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Direito à comunicação comunitária, participação popular e cidadania

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Academic year: 2021

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1 Apresentado no V Colóquio Brasil-Espanha, promovido pela Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, realizado na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, em 29 de agosto de 2008.

2 Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo. Doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Coordenadora do GT Comunicación Popular, Comunitária y Ciudadanía da ALAIC-Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación e do Núcleo de Pesquisa

Movimentos sociais, cidadania e o direito

à comunicação comunitária nas políticas

públicas

1

Este texto discute as inter-relações entre comunicação, movimentos sociais e cidadania e tem por objetivo situar a questão do direito à comunicação como dimensão dos direitos humanos. Com base em pesquisa bibliográfica, os conceitos de cidadania e de movimentos sociais são brevemente esclarecidos. Em seguida, analisam-se a comunicação construída nesse universo, bem como o processo educomunicativo e a ausência da comunicação comunitária nos debates acerca das políticas públicas de comunicação no país. Conclui-se que a comunicação comunitária e o jornalismo alternativo expressam rica diversidade de práticas e contribuem para a ampliação do status da cidadania.

Palavras-chave: movimentos sociais, cidadania, direito à comunicação.

Social movements, citizenship, and the right to community communication in public policies

.

This paper discusses the inter-relations amongst communication, social movements and citizenship, seeking to situate the question of the right to communication as a human rights’ dimension. Based on a bibliographical research, concepts of citizenship and social movements are briefly defined. Subsequently, it is analyzed communication constructed in this universe, as well as the educative/communicative process, and the absence of community communication in the debates on public policies of communication in Brazil. As a conclusion it has been found that community communication and the alternative journalism express a rich diversity of practices and contribute to enhancing the citizenship status.

Key words: social movements, citizenship, right to communication.

Este texto analiza las interrelaciones entre comunicación, movimientos sociales y ciudadanía con el objetivo de situar la cuestión del derecho a la comunicación mientras dimensión de los derechos humanos. Con base en investigación bibliográfica, los conceptos de ciudadanía y de movimientos sociales son brevemente situados. Enseguida se busca reflejar sobre la comunicación construida en este universo, así como sobre el proceso educomunicativo y acerca de la ausencia de la comunicación comunitaria en los debates acerca de las políticas públicas de comunicación en el país. Se concluye que la comunicación comunitaria y el periodismo alternativo expresan una rica diversidad de prácticas y contribuyen para la ampliación del estatus de la ciudadanía.

Palabras clave: movimientos sociales, ciudadanía, derecho a la comunicación.

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Introdução

Falar sobre movimentos sociais tem sido um de-safio. Dependendo dos receptores, pode-se deparar tanto com acirrado ceticismo como com alta receptividade. Com base em pesquisa bibliográfica, situam-se brevemente os conceitos de cidadania e de movimentos sociais. Em se-guida esboça-se o traçado do caminho da dialética, com o objetivo de discutir, mesmo que de forma breve, as relações entre o passado e o presente na práxis dos movimentos so-ciais, e também as inter-relações entre movimentos soso-ciais, cidadania e comunicação. Não é tarefa fácil escrever em poucas páginas, razão pela qual apresentam-se aponta-mentos cuja meta é aproximar esses temas tão complexos que têm vida própria e estão cheios de história.

Uma palavra sobre

cidadania e movimentos

sociais

Cidadania, à luz dos conceitos de Marshall (1967), se constitui na efetivação de direitos da pessoa nas dimen-sões civil, política e social. São direitos que garantem, respectivamente, a liberdade individual de ir e vir, de propriedade, de expressão etc.; liberdade de associação, de reunião, de organização e de participação política; e o acesso à saúde, à educação, ao trabalho, entre outros.

Como mostra Vieira (2000, p. 22-23), os direitos civis – conquistados no século XVIII – e os políticos – re-conhecidos no século XIX – são direitos de primeira gera-ção, enquanto os direitos sociais – conquista do século XX – correspondem a uma segunda geração de direitos. Mas, ainda na segunda metade do século XX, são reconhecidos os direitos de terceira geração, que têm como titular não o indivíduo, mas os grupos humanos em suas diferenças, como uma nação da qual fazem parte minorias étnicas, mulheres, crianças etc. Durante esse mesmo século, despontam tam-bém os direitos de quarta geração, relativos à bioética, que

tentam impedir a destruição da vida e pretendem regular a criação de formas de vida em laboratório.

Os direitos de terceira geração são explicados por Bobbio (1992, p. 69) como processo de passagem da con-cepção da pessoa genérica (relativa ao ser humano) para a pessoa específica, tomada na diversidade de seu status social, a partir de critérios como sexo, idade, condições físicas. Em outras palavras, dizem respeito às diferenças entre homem e mulher, do idoso em relação ao adulto, do doente mental e assim por diante.

Como se pode observar, o status da cidadania se modifica, pois ela é construída ao longo da história. A cidadania é histórica: avança em sua qualidade, uma vez que os direitos se aperfeiçoam ou são ampliados. A per-cepção do que vem a ser um direito – da pessoa, de grupos humanos, dos animais, entre outros, varia no tempo e no espaço. Tende a avançar em qualidade, dependendo do grau de organização e da força mobilizadora da sociedade civil para forçar sua legitimação e consecução por meio do poder do Estado, do Poder Legislativo e do capital.

A história mundial da cidadania (ver Pinsky e Pinsky, 2003) demonstra que seus saltos qualitativos só ocorrem mediante pressão coletiva. Nenhum poder, seja ele do capital, do legislador ou do executivo governamental, concede avanços de benefícios aos pobres ou desprovidos da possibilidade de desfrutar de condições adequadas para realização plena dos direitos humanos, se não houver demonstração inequívoca de sua capacidade de articulação, consciência e resistência política. É exatamente pela per-cepção clara dessas condições que os movimentos sociais surgem, se ampliam e se ressignificam constantemente.

Hoje em dia, as lutas sociais definem dimensões que podem ser novas em algumas realidades, mas que já se legitimaram em outros lugares. O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso no Brasil, por exemplo, se efetivam como documentos jurídicos em 1990 e em 2003, respectivamente, enquanto, como mostra Bobbio (1992, p. 69), cartas relativas ao direito às diferenças – entre homem e mulher, do idoso, do doente mental etc. – foram promulgadas internacionalmente desde o início da segunda metade do século XX3. Enfim, a força que arregimenta as mudanças na

qualidade da cidadania vem da sociedade civil e tem relação direta com a consciência do “direito a ter direitos4”.

3 Exemplificando: Convenção dos Direitos Políticos da Mulher (1952), Declaração da Criança (1959), Declaração dos Direitos dos Deficientes Físicos (1971) e os Direitos dos Anciãos propostos pela I Assembleia Mundial para tratar do assunto, realizada em 1982, em Viena, e acolhidos pela ONU (Organização das Nações Unidas) no mesmo ano.

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Como disse Marx (Marx e Engels, 1976), as ideias das classes dominantes são as idéias dominantes em deter-minados períodos históricos. Elas perduram enquanto são aceitas e reproduzidas e, portanto, não questionadas. Sempre há um movimento de mudança, um sonho de ampliação dos direitos, a utopia de democratizar a cidadania. No Brasil, a cidadania existe, mas não para todos. A escravidão no Brasil foi aceita durante séculos. Somente mediante a pressão de forças contrárias unidas é que ela foi se tornando insusten-tável. Atualmente há o desejo de mais. Passados 120 anos da abolição, o movimento para garantir o direito à educação se fortalece, e o acesso do negro à Universidade – por meio de cotas – como forma de ressarcimento da dívida social do Estado e da sociedade, que não asseguraram os direitos fundamentais da pessoa a toda uma etnia, é motivo de importantes demandas sociais.

Se o princípio constitucional da educação como direito de todos não é respeitado, em algum momento ele passa a ser reivindicado. Veja-se o exemplo do MSU (Movimento dos Sem Universidade) – sem distinção de condição social ou étnica –, que pressiona pela igualdade de acesso ao ensino de nível superior. As ideias das clas-ses detentoras do poder econômico, político, cultural e jurídico não conseguem se eternizar e percebe-se que as próprias contradições de um modo de organização social discriminatório engendram a mudança. Graças às forças contrárias, num movimento de negação – ou antítese – ao

status quo, os direitos de cidadania são ampliados.

Os movimentos sociais populares, identificados como forças organizadas, conscientes e dispostas a lutar, são artífices de primeira ordem no processo de transfor-mação social, embora um conjunto de fatores (liberdade, consciência, união) e de atores (pessoas, igrejas, repre-sentações políticas, organizações) se somam para que as mudanças se concretizem.

A comunicação nos

movimentos sociais

Movimentos sociais populares são articulações da so-ciedade civil constituídas por segmentos da população que se reconhecem como portadores de direitos, mas que ainda não são efetivados na prática. Esses movimentos se organizam na própria dinâmica de ação e tendem a se institucionalizar como forma de consolidação e legitimação social.

Há várias categorias de movimentos sociais que, geralmente, são construídas a partir da origem da institui-ção que os apóia ou abriga (igreja, partido, sindicato, escola etc.), das características da natureza humana (sexo, idade, raça e cor – como, por exemplo, o movimento de mulheres, dos índios, dos negros, dos homossexuais, das crianças, entre outros), de determinados problemas sociais (movi-mentos de transporte, moradia, saúde e lazer, ecológicos e pacifistas, incluindo defesa dos animais, entre outros). São frequentes também os movimentos construídos em função das conjunturas políticas de uma nação (a exemplo de insurreições políticas, revoltas, motins, revoluções etc.), assim como os surgidos a partir de ideologias – apesar de a ideologia perpassar qualquer movimento –, tais como o anarquismo e o marxismo, que geram fluxos e refluxos conforme as conjunturas (Gohn, 2004, p. 268-271). Ou-tras classificações de movimentos sociais são destacadas por David Aberle (in Gohn, 2004, p. 267), que ressalta as iniciativas dos transformadores, dos reformistas, dos redentores e dos alternativos.

Castells (2000, p. 23-24) enfatiza que as identida-des (necessárias na articulação dos movimentos sociais) organizam significados e podem ser classificadas como: (a) legitimadoras (introduzidas pelas instituições dominantes no intuito de manter a dominação); (b) de resistência (criadas por atores que se sentem ameaçados pela estrutura de dominação, como, por exemplo, as gangues); e (c) de identidades de projeto (forjadas por atores para construir uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e transformar a estrutura social).

Neste texto, tomamos como base, apenas os movi-mentos sociais das classes subalternas que se caracterizam como transformadores e construtores de identidades de projeto. Com as devidas redefinições políticas caracterís-ticas de um período histórico que restabelece as regras democráticas, o aperfeiçoamento da práxis dos movimen-tos e a criação de novos, bem como com o crescimento de Organizações Não-Governamentais (ONGs), que, por vezes, acabam assumindo funções antes exercidas por movimentos sociais, o Brasil segue gestando suas forças políticas que se dividem em frentes combativas de caráter político-contestador e aquelas mais preocupadas em encaminhar soluções diante das violações dos direitos de cidadania e/ou participar das arenas de negociação normatizadas, tais como os conselhos setoriais. Existe, assim, uma diversidade de movimentos que engloba desde o Movimento dos Trabalhos Rurais Sem Terra (MST), que desfruta de grande visibilidade pública, e outros como o Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH),

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a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) e as dezenas de organizações de mulheres. Inserem-se também neste contexto o Movimento Nacional do Direito à Moradia (MNDM) e suas ramificações em estados do Brasil, as várias articulações do movimento ecológico, e as centenas de outros grupos e ONGs de base social, que desenvol-vem trabalho social-educativo com o objetivo de resolver problemas concretos de segmentos sociais que sofrem as consequências do desrespeito aos direitos fundamentais. O significado dessas manifestações no âmbito da sociedade civil pode ser percebido mundialmente se for dedicada atenção à mobilização internacional em torno do Fórum Social Mundial (FSM), que tem como lema “Um outro mundo é possível” e propõe um desenvolvimento que tenha o ser humano como força motivadora e destinatária de seus resultados. O número de pessoas e de entidades que se reúnem anualmente, desde 2001, nos fóruns, para discutir e apresentar propostas alternativas de vida em sociedade, indica a importância desse fórum como ator político. Nos últimos anos, este foi o quadro participativo do evento: o Fórum Social Mundial de 2005 reuniu cerca de 155 mil participantes e 6.588 organizações de mais de 156 países, em Porto Alegre (Brasil)5em 2006, o FSM foi

policêntrico, aconteceu em Caracas (Venezuela), Karachi (Paquistão) e Bamako (Mali) e reuniu, ao todo, cerca de 98 mil pessoas; em 2007, o VII Fórum Social Mundial ocorreu na cidade de Nairóbi, capital do Quênia, com 75 mil pessoas representantes de milhares de organizações sociais vindas de mais de 100 países; no ano de 2008, o FSM foi descentralizado, e promoveu-se uma semana de mobilização e ação global marcada por um dia de visibilidade mundial, em 26 de janeiro de 2008, quando organizações, redes, movimentos sociais e coletivos de todas as partes do planeta foram convidados a planejar ações, encontros, reuniões, marchas e outras atividades realizadas nos níveis local (aldeias, zonas rurais, centros urbanos), regional e nacional (Processo FSM, 2008)6.

O Fórum Social Mundial provocou o surgimento de Fóruns correlatos pelo mundo, como o Fórum Social das Américas, o Fórum Social Brasileiro, FS Alemão, FS Los Angeles, FS Catalão, FS Mercosul, FSM da Tríplice

Fronteira, Fórum Social Mundial das Migrações, Fórum Social da Zona Sul de São Paulo e muitos outros. Entre os aspectos inovadores do FSM, destacamos o fato de que se constitui não como instância burocrática, mas como articulação social em formato de rede.

Trata-se de espaço para interlocução e troca de conhecimentos e até como fonte de inspiração para planos e modos de intervenção na realidade. O evento constituiu-se em uma grande arena de debates a partir de painéis, mesas-redondas e conferências, mas, principalmente, tomado por atividades autogestionárias. Para a efetivação de tais atividades, as próprias organizações da sociedade civil se inscrevem, custeiam suas despesas, relatam suas experiências e colocam-nas em discussão, explicitando a ampla diversidade de lutas realizadas com o objetivo último de construir a justiça social.

Diferentemente do que às vezes se pensa, há um processo de mobilização social de proporções imensas. A mídia praticamente não divulga o fenômeno do Fórum Social Mundial, nem as mobilizações internas nos países e os fóruns temáticos e regionais, e, quando o faz, trata-os de forma tão parcial e fragmentada, que impede a com-preensão de forma integral.

A comunicação faz parte dos processos de mobi-lização dos movimentos sociais em toda a história e em conformidade com os recursos disponíveis em cada época. O Fórum Social Mundial, por exemplo, tem grandes proporções porque soube usar a internet como canal de comunicação. Os movimentos sociais específicos também se ajustam às condições dadas para poderem se comunicar. No Brasil, tais movimentos sempre usaram meios próprios de comunicação, até pelo cerceamento à sua liberdade de expressão por meio da grande mídia. O processo que vai do panfleto ao jornalzinho, e dele ao blog e ao website na inter-net, do megafone ao alto-falante e dele à rádio comunitária, do slide ao vídeo e dele à TV Livre e ao Canal Comunitário da televisão a cabo7, evidencia o exercício concreto do direito

à comunicação como mecanismo facilitador das lutas pela conquista de direitos de cidadania.

Nessa dinâmica, o empoderamento de processos comunicacionais autônomos tem sido percebido como 5 Mais detalhes em www.forumsocialmundial.org.br (Fórum Social Mundial, 2007).

6 Até outubro de 2007, mais de 1.600 organizações e indivíduos de todo o mundo já haviam assinado o compromisso de organizar atividades na semana de mobilização, tendo como origem diversos países do mundo (Boletim FSM, 2007). Funcionaram também os fóruns temáticos, locais e regionais.

7 Ressalvando que a passagem de um meio “artesanal” de comunicação para outro de alto desenvolvimento tecnológico não significa a superação do uso das formas mais simples e antigas. Pelo contrário, a coexistência de ambas persiste nesta primeira década do século XXI.

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necessidade enquanto canais de expressão na dinâmica de mobilização e organização popular. Mesmo sob o controle e o poder de coação do regime militar (1964-1985) em sua fase de declínio – e correndo todos os riscos decorrentes da conjuntura política de então –, o estado de exceção e seus mecanismos de repressão, os movimentos sociais e outras organizações progressistas ousaram criar meios alternativos para se comunicar. Exerceram – e continu-am a exercer – o direito de comunicar, na prática, não só usando meios alternativos como maneira de escapar ao controle e à repressão policial, mas também enfrentando dispositivos legais contrários e impeditivos, como é o caso da radiodifusão comunitária. Ainda quando não havia lei de rádio comunitária, usava-se o alto-falante e, poste-riormente, entrava-se no ar na forma de rádio livre. Em face do fechamento de um grande número de emissoras comunitárias, algumas entraram na justiça para garantir o direito constitucional à liberdade de expressão e obtiveram liminares favoráveis.

No nível teórico-político, a questão das políticas públicas democráticas de comunicação foi muito discutida na América Latina8 e nos demais países do então chamado

“Terceiro Mundo” nos anos 1970 e 1980, fato precedido pelo chamamento da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) ainda nos anos de 1960. As motivações para tanto estavam nas condições de controle dos fluxos internacionais de informação, uma vez inseridos numa ordem econômica internacional favo-rável aos países centrais. Por meio das agências de notícias e da exportação de produtos da indústria cultural9, além

da inversão direta de recursos em meios de comunicação da América Latina, se difundiam a visão de mundo e o modo de vida dos Estados Unidos e de países europeus,

que caracterizam uma forma de dominação cultural, ao mesmo tempo em que se impedia a circulação mundial da informação proveniente de fontes latinas, africanas e asiáticas e até mesmo entre os países dessas regiões. No interior dessas discussões, surge a proposta de uma comu-nicação horizontal10, ou seja, comunitária, participativa e

democrática e realizada por meio do envolvimento ativo das pessoas como emissoras e receptoras de mensagens de forma a contemplar outras perspectivas do direito à comunicação, e não apenas o acesso à informação.

Em nível internacional, apregoou-se a formação de Nova Ordem Mundial da Informação e Comunicação (NOMIC). A UNESCO chegou a criar a Comissão

Interna-cional para o Estudo dos Problemas da Comunicação, coordenada

por Sean MacBride. O resultado dos trabalhos da Comissão foi apresentado no Informe MacBride ou Um Mundo, Muitas

Vozes11, em fevereiro de 1980 (MacBride, 1987).

Nos anos recentes, a questão do direito à comuni-cação volta à cena12 e reafirma os preceitos legais,

historica-mente conquistados, que garantem o acesso à informação e o direito à liberdade de opinião, criação e expressão e, ao mesmo tempo, são enfatizadas novas perspectivas. Entre elas, podemos destacar a contestação do desrespeito às minorias e aos direitos humanos pela mídia13, os direitos

culturais e a defesa do acesso das pessoas também aos meios de comunicação de tecnologia avançada.

Do nosso ponto de vista, no momento atual, ocorre a explicitação do direito de acesso do cidadão e de suas orga-nizações populares representativas ao poder de comunicar, ou seja, ao acesso também aos canais de comunicação mas-sivos e eletrônicos na condição de emissores de conteúdos próprios e de gestores autônomos de meios a serviço das “comunidades” e dos movimentos populares. No passado, 8 Primeira Conferência Intergovernamental sobre Políticas de Comunicação na América Latina, realizada na Costa Rica, em julho de 1976.

9 Ver Reyes Matta (1980), Beltrán (1981), Beltrán e Cordona (1982) e Wertheim (1979).

10 Recomendamos a leitura de: Reyes Matta (1977), Shiller (1978) e Beltrán (1981), Beltrán e Cordona (1982), entre outros. 11 Documento publicado no Brasil pela Editora da Fundação Getúlio Vargas, em 1983, sob o título Um mundo e muitas vozes:

comu-nicação e informação em nossa época.

12 Assim como, nos anos 1980 e 1990, a academia abriu espaços para o debate das formas horizontais e alternativas de comunicação, neste momento o debate volta a despertar interesses. As palavras de ordem hoje passam a ser “direito à comunicação”, comunicação comunitária e mídia alternativa, possivelmente, pelo fenômeno social que representam: estas modalidades de comunicação estão em todos os lugares e numa variedade de formatos jamais vista.

13 Vide ações civis impetradas na justiça, por meio do Ministério Público Federal, contra a violação de direitos humanos pela televi-são, cujas decisões determinaram punições tais como o pagamento de multas, retirada de programa do ar e a garantia do direito de resposta. Exemplo: o programa Tardes Quentes, da Rede TV, apresentado por João Kleber, exibia quadros que violavam os direitos humanos, em especial os dos homossexuais. A justiça determinou, entre outros aspectos, que, no lugar do Tardes Quentes, fosse exi-bida a programação com 30 horas de duração produzida pelas organizações envolvidas na Ação Civil Pública. Resultado: programas denominados Direitos de Resposta com uma hora de duração foram veiculados durante 30 dias. Ver http://www.intervozes.org.br/ destaque-4 (Intervozes, 2007).

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os movimentos sociais se contentavam – ou melhor, eram obrigados a se contentar – com meios artesanais e de baixo alcance de comunicação (jornalzinho, panfleto, megafone, alto-falante). Hoje, o que se quer é assegurar o acesso a meios mais modernos, eficazes e com capacidade de atingir um público mais amplo simultaneamente. A demanda é por agregar as possibilidades comunicativas que as Novas Tec-nologias de Informação e Comunicação (NTIC) oferecem, sem desprezar as formas mais tradicionais que continuam em uso de norte a sul do País.

Parece-nos que se trata de processo indicativo de movimento correlato àquele que identifica a passagem da cidadania de uma fase à outra de maior qualidade. Ou seja, o direito de comunicar (Peruzzo, 2005) é colocado como um direito de terceira geração, pois se desloca da noção de direito do indivíduo para o coletivo; direito de grupos humanos, dos movimentos coletivos e das diversas formas de organização social de interesse público, respeitadas as diferenças14 em todos os sentidos, sejam elas de gênero,

raça, idade, fé, cultura e assim por diante. Ao mesmo tempo, não perde de vista o direito de acesso à infor-mação e à partilha do uso dos canais de expressão como direitos de cidadania, os quais remetem à dimensão civil (liberdade de opinião, de crença etc.) – também direitos de primeira geração – e à dimensão social (acesso a bens como legado do patrimônio histórico e cultural), que remetem a direito de segunda geração, de acordo com os conceitos já explicitados.

Colocar a comunicação como direito humano, conforme esclarecido acima – compreendido como direito de terceira geração – representa um avanço na concepção de cidadania, visto que a comunicação sempre fica meio imperceptível nas dimensões clássicas da cidadania. Signi-fica ir além da noção tradicional de direitos civis, políticos e sociais e dar-lhe distinção, apontando, ousaríamos dizer, para os direitos comunicacionais ou para a dimensão comunicacional da cidadania, que inclui os direitos do universo da cultura, embutidos nos direitos civis, políticos e sociais, mas, quem sabe, podem ser fortalecidos, se ga-nharem tratamento distinto, quando pensados no nível de desdobramento em termos de “geração de direitos”, diante do papel central que os meios de comunicação, baseados nas NTIC, têm na sociedade contemporânea. Diante disso, cabe-nos perguntar: os direitos comunicacionais não estão inspirando uma nova geração de direitos? Pode

sur-gir, assim, uma quinta geração de direitos, já que a quarta já é atribuída ao universo da bioética, a qual também inclui aspectos dos direitos humanos à comunicação.

A educomunicação

comunitária necessária

A comunicação comunitária – uma das formas de exercitar o direito à comunicação – é uma das denomina-ções para a comunicação popular, participativa, horizontal ou alternativa, entre outras expressões, para se referir ao processo comunicativo levado a efeito por movimentos sociais populares e organizações sem fins lucrativos da sociedade civil. Esse tipo de comunicação ocorre no bojo de uma práxis de atores coletivos que se articulam de modo a provocar a mobilização social e a realizar ações concretas com vistas à melhoria da consciência política e das condi-ções de existência das populacondi-ções empobrecidas. Portanto, entendemos a comunicação comunitária como aquela desenvolvida de forma democrática por grupos subalternos em comunidades, bairros, espaços on-line, por exemplo, segundo seus interesses, necessidades e capacidades. É feita pela e para a comunidade (Peruzzo, 2008a, p. 2).

A origem dessa comunicação remonta à ação dos movimentos populares típicos dos anos de 1970, os quais perpassam as décadas seguintes, transformando-se, por-tanto, em ações características do processo de reação ao controle político, às condições degradantes de vida e ao desrespeito aos direitos humanos que foram se instaurando no país ao longo do tempo. Não devemos, nesta reflexão, menosprezar o fato de que, nas primeiras décadas do século passado, também existiram jornais e outros meios de comunicação alternativa a serviço dos interesses dos trabalhadores (Peruzzo, 2004). Trata-se, pois, de uma co-municação vinculada às lutas mais amplas de segmentos populacionais organizados, a qual tem a finalidade de contribuir para solucionar problemas que afetam o dia-a-dia das pessoas e de ampliar os direitos de cidadania (Peruzzo, 2008a, p. 2). É feita de forma impositiva, com os recursos que se tem e conforme as necessidades e a realidade de cada situação.

14 A aprovação pela UNESCO, no dia 20 de outubro de 2005, da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural representa a legitimação mundial do reconhecimento dos direitos de terceira geração.

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A comunicação comunitária se configura em uma grande variedade de feições, tais como a presencial (comu-nicação interpessoal, grupal), impressa (panfleto, boletim, fanzine, jornalzinho, cartaz, faixas), sonora (carro e bici-cleta de som, alto-falante, rádio comunitária), audiovisual (vídeo, TV de Rua, Canal Comunitário na televisão a cabo) e on-line (blogs, websites, comunidades virtuais, redes,

e-zines, emissoras comunitárias na internet,). Está repleta

de distorções e, simultaneamente, de virtudes. De maneira geral, convém dizermos que as distorções têm relação com o jogo de interesses distintos que movem a criação de um meio comunitário de comunicação. Há aqueles de caráter mobilizador e educativo que visam prestar serviços comu-nitários para melhorar a qualidade de vida de segmentos da população. Outros se movem por interesses comerciais, pois há quem se aproprie de meios comunitários, especial-mente do rádio, como forma de arrecadar dinheiro. Há também os interesses de caráter religioso e os de cunho personalista e/ou político-eleitoral.

Outras distorções ocorrem em virtude da falta de recursos financeiros, práticas autoritárias de lideranças, uso político eleitoral, falta de preparação adequada para o ma-nuseio da comunicação etc. No segmento das experiências que se pautam pelo interesse público, o campo das virtudes é amplo. O meio comunitário contribui para melhorar as condições de vida e de conhecimento das pessoas por meio da conscientização e promoção dos direitos humanos. Esse meio também favorece o exercício da cidadania, ao abrir espaço para difundir a voz do cidadão e possibilitar que este participe ativamente das demais fases do processo comunicativo, como dos próprios planos de geração de conteúdos e da gestão do meio.

Em relação ao processo educativo, as pessoas operam sistemas de comunicação comunitários mesmo sem formação específica. Aprendem na prática, uns com os outros; recebem ajuda esporádica de aliados e, às vezes, até têm a oportunidade de participar de cursos de curta ou longa duração. Contudo, o exercício de atividades de comunicação comunitária poderia ser melhorado, em alguns casos, se houvesse a possibilidade de formação específica para tal fim, ou seja, uma formação que leve o indivíduo a respeitar a dinâmica e a lógica da comunicação comunitária, mas não conduza o comunicador popular aos padrões da mídia comercial de grande porte.

Na verdade, é importante a preparação das pessoas para o uso das técnicas e tecnologias de comunicação. Há necessidade de alfabetizar para o uso das linguagens audiovisuais, da imprensa e as digitais que necessitam do domínio das técnicas de diagramação de jornal, do

manuseio de computador, da criação de blogs, da opera-ção de filmadoras, entre outros usos. Por conseguinte, no jogo da necessidade de adquirir competências, se agrega um “novo” direito, o do acesso ao conhecimento técnico e especializado em comunicação.

Desse modo, o exercício do direito à comunica-ção comunitária já se entrelaça aos modos de educacomunica-ção informal (processada no dia-a-dia e por meio das práticas no âmbito da comunicação) e o não-formal (participação em treinamentos, oficinas propiciadas por instituições) que ocorrem no contexto das lutas sociais e possibilitam rico processo de educomunicação. Mas resta a demanda para se repensar a educação formal: até quando a escola vai garantir somente a alfabetização da escrita e a leitura textual? Na perspectiva de assegurar o direito de cidada-nia à educação, há que se levar em conta que os meios de comunicação também, informalmente, educam, mas praticam linguagens diferentes. Assim, é preciso saber lê-los, interpretá-los, dominar os seus códigos, além de saber manusear os modos como operam. Entre as melho-res maneiras de conhecer o funcionamento dos meios de comunicação com um todo, seu poder de influência e as possibilidades de manipulação das mensagens, destaca-se a práxis da mídia, ou seja, a execução de projetos concretos de comunicação e a reflexão sobre esses.

Comunicação comunitária

nas propostas de políticas

de comunicação

O debate sobre as políticas democráticas de comunicação no Brasil só teve ressonância em fóruns específicos da área da Comunicação e amparado por al-guns movimentos sociais mais expressivos em termos de organização e perspectiva político-ideológica de esquerda. Nesse universo, o ponto alto do movimento pela democra-tização da comunicação foi a criação do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e, mais recentemente, do Intervozes (Coletivo Brasil de Demo-cratização da Comunicação). Mas, como mostramos, em outro âmbito, o da práxis dos movimentos sociais e das “comunidades”, a democratização da comunicação vem sendo exercitada, na prática, ao longo da história.

Devemos destacar ainda que a preocupação central do debate em torno das políticas de comunicação está nos

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mecanismos estruturais e no funcionamento dos grandes meios de comunicação de massa, uma vez regulamentados (ou não fiscalizados) de modo a favorecer e a garantir integralmente os interesses do capital e dos grupos eco-nômicos e políticos que o representam. As questões da comunicação comunitária aparecem tangencialmente ou nem aparecem. Os questionamentos mais frequentes que emergem das forças progressistas referem-se ao sistema de concessão de canais de rádio e de televisão, à opção do governo brasileiro por determinado padrão de televisão digital, à concentração da propriedade da mídia nas mãos de grandes grupos econômicos, ao seu uso como merca-doria rentável e à manipulação de conteúdos, sempre em favor de interesses econômicos, políticos e ideológicos das classes dominantes.

Como se disse em outro texto (Peruzzo, 2008b), a comunicação popular, alternativa e comunitária traçou caminhos paralelos à grande mídia, provavelmente porque seu patamar de atuação, pelo menos em um primeiro mo-mento, não alcançava os sistemas de transmissão massivos então preponderantes. Seu ponto forte era a comunicação dirigida efetivada por meio das relações presenciais, do jornalzinho, do panfleto, do cartaz, do megafone, do alto-falante de baixo alcance e, posteriormente, do videocassete. Numa segunda fase, sua atuação foi tímida, ainda, porque a comunicação comunitária costuma ser vista como algo menor e sem importância no contexto das comunicações. Além disso, não dependia de regulamentação, já que seu caráter alternativo estava justamente na criação de meios de expressão próprios e independentes. Como os estu-dos das políticas nacionais de comunicação privilegiam questões de regulamentação e regulação do setor, bem como as relações de poder e a estrutura do mercado, configurando-se como outro motivo para o menosprezo à comunicação comunitária.

Esse quadro só começou a mudar com o avanço da comunicação comunitária, expresso na conquista de leis para as rádios comunitárias (1998) e os canais de uso gratuito na televisão a cabo (1995)15, entre eles, o

comu-nitário. Não podemos dizer que não houve abertura para a inclusão dessa modalidade de comunicação, mas é fato que essa passagem sempre foi tímida e restrita àqueles indiví-duos que têm alguma passagem relevante no setor. Dentro das exceções, Brittos e Benevenuto (2006) a reconhecem,

ao analisarem o modelo de regulamentação que prioriza a liberdade de atuação do capital e ao identificarem os setores não hegemônicos que se organizam em torno da comunicação alternativa.

Desprestigiado pelas forças em torno do FNDC, o segmento comunitário tomou a direção no encami-nhamento de suas reivindicações por meio da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (ABRAÇO). Mais tarde, teve apoio da Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCcom) e dos aliados diretos como o Ministério Público, de alguns representantes do Poder Judiciário e de outros, visando à modificação de leis, à garantia do direito de voltar a operar rádios comunitárias fechadas pela Polícia Federal e Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), à devolução de equipamentos apreendidos, ao relaxamento de prisões e processos criminais de radialistas comunitários, como os que envolvem a formulação de políticas que assegurassem seus interesses.

Se não há uma política nacional de comunicação que garanta a democracia midiática, embora haja uma regulação implícita que a impede, já que os mecanismos legais favorecem o sistema concentrador ora em operação, também não existe uma política que beneficie o setor comunitário. Entre as evidências da falta de uma política específica para o setor destacam-se: as restrições da lei de ra-diodifusão comunitária (9.612/98), a repressão e o fechamento de emissoras – apesar do trabalho em prol do desenvolvimento comunitário promovido por elas, a morosidade no processo de autorização dessas por decisões do próprio Ministério das Comunicações, além da inexistência de um fundo público de recursos que possa viabilizar o funcionamento de emissoras de rádio e dos canais comunitários de televisão.

Felizmente, a comunicação comunitária não de-pende de políticas governamentais para funcionar. Opera apesar dos rigorosos limites legais, encontra suas próprias saídas para custear as despesas, mas cumpre a função básica de informar, educar, mobilizar e, no caso do rádio, divertir e pluralizar as vozes da população. Quer manter a autonomia e reivindica, em última instância, o direito de exercitar a liberdade de expressão. As reivindicações do setor de rádio, por exemplo, se fazem no sentido de eliminar as restrições legais (limite de um quilômetro para irradiação, restrição a um único canal, impedimento de formar redes entre 15 No caso específico dos canais comunitários, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), especialmente na pessoa de Daniel Herz, teve papel importantíssimo. Participou dos embates nos bastidores do Parlamento Nacional na época da criação da lei de TV a cabo (8.977/95) que incluiu a obrigatoriedade das operadoras disponibilizarem seis canais de uso gratuito, sendo um deles o comunitário.

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outros) e de impedir a perseguição política (fechamento de emissoras, instauração de processos criminais contra lideranças, apreensão de equipamentos, por exemplo).

A comunicação comunitária

e alternativa na atualidade

A comunicação comunitária e alternativa, enten-dida como comunicação dos movimentos sociais, uma vez apanhada em sentido geral, – ou seja, não restrita a movimentos populares específicos, mas englobando aquelas manifestações de organizações correlatas ou de outros atores coletivos atuantes no mesmo universo de preocupações e tendências políticas e ideológicas –, se reposiciona na sociedade brasileira cumprindo importante papel na democratização da comunicação e da sociedade. Esse reposicionamento pode ser visto a partir de múltiplas dimensões, como apontamos a seguir.

A primeira dimensão está no seu próprio pro-cesso de reanimação, a partir da incorporação de novos formatos em relação ao padrão preponderante nos anos 1970 e 1980. Incorporam-se formatos inovadores de meios de comunicação favorecidos pelo desenvolvimento tecnológico. É o caso de blogs, jornais on-line, websites in-formativos e colaborativos na internet que servem como canais de expressão para a comunicação comunitária e alternativa e passam a ser usados para as mais diferentes manifestações públicas. Há rádios comunitárias am-pliando seu leque de atuação como webradios, websites colaborativos que instituem novas redes alternativas e participativas de comunicação. O blog se populariza e é apropriado por grupos populares.

A segunda dimensão está na conquista de leis garantidoras da possibilidade de uso de meios massivos de comunicação, como o rádio de baixa potência e a televisão. No que se refere ao rádio, calcula-se que há, aproximadamente, 15 mil emissoras comunitárias no país. Somente a minoria – cerca de três mil – tem autorização do Ministério das Comunicações para operar, apesar de a maioria ter entrado com processo reivindicando a lega-lização. Trata-se de uma discrepância de ordem política e operacional que não cabe aprofundar nos limites deste texto. Ressaltamos, contudo, que as rádios comunitárias vêm sendo tratadas mais como uma questão de polícia do que política pelo governo e por instâncias civis, a exemplo da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e

das grandes empresas de comunicação. Em outro prisma, é necessário reconhecer que o segmento da radiodifusão comunitária é controverso. Além das emissoras propria-mente comunitárias, há aquelas que se apropriam do espectro para outras finalidades (comerciais, proselitismo religioso, político-eleitorais), como já dissemos.

A televisão comunitária surge na década de 1990, no formato de canal comunitário na televisão a cabo, pois antes existia apenas a TV de Rua (TV Livre). Há cerca de 80 deles em funcionamento em capitais e em cidades de menor porte. O canal comunitário está entre os sete canais de uso gratuito garantidos pela lei de televisão a cabo de 1995 e por dispositivos legais posteriores. Legalizados e funcionando em âmbito municipal, esses veículos são geridos por Associações de Usuários (a maioria) de forma autoges-tionária, além de partilharem a grade de programação entre as entidades associadas. Apesar das distorções e dificuldades operacionais, as tevês comunitárias estão instituindo um novo tipo de emissora pública, na medida em que são centradas e controladas por entidades sem fins lucrativos da sociedade civil e não sofrem ingerência do poder público.

Outra dimensão do reposicionamento da socie-dade civil na democratização da comunicação pode ser percebido na reafirmação das lutas pela construção da cidadania, uma vez que esse tipo de comunicação tem em comum – de forma institucionalizada ou não – o interesse em ampliar o respeito aos direitos humanos e o estabelecimento da justiça social. Uma terceira dimensão aparece na confluência de perspectiva política, na linha explicitada no item anterior e, ao mesmo tempo, no res-peito à diversidade. Diferentes atores e modos de produção da comunicação, em lugares diversos, realizam atividades visando o bem-comum e, assim, vão se complementando enquanto agentes de transformação, mesmo que não haja articulação funcional.

A quarta dimensão se revela na maior explicitação desses aspectos de apropriação da Comunicação e da mí-dia nos movimentos sociais – ou na presença mais clara da preocupação com a incorporação de canais massivos e digitais. Ela é indicada pelo aumento recente da mídia alternativa e comunitária, pela ressonância social mais efetiva da questão do direito à comunicação e pelo maior interesse em olhar criticamente o conteúdo dos meios de comunicação, especialmente a programação da televisão. O surgimento de maior número de observatórios de mídia e de comunicação que se propõem a monitorar criticamente a grande mídia e/ou a interferir nas políticas públicas de co-municação, bem como a criação do movimento Ética na TV e da campanha Quem apóia a Baixaria é Contra a Cidadania também parecem ser sintomáticos desse movimento.

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Considerações finais

A cidadania é um processo histórico que depende da força organizativa e mobilizadora das pessoas e das articulações e organizações sociais por elas criadas. Ela se baseia em dois princípios fundamentais: igualdade e liberdade. Portanto, igualdade de acesso da população aos meios de comunicação – desde os mais elementares até aqueles altamente sofisticados que o contínuo desen-volvimento tecnológico possibilita –, e liberdade no uso desses canais de comunicação, segundo as necessidades dos grupos humanos, contribuem para o avanço da qualidade da cidadania. Portanto, a qualidade da cidadania se realiza não apenas pela oportunidade de participação na comuni-cação, mas essencialmente porque ela potencializa a ação cidadã na busca da ampliação dos demaisdireitos. Como diz Demo (1988), a cidadania é construída.

Um meio de comunicação não serve somente para difundir conteúdos, mobilizar e conscientizar. A partici-pação ativa do cidadão na feitura da comunicação, ou seja, na criação, sistematização e difusão de conteúdos e nos demais mecanismos inerentes ao processo comunicativo também é educativo porque possibilita que a pessoa sinta sujeito, e, como tal, se desenvolva intelectualmente, aprenda a compreender melhor o mundo e seja capaz de interferir no seu entorno e na sociedade como um todo, visando assegurar o respeito aos direitos humanos.

Nesse aspecto, lembramos Paulo Freire, que já alertava para a importância de a pessoa – especialmente o pobre e oprimido – recuperar a palavra e agir como cidadão ativo. Pois bem, essa palavra, além de recuperada, merece ser difundida não apenas na distância que a voz humana naturalmente alcança, mas por meio da voz prolongada uma vez conduzida por vias tele-rádio-eletrônicas.

Para terminar, destacamos que a cidadania se sustenta, entre outros aspectos, em quatro pilares: a pes-soa, os direitos humanos, a sociedade16 e a comunicação.

Todos estão continuamente em construção num processo múltiplo de interferência. O ser humano é um ser em construção, assim como a sociedade. Os direitos humanos, historicamente, se ampliam nesse processo social. A comu-nicação, em construção, pode ser democratizada de modo a contribuir para a constituição cada vez mais ampliada da própria cidadania. Ela não está dada, nem completa.

A cidadania avança na medida da consciência do direito a se ter o direito à comunicação e da capacidade de ação e articulação daqueles a quem ela se destina.

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Submetido em: 19/09/2008 Aceito em: 02/11/2008

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