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ano XIV número 160 / 2010 R$ 9,90

ano XIV ano XIV

ano número 160 número 160 número / 2010/ 2010/ R$ 9,90

Trabalho

ESCRAVO

O que impede a erradicação

CURSINHOS POPULARES

Opção para vestibulandos

POR DENTRO DO PCC

Valores e funcionamento

da organização

AMEAÇA RADIOATIVA

no sul de Minas

RIO DE JANEIRO

Teatro da Maré

renova arte popular

PARTO HUMANIZADO

sob o controle da

mulher

DIREITOS AUTORAIS

A urgente revisão

da lei

ANA MIRANDA BÁRBARA MENGARDO CESAR CARDOSO CLAUDIUS EMIR SADER EDUARDO MATARAZZO SUPLICY FERRÉZ FIDEL CASTRO FREI BETTO GABRIELA MONCAU GERSHON KNISPEL GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS GLAUCO MATTOSO GUILHERME SCALZILLI GUTO LACAZ JANAÍNA WAGNER JOÃO PEDRO STEDILE JOEL RUFINO DOS SANTOS JOELMA COUTO JOSÉ ARBEX JR. JULIANA SADA JÚLIO DELMANTO LÚCIA RODRIGUES MARCELO SALLES MARCOS BAGNO MC LEONARDO PEDRO ALEXANDRE SANCHES RENATO POMPEU RODRIGO VIANNA TATIANA MERLINO

Frei Betto

“O Brasil é o

paraíso do capital

especulativo”

Entrevista

11_CA_160final.pdf 1 12.07.10 14:43:56

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setembro 2009 caros amigos

CAROS AMIGOS ANO XIV 160 JULHO 2010

EDITORA CASA AMARELA

REVISTAS • LIVROS • SERVIÇOS EDITORIAIS FUNDADOR: SÉRGIO DE SOUZA (1934-2008) DIRETOR GERAL: WAGNER NABUCO DE ARAÚJO

EDITOR: Hamilton Octavio de Souza EDITORA ADJUNTA: Tatiana Merlino EDITORES ESPECIAIS: José Arbex Jr e Renato Pompeu EDITORA DE ARTE: Lucia Tavares ASSISTENTE DE ARTE: Henrique Koblitz Essinger EDITOR DE FOTOGRAFIA: Walter Firmo REPÓRTERES: Lúcia Rodrigues e Gabriela Moncau CORRESPONDENTES: Marcelo Salles (Rio de Janeiro) e Anelise Sanchez (Roma) SECRETÁRIA DA REDAÇÃO: Simone Alves REVISORA: Luiza Delamare DIRETOR DE MARKETING: André Herrmann CIRCULAÇÃO: Pedro Nabuco de Araújo RELAÇÕES INSTITUCIONAIS: Cecília Figueira de Mello ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO: Priscila Nunes CONTROLE E PROCESSOS: Wanderley Alves LIVROS CASA AMARELA: Clarice Alvon SÍTIO: Débora Prado de Oliveira, Lúcia Rodrigues e Gabriela Moncau ASSESSORIA DE IMPRENSA: Kyra Piscitelli APOIO: Maura Carvalho, Douglas Jerônimo e Neidivaldo dos Anjos ATENDIMENTO AO LEITOR: Joze de Cassia, Zélia Coelho ASSESSORIA JURÍDICA: Marco Túlio Bottino, Aton Fon Filho, Juvelino Strozake, Luis F. X. Soares de Mello, Eduardo Gutierrez e Susana Paim Figueiredo REPRESENTANTE DE PUBLICIDADE: BRASÍLIA: Joaquim Barroncas (61) 9972-0741.

JORNALISTA RESPONSÁVEL: HAMILTON OCTAVIO DE SOUZA (MTB 11.242) DIRETOR GERAL: WAGNER NABUCO DE ARAÚJO

CAROS AMIGOS, ano XIV, nº 160, é uma publicação mensal da Editora Casa Amarela Ltda. Registro nº 7372, no 8º Cartório de Registro de Títulos e Documentos da Comarca de São Paulo. Distribuída com exclusividade no Brasil pela DINAP S/A - Distribuidora Nacional de Publicações, São Paulo. IMPRESSÃO: Bangraf

REDAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO: rua Paris, 856, CEP 01257-040, São Paulo, SP

sumário

Foto de capa PAULO PEREIRA

Por mais que se diga que o país está em franco desenvolvi-mento e situado entre as maiores potências econômicas do Pla-neta, que o triunfo do neoliberalismo aplaca as lutas sociais e leva os pobres a ingressarem nas classes médias aos milhões, existe um fato concreto que atrela o Brasil ao seu mais terrível passado: é a persistência até hoje das condições humilhantes de trabalho e análogas à da escravidão.

Nem dá para afi rmar que se trata de algo anacrônico, na me-dida em que a prática do trabalho escravo tem sido utilizada sis-tematicamente pelos setores mais atrasados e mais adiantados do capitalismo. Está presente na expansão das fronteiras rurais para a instalação do agronegócio, no desmate da fl oresta para a pecuária e na lavoura da cana para o etanol. Está, igualmente, no seio do operariado que trabalha nas confecções de grife para as grandes redes de lojas dos centros urbanos.

A reportagem da Caros Amigos procura não apenas mos-trar a dimensão do problema, regismos-trar a diversidade do traba-lho escravo na “moderna” economia brasileira, mas principal-mente questionar por que essa situação perdura além de todo o aparato disponível existente nas instituições da sociedade. En-tre as várias forças que fecham os olhos ou sustentam a explo-ração do trabalho escravo está a bancada ruralista no Congres-so Nacional, que há muitos anos impede a aprovação de projeto de lei que autoriza a desapropriação de terras com a prática de tal ilegalidade.

Além dessa reportagem, a revista apresenta excelentes ma-térias, entre as quais a entrevista exclusiva com Frei Betto, co-nhecido por sua história de militância social e política; entrevis-ta com os antropólogos Karina Biondi e Adalton Marques, sobre os valores e o funcionamento do Primeiro Comando da Capital (PCC); reportagem sobre os cursinhos populares que contribuem para que jovens de baixa renda disputem vagas no ensino supe-rior; e outras reportagens sobre a ameaça radioativa no sul de Minas Gerais, a urgente revisão da lei de direitos autorais, as vá-rias alternativas de partos naturais e a renovação da arte popu-lar com o grupo de teatro da Maré, no Rio de Janeiro.

Enfi m, uma edição com conteúdo denso, diversifi cado, rele-vante e de boa qualidade jornalística. Aproveite!

ALTERCOM

Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação

Combate ao trabalho escravo

04

Guto Lacaz

05

Caros Leitores

07

José Arbex Jr. lembra que a direita europeia continua antissemita.

08

Joel Rufi no dos Santos comenta o racismo e o Getúlio Vargas do futebol.

Guilherme Scalzilli defende o direito democrático de não votar.

09

Ferréz presta homenagem ao escritor que escrevia com total liberdade.

Gilberto Felisberto Vasconcellos questiona: quem pode falar em natureza?

10

Marcos Bagno critica o português engessado pelos gramáticos normativos.

Mc Leonardo debate se a ocasião faz o ladrão ou se o ladrão faz a ocasião.

11

Pedro Alexandre Sanches em Paçoca:as compositoras de todos os tempos.

12

Entrevista com Frei Betto: análise crítica do poder e da realidade brasileira.

17

Glauco Mattoso em Porca Miséria: o nazismo fascina os cineastas.

Eduardo Matarazzo Suplicy elogia a moda como fator de inclusão social.

18

Rodrigo Vianna em Tacape: a liderança de Dunga versus Rede Globo.

Fidel Castro alerta sobre o fanatismo terrorista do Estado de Israel.

19

João Pedro Stedile espera que os candidatos debatam os problemas do povo.

Ana Miranda conta a história da diversão improvisada nas beiradas do Brasil.

20

Joelma Couto denuncia a ameaça do lixo nuclear em Poços de Caldas (MG).

23

Frei Betto analisa a mercantilização da água no lugar do direito humano.

Cesar Cardoso lembra a formação do Novo Mundo Europeu pelos tupinambás.

24

Ensaio Fotográfi co de Janaina Wagner: a escola reciclada da Tailândia.

26

Lúcia Rodrigues revela os interesses que sustentam o trabalho escravo.

30

Tatiana Merlino mostra a importância dos cursinhos populares pré-vestibular.

33

Gershon Knispel: Israel é um pequeno império que se condenou à autodestruição.

34

Bárbara Mengardo conta porque as mulheres defendem o parto humanizado.

36

Entrevista com Karina Biondi e Adalton Marques: uma radiografi a do PCC.

40

Marcelo Salles desvenda o bom trabalho artístico do grupo de teatro da Maré.

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Juliana Sada mostra como está a luta para mudar a lei dos direitos autorais.

44

Renato Pompeu Ideias de Botequim: estudo sobre as capacidades dos candidatos.

45

Emir Sader contesta a tese de que PT e PSDB são iguais.

46

Claudius

CAROS AMIGOS, ano XIV, nº 160, é uma publicação mensal da Editora Casa Amarela Ltda. Registro nº 7372, no 8º Cartório de Registro de Títulos e Documentos da Comarca de São Paulo.

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julho 2010 caros amigos

Aniversário

A revista Caros Amigos completou 13 anos de existência, sob o comando do editor Hamil-ton Octávio de Souza e com a contribuição de José Arbex Jr. e Renato Pompeu, pesos-pesados do jornalismo nacional. Conta, ainda, com arti-culistas de renome. De circulação mensal, man-tém um time de colunistas sem precedente.

A revista alçou ao cenário midiático o espe-tacular Ferréz, talentoso cronista da periferia de São Paulo e dos melhores escritores da nova ge-ração, e, recentemente, abriu espaço para outras vozes dos movimentos culturais, como o cantor e compositor MC Leonardo e o jornalista Pedro Alexandre Sanches. Toda edição traz, ao menos, uma entrevista, com as mais diferentes persona-lidades, que tem em comum a pertinência do as-sunto, a relevância dos pontos de vista e a im-portância do entrevistado.

De tiragem limitada, a Caros Amigos é mais que um veículo de comunicação, é um órgão de resistência à grande mídia que tem como carac-terística a independência editorial. Não conta com patrocínio das corporações capitalistas na-cionais ou multinana-cionais e nem por isso pres-cinde da qualidade, ao contrário, prima pela ele-gância na forma e pela consistência no conteúdo. A assinatura é barata e acessível. Muitos duvida-ram que um projeto tão audacioso e revolucioná-rio pudesse dar certo. E já se passaram 13 anos e 157 edições. Vida longa à revista Caros Amigos.

Luís José Bassoli, Taquaritinga/SP

CAros Amigos

Gosto muito da revista. Já fui assinante e sempre levei a Caros Amigos para a sala de aula com os meus alunos. Vivo em Lisboa onde, in-felizmente, nunca encontro a revista, e por isso leio pela internet.

Lilian Moura

Gostaria de sugerir uma entrevista com Ma-rilena Chauí, filósofa e historiadora de filoso-fia brasileira; uma importante figura intelectual. Aproveito para parabenizar a resista, que promo-ve uma opção inteligente e promo-verdadeiramente crí-tica de jornalismo.

Monique Calvo

Joel rufino e ChiCo XAvier

Nossa intenção aqui não é submeter Mestre Didi ao crivo dos “critérios de verdade” do “ce-ticismo racionalista” defendido por Joel Rufino dos Santos para lançar Chico Xavier na foguei-ra ou “vala comum” em seu artigo publicado em maio (edição 158). Acredito que o médium Chico Xavier foi colocado em situação desrespeitosa. A linha de argumentação se tornou ainda mais in-feliz diante da pergunta seguida de resposta que o autor apresenta no seguinte tom: “por que a idade da ciência e da técnica é também a da cren-ça, do misticismo, da astrologia, da cientologia, dos gnomos, dos Chico Xavier? Bom, primeiro porque é um bom negócio”.Mas por que trazer até nós Mestre Didi, líder espiritual da

comunida-de Nagô no Brasil? Apenas para lembrar ao Joel Rufino que o ceticismo-racionalista manifestado por ele foi parcial e preconceituoso e visou atacar a crença espírita e não outra, talvez por um moti-vo pragmático admitido por ele ao reclamar que “hoje se tornou comum alunos evangélicos e es-píritas confrontarem professores”. Parcial e pre-conceituoso porque certamente Joel Rufino não deixaria de ir a um programa de rádio que abor-dasse a vida e a obra de Mestre Didi, com o fez na ocasião em que o personagem em foco seria Chico Xavier; ainda mais justificando sua desis-tência com o argumento de que seu “ceticismo sobre a realidade dos espíritos, vida após a mor-te etc. acabaria ferindo a susceptibilidade de al-gum ouvinte crente”.

Alexandre Ramos de Azevedo, Rio de Janeiro/RJ

ferréz

E aí Ferréz, seus escritos são de tirar o cha-péu. O conhecimento é a principal arma con-tra a opressão, suas palavras comprovam isso. Só gostaria que você incluísse na sua comuni-dade as mulheres que foram pioneiras na área de filosofia, que também sofreram perseguições e preconceitos. Se queremos eleger mulheres na política, não podemos deixá-la apenas como a pilota de um fogão ou cuidando dos filhos. Pa-rabéns, Ferréz. Espero que você nunca desista do prazer da escrita que transforma o cotidiano de sua comunidade.

Maria de Lourdes de Oliveira, Sumarezinho/SP

Caros

leitores

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Caros

leitores

N

ov

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(de segunda a sexta-Feira, das 9 às 18h)

treze Anos

Prezados Caros Amigos, venho parabenizá-los peparabenizá-los treze anos de muita luta à frente des-se ideal solidário de fazer notícia com des- serieda-de e verdaserieda-de.

José de Alencar Godinho Guimarães

CiDADAniA

Sou leitor ferrenho e assinante da exímia re-vista Caros Amigos, a qual considero muito edu-cativa, tanto por suscitar ações atreladas à cida-dania, quanto por robustecer a consciência acerca de fatos importantes que ocorrem no Brasil e no mundo, mas que passam à distância ou com dis-torções pela mídia gorda. O perfil de jornalismo investigativo traçado pelos articulistas/colunis-tas tem produzido excelentes matérias, dignas de suporte para qualquer tipo de discussão em âm-bitos institucionais de toda ordem. Aproveitan-do, então, esse veio de comprometimento com a verdade e com a efetivação do ideal demo-crático, eu deixo uma sugestão para uma maté-ria importante, que abrange interesse nacional: a questão do partilhamento dos dividendos da ex-ploração do petróleo do Pré-Sal, cujo bem per-tence à União.

João P. Guedes

minerADorA vAle

Prezada Tatiana: Li sua matéria na revista

Ca-ros Amigos nº. 158 – sobre as sacanagens da Vale

contra os trabalhadores e o meio ambiente. Gos-taria de parabenizá-la pela brilhante matéria, e ao mesmo tempo dizer que o maior crime que a Vale comete é contra os aposentados que ao lon-go de muitos anos, ajudaram a construir esta po-tência que é hoje a Vale e que foi privatizada pelo governo FHC a preço de banana.

Antonio Vitor Ramalho, Diretor Presidente da APECOVALE – Associação dos Aposentados e Pensionistas da CVRD

mArCo Do PetrÓleo

Estava eu assistindo Bom Dia Brasil, no dia 31 de março, quando me assustei com uma fra-se da jornalista Miriam Leitão. Após anunciar

as mudanças propostas pelo Senado brasilei-ro para a distribuição dos brasilei-royalties do petró-leo (que não são nada animadoras), a jornalis-ta questionou: pra que mudar uma coisa que já vem dando certo no país há mais de 10 anos? Gostaria que a revista Caros Amigos me ofere-cesse oportunidade de devolver uma pergunta à jornalista. Deu certo pra quem? Para os gran-des investidores internacionais? Para aqueles que embolsaram os grandes lucros do petróleo? Toda vez que sobrevoo de helicóptero a cida-de petrolífera cida-de Macaé-RJ, para embarcar nas sondas de perfuração, vejo tanta pobreza, tan-tas favelas espalhadas pela cidade, fico me per-guntando onde foi parar todo esse lucro do pe-tróleo. Com certeza não foi nas mãos do povo. Sugiro que a jornalista Miriam Leitão faça uma visita à cidade de Macaé e pergunte ao povo macaense se esse modelo vem dando certo para eles. Agradeço à Caros Amigos por nos ofere-cer essa oportunidade de questionar, e por estar sempre nos conscientizando a lutar por um país mais igualitário.

Matheus Rufino Oliveira - Engenheiro de Petró-leo – Petrobras

CinemA PoPulAr

Marcelo Salles, gostei muito da forma como contou a história dos dois cineastas cariocas (Jú-lio Pecly e Paulo Silva)-publicada na edição 158. A forma como cada um buscou ser profissional da sétima arte, as dificuldades que tiveram e ain-da tem até hoje fizeram com que lesse com muito mais atenção o artigo desse grande “manancial” de ideias chamado Caros Amigos. Ao ler sobre a história desses dois grandes homens sigo com es-perança de ver o aumento de filmes com identi-dade e originaliidenti-dade tipicamente brasileiras. Afi-nal, a revolução pode estar aí também.

Pedro Eugenio Castro Muniz.

Olá, Marcelo, parabéns pela matéria (sobre o cinema de Júlio e Paulo): objetiva, enxuta, com conteúdo e que nos faz acreditar que tudo tem jeito. Muito legal mesmo. Leitura deliciosa.

Marilson Ottoni

Crime heDionDo

Na edição de fevereiro de 2010, no brilhante artigo do escritor Frei Betto, houve um erro. Tor-tura é crime hediondo, inafiançável e insuscetí-vel de graça ou anistia como diz a lei 9.455, de 7 de abril de 1997, e não imprescritível como fez referência o autor. Espero poder colaborar mais com essa excelente revista e permanecer em con-tato apesar de não ser assinante.

Lucas Filho

resPostA De frei Betto

A tortura é um crime hediondo, não é ato polí-tico nem contingência histórica e afeta toda a hu-manidade, na medida em que a condição huma-na é violentada huma-na pessoa submetida a esse crime. Quando alguém é torturado, somos todos atingi-dos duplamente: em nossa humanidade e em nos-sa cidadania. A prática da tortura é inaceitável e seus executores deverão ser punidos a qualquer tempo. O Brasil é signatário de tratados interna-cionais que o incluem em diversos sistemas de proteção dos direitos humanos, inclusive se sub-metendo ao julgamento de organismos interna-cionais, especialmente ao International Criminal Court (Tribunal Internacional), criado pelo Esta-tuto de Roma, que não estabelece prescrição para os crimes contra a humanidade, entre eles defini-dos a tortura e a prática de outros atos desuma-nos que causem grande sofrimento, ou sério dano ao corpo ou à saúde mental e física de um indi-víduo. O Brasil é igualmente signatário da Con-venção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que o vincula aos con-ceitos dessa Convenção, na medida em que tais conceitos foram assumidos pelo nosso País, em 6 de novembro de 1992, através do Decreto nº 678, nos termos do seu artigo 2º, para o fim de alterar a sua legislação interna, visando à defesa e à in-tegridade física e moral do indivíduo. Os dois tra-tados internacionais citra-tados, assinados pelo Bra-sil, são suficientes para esclarecer que a República não compactua com a prática de atos que violem a dignidade da pessoa humana, por ser este um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e um direito inalienável do indivíduo.

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junho 2010 caros amigos

José Arbex Jr.

José Arbex Jr. é jornalista.

Ilustração: carval

l

do franquismo e expressa os sentimentos mais atra-sados, reacionários e conservadores da Europa bran-ca, católica e chauvinista. Aznar é um cruzado, como aqueles que propunham o extermínio dos semitas (ju-deus e mouros) na Idade Media, especialmente na Es-panha de Isabel de Castela e Fernando de Aragão. Mas, dado o papel geopolítico de Israel no mundo contem-porâneo, Aznar é obrigado a fazer o elogio dos judeus, reservando a babação antissemita ao Islã. É um discur-so bizarro, num país que viveu mais de sete séculos discur-sob influência moura, e de onde foram expulsos pela In-quisição de Torquemada (ele próprio, um cristão novo) centenas de milhares de judeus que procuraram abrigo exatamente nos países islâmicos.

Discurso

bizarro, mas coerente com a estraté-gia e os sentimentos da Igreja Católica. Não por acaso, o Vaticano se opõe frontalmente à entrada da Turquia na União Europeia, apesar de todas as reformas “ocidenta-lizantes” feitas pelos turcos desde 1920, quando Kemal Ataturk assumiu o poder e tratou de liquidar o que ain-da existia do Império Otomano. Em 2004, o então car-deal Joseph Ratzinger declarou ao Giornale del Popolo, da diocese de Lugano (Suíça), que a eventual entrada da Turquia na UE seria um ato anti-histórico. “Históri-ca e culturalmente, a Turquia pouco pode partilhar com a Europa, pelo que, com todo o respeito que tenho para com esse país, seria um grande erro englobar a Turquia na UE”, afirmou o então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (a atual Inquisição). Um país muçulmano não tem lugar numa Europa cristã, ainda que as refor-mas “modernizantes” da Turquia tenham permitido, por exemplo, a participação de mulheres em eleições antes de Portugal e de vários países europeus (e do Brasil).

Resumo da ópera: os islâmicos, em particular os tur-cos, até são bons o suficiente para servirem de bucha de canhão da Otan, da qual são membros, mas jamais para conviver em igualdade com os europeus. É tam-bém a convicção do recém-eleito presidente do

Conse-lho Europeu, o belga Herman Van Rompuy, democrata cristão e católico fundamentalista. Suas posições infle-xíveis sobre o Islã e a Turquia foram fundamentais para conseguir o apoio do presidente francês Nicolas Sarko-zy e da chanceler alemã Ângela Merkel (também demo-crata-cristã) à sua nomeação ao cargo de presidente do Conselho. Como é a posição do primeiro-ministro ita-liano Sílvio Berlusconi, neofascista que chegou a afir-mar publicamente a “superioridade da civilização oci-dental” comparada ao mundo islâmico.

O discurso de Aznar é, ao mesmo tempo, um diag-nóstico correto da profundidade da crise e uma cínica preparação para uma guerra de grandes proporções. O capital, como todos estão carecas de saber, resolve suas crises econômicas e financeiras com atos selvagens de destruição em massa – como aconteceu nas guerras mundiais do século passado. Se, para “salvar a Europa” (especialmente a Espanha, onde 40% dos jovens estão desempregados) e o capitalismo for necessário armar uma guerra total ao Islã, que assim seja. Israel está no Oriente Médio como posto avançado do “Ocidente” e deverá cumprir sua parte na nova cruzada, ainda que a pretexto de defender sua própria existência.

Aznar é o porta-voz

do “choque de

civili-zações”, pseudo “teoria” sem qualquer fundamento na realidade, mas tão útil aos propósitos do capital quan-to, nos anos 30, o foram as fantasias mirabolantes dos “protocolos dos sábios do Sião” para um sujeito cha-mado Adolf. O povo israelense e os judeus de todo o mundo não deveriam se iludir com a aparente simpatia demonstrada pela extrema direita europeia. Ela conti-nua tão antissemita como sempre: os seus tambores da guerra oferecem novamente os filhos de Israel em ho-locausto, mas agora em nome da defesa dos “valores ocidentais”. Se depender da vontade de Aznar e simi-lares, o capital será recomposto sobre os cadáveres de milhões de judeus e islâmicos. E a região, “vital para a segurança energética mundial”, será reconstruída pelas imensas empreiteiras e corporações europeias e estadu-nidenses, para ser novamente transformada em um ci-vilizado protetorado “ocidental”.

Simples assim.

“Israel é a nossa

primeira linha de defesa

em uma agitada região que está constantemente sob o risco de cair no caos; uma região que é vital para a se-gurança energética mundial devido à nossa dependên-cia excessiva de petróleo do Oriente Médio; uma região que forma a linha de frente na luta contra o extremis-mo. Se Israel cai, todos nós cairemos.

(...) O Ocidente está atravessando um período de in-certeza com relação ao futuro do mundo. No sentido amplo, esta incerteza é causada por uma espécie de dúvida masoquista sobre nossa própria identidade; pela regra do politicamente correto; por um multicultura-lismo que nos obriga a curva-nos diante dos outros; e por um secularismo que, cinicamente, nos cega, mesmo quando somos confrontados por membros do jihad pro-movendo a encarnação mais fanática de sua fé. Deixar Israel à sua própria sorte, neste momento crucial, ser-viria apenas para ilustrar o quanto afundamos e como nosso declínio inexorável agora se torna eminente.

(...) Israel é uma parte fundamental do Ocidente. O Ocidente é o que é graças às suas raízes judaico-cristãs. Se o elemento judeu dessas raízes for retirado e perde-mos Israel, também estaperde-mos perdidos. Quer queira ou não, nosso destino está interligado.”

Os trechos

acima fazem parte de um

tex-to de José Maria Aznar, primeiro ministro da Espanha entre 1996 e 2004, publicado no Times de Londres, em 17 de junho. O texto tem o mérito da extrema clareza, equiparável ao seu cinismo colonialista. Az-nar faz um diagnóstico correto da crise mundial: “O Ocidente está atravessando um período de incerteza com relação ao futuro.” Nesse contexto, Israel – “par-te fundamental do Ociden“par-te” - joga um papel essen-cial no Oriente Médio, “região que é vital para a segu-rança energética mundial”. O raciocínio é sintetizado pela sentença: “Se Israel cai, todos nós cairemos.”

Aznar não é um fulano qualquer, ainda que o sobre-nome reflita sua vocação intelectual. Ele é filho dileto

Uma guerra

antissemita

para salvar o capital

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Guilherme Scalzilli

Às vésperas da Copa do Mundo na Áfri-ca do Sul as livrarias se encheram de livros sobre futebol. Como combinei que só trata-ria nessa coluna de livros antigos, perderei a oportunidade de apresentar ao leitor Quem

derrubou João Saldanha, de Carlos Ferreira

Vilarinho, ex-líder sindical e pesquisador de primeira. Ele destoa da livraiada pela sólida contextualização histórica.

A função do historiador é nos contar como uma coisa – qualquer coisa – se transformou em outra. Tanto que uma forma comum de ignorância, até de intelectuais e doutores, é tomar a verdade de um momento como a ver-dade de sempre. O senso comum, essa fase elementar do pensamento, toma a árvore pela floresta. É preciso, em todos os casos, que o cientista social, especialmente o histo-riador, coloque em nosso campo de visão o conjunto que a árvore esconde. Esse conjun-to, oculto à primeira visada, é que permite compreender (mais que explicar) o seu exem-plar isolado. A história é a ciência social en-carregada da duração da floresta.

Dos livros sobre futebol que enchem as li-vrarias hoje, a maioria ignora a história. Al-guns são interessantes, bem escritos, mas a dispensam. Em geral, tratam os fatos – jo-gos, jogadores, torneios, copas do mundo etc. – como o legista trata os órgãos do cadáver: sem passado ou futuro. Como não há mais vida – outro nome de duração – podem ex-traí-los e dissecá-los fora do corpo.

Alguns desses livros contam casos de ra-cismo em nosso futebol. Tanto explícitos, documentados, como disfarçados e “sutis”, exclusões, xingamentos, preterições. Os au-tores, ao relatar esses casos, invariavelmen-te demonstram indignação, ressalvando que não fazem sentido numa democracia racial como a nossa. Reproduzem uma crença do nosso senso comum, desgastada nos últimos tempos, mas ainda assim viva.

O passado e o presente brasileiros estão repletos de preconceito racial e não apenas, aliás, contra negros, agredindo índios, mtiços, nordestinos, judeus, orientais e, em es-cala bem menor, mas não desprezível, turcos, galegos, gringos, polacas, alemães e outros. Isso é constatado pelo senso comum, é fá-cil de ver. A possibilidade de escapar a este senso comum, de enxergar a floresta, e não

somente a árvore, é dada pelo conhecimen-to histórico.

A história do nosso futebol – ausente de quase todas as obras que atulham as livrarias perto da Copa do Mundo – mostraria uma in-flexão correspondente à Revolução de Trin-ta. Houve uma revolução também no fute-bol, o que levou alguém a chamar Leônidas, o Diamante Negro, de “o Getúlio Vargas do futebol”. O jogador negro se tornou hegemô-nico, conferindo ao nosso futebol uma ma-neira original. Tanto é assim que só então se diferenciou do argentino, uma outra manei-ra original. Essa maneimanei-ra, logo chamada de futebol-arte, seduziu o mundo. Desistindo de imitá-la, os europeus se contentaram em im-portar jogadores-artistas. O futebol europeu tinha, naturalmente, a sua maneira, o fute-bol-atletismo. Foi esse, em linhas gerais, o panorama até os anos 1970.

A globalização que se seguiu criou um pa-drão único de jogo: o futebol-força, de resul-tados, que aí vemos. O que tem isso a ver com racismo? Racismo é uma forma social de es-quizofrenia: trocamos a consciência do que nos caracteriza pelo delírio. Separamos o ne-gro do Brasil.

Essa é a floresta.

amigos de papel

Joel Rufino dos Santos

Guilherme Scalzilli é historiador e escritor.

Autor do romance Crisálida (editora Casa Amare-la). www.guilhermescalzilli.blogspot.com

Joel Rufino é historiador e escritor.

O voto obrigatório

ofende os

prin-cípios democráticos. O exercício da cidadania pressupõe liberdade ampla e soberana de esco-lha, inclusive a de abster-se do processo eleito-ral. A autonomia do indivíduo deve ser preserva-da com a mediação legal, jamais tolhipreserva-da por ela. Impor direitos a quem os desfruta é um absur-do conceitual.

O fato de o Estado brasileiro ser pródigo nes-sas contradições não as torna mais aceitáveis. Os paralelos distorcidos entre o comparecimento às seções eleitorais e outros “deveres cívicos” ape-nas realça o caráter despótico de rotiape-nas que, se não foram instituídas por ditaduras, nasceram de semelhante espírito. O serviço militar, por exem-plo, é um arcaísmo prejudicial que não serve a comparações positivas.

Não se trata

de louvar o

abstencionis-mo, e sim de aceitá-lo como opção válida, en-tre tantas mais ou menos discutíveis. Ao cidadão já é permitido recusar instrumentos de atuação política, registrar votos úteis e de protesto ou até anulá-los. Sua presença física empresta uma ilusão de legitimidade ao sistema democrático, mas nem de longe o faz representativo. O sufrá-gio desempenhado a contragosto alimenta fal-sos consenfal-sos e perpetua uma fragilidade insti-tucional perigosa, pois artificial e oportunista.

A afirmação de que o povo brasileiro não pos-sui maturidade ou instrução para decidir revela preconceito elitista e autoritário. O voto facul-tativo assusta as facções hegemônicas porque transformaria a relação entre candidatos, par-tidos e eleitores. Para todos os efeitos, seria um mecanismo de conscientização política: mesmo a indiferença generalizada constrangeria go-vernantes e legisladores a recompor os vínculos perdidos com a sociedade.

O plebiscito

é a maneira mais

pedagó-gica e inquestionável de resolver a questão. Não surpreende, portanto, que seus adversários o re-pudiem duplamente.

Ilustração: hke...

O GETÚLIO

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julho 2010 caros amigos

Agora todo mundo capitalista

deu para ser verde.

A General Eletric prega a “ecoimaginação”, ou este oxímoro insano: “carvão limpo”. Na propaganda ela põe um elefantão cantando “Singing in the rain”.

O barão da mídia, Murdoch, que está louquinho para derrubar Chávez, de-clarou: “sinto orgulho de ser verde”.

É impossível existir

capitalismo sem toxina.

A mistificação do capitalismo verde é reproduzida por aqui com Gabeira e Marina. Como é que alguém a favor do lucro capitalista evangélico pode fa-lar em natureza? A única coisa verdecoevangélica que existe é a nota verde do dólar.

Marina é pró-capitalismo, portanto é antiecológica. Seus assessores almo-fadinhas e janotas são udenistas e tucanos de corpo e finanças, portanto con-tra a minhoca, o arado natural, Eles são entusiastas da Monsanto que inventou o herbicida round up devastador da natureza e que financia a biotecnologia e a engenharia genética.

Marina, me dizia Marcelo Guimarães, não moveu uma palha pelo projeto das micro-destilarias a álcool em pequenas propriedades; agora ela se diz de-vota do álcool e óleos vegetais, só que produzidos em economia de escala com plantation latifundiária para exportação multinacional.

Marina é adversária

da reforma agrária radical, portanto joga no

time do ecocídio, Serra batalhou pela aprovação da lei das patentes para felici-dade das grandes corporações multinacionais na Câmara e Senado.

A agricultura capitalista multinacional arruína a terra e envenena as pesso-as. Tudo isso sob o comando dos grãos geneticamente manipulados pela Mon-santo, que é a Rede Globo da agricultura.

A juventude não poderá cair na esparrela agrobiocancerigenotucano. O des-calabro da natureza é causado pelo regime social chamado capitalismo, por conseguinte crítica ecológica que não seja anticapitalista é conversa de uru-bu com bode.

E Gabeira?

É a ideologia pós-moderna do Banco Mundial em ação, que

no Rio de Janeiro é a expressão da burguesia comercial e imobiliária, de onde provêm Carlos Lacerda e César Maia.

Nunca entendi a notoriedade de Gabeira. Chegou da Suécia de tanguinha de crochê na praia pousando de “candidato jovem” pré-Collor para destruir os CIEPs de Darcy Ribeiro.

Glauber Rocha

tinha a maior bronca dele porque queria tacar fogo

no filme Terra em Transe. Glauber dizia que a ambição de Gabeira era freqüen-tar a casa de Caetano Veloso, que convenhamos não é o barraco de Goethe.

Glauber escreveu: “traíram Jango em 1964 e 1974, destruíram o projeto de nação que ficou no esqueleto do Gabeira”.

Sobre as flores do estilo, pergunto quem foi o gênio linguista que bolou o mote gerundiano da campanha de Dilma? Refiro-me à palavra de ordem: “Para o Brasil seguir mudando”. Que coisa feia. É isso que dá colocar campanha

po-lítica em agência de publicidade.

De 1

a

ponta

a outra do globo viajar voar,

deslizar por uma montanha, escalar um iceberg um canto do mundo inexplorado um planeta solitá-rio, uma casa de madeira, abdução alienígena uma ilha com 2 pessoas você de manhã, e outra você de tarde sem cercas, cobranças jogando bola descalço mais feliz que os cheios de $ e logos mais feliz em plena tarde de domingo não está confinado, nem no condomínio fechado nem no barraco.

uma visita

inesperada, é ela, ela chegou e trouxe a paz entrar no oculto um pensamento sem carga uma ideia desbaratinada sem pensar demais para falar, sem imaginar quem vai ouvir, o que vai achar não precisar prestar conta ser feliz de pon-ta a ponpon-ta desapegar, deixar de comprar deixar de colecionar coisas que só te fazem cansar existência livre, como era o fator primordial existir sem culpa como era antes o principal sem precisar usar a pa-lavra maldita “politicagem”

ser transparente

sem precisar

mon-tar movimento pra poder amar, pra poder transar pra poder beber, pra poder se abstinar sem ter que provar nada torcer para ninguém viver um dia por vez sem planos pro futuro, que cansam e na moral não se realizam sem postura, sem falar a realidade pura e nua ser chamado de sincericida não falar a mais porque pode pagar com a vida não falar que volta depois não dizer que gostou só para ser sim-pático é verdade, colar num lugar pela poesia, pela arte não pela bebida e vaidade num ter elo com ninguém a não ser quem agente gosta não esperar virar para falar pelas costas quero isso, e vou perse-guir, mesmo que o público se restrinja mesmo que não lote mais a mesa de autógrafos mesmo que o show não seja apoteótico porque no inicio era as-sim, o coração batia do inicio ao fim e hoje já tá tão desgastado, que as vezes bate mas por emba-lo a fita é essa e não da mais para proemba-longar nem pagar simpatia para o número de toques alcançar resumindo tudo ao espiritual não a nada de mais para continuar escrevendo que valha a pena vocês estarem lendo a não ser para terminar ir até onde

dar, sem ponto para finalizar

Gilberto Felisberto Vasconcellos

Capitalismo verde é sujeira:

Marina e Gabeira

Gilberto Felisberto Vasconcellos é sociólogo, jornalista e escritor.

Liberdade

Ferréz

Ferréz é datilógrafo e reside em regime semiaber-to na periferia de São Paulo.

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Mc Leonardo

Deu na televisão. O reitor de uma univer-sidade pública, ao apresentar uma avaliação do sistema de cotas usado pela instituição, explicou que os alunos cotistas apresentam dificuldades maiores que os não-cotistas nas áreas de português e matemática. E concluiu com a seguinte pérola: “[o português] é uma lingua muito difícil, em geral. E os brasilei-ros ainda a maltratam demasiadamente. Mas esse é um problema, porque os setores popu-lares falam um português no cotidiano muito errado, muito diferente do português douto”. Transcrevo as palavras do site da emissora.

É impressionante o absoluto descaso que tantos pesquisadores de outras ciências hu-manas dedicam à linguagem. Tomam a lin-guagem como um dado, como algo pron-to e acabado, uma entidade monolítica, um ponto pacífico, quando na verdade a lingua-gem é um fato social que tem de ser analisa-do, a cada momento, como palco de confli-tos, como arma simbólica na luta pelo poder, como uma mercadoria cuja posse confere prestígio a uns, que estigmatizam os demais. Mais impressionante, para não dizer chocan-te, é descobrir, pesquisando sobre o reitor, que ele é psicólogo social e trabalha com as noções de representação.

Numa fala tão breve, o magnífico con-seguiu alinhar três dos principais mitos que configuram o preconceito linguístico: a lín-gua é “difícil”, os brasileiros “a maltratam” e que as camadas populares falam “muito erra-do”. Meio século de pesquisas importantes da sociolinguística e da análise do discurso, bem como de outras disciplinas, desconstruiu esses mitos, demonstrando que são meras supers-tições culturais, decorrentes - precisamente - daqueles conflitos sociais e políticos que re-feri acima. Mas, por alguma razão misteriosa que vale a pena investigar, os resultados das pesquisas dos linguistas não conseguem ultra-passar os meios acadêmicos. Aliás, são barra-dos dentro do próprio ambiente universitário, como evidencia a declaração do reitor.

O português não é uma língua difícil por-que nenhuma língua é difícil para seus fa-lantes nativos. Difícil é um brasileiro apren-der húngaro, tagalo ou xavante, línguas sem nenhum parentesco com a nossa. O problema é que, ao longo da história, o nome

“portu-guês” passou a ser aplicado a uma modalida-de muito específica modalida-de língua: a norma-pa-drão codificada pelos gramáticos normativos. Essa norma-padrão, estreitamente vinculada à língua escrita mais monitorada, sobretudo a literária, é uma entidade que se pretende homogênea, uniforme e duradoura. Pelo pro-cesso inevitável da mudança linguística, esse modelo idealizado de língua “certa”, que já nasce distanciado da língua viva, real, se tor-na ainda mais estranho, anti-intuitivo, quase uma língua estrangeira. É essa norma-padrão do português, que não leva em conta a língua realmente falada pelos brasileiros, inclusive os chamados cultos, que é difícil, incompre-ensível muitas vezes, ilógica quase sempre. Querer que até hoje se aprenda a conjuga-ção verbal com o pronome “vós”, negando ao mesmo tempo a predominância do “você” e do “a gente”, é um absurdo sem tamanho. Sugiro ao senhor reitor que consulte os lin-guistas de sua própria universidade, um dos quais recentemente publicou uma excelente gramática, voltada para a descrição do por-tuguês brasileiro. Talvez assim ele possa de-fender o sistema de cotas sem chafurdar em outros preconceitos.

falar brasileiro

Marcos Bagno

Ilustração: Debora

borba/deboraborba@gmail.com

Marcos Bagno é linguista e escritor. www.marcosbagno.com.br

Mc Leonardo é presidente da APAfunk, cantor e

compositor.

LÍNGUA DIFÍCIL?

Tenho feito essa pergunta

a

diver-sas pessoas, e as respostas têm sido “não” na maio-ria das vezes.

Mas esse “não” vem acompanhado de explica-ções diferentes como: “Se a pessoa é honesta não existe ocasião na qual ela possa roubar.”

Ou:

“Cansamos de ver casos onde o sujeito tem

oportunidade e necessidade e não rouba.”

Mas foi do meu irmão Lucio que eu ouvi a se-guinte definição: “A ocasião não faz o ladrão, a ocasião faz o ladrão roubar”.

Bom, se formos nos basear pela definição dele podemos chegar à conclusão que todos nós somos ladrões, já que todos nós já roubamos alguma coi-sa, por menor que seja o valor.

Eu prefiro

ficar com a tese que o ladrão é aquele que faz a ocasião, busca a oportunida-de oportunida-de roubar ou almeja uma posição que o leva-rá ao fato.

Mesmo que os mais variáveis tipos de roubos do mundo sejam praticados por sujeitos trajados de terno e gravata, na maioria das vezes temos em mente a imagem do ladrão como é cantada pe-los manos do grupo de Rap Racionais MCs, na mú-sica Capítulo 4 Versículo 3: “Aquele moleque de touca que engatilha e enfia o cano dentro da sua boca...”

E na musica

Mágico de Oz eles falam

as-sim: “Se diz que moleque de rua rouba. No gover-no, na política do Brasil quem não rouba? Ele só não tem diploma pra roubar, ele não se esconde atrás de uma farda suja...”

Quando nós falamos

dos produtos

pi-ratas que usamos por praticidade, comodidade ou necessidade, tais como as músicas e filmes que bai-xamos na internet e mesmo os livros que fazemos cópias dentro das próprias universidades, nos ve-mos na obrigação de mudarve-mos a legislação ou nos assumir como criminosos ladrões.

Mas esse é outro assunto que eu prometo falar mais adiante em alguma outra OCASIÃO, isso é, se ninguém roubar o espaço que ocupo aqui.

A ocAsião

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julho 2010 caros amigos

“Boiar no mar

é de graça, é de graça,

é de graça/ eu vou fazer uma ciranda pra botar o disco/ na lei de incentivo à cultura, à cultu-ra, à cultura/ mas é preciso entrar no gráfico/ no mercado fonográfico/ mas eu não sei nego-ciar/ eu só sei tocar meu tamborzinho e olhe lá.” Não era de esperar que o labririnto das leis de incentivo se prestasse a virar tema de mú-sica pop, mas é o que acontece na Ciranda do

Incentivo, uma das 13 faixas de Eu Menti pra Você, de Karina Buhr.

Nascida na Bahia e criada em Pernambuco, ela já era conhecida como integrante do grupo pernambucano Comadre Fulozinha, mas em Eu

Menti pra Você chega à estreia solo e à

maio-ridade como artista autora da própria obra. A ironia de Ciranda do Incentivo é leve e bem-hu-morada, mas vem fazer companhia a flagran-tes de posicionamento ainda raros na música jovem brasileira – exemplo recente notável de engajamento é Reforma Agrária no Ar (2008), de Wado. “É contra o artista mudo, é contra o ouvinte surdo, é contra o latifúndio das ondas do rádio”, vibra a letra cantada pelo catarinen-se criado em Alagoas.

Mais sutil,

Karina distribui críticas afe-tuosas nas quais a leveza é o mote condutor, como acontece no reggae anti-estresse Plástico

Bolha: “Hoje eu não estou a fim de

corre-cor-re, confusão/ eu quero passar a tarde estouran-do plástico bolha”.

“Vou ficar mais um pouquinho/ para ver se acontece alguma coisa nessa tarde de do-mingo/ congelo o tempo pra eu ficar devaga-rinho/ com as coisas que eu gosto e que eu sei que são efêmeras.” O pedido de mais calma e serenidade, por favor, inicia a faixa-título do primeiro CD de Tulipa Ruiz, que sabe que as coisas são efêmeras e ela também é, e batiza a estreia de Efêmera.

Tulipa é paulista

de Santos, cresceu em Minas Gerais, canta com fluência e leveza e assina (sozinha ou em parceria) dez das onze canções do disco – a décima-primeira, Às

Ve-zes, foi composta por seu pai, Luiz Chagas, que

foi guitarrista da banda Isca de Polícia, de Ita-mar Assumpção. As interligações com a chamada “vanguarda paulista” afloram em Efêmera, mas prioritariamente Tulipa gosta de se comunicar e de, como dizia Gal Costa em 1973, “cantar como um passarinho”. “A ordem das árvores não altera o passarinho”, canta (e compõe), como um passa-rinho, em A Ordem das Árvores.

Integrante da trupe multivalente conheci-da como Orquestra Imperial, a carioca Nina Be-cker estreia solo com dois discos simultâneos, um chamado Azul e outro, Vermelho. Dona das rédeas, ela surge discreta, serena, desapressada e... autora, em baladas como Madrugada Branca. “No vapor da madrugada/ no sono dos sons/ um sonho dorme profundo/ e esconde uma verda-de/ que não se adivinha/ enquanto escrevo meu mundo/ que tem bordas invisíveis”, ela tateia seu próprio mundo.

Plural, Nina se divide

entre parcerias

com colegas (rapazes) como Moreno Veloso, Do-menico Lancellotti e Nervoso, interpreta novos como Romulo Froes (em Flor Vermelha) e rein-terpreta antigas de Jorge Mautner (Samba

Jam-bo e Lágrimas Negras, esta lançada em 1974 por

Gal Costa). Em todos os campos, sai-se igualmen-te bem, e soa igualmenigualmen-te eleganigualmen-te.

O rap é a linguagem-guia de Lurdez da Luz, integrante do grupo paulistano Mamelo Sound System e autora-rimadora do CD solo inaugural

Lurdez da Luz. Gal Costa também sobrevoa seu

trabalho, como no sampler que conduz a última faixa, de Meu Nome É Gal, composta por Rober-to e Erasmo Carlos para a porta-voz tropicalista cantar, em 1969.

Não seria

absurdo afirmar que sua

home-nagem é prima-irmã da ironia fina de Karina na

Ciranda do Incentivo. O rap Fim da Egotrip

come-ça com os acordes iniciais de Meu Nome É Gal, e a voz de Lurdez ameaça: “Meu nome... Meu nome é... Meu nome é o de menos agora”. Sim, já temos um passado grandioso a reverenciar, mas os tem-pos de agora são outros, profundamente

diferen-PAÇOCA

Pedro Alexandre Sanches

foto: jesus carlos. ilustração: lux tavares.

Pedro Alexandre Sanches é jornalista.

tes dos anos heroicos da tal MPB – mas nem por isso piores ou inferiores, como o pessimismo po-pular brasileiro adora martelar.

Fim da Egotrip

prossegue e vira um

ma-nifesto de orgulho feminino. “Eu quero é dizer outros nomes/ peço licença a Quelé, Lady Day, ‘a Guerreira’, ‘a Pimentinha’”, tratando pelos ape-lidos Clementina de Jesus, Billie Holiday, Cla-ra Nunes e Elis Regina. A letCla-ra evolui com cita-ções à genial violonista Rosinha de Valença, às míticas “Janaína, Jussara, Jurema, Iara”, à freu-diana Elektra, à dama do lotação... “Se é pra se perder, que seja na realidade”, afirma, em reação afetiva (mas nada submissa) aos versos “se eu ti-ver que me perder/ seja com você/ ou pensando em você/ só perdendo o juízo eu acho a cabeça”, da balada Os Dentes Brancos do Mundo, de Mar-cos Valle e Paulo Sérgio Valle, interpretada em 1969 por vozes como as das só-cantoras Evinha e Claudette Soares.

Os exemplos acima são só exemplos: é im-pressionante a quantidade de compositoras que têm apresentado trabalhos de brilho. Exemplos, por ordem alfabética? Aline Calixto, Ana Cañas, Andreia Dias, Céu, Ceumar, Cibelle, Érika Ma-chado, Gabi Amarantos, Lulina, Marcela Bellas, Paula Fernandes, Roberta Campos, Tiê, Tita Lima, Vanessa Bumabgny, (para não falar, já falando, das mais consolidadas comercialmente Ana Ca-rolina, Mallu Magalhães, Fernanda Takai, Pitty, Teresa Cristina, Vanessa da Mata)...

Somos um lugar

absurdamente

musi-cal que já gostou de se intitular “país das can-toras”, em proposição que por décadas escondia atrás de si um insidioso “recolha-se ao seu lu-gar”. Num plantel dominado por clubes machis-tas do Bolinha, não foi nada fácil ser Chiquinha Gonzaga, Dolores Duran, Maysa, Rita Lee, Sue-li Costa, LuSue-li e Lucina, Marina Lima... Pois te-mos mudado à beça, e caminhate-mos resolutamen-te para ser um país de compositoras.

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Brasil, um país de

COmPOsitOrAs

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entrevista

FREI BETTO

“O Brasil

se tornou

o paraíso

do capital

especulativo”

Frei Betto fala sobre a chegada do PT ao poder, rumos da esquerda e governo Lula.

Participaram: Gabriela Moncau, Hamilton Octavio de Souza, Lúcia Rodrigues e Tatiana Merlino. Fotos Paulo Pereira

f

rade dominicano, jornalista, escritor, autor de

52 livros, Carlos Alberto Libânio Christo, mais conhecido como Frei Betto, foi militante con-tra a ditadura civil-militar, ajudou na fundação da CUT e do PT. Foi assessor da Presidência da República para assuntos sociais, onde coordenou o programa Fome Zero. Nesta entrevista, Betto fala sobre o período em que trabalhou como jor-nalista, a chegada do PT ao poder, os rumos da esquerda do país e sobre o governo Lula. Para ele, embora o governo atual seja “o melhor da histó-ria republicana do Brasil”, o PT e um grupo he-gemônico que o comanda “trocaram um projeto de Brasil por um projeto de poder”. Entre as lições que aprendeu no período em que esteve no Pla-nalto, uma delas é que “o governo é que nem fei-jão, só funciona na panela de pressão”.

Hamilton Octavio de Souza -

Fale sobre você, onde nasceu, onde estudou, como começou a ter militância?

Frei Betto -

Sou mineiro, e como diz o Drum-mond, a gente sai de Minas, mas Minas não sai da gente. Meu pai era advogado e terminou a sua vida profissional como juiz. Era homem de ex-trema direita e terminou de exex-trema esquerda. A única vez que saiu do Brasil foi para ir a Cuba. A minha mãe é uma especialista em culinária, tem oito livros de culinária, entre eles o “Fogão de Le-nha, trezentos anos de cozinha mineira”. É consi-derada a maior especialista nesse tema no Brasil. Éramos oito irmãos; um já faleceu, o mais novo.

Hamilton Octavio de Souza -

De que cidade de Minas?

Todos de Belo Horizonte. É um caso raro em uma cidade que tem pouco mais de 100 anos. Meus pais também nasceram em Belo Horizonte. Mais raro ainda: os dois e os oito filhos estudaram no mesmo grupo escolar Barão do Rio Branco, que há pouco fez 90 anos. Tive uma infância extremamente fe-liz, de moleque de rua, não havia a psicose televi-siva. Brincava-se muito na rua, havia muita leitu-ra, porque meu pai tinha duas manias: padaria e livraria. E ele comprava muito mais livros do que tinha tempo para ler, e não havia cômodo na casa para servir exclusivamente de biblioteca. Todos os cômodos, menos o banheiro e a cozinha por razões óbvias, tinham livros. Creio que minha vocação li-terária tenha a ver com isso. Meus pais escreviam, minha mãe na culinária e ele cronista dos prin-cipais jornais de Belo Horizonte durante mais de quarenta anos. Bem, depois, com treze anos, en-trei na militância estudantil através da Juventude Estudantil Católica, a JEC.

Tatiana Merlino -

Em que ano foi isso?

Em 1959. Na mesma época entrou o Henriquinho, que o Brasil conhece como Henfil. Nós dois éra-mos considerados muito crianças para pertencer à JEC. E esse desafio nos levou a nos firmar como

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militantes. Claro que o Henfil entrou por influên-cia do Betinho, um dos fundadores da JEC de Belo Horizonte e depois foi para a Juventude Univer-sitária Católica (JUC). E através da JEC é que eu comecei precocemente a ler muito filosofia, teo-logia e literatura. A primeira vez que eu enfrentei a repressão foi no dia 25 de agosto de 61, quando o Jânio Quadros renunciou à presidência. Depois, com 17 anos, fui indicado para a presidência da JEC. Então, me mudei para o Rio, onde fiquei de 62 a 64 numa república de estudantes, onde mo-ravam doze rapazes e recebíamos mais uns 20 por mês que vinham de outros Estados para a UNE, entre eles o Betinho e o Zé Serra. Nesses três anos eu percorri o Brasil todo duas vezes, articulando o movimento. Em 64 entrei na faculdade de jor-nalismo. Vocês vão morrer de inveja: meus pro-fessores eram o Tristão de Ataíde, Hermes Lima, Barbosa Lima Sobrinho, Danton Jobim.

Hamilton Octavio de Souza -

Qual a faculdade?

Chamava Universidade do Brasil, depois acabou. Tinha grandes figuras da história do jornalismo brasileiro. Para contrabalançar, tinha o Hélio Via-na, de extrema direita e cunhado do general Cas-telo Branco. Em junho de 64 eu estava na faculda-de lá no Rio e fui preso pela primeira vez quando houve o arrastão da Ação Popular. Fiquei 15 dias preso, confundido com o Betinho, por conta des-sa coides-sa de Beto, de JEC e JUC de Belo Horizon-te. Eles estavam atrás do Betinho, que foi o gran-de fundador, a grangran-de figura da Ação Popular, que depois conseguiu sair do país. Daí surgiu aquela dúvida: será que Deus quer que eu seja religioso? Crise vocacional forte. E convencido de que eu não tinha vocação, decidi entrar nos dominicanos em 65, porque não queria chegar aos 40 anos, olhar para trás e falar: “Ih! Acho que eu errei de cami-nho”... Mas eu queria tirar a limpo, ver no que vai dar. Entrei e isso já são quarenta e cinco anos.

Hamilton Octavio de Souza -

Era um seminário?

Não, porque eu já tinha vinte anos. Os domini-canos no Brasil não têm seminário. Só aceitam quem terminou o ensino médio completo ou está na universidade. Que é melhor porque a pessoa é mais lúcida, essa ideia de seminário eu acho mui-to antipedagógico, é até desumano você colocar uma criança de 13, 14 anos no seminário. Eu acho que é por isso que tem tanto problema de pedo-filia, de violência sexual. O cara vive naquela re-doma patriarcal, machista e onde a sexualidade é sempre considerada pecado, enfim... Mas aí en-trei nos dominicanos em Belo Horizonte. Em 66, eu vim para São Paulo para fazer filosofia, fiquei aqui de 66 a 69, aí aconteceram muitas coisas.

Hamilton Octavio de Souza -

Você trabalhou na Folha, não é?

Trabalhei primeiro na revista Realidade. De lá, fui para a Folha da Tarde, que foi refundada com Jorge de Miranda Jordão. E lá fiz de tudo, des-de geral até editoria des-de polícia. Cobri muito mo-vimento estudantil e depois fui chefe de

reporta-gem, e fui assistente do Zé Celso na montagem do Rei da Vela. Fui colega do Merlino, na Folha

da Tarde. Além disso, eu estudava Filosofia de

manhã e à noite fazia o curso de antropologia na Maria Antonia. Em 69 houve o AI-5, eu já estava bastante pressionado pela repressão. No início de 69, eu decido ir para o Rio Grande do Sul, porque o cerco estava se fechando, meu projeto era pas-sar um tempo fora do Brasil, iria para a Alemanha estudar teologia. Fui para São Leopoldo, onde ti-nha um seminário de jesuítas, muito bom, e aí o Marighella me pediu para montar um esquema de fazer sair gente pela fronteira Sul com a Argenti-na e Uruguai. Um mês antes de eu ir para a Ale-manha, os dominicanos, aqui em São Paulo são presos. Afinal, sou cercado no Rio Grande do Sul, consigo fugir uma semana, fui preso, caí numa cilada. Fiquei quatro anos preso, em São Paulo, só fiquei um mês preso em Porto Alegre, depois vim para cá. Foram dois anos como preso político e dois anos como preso comum, caso raro.

Hamilton Octavio de Souza -

Foi na Tiradentes?

Foram oito prisões diferentes, a Tiradentes foi uma. Descrevo em detalhes num livro lançado no ano passado, que ficou quarenta anos guardado, chama Diário de Fernando, da Rocco. É um diá-rio que foi do Fernando, um amigo meu, e a gen-te levou quarenta anos para publicar.

Lúcia Rodrigues -

Por que levou todo esse tempo?

Primeiro, o Fernando não é jornalista nem his-toriador, mas teve o cuidado de anotar em pa-pel celofane que saía dentro de canetas na visi-ta. O frade levava uma caneta exatamente igual à que ele tinha e no meio da conversa trocava a caneta. Dentro vinha um celofane, depois se des-montava. Então, nos papéis, tinha coisas assim: “Paulinho foi para o Doi-Codi”. Ora, que Pauli-nho? Que data? Que aconteceu? O Fernando que-ria fazer o diário, mas não era do ramo, nem his-toriador e nem jornalista; depois de muitos anos ele falou: “Não Betto, você faz”. Aí teve toda uma pesquisa para decifrar cada papelzinho daquele, foi tudo computadorizado, teve até que ler com lente, porque ele mesmo às vezes não entendia, não lembrava a anotação. Nos últimos anos, de 2006 a 2009 me dediquei quase que exclusiva-mente a esse livro. Ele descreve os que a gente ficou como, primeiro, preso político, depois co-mum. Fomos condenados a quatro anos, e o re-curso nosso no Supremo Tribunal Federal foi jul-gado, e reduziram a nossa pena de quatro para dois anos quando nós completávamos os quatro anos. Eu brinco que a gente tem um crédito com a liberdade de dois anos.

Tatiana Merlino -

O senhor pediu indenização para o Estado brasileiro?

Respeito muito quem pediu, mas nunca pedi. Pri-meiro porque não quero transformar uma ques-tão política em uma quesques-tão financeira. Acho que não há dinheiro que pague o que sofri. Depois, porque embora tenha muita gente que eu

respei-te e por quem até lurespei-tei para que merecessem a in-denização, acho que tem muita gente que foi com sede no pote de ouro, gente que recebeu indeni-zações milionárias e foi interrogado, esteve uma semana preso, enfim. Acho que virou uma cer-ta farra esse negócio, então preferi não pedir. Em terceiro, porque eu não preciso do dinheiro do governo, eu consigo sobreviver do meu trabalho. Isso é dinheiro público, se fosse do bolso dos ge-nerais eu até aceitaria, iria reivindicar, mas não é, e não quero usar em benefício pessoal.

Tatiana Merlino -

Essa não foi uma maneira do Estado brasileiro reconhecer que essas pessoas foram realmente presas e torturadas?

Haveria outras maneiras. Por exemplo, o Esta-do até hoje não pediu perdão à nação pelo erro que ele cometeu. Essa é uma das dívidas, inclusi-ve do goinclusi-verno Lula, que devia pedir perdão, em nome do Estado, assim como o papa pediu per-dão à humanidade pela condenação de Galileu e agora de Copérnico.

Lúcia Rodrigues -

Mas no governo Lula, nesse caso recente do STF e da OAB, mais uma vez manteve a impunidade aos torturadores.

Eu gostaria inclusive que abrissem os arquivos das Forças Armadas, continuo lutando por isso. Fiquei perplexo e horrorizado com a decisão do STF, por-que não só é uma forma de absolvição legal de crimes hediondos, de lesa-humanidade, impres-critíveis, inclusive pela legislação dos tratados in-ternacionais firmados pelo Brasil. Também é uma forma de abonar a tortura que continua nas de-legacias praticada pelos policiais civis e militares Brasil afora. Enquanto eu viver lutarei para rever-ter essa situação. Tenho dedicado minha obra lite-rária à memória desses anos de chumbo. São vá-rios livros, o Cartas da Prisão, Batismo de Sangue,

Dia de Anjo, Canto na Fogueira, que fiz com Frei

Fernando e Frei Ivo, e agora o Diário de

Fernan-do. Esqueci algum? Acho que não. As Catapun-tas, que é o Cartas na Prisão, enfim. Assim como

60 anos depois a memória do sofrimento dos ju-deus por causa do nazismo continua viva, daqui a duzentos anos a memória do sofrimento das ví-timas da ditadura militar também estará. Quer di-zer, é um equívoco do STF, do governo, dos mili-tares pensar que essa memória se apaga.

Hamilton Octavio de Souza -

Quando você saiu da prisão, o que fez?

Saí no fim de 73.

Tatiana Merlino -

Poderia falar sobre o período que ficou em São Paulo militando e trabalhando como jornalista?

Congresso da UNE é um bom exemplo. Quem conseguiu o local do Congresso foi o Frei Tito, lá em Ibiúna, um sítio, por isso que ele foi tão bar-barizado na tortura a ponto de ser levado à mor-te. Eu conhecia o local e armei um esquema com o pessoal da ALN e com o Frei Tito de que qual-quer sinal que a repressão tivesse notícia do lo-cal do Congresso, esse sinal viria através dos

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toristas do jornal. Naquela época nós já tínhamos os setoristas no Dops, no exército e etc. Eu da-ria um aviso para que eles pudessem se safar. E, de fato, o setorista do Dops chegou na redação e disse: “tão falando lá no Dops que tem um pes-soal que estaria reunido lá pelo lado de Ibiúna e tão querendo investigar e tal.” Aí eu chamei o re-pórter Rogério e disse: “Você vai agora avisar a direção que a polícia está indo para lá”. O Rogé-rio foi, mas cometi um grande equívoco. Não me passou pela cabeça que o carro da Folha, com a sua logomarca na lataria, iria ser hostilizado pela segurança do Congresso. Resultado: o Zé Dirceu me disse depois que a notícia chegou à direção do Congresso, que eles podiam ter se safado, mas surgiu um problema de consciência: “e esses mil companheiros e companheiras que estão aqui?” Aí decidiram esperar, e deu no que deu, foram todos presos. Muitas vezes eu sabia de ações re-volucionárias antecipadamente e armava o jor-nal para isso, por isso que a Folha da Tarde era quem melhor cobria a esquerda na época. Bem, voltando ao período da saída da prisão, no fim de 73, e com muita pressão da família, da Igreja e da repressão para ir para fora do Brasil, me veio uma questão de consciência: “quando vou vol-tar? Quero lutar no Brasil, não se muda um país estando fora dele”. Por outro lado, “esses caras já me fizeram ficar preso o dobro do que eu mere-cia segundo eles. Não vou embora não, vou ficar aqui”. Então decidi ir para Vitória, que naquela época era uma cidade politicamente mais calma. Fui morar na favela de Santa Maria. Comprei um barraco lá, que está tombado, física e emocional-mente tombado. Lá mora uma amiga, a quem eu “vendi” por 50 reais com o acerto de que o dia que ela sair de lá eu tenho que ser a primeira pes-soa a quem ela vai oferecer o barraco.

Gabriela Moncau -

E você desenvolveu o quê em Vitória?

Fiquei cinco anos nessa favela fazendo trabalho de comunidades eclesiais de base em Vitória e assessorando a disseminação de CEBs em todo o país. Em 78 comecei a vir muito para São Paulo. Estava começando o processo de abertura, movi-mento sindical, movimovi-mento popular explodindo, me liguei a uma equipe de educação popular aqui de São Paulo, que existe até hoje, chamada

Ce-pis, Centro de Educação Popular do Instituto

Se-des Sapientiae. Trabalhei quinze anos no Cepis. A gente viajava todo o país, articulando movimen-tos populares, assessorando. Vim para São Paulo em 79 e fui para o ABC. Dom Cláudio era o bis-po e me nomeou como o resbis-ponsável pela Pasto-ral Operária. Fiquei vinte e dois anos na PastoPasto-ral Operária do ABC. Há duas coisas que todo mun-do pensa que eu sou e nunca fui: militante mun-do PT e padre. Nunca fui. Por que estou dizendo isso? Porque muita gente estranha. Como é que eu me tornei amigo do Lula e de outros? Por causa da Pastoral Operária, não por causa de partido, em-bora eu tenha ajudado muito a construção do PT. E todo balanço dessa experiência eu escrevi no li-vro A Mosca Azul - Refexão sobre o Poder. Logo que saí do governo fiz dois livros: um é um

balan-ço desse processo todo de quarenta anos de cons-trução do movimento social no Brasil; e um ou-tro é um diário dos dois anos que eu trabalhei no Planalto, chamado Calendário do Poder.

Hamilton Octavio de Souza -

Você

acompanhou o nascimento do PT e da CUT. Como vê esse processo?

O meu primeiro encontro com o Lula se deu em ja-neiro de 1980. E a fundação do PT estava marca-da para um mês depois. Chamei a atenção do Lula: “Olha, fundando o partido, vocês correm o risco de atropelar todo o movimento social”. E o Lula dis-se: “olha, você tem razão, e o que a gente faz?” Eu disse: “temos que fundar uma articulação de movi-mentos sociais e sindicais que garanta essa distân-cia, preservando a autonomia e independência dos movimentos sindicais e populares diante do PT”. Ele concordou e no início de fevereiro, antes da fundação do PT, fizemos outro encontro de onde saiu a famosa carta de João Molevade, que até hoje o Lula cita, porque foi muito bem feita no sentido de colocar as bases da relação partido, sindicato, movimento popular e Igreja muito claramente co-locando que são segmentos social e politicamen-te complementares. E aí, a Anampos foi fundada, Articulação Nacional de Movimentos Populares e Sindicais. Depois, com a fundação da CUT em 83, o “s” de sindicais passou a ser só o plural do Po-pulares. Em 90, fundamos a central de movimen-tos populares, que não se firmou como a CUT, mas, enfim, foi fundada. Hoje, vejo que foram duas fer-ramentas, junto com o MST, com vários movimen-tos populares, movimenmovimen-tos de mulheres, enfim, toda essa riqueza, que levaram o Lula à presidên-cia. Não foi a Carta aos Brasileiros, foi a articula-ção de brasileiros pobres, dos meios populares dos anos 70, 80 e 90. Foram trinta anos de um traba-lho muito sério de base, que o PT contribuiu muito. Hoje, lamento que, uma vez chegando ao governo federal, não tenha se mantido todo aquele discer-nimento elaborado nos documentos da Anampos. Em outras palavras, o governo federal cooptou uma parcela importante do movimento social brasileiro, entre eles, a CUT. Ao meu ver a CUT hoje representa muito mais o governo junto ao trabalhador do que os trabalhadores junto ao governo. E, por sua vez, o PT e um grupo hegemônico que o comanda tro-cou um projeto de Brasil por um projeto de poder. E isso eu analiso detalhadamente no livro A

Mos-ca Azul. A ponto de ao invés de se apoiar, apoiar a

sua governabilidade, como fez o Evo Morales, nos movimentos sociais no primeiro mandato do Lula esse apoio foi descartado e se buscou o tradicio-nal apoio do Congresso. Como o Congresso é do-minado por forças políticas tradicionalmente con-servadoras, contrárias a tudo aquilo que inspirou a criação e afirmação do PT, ele acabou refém des-sas forças conservadoras e isso é simbolizado hoje pela importância que o PMDB tem no processo de sucessão do Lula.

Lúcia Rodrigues -

E por que o governo Lula optou por essa saída?

Porque o governo Lula não percebeu a força social que tinha em mãos para implementar as reformas

de estrutura do País. Devo dizer com toda a clareza, considero o governo Lula o melhor da história re-publicana do Brasil. Segundo, Brasil, América Lati-na e mundo são melhores com o Lula do que sem o Lula, essa é a minha posição. E terceiro, quero que essa política implementada pelo governo Lula pros-siga, com todas as críticas que eu tenho, com todas as reservas que eu faço, principalmente no âmbito internacional e no que diz respeito às políticas so-ciais, embora lamente que Fome Zero criado pelo governo tenha sido assassinado pelo próprio go-verno. E no lugar de um programa que tinha um caráter emancipatório, se introduziu um programa de caráter compensatório que é o Bolsa Família. É bom? É bom, o Fome Zero era ótimo.

Tatiana Merlino -

Por conta dessa opção o governo teve que fazer muitas concessões?

Na minha opinião, a maior concessão que o go-verno fez é na parte econômica. Se a gente con-siderar que o governo joga através dos títulos da dívida pública quase trezentos bilhões de reais para fomentar a especulação no mercado finan-ceiro e apenas 44 bilhões na saúde, um pouco menos na educação. Então, é uma desproporção muito grande. Depois essa política de juros altos. Tem hoje uma dívida interna de 2 bilhões de reais, dívida externa tende a crescer. O Brasil se tornou o paraíso do capital especulativo. Louva-se, como se fosse um grande mérito, o fato do capital es-trangeiro vir ter esse afluxo para o Brasil, como se isso não tivesse um ônus sério a longo prazo, para este país. E, por outro lado, a principal crítica que eu tenho é que serão oito anos sem nenhuma re-forma estrutural, nem agrária, nem a tributária, nem a política, nem a da saúde, da educação. E, apesar disso, continuo achando que foi o melhor governo que tivemos, mas eu esperava mais.

Tatiana Merlino -

E como é que o senhor avalia a situação das forças de esquerda hoje no País?

Com muita preocupação. Primeiro, porque a queda do muro de Berlim abalou e desmobilizou o que eu chamo de esquerda ideológica, retoricamente ide-ológica. Aquela que conhecia toda a obra de Marx, de Engels, de Lenin, de Trotski, de Mao Tse-Tung, de Guevara, mas não conhecia o povo. Foi um alí-vio o muro de Berlim cair para essa gente, porque hoje eles se tornaram burgueses sem culpa. E há uma esquerda que vinha tendo como referência da sua postura pró-socialista favorecer a libertação dos pobres da pobreza, principalmente a esquerda de tradição cristã, a esquerda que fazia trabalho de base, que ia para a periferia, o pessoal das comu-nidades eclesiais de base das pastorais populares. Por exemplo, de onde resultou o MST, a Comissão Pastoral da Terra, o Cimi, essa esquerda continua e é o que restou da esquerda. E hoje, antigos com-panheiros da esquerda, fico indignado na maneira como eles professam em público com tanta con-vicção de que o capitalismo é humanizável, refor-mável. Ou seja, só há uma explicação para isso: é quando você troca o projeto de um povo, de eman-cipação de uma nação, por um projeto pessoal ou coletivo de poder. Aí faz uma série de concessões

Referências

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