, não como alguém que está por perto, mas como alguém que participa. “Foi meu primeiro degrau. Aos poucos fui tomando mais confiança e enquanto ele despachava um processo, eu lia o seguinte e o entregava aberto na página em que devia assinar, fazendo um ligeiro resumo.” (PEIXOTO, p.86)

Toma gosto pela leitura e se aproxima da biblioteca de seu pai, que lhe a oferece em troca ao seu ingresso ao curso de Direito. Além disso, foi combinado que Alzira poderia se casar apenas depois de formada. Estava mais próxima dos assuntos públicos, relata: “(...) eu me senti contaminada pelo vírus da política. ” (PEIXOTO, p.94-95)

Ciente de sua “condição como mulher”, o que pressupõe um lugar de subalternidade, sabe que foi criada em um sistema patriarcal, que não questiona. Assim, em vários momentos tem como objetivo “ganhar a confiança” de Vargas, demostrando ciência do caminho mais longo a seguir por sua situação. Cita a importância da nova lei eleitoral que agora incluía as mulheres nas disputas eleitorais. Entretanto, atribui esta conquista exclusivamente ao pai, que, segundo ela, “abandonara seu trinômio patriarcal e passara a ser o maior defensor do feminismo no Brasil.” (p.98) O movimento de mulheres5 que lutavam pela participação política não é sequer citado.

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Em 1937 inicia sua jornada como Auxiliar de Gabinete, e conta: “ia começar a ser paga por serviços que já estava fazendo, há tanto tempo por prazer, e ainda por cima sem obrigação de horário!” (PEIXOTO, p. 242) Sua relação com Getúlio era peculiar e respeitosa. Ora como uma funcionária administrativa que o ajudava em suas decisões, ora como sua filha. Escolheu o apelido que achava mais apropriado para se referir ao pai naquele contexto: Patrão. Assim, com “P” maiúsculo. Em meio a inúmeros aprendizados, ficou responsável por casos desesperados e insolúveis como “a mãe que pediu indulto para o filho criminoso”. (PEIXOTO, p.250)

“Posso considerar o ano de 1938 o ano de minha afirmação como Gente, com G maiúsculo. Fiquei importantíssima de repente, sem atinar, inicialmente, com o porquê. ” (PEIXOTO, p.352) O motivo é explicado em todo texto, no qual tanto trabalho é evidenciado. Enquanto o governo vendia uma imagem de que não há intermediários, foi Alzira quem assumiu essa função. Passou a ter mais responsabilidades e menos “folgas”. Getúlio a levava em quase todas as suas viagens, de preferência com outros auxiliares de gabinete – era mais cômodo.

Em 1939 se casou com Capitão Tenente Ernani do Amaral Peixoto, que também teve grande atuação no meio político. Mais uma vez, relutava, mas cedia às aspirações paternas, já que Getúlio conspirava por essa união.

Já no Estado Novo, Alzira menciona ações do Estado: dos direitos trabalhistas ao aumento das Forças Armadas em meio à Guerra no cenário internacional. Se torna, então, defensora da nova Constituição. “Teoricamente, os fins não justificam os meios. No entanto, quando os fins são maiores, muito mais importantes do que os meios, haverá alguém que hesite? ” (PEIXOTO, p.379)

Como aponta Michelle Perrot (2001), “o poder político é apanágio dos homens – e dos homens viris. Ademais, a ordem deve reinar em tudo: na família e no Estado. É a lei do equilíbrio histórico”. Não era só ”mais uma menina” que nascera em 1914, era uma das poucas mulheres na história da política brasileira a conseguir até então, atuar e articular-se no espaço público. Seus privilégios e vínculos familiares obviamente contribuíram para tal feito, mas não se deve ignorar a importância de sua trajetória, principalmente em um país no qual a participação das mulheres na política, ainda hoje, é minoritária.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O livro Getúlio Vargas, meu pai (1960), é um exemplo rico de uma biografia, escrita por uma mulher, que teve uma atuação política importante. Também é exemplo de livro duplamente esquecido: ele próprio, ao não receber destaque5 depois de sua

publicação, mas também dentro da narrativa, na qual Alzira, muitas vezes, esquece de si. Alzira Vargas utiliza uma linha do tempo linear, contudo não deixa claro de onde partem as suas interpelações – se do presente relatado ou do presente enquanto escrevia a narrativa – durante certos acontecimentos. Como têm ciência sobre o que virá em seguida, é possível notar uma visão retrospectiva da história.

Sem alarde, começa a ter acesso a documentos confidenciais, ao mesmo tempo que se aproxima de Getúlio Vargas. Sua atuação política pode ser mais articulada do que a de muitos que trabalharam com seu pai, porém como assumia o papel determinado à mulher, de apoio e ajuda nos bastidores, não tinha título necessário para ser “considerada”. Tornou-se a Auxiliar de Gabinete apenas em 1937, depois de anos ininterruptos convivendo e se interessando por questões políticas que a rondavam. Também agiu de outras formas, fora do gabinete. A articulação política de Alzira – e de muitas mulheres – abrange mais que o cargo, mas a posição social e perpassa por diferentes gêneros. Conselheira, portadora de recados, ou dada para resolver um interesse imediato ou específico. Cursar Direito lhe deu, também, grande suporte a sua atuação.

Mesmo que não seja possível uma separação total entre a história de Alzira e o que conta sobre Getúlio, pode-se compreender qual a visão de mundo de Alzira e o quanto das relações que tinha com Getúlio refletiam dela. Essas relações começaram a se estabelecer quando criança, mas ainda de forma familiar. A partir de 1930, com sua aproximação ao cenário político, a relação afetiva cresce cada vez mais – ou vice-versa -, dando condições, assim, para que se estabelecesse uma relação política peculiar, como foi. Já que não era afetiva, nem política o suficiente, era o resultado ou mistura desses dois itens. De qualquer maneira, o vínculo era intenso.

É importante destacar a riqueza de detalhamentos que o livro traz, no que diz respeito às relações políticas e acontecimentos da política brasileira: Revolução de 1930, Revolução Constitucionalista, Insurreição Comunista, ataque ao Palácio

5 Mesmo com a recente republicação do livro Getúlio Vargas, Meu Pai (2017), que conta ainda com

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Guanabara, relações internacionais, funcionalismo público; permite uma outra dimensão da história que muitas vezes é lúdica, sendo assim de fácil acesso, para ser utilizada em sala de aula, por exemplo. Além disso, Alzira faz análises sobre os fatos inúmeros fatos, além de estar numa posição próxima e privilegiada, na maioria dos casos.

Segundo Carla Pinsky, na apresentação do livro de Michelle Perrot (2007, p.11) “a história precisa sair das universidades e tomar as ruas”. As questões propostas e trabalhadas por essa pesquisa têm importância social latente, já que as relações de gênero apresentadas são apenas um reflexo da exclusão das mulheres em diversas áreas e momento de grande maioria das sociedades ocidentais. Os desdobramentos dessa pesquisa pretendem incentivar o alcance do lado de fora dos “muros da universidade”, para que mais pessoas tenham acesso a esse viés do conhecimento histórico.

8 FONTES CONSULTADAS

CAPELATO, M.H.R. Estado Novo: novas histórias. In: FREITAS, M.C.F. Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2012.

DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa. Rio de Janeiro: Graal, 1986

GOMES, A.C.G. A guardiã da memória. Acervo (Rio de Janeiro), v.9, n.1-2, p.17-30, 1996

LE GOFF, J. História e memória. Campinas, Editora Unicamp, 2003.

PEIXOTO, A.V.A. Getúlio Vargas, meu pai. Rio de Janeiro; Porto Alegre; São Paulo: Globo, 1960.

PERROT, Michelle. Escrever uma história das mulheres: relato de uma experiência. Cadernos Pagu, Campinas, n. 4, p. 9-28, 1995.

PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.

PERROT, M. Os excluídos da história: operários, mulheres, prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.

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