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A Liberdade do Índio no Discurso da Companhia de Jesus no Brasil

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Academic year: 2021

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A LIBERDADE DO íNDIO NO DISCURSO

DA COMPANHIA

DE JESUS NO BRASIL

Aécio Feitosa

Durante todo o período de permanência dos Padres da Companhia de Jesus no Brasil (1549-1759), a obra que eles instalaram traz uma nota característica: o denodo, a coragem, a tenacidade e o pioneirismo com que se puseram a serviço da liberdade do índio.

Neste artigo, abordaremos este assunto dentro de um li-mite histórico bem preciso: o período compreendido entre 1549 e 1568. Este período corresponde aos primeiros dezeno-ve anos da formulação do discurso dos Jesuítas na colônia. Impomo-nos este limite por uma razão de ordem documental,

isto é, nosso interesse em examinar o problema a partir do estudo de diversas cartas escritas pelos Padres da Companhia durante o citado período (1).

Quando chegaram a Bahia os primeiros membros da Companhia de Jesus - aos 25 de março de 1549 -, contava já' a colônia com meio século de existência. Um projeto de colonização, cuja base econômica repousava na exploração da cana-de-açúcar, estava em execução. A escravidão negra e indígena assegurava a mão-de-obra necessária a este pro-jeto. Isto significa dizer que encontram os Jesuítas no Brasil uma sociedade agro-escravocrata, a sociedade das Casas-Grandes e das senzalas ou ainda uma sociedade const.tulda por uma minoria burguesa - a aristocracia dos senhores de engenhos - e por uma minoria sujeita aos caprichos e inte-resses mercantilistas desta minoria.

Por razões de ordem cultural que não cabem aqui ana-lisar

(2),

sabemos que o índio brasileiro, contrariamente ao Educação em Debate, Fort. (11) Ianeíro/Iunho: 1986

65

(2)

negro trazido da Africa, não se adaptou ao regime de

escra-vidão imposto pelos senhores da cana-de-açúcar. Ele sempre

resistiu a este regime e, sobre o tema, são abundantes as

crô-nicas coloniais.

Por meio século

(1500-1549),

a metrópole manteve uma

atitude silenciosa face à caça e ao aprisionamento do índio.

Este silêncio de Portugal era uma aprovação evidente de que

a metrópole compactuava com o regime em consideração. Em

conseqüência, ele favorecia a concentração de riquezas nas

mãos dos senhores de engenhos e, com estas riquezas, um

largo poder político que não só rivalizava com aquele da

me-trópole como ostensivamente desprezava-o.

Contudo, a partir da instalação do sistema de Governos

Gerais em

1549,

Portugal muda sua atitude. Neste ano

chega-va ao Brasil o primeiro Governador-Geral, Tomé de Souza.

Em sua bagagem trazia Tomé de Souza um documento

que consubstanciava esta mudança de atitude que lançava

um golpe mortal contra os interesses escravagistas indígenas

dos senhores de engenhos. Dissemos contra os interesses

escravaq.stas "indígenas" porque de fato em nenhum

mo-mento este documento eram os "Regimentos" ou, em

ou-do negro. Este ou-documento eram os "Regimentos" ou, em

ou-tras palavras, um conjunto de normas jurídic:-administrativas

estabelec.das para o governo da colônia. Junto com este

do-cumento trazia igualmente o Governador uma máquina

po-derosa que iria assumir a luta pela liberdade do índio. Esta

máquina eram os missionários da Companhia de Jesus.

Segundo os "Regimentos", razões de ordem religiosa

move-ram a metrópole a velar pela liberdade do índio. Todavia, um

exame mais acurado do documer.to face ao contexto da

colô-nia nos leva a constatar que interesses políticos também

es-tavam em jogo. Estes interesses se resumem numa tentativa de

Portugal em readquirir o poder concentrado nas mãos dos

se-nhores de cana-de-açúcar (3). Emprgamos o termo

"tentati-va" pcrque, na realidade, o poderio destes senhores se

man-teve intacto até meados do século XVIII, quando é substituído

por outro, o dos senhores da mineração (4).

No que toca à liberdade do índio, os "Regimentos" de

Tomé de Souza, aprovados aos 27 de dezembro de

1548,

reza:

"E!.J sou informado, diz o monarca D. João 111,que nas ditas

terras e povoações do Brasil há algumas pessoas que têm

navios e caravelões, e andam neles de umas Capitanias para

outras e que por todas as vias e maneiras que podem, sarteam

66

Educação em Debate, Fort. (11) Janeiro/Junho: 1986

e roubam os gentios". A seguir, decreta o Rei: "Hei por bem

que daqui em diante, pessoa alguma, de qualquer

qualida-de e cond.ção que seja, não vá saltear nem fazer guerra aos

gentios, por terra nem por mar". E, contra. aqueles que

des-respeitarem esta determinação, a penalidade é drástica: o

"perdimento" dos bens, cuja renda será revertida "metade

para a redenção dos cativos e a outra metade para quem o

acusar" (5).

O texto é muito claro dispensando comentários ou

inter-pretações.

I::

firme a vontade do monarca em salvaguardar a

liberdade do indígena a ponto de recompensar

economica-mente aqueles que denunciarem a prática da escravidão, junto

às autoridades competentes (metade da renda cabe a quem

denunciar esta prática).

Em termos teóricos, estava decretada a total liberdade do

índio no Brasil. Em termos políticos, era proclamada a luta

contra os interessas dos senhores de engenhos. Em termos

práticos, todavia, até

1568,

vinte anos após a aprovação do

documento, a única voz que na colônia se levantava

efetiva-mente em favor da liberdade do índio era a voz dos Padres da

Companhia. Com efeito, aos

19

de novembro deste ano, em

carta endereçada ao Superior Geral dos Jesuítas em Roma,

Padre Francisco de Borja, o Visitador da Companhia, Padre

lnác:o de Azevedo escrevia: nestas terras, "não há quem

de-fenda os índios senão os Padres da Companhia" (6).

Historicamente, o engajamento dos Jesuítas em prol da

causa indígena surge já na primeira carta que eles env.arn a

Portugal com data de

10

de abril de

1549.

Seu autor, o Padre

Manuel da Nobrega, comunica ao Provincial de Portugal,

Padre Simão Rodrigues: "temos determinado viver com as

aldeias" (7). Na segunda carta, também de Nobrega, que

data de 9 de agosto do mesmo ano, procura ele chamar a

atenção das autoridades da metrópole para o problema (8).

Desde então, são numerosas as correspondências dos

iria-cianos denunciando este mesmo problema e/ou propondo

rned.das concretas tendo em vista salvaguardar a liberdade

do índio.

Contudo, enquanto em termos objetivos a metrópole

va-cilava, os Padres da Companhia assumiam com denodo a

defesa dos direitos do indígena e isto, como vimos, a partir

da decisão de viverem "com as aldéias".

Está na origem desta decisão a instalação de diversos

aldeamentos organizados pelos Jesuítas. Motivos de ordem

(3)

negro trazido da Africa, não se adaptou ao regime de

escra-vidão imposto pelos senhores da cana-de-açúcar. Ele sempre

resistiu a este regime e, sobre o tema, são abundantes as

crô-nicas coloniais.

Por meio século

(1500-1549),

a metrópole manteve uma

atitude silenciosa face à caça e ao aprisionamento do índio.

Este silêncio de Portugal era uma aprovação evidente de que

a metrópole com pactuava com o regime em consideração. Em

conseqüência, ele favorecia a concentração de riquezas nas

mãos dos senhores de engenhos e, com estas riquezas, um

largo poder político que não só rivalizava com aquele da

me-trópole como ostensivamente desprezava-o.

Contudo, a partir da instalação do sistema de Governos

Gerais em

1549,

Portugal muda sua atitude. Neste ano

chega-va ao Brasil o primeiro Governador-Geral, Tomé de Souza.

Em sua bagagem trazia Tomé de Souza um documento

que consubstanciava esta mudança de atitude que lançava

um golpe mortal contra os interesses escravagistas indígenas

dos senhores de engenhos. Dissemos contra os interesses

escravaq.stas "indígenas" porque de fato em nenhum

mo-mento este documento eram os "Regimentos" ou, em

ou-do negro. Este ou-documento eram os "Regimentos" ou, em

ou-tras palavras, um conjunto de normas [uridicc-administrativas

estabelec.das para o governo da colônia. Junto com este

do-cumento trazia igualmente o Governador uma máquina

po-derosa que iria assumir a luta pela liberdade do índio. Esta

máquina eram os missionários da Companhia de Jesus.

Segundo os "Regimentos", razões de ordem religiosa

move-ram a metrópole a velar pela liberdade do índio. Todavia, um

exame mais acurado do documer.to face ao contexto da

colô-nia nos leva a constatar que interesses políticos também

es-tavam em jogo. Estes interesses se resumem numa tentativa de

Portugal em readquirir o poder concentrado nas mãos dos

se-nhores de cana-de-açúcar (3). Emprgamos o termo

"tentati-va" porque, na realidade, o poderio destes senhores se

man-teve intacto até meados do século XVIII, quando é substituído

por outro, o dos senhores da mineração (4).

No que toca à liberdade do índio, os "Regimentos" de

Tomé de Souza, aprovados aos 27 de dezembro de

1548,

reza:

"Eu sou informado, diz o monarca D. João 111,que nas ditas

terras e povoações do Brasil há algumas pessoas que têm

navios e caravelões, e andam neles de umas Capitanias para

outras e

que

por todas as vias e maneiras que podem, satteam

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Educação em Debate, Fort. (11) Janeiro/Junho: 1986

e roubam os gentios". A seguir, decreta o Rei: "Hei por bem

que daqui em diante, pessoa alguma, de qualquer

qualida-de e cond.ção que seja, não vá saltear nem fazer guerra aos

gentios, por terra nem por mar". E, contra. aqueles que

des-respeitarem esta determinação, a penalidade é drástica: o

"perdimento" dos bens, cuja renda será revertida "metade

para a redenção dos cativos e a outra metade para quem o

acusar" (5).

O texto é muito claro dispensando comentários ou

inter-pretações. É: firme a vontade do monarca em salvaguardar a

liberdade do indígena a ponto de recompensar

economica-mente aqueles que denunciarem a prática da escravidão, junto

às autorldaoes competentes (metade da renda cabe a quem

denunciar esta prática).

Em termos teóricos, estava decretada a total liberdade do

índlo no Brasil. Em termos políticos, era proclamada a luta

contra os interesses dos senhores de engenhos. Em termos

práticos, todavia, até

1568,

vinte anos após a aprovação do

documento, a única voz que na colônia se levantava

efetiva-mente em favor da liberdade do índio era a voz dos Padres da

Companhia. Com efeito, aos

19

de novembro deste ano, em

carta endereçada ao Superior Geral dos Jesuítas em Roma,

Padre Francisco de Borja, o Visitador da Companhia, Padre

lnác:o de Azevedo escrevia: nestas terras, "não há quem

de-fenda os índios senão os Padres da Companhia" (6).

Historicamente, o engajamento dos Jesuítas em prol da

causa indígena surge já na primeira carta que eles env'arn a

Portugal com data de

10

de abril de

1549.

Seu autor, o Padre

Manuel da Nobrega, comunica ao Provincial de Portugal,

Padre Simão Rodrigues: "temos determinado viver com as

aldeias" (7). Na segunda carta, também de Nobrega, que

data de 9 de agosto do mesmo ano, procura ele chamar a

atenção das autoridades da metrópole para o problema (8).

Desde então, são numerosas as correspondências dos

ina-cianos denunciando este mesmo problema e/ou propondo

rned.das concretas tendo em vista salvaguardar a liberdade

do índio.

Contudo, enquanto em termos objetivos a metrópole

va-cilava, os Padres da Companhia assumiam com denodo a

defesa dos direitos do indígena e isto, como vimos, a partir

da decisão de viverem "com as aldeias".

Está na origem desta decisão a instalação de diversos

aldeamentos organizados pelos Jesuítas. Motivos de ordem

(4)

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Educação em Debate, Fort. (11) Ianeírc/Iunho: 1986 Educação em Debate, Fort. (11) Ianeiro/Iunho: 1986

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religiosa revelam as cartas, moveram os inacianos na

implan-tação destas instituições, por sinal já previstas no texto dos "Regimentos" de Tomé de Souza (9). Embora estes motivos sejam evidentes, não restam dúvidas de que os aldeamentos concorreram positivamente para o enfraquecimento do poder dos senhores de engenhos. Daí, certamente, uma das razões do apoio irrestrito conferido a estas instituições pelas auto-ridades políticas da metrópole e da' colônia (10).

Os aldeamentos constituiram a medida mais objetiva usa-da pelos Padres da Companhia visando preservar a liberdade do indígena. Neles construiram os missionários uma base eco-nômica e jurídico-religiosa muito sólida, congregando índ'os de várias tribos (11), estabelecendo um regime de

"proteto-rado" (12), organizando a vida econômica dos aborígi-nes

(13),

nomeando "superintendentes" com atribuições jurí-dicas (14), instalando confrarias (15), acolhendo índios fugiti· vos dos engenhos

(16),

e, coordenando dezenas, centenas e

até milhares deles (17).

No mais, em prol da defesa do índio não hesitam mesmo os Jesuítas em fechar as portas de suas igrejas e negar os Sacramentos aos colonos escravaq.stas (18), prática, por sinal, também utilizada à esta época por outras Ordens Religiosas, como os Dorninicanos, entre os indígenas do México

(19).

Nestas circunstâncias, como não poderia deixar de acon-tecer, foram freqüentes os mal-entendidos registrados entre os senhores de engenhos e os Padres da Companhia (20).

Aqueles, dizem as cartas, iam às praças públicas ameaçar os Jesuítas, acusá-Ios de escravagistas e, conforme escreve o

Padre Antonio Blazquez, "com suas espadas desembainha-das" penetravam as residências dos missionários enquanto outros dizimavam completamente alguns aldeamentos (21).

Estamos assim diante de uma luta aberta onde estão em jogo interesses religiosos, econômicos e políticos (22).

A esta luta permaneceram sempre fiéis os Padres Jesuí-tas. Durante o período histórico aqui em estudo, vários lna-cianos se destacam de forma especial nesta luta. Entre ou-tros, citamos os nomes dos Padres Manuel da Nóbrega, Azpi-cuelta Navarro, José de Anchieta, Ambrósio Pires, Gregório Serrão, Luis da Grã e o Irmã') Pero Correia.

No transcorrer do século XVII, quando a obra [ssultlca se estende da Bahia a Amazônia, outros nomes integram esta galeria de homens engajados à toda prova em defesa do índio. No Ceará, por exemplo, lembramos os nomes dos Padres

Francisco Pinto e Luiz Figueira

(23).

No

Maranhão,

surge o nome de um Padre Antonio Vieira (24).

Em resumo, durante todo o período de permanência da Companhia de Jesus no Brasil seu discurso foi um programa de ação posto ao serviço da liberdade do índio, constrtuindo c fato um dos motivos que levaram Sebastião de Carvalho e Meio (Marquês de Pombal) a decretar a expulsão dos missio-nários da colônia em 1759.

Notas

e

Referências Bibliográficas

1) Um estudo mais comple:o destas cartas apresentamos recentemente à Universidade Católica de Louvain (Bélgica) tendo em vista a obten-ção do título de doutoramen.o em Ciências da Educação. Este es,

tudo traz por título Letires des Jésuiles: une con:ribulion à I'His-loire de l'Éducation au BrésiL Universidade Católica de Louvain, 1984.

2) Sobre o assunto ver Josué de Cas ro - Géographie de Ia Faim. edi-ções Seuil, Paris. 1964, p. 11.. Gilberto Freyre - Maítres et Esclaves; edições Gallimard, Paris, 1974, p. 176. Sérgio Buarque de Holanda - Raizes do BrEl3i1,13a. edição, Livraria José Olymp.o Editora, Rio de Janeiro, 1979,p. 17. Manoel Maurício de Albuquerque - Pequena His_ória da Formação Social Brasileira, edições Graal Ltda., Rio de Janeiro, 1981, p. 28.

3) No que toca a este problema ver Nelson Werneck Sodré - Formação Histórica do Brasil,

sa

edição, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro,

1976, p. 80.

4) Esta queda da aristocracia açucareira coincide com a perda do mono-pólio econômico do açucar por Por.uqal, Com efeito, neste período,

apoiada por sua Revolução Industrial, a Inglaterra, que era a maior compradora do açúcar português, adquire a hegemonia da explora-ção e venda deste produto no mercado ln.ernacicnal.

5) "Regimentos" do Governador Tomé de Souza. citado por Serafim Leite in Monumen-a Bras:tiae,vol. I, Roma,1956; p. 6.

6') Seratim Leite - Monumenla BrasiJiae,vol. IV, Roma,1960, p. 370.

7) Serafim Leite - Monumenla BrasiliSJe,vol. I, opus citop. 112.

8) Monumenla Brasil:tJe.opus cit., vol. I, p. 123.

9) Ver texto do documento in Monumenla Brasillae, opus cito vol. I,

p. 6, 7.

10} Quanto a este apoio ver Monumenla Brasiliae, opus citovol. I, p. 175;

Monumen a Brasiliae, vol. 11, São Paulo, 1954; p. 466; Monumentm Brasiliae, vol. 111,Roma,1958;p. 16, 86, 255, 418;Monumenla Brasl-Iiae, vol. IV, Roma;1960, p. 354 a 357, 359, 360.

(5)

religiosa revelam as cartas, moveram os inacianos na i mplan-tação destas instltulçôes, por sinal já previstas no texto dos "Regimentos" de Tomé de Souza (9). Embora estes motivos sejam evidentes, não restam dúvidas de que os aldeamentos concorreram positivamente para o enfraquecimento do poder dos senhores de engenhos. Daí, certamente, uma das razões do apoio irrestrito conferido a estas instituições pelas auto-ridades políticas da metrópole e da' colônia (10).

Os aldeamentos constituiram a medida mais objetiva usa-da pelos Padres da Companhia visando preservar a liberdade do indígena. Neles construiram os missionários uma base eco-nômica e jurídico-religiosa muito sólida, congregando índ'os de várias tribos (11), estabelecendo um regime de "

proteto-rado" (12), organizando a vida econômica dos aborígi-nes (13), nomeando "superintendentes" com atrlbuições jurí-dicas (14), instalando confrarias (15). acolhendo índios fuqitl

-vos dos engenhos

(16),

e, coordenando dezenas, centenas e até milhares deles (17).

No mais, em prol da defesa do índio não hesitam mesmo os Jesuítas em fechar as portas de suas igrejas e negar os Sacramentos aos colonos escravaq.stas (18), prática, por sinal, também utilizada à esta época por outras Ordens Religiosas, como os Dorninicanos, entre os indígenas do México (19).

Nestas circunstâncias, como não poderia deixar de acon-tecer, foram freqüentes os mal-entendidos registrados entre os senhores de engenhos e os Padres da Companhia (20). Aqueles, dizem as cartas, iam às praças públicas ameaçar os Jesuítas, acusá-los de escravagistas e, conforme escreve o

Padre Antonio Blazquez, "com suas espadas

desembainha-das" penetravam as residências dos missionários enquanto

outros dizimavam completamente alguns aldeamentos (21).

Estamos assim diante de uma luta aberta onde estão em jogo interesses religiosos, econômicos e políticos (22).

A esta luta permaneceram sempre fiéis os Padres Jesuí-tas. Durante o período histórico aqui em estudo, vários lna-cianos se destacam de forma especial nesta luta. Entre ou-tros, citamos os nomes dos Padres Manuel da Nóbrega, Azpi-cuelta Navarro, José de Anchieta, Ambrósio Pires, Gregório Serrão, Luis da Grã e o Irmã? Pero Correia.

No transcorrer do século XVII, quando a obra jesuítica se estende da Bahia a Amazônia, outros nomes integram esta galeria de homens engajados à toda prova em defesa do índio.

No Ceará, por exemplo, lembramos os nomes dos Padres

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Educação em Debate, Fort. (11) Janeiro/Junho: 1986

Francisco Pinto e Luiz Figueira (23). No Maranhão, surge o nome de um Padre Antonio Vieira (24).

Em resumo, durante todo o período de permanência da Companhia de Jesus no Brasil seu discurso foi um programa de ação posto ao serviço da liberdade do índio, constrtuindo c fato um dos motivos que levaram Sebastião de Carvalho e Meio (Marquês de Pombal) a decretar a expulsão dos mi ssio-nários da colônia em 1759.

Notas

e

Referências Bibliográficas

1) Um estudo mais cornple:o destas cartas apresentamos recentemente à Universidade Católica de Louvain (Bélgica) tendo em vista a obten-ção do titulo de doutoramen.o em Ciências da Educação. Este es_ tudo traz por titulo Lettres des Jésuites: une con:ribution à I'His-tolre de I'Éducation au Brésil. Universidade Católica de Louvain, 1984.

2) Sobre o assunto ver Josué de Cas ro - Géographie de Ia Faim. edi-ções Seuil, Paris. 1964,p. 11.. Gilberto Freyre - Maílres et Esclaves; edições Gallimard, Paris, 1974, p. 176. Sérgio Buarque de Holanda - Raizes do Brmil. 13a.edição, Livraria José Olymp.o Editora, Rio de Janeiro, 1979,p. 17. Manoel Mauricio de Alhuquerque - Pequena Hls.ôrla da Formação Social Braslleira, edições GraaJ Ltda., Rio de Janeiro, 1981, p. 28.

3) No que toca a este problema ver Nelson Werneck Sodré - Formação Histórica do Brasil, sa, edição, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro,

1976, p. 80.

4) Esta queda da aristocracia açucareira coincide com a perda do mono-pólio econômico do açucar por Por.ugal. Com efeito, neste período,

apoiada por sua Revolução Industrial, a Inglaterra, que era a maior compradora do açúcar português, adquire a hegemonia da explora-ção e venda deste produto no mercado in.smaclonal.

5) "Regimentos" do Governador Tomé de Souza. citado por Serafim Leite in Monumen'a Bras:liae, vol. I, Roma,1956; p. 6.

6') Seratim Leite - Monumenta Brasiliae, vol. IV, Roma,1960, p. 370.

7) Serafim Leite - Monumenta Brasililne,vol. I, opus cito p. 112.

8) Monumenta Bre.sil:BJe.opus cit., vcl. I, p. 123.

9) Ver texto do documento in Monumenta Brasiliae, opus cit. vol, I,

p. 6, 7.

10) Quanto a este apoio ver Monumenta Brasiliae, opus cit. vot, I, p. 175;

Monumen a Brasiliae, vol, li, São Paulo, 1954; p. 466; Monumentm Brasiliae, vol, 111, Roma, 1958;p. 16, 86. 255. 418; Monumenla Brasl-llae, vol, IV, Roma; 1960,p. 354 a 357. 359, 360.

(6)

11) Monumenla BrasiHae,opus citovol. I, p. 496.

12) Monumenta Brasil!ae, opus citovol, I, p. 157,175; Monumen:a Brasl-Iié"'.e"vol. IV, p. 360

13) Monumenta Brasiliae,opus citovol. I, p. 126,127,135. 148. 319,,,52;

Monumenla Brasiliae,vol. 11, p. 112, 282, 291. 323. 14) Monumen"a Braelllae, opus citovol. IV, p. 188; 190; 194.

15) Monumenla Brasiliae, opus clt, vol. li, p. 103; Monumenla Bras;lim!!,

vcl. IV, p. 312.

16) Monumen'a Breslllae, opus citovol. I, p. 437.

17) Monumenla Brasil'ae, opus citovot. 111, p. 126, 430, 467, 483, 503;

IMonumenla Brasiliae, opus citovol. IV, p. 6, p. 444.

18) Monumenl~ Brasiliae, opus cito vol. li, p. 399; Monumenla Bras:liae, vol. 111, p. 66, 80.

19) Sobre o assunto ver A. Vacante ou.ros - DicUonnaire de Théologie

Catholique,Tomo V, Livraria Letouzay e Ané, Paris; 1939;p. 494. 20) Quanto a estes mal-entendidos ver John Hemming- Red.Gold: lhe

conquesl of brazilian indians, edições Camelot Press t.tda, Grã Breta-nha, 1978,p. 33.

21),MO'numenta Brasiliae, opus cit., vol. 11. p. 434-435.

22) Esta lu.a, afirmam diversos escritores contemporâneos,revelam que a obra dos aldeamen.os foi instalada pelos Padresda Cornpanh.a tendo em vista interesses de ordem material, econômica e aé mesmo po, Iítica por parte dos Jesuítas, Sobre o assunto ver Te6filo Braga -História da Universidade de Coimbra,Tomo 111, Lisboa, 1898, p. 329; Mário Domingos - O Marquês de Pombal: o homem e sua époea, 3a. edição, Livraria Romano Torres, Lisboa, 1970 p. 15b-157; 159; lzabel Ribeiro Freire - Le Systeme ScolaLre Brésilien: une approche socio-hlstorlque, tese de doutoramento, Universidade Catól.ca de t.ou, vain (Bélgica), 1982.p. 71" Contrariando a estes autores ver Serafim Lite História da Companhia de Jesus no Brasil, Instituto Nacional do Livro (Rio de Janeiro) e Livraria Portugália (Lisboa), 1943,Tomo li, Livro I, p. 92.

23) Quanto à obra destes missionários no Ceará ver Aécio Foitosa - Les Jésui.es dans Ia Capitainerie du Ceará (Brésil), Universidade Cat6lica de Louvain (Bélgica), 1982.

24) Sobre o assunto ver J. Lúcio de Azevedo - Cartas do PadreAntonio

Vieira, Imprensa Nacional Lisboa, 1970,vol, I; p.299-301; 327; 414.423. Ver igualmente a obra de Serafim Leite - His.érla da Companhia de Jesus no Brasil.

70

Educação em Debate, Fort. (11) Ianeiro/Iunho: 1986

REPENSANDO PROGRAMAS DE DIDÁTICA

Meirecele Caliope Leitinho

INTRODUÇÃO

Este é um secundo artigo de uma série que pretendemos

escrever sobre a "Didática em Questão", tema de três

seminá-rios nacionais já realizados no sul do país.

No primeiro artlqo - "Repensando Conduções em

Didá-tica" (1980), publicada na Revista

Educação em Debate,

(*) da

UFC, sumariamos as principais idéias contidas na nossa tese

de rnestrado propondo nova condução para o aluno de Di

dá-tica, baseada numa relação dialógica entre professor, aluno e

processo ensino-aprendizagem.

Neste artigo relataremos os dados obt'dos em um dl

aq-nóstico sobre os programas de Dldática executados pelas IES

do Estado do Ceará.

Para situar o le'tor no contexto do debate ora existente

no país sobre a "Didática em Questão", colocamos algumas

idéias que têm fundamento nesta discussão.

Em primeiro lugar; citamos Saviani (1980-p. 6'0) quando

afirma:' "para que os educandos possam exercer uma ação

pedagógica eficaz, seu processo de formação deverá ter como

preocupação básica desenvolver uma aguda consciência da

realidade em que vão atuan proporcionando uma adequada

fundamentação teórica e uma satisfatória instrum=ntallzação

técnica". Tal afirmação nos leva a uma percepção nítida sobre

a proposta educacional vigente nas instituições formadoras de

profissionais para a educação, que embora teoricamente

com-(*) Educação em Debate. V, 4, n.o 4, 1980; pág. 5-10.

Referências

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