CAPÍTULO 4
EXPERIMENTO E DADOS
4.1 CLIMATOLOGIA DA REGIÃO AMAZÔNICA
O clima da região amazônica é uma combinação de vários fatores, sendo a disponibilidade de energia solar o mais importante para os processos de superfície. Medidas realizadas na Amazônia Central indicam que os maiores totais de radiação que chegam à superfície ocorrem nos meses de setembro e outubro, enquanto os mínimos ocorrem entre dezembro e fevereiro. Essa distribuição é controlada pela nebulosidade oriunda da migração SE/NW da convecção amazônica (Horel et al., 1989). Devido aos altos valores de energia que incidem na superfície, o comportamento da temperatura do ar mostra uma pequena variação ao longo do ano, com exceção da parte mais ao sul, que sofre a ação de sistemas frontais. A amplitude térmica sazonal é da ordem de 1-2ºC, com valores entre 24 e 26ºC.
A precipitação é um dos elementos climáticos mais importantes a ser analisado na região tropical, já que induz as características de outros elementos, tais como temperatura, umidade relativa e vento. A região amazônica apresenta uma precipitação média de aproximadamente 2.300 mm ano-1. O período de chuvas ou forte atividade convectiva na região ocorre entre novembro e março, sendo o período entre maio e setembro o mais seco (Fisch et al. 1998).
Segundo Fisch et al. (1998), o balanço hídrico na região amazônica é difícil de ser calculado, devido principalmente à falta de continuidade espacial e temporal das medidas de precipitação. Salati et al. (1979) concluíram que a precipitação na região amazônica é uma composição da quantidade de água evaporada localmente (evapotranspiração), adicionada a uma contribuição oriunda do Oceano Atlântico. Deste
modo, 50% do vapor d’água que precipita pelas nuvens é gerado localmente, sendo o restante importado para a região pelo fluxo atmosférico proveniente do Oceano Atlântico. Marques et al. (1980) estimaram o balanço de água na Amazônia EUAndo a divergência do fluxo de vapor d’água, tendo concluído que 52% da precipitação na região entre Belém e Manaus provém do Oceano Atlântico e os 48% restantes é reciclada localmente. A evapotranspiração da floresta na região amazônica tem sido objeto de vários estudos, como por exemplo por Villa Nova et al. (1976), Shuttleworth et al. (1987), e Gash e Shuttleworth (1991). De modo geral, as estimativas indicam valores de evapotranspiração real média variando entre 4,0 e 4,5 mm dia-1, variações sazonais decorrentes da existência ou não de chuvas.
4.2 ÁREAS EXPERIMENTAIS
Para realização do presente estudo efetuou-se uma campanha experimental para coleta de dados no período de 27/07/1999 a 19/08/1999. A campanha foi realizada em dois sítios experimentais localizados na Amazônia Central: na área experimental do Projeto SHIFT (EMBRAPA) e na Reserva Florestal Ducke, ambos próximos à cidade de Manaus. Uma descrição das duas áreas experimentais será dada a seguir.
4.2.1 ÁREA EXPERIMENTAL DO PROJETO SHIFT
A área experimental do projeto SHIFT (2º52’S; 59º59’W) está localizada em uma região de terra firme no campus do Centro de Pesquisa Agroflorestal da Amazônia CPAA, EMBRAPA, situado a 30 Km ao norte da cidade de Manaus (Figura 4.1). O solo é um Latossolo amarelo muito argiloso, de acordo com a classificação brasileira, bem como se caracteriza por apresentar valores de pH em torno de 4,5 e baixo conteúdo de nutrientes. Inicialmente, a área experimental do CPAA surgiu do desmatamento da floresta primária, realizado em 1980 com a finalidade de se fazer um plantio experimental de seringueira (Havea brasiliensis), sendo, logo em seguida, abandonada.
secundária, resultante do abandono do cultivo de seringueira, foi desmatada manualmente e queimada a forma tradicional. Durante o período chuvoso da região entre os anos de 1992 e 1993, estabeleceu-se um novo sistema experimental de plantio.
Localização da Área Experimental do Projeto SHIFT
América do Sul, mostrando as cidades de Manaus, Brasília e a localização da
área do projeto SHIFT
Imagem Landsat 5 -NASA (TM) do dia 20/09/95 Resolução de 30m, destacando a cidade de Manaus, Reserva Florestal Ducke (INPA ) e a
área Experimental do Projeto SHIFT .
Vista aérea da área experimental do Projeto SHIFT . Em destaque a Floresta Amazônica
N
Fig. 4.1 Localização da área experimental do Projeto SHIFT no campus do Centro de Pesquisas Agroflorestal da Amazônia Ocidental – CPAA da EMBRAPA. Em destaque a Floresta Amazônica contornando a área do Projeto SHIFT.
No início foram plantadas no campo experimental quinze espécies de plantas úteis (Tabela 4.1), em quatro diferentes sistemas de policultivos e quatro sistemas de monoculturas (seringueira, cupuaçu, citros e pupunha) (Figura 4.2). Culturas anuais perenes foram plantadas entre as fileiras das árvores, além de uma planta de cobertura do solo (Pueraria phaseoloides). A escolha das culturas baseou-se principalmente em projeção do mercado atual.
TABELA 4.1 – ESPÉCIES DE PLANTAS, E RESPECTIVAS UTILIDADES, CULTIVADAS NO CAMPO EXPERIMENTAL DO CENTRO DE PESQUISA
AGROFLORESTAL DA AMAZÔNIA A PARTIR DO ANO DE 1992
PLANTAS ÚTEIS
Nome Comum Nome Científico Família Utilidade
Seringueira Havea brasiliensis Euphorbiaceae borracha e óleo
Cupuaçu Theobroma
grandiflorum
Sterculiaceae polpa (suco, sorvete) e
sementes (chocolate)
Pupunha Bactris gasipaes Arecaceae palmito, frutos, ração,
corantes e tecidos Castanha do Brasil Berthollecia excelsa Lecythidaceae castanha, madeira
Urucum Bixa orellana Bixaceae corantes, bronzeador
Coco Cocos nucifera Arecaceae óleo, leite de coco, fibras
Citros Citrus sinensis Rutaceae frutos, óleo
Paricá Schizolobium
amazonicum
Caesalpiniaceae madeira, carvão
Mogno Swietenia
macrophylla
Meliaceae madeira
Andiroba Carapa guianensis Meliaceae madeira, óleo
Mamão Carica papaya Caricaceae fruta
Mandioca Manihot esculenta Euphorbiaceae amido, folhas, alimentação
Feijão Vigna sinensis Fabaceae ração, amido, alimentação
Milho Zea mays Poaceae amido, óleo comestível,
ração
Puerária Pueraria
phaseoloides
Fabaceae planta de cobertura
(vegetação espontânea) Outras espécies da floresta secundária e ervas daninhas (gramíneas) estão presentes na área. A espécie dominante é Homolepis aturensis
Fig. 4.2 - Área experimental do Projeto SHIFT apresentando ao fundo a parcela de policultivo.
O diagrama da Figura 4.3 ilustra os quatro sistemas de policultivos cultivados na área experimental do Projeto SHIFT. O sistema 1 é um sistema de plantio intensivo, com pouco espaço entre as fileiras. Nos sistemas 2 e 3 foram deixados mais espaços entre as fileiras, os quais podem ser utilizados para culturas anuais. O sistema 4 é o mais extensivo entre os sistemas utilizados no Projeto: as espécies plantadas produzem madeira e, entre as árvores plantadas, há vegetação secundária. Nos sistemas 3 e 4 e nas monoculturas foi semeada a vegetação de cobertura. A Figura 4.4 apresenta a distribuição espacial das parcelas na área experimental no CPAA.
Sistema 1 2,5 2,5 2,5 2,5 2,5 2,5 2,5 ---S---M---P---M---C---M---P---M--->> 4 | 2 | 2 | 2 | 6,4 | 2 | 2 | 2 | S M P M C M P M Sistema 2 4 4 4 4 4 4 4 4 4 ---B---U---C---P---B---U---C---P--->> 7 | 4 | 6,4 | 2 | 7 | 4 | 6,4 | 2 | C U B P C U B P Sistema 3 4 5 5 7 6 5 5 7 4 ---S---C---Co---Z---S---C---Co---Z--->> 4 | 6,4 | 3 | 6 | 4 | 7 | 8 | 5 | S T Co Z S T Co Z Sistema 4 4 10 10 10 10 4 ---S---MG---PC---A---S--->> 4 | 7 | 4 | 7 | 4 | PC A S M C
Fig. 4.3 – Diagrama dos quatros sistemas de policultivos na área experimental do projeto SHIFT no campus do CPAA – EMBRAPA. (A = Andiroba, B = Castanha do Brasil, C = Cupuaçu, K = Côco, Mg = Mogno, M = Mamão, P = Pupunha, PC = Paricá, S = seringueira, U = Urucum, Z = Citros.
Fig. 4.4 - Distribuição das parcelas de plantio na área experimental do Projeto SHIFT no campus do Centro de Pesquisas Agroflorestal da Amazônia Ocidental - CPAA (EMBRAPA
4.2.2. ÁREA EXPERIMENTAL DA RESERVA DUCKE
A Reserva Florestal Ducke (2º57’S, 59º57’W) é uma área de proteção ambiental pertencente ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA, localizada a 25 km a nordeste da cidade de Manaus, estando 80 m acima do nível do mar. O dossel médio da floresta está a 35 m de altura, porém algumas árvores chegam a alcançar 40 m. Nesta reserva encontra-se uma torre de 45 m de altura para coleta de dados meteorológicos. As espécies mais altas encontradas na área em torno da torre são: Piptadenia suaveolens Miq., Licania micrantha Miq., Bocoa viridiflora (Ducke Cowan), Naucleopsis glabra Spruce ex Baill, e Enterolobium schomburgkii Benth. Outras espécies encontradas na floresta estão descritas na Tabela (4.2). A topografia do dossel no local da Reserva é suavemente ondulada, com ondulações de mais ou menos 10 m de profundidade e que ocorrem a intervalos de aproximadamente 300 m. Cerca de 75% da Reserva é coberta por floresta natural e a topografia no topo do dossel é ondulada pelo crescimento diferencial da vegetação (Santos Alvalá, 1993). As condições de pista na direção preferencial são boas, com a floresta estendendo-se por mais de 2 quilômetros em qualquer das direções. Informações sobre a Reserva e a sua vegetação podem ser vistas em Shuttleworth et al. (1984a), Roberts et al. (1990) e Gash et al. (1996).
TABELA 4.2 - ALGUMAS ESPÉCIES CARACTERÍSTICAS DA FLORESTA DENSA (RESERVA DUCKE)
Nome científico Família
Anacardium giganteum Hancock ex Engl. Anacardiaceae
Aniba canelilla (H.B.K) Mez Lauraceae
Bertholletia excelsa H.B.K Lecythidaceae
Brosimum parinarioides Ducke Moraceae
Caryocar glabrum (Aubl.) Pers. Caryocaraceae
Cedrela odorata L. Meliaceae
Dinizia excelsa Ducke Leguminosae
Goupia glabra Aubl. Celastraceae
Hymenaea courbaril L. Leguminosae
Lecythis usitata Miers Lecythidaceae
Manilkara bidentata (A.DC.) A. Chev. Sapotaceae
Parkia multijuga Benth Leguminosae
Peltogyne catingae Ducke Leguminosae
Sacoglottis guianensis Benth Humiriaceae
Simaruba amara Aubl. Simarubaceae
Tachigaglia spp. Leguminosae
Vouacapoua americana Aubl. Leguminosae
4.3 DADOS E INSTRUMENTAÇÃO
4.3.1 POLICULTIVO
Para a coleta dos dados necessários ao estudo, utilizou-se um mastro de 12 m de altura e 0,15 m de largura, o qual foi colocado próximo ao centro de uma das parcelas da área de policultivo, considerado como tendo 100% de fertilidade (tipo 2b). Neste mastro foram instalados sensores para medidas de radiação global incidente e refletida, radiação fotossinteticamente ativa incidente e refletida, radiação de onda longa emitida pela atmosfera e pela superfície, saldo de radiação, temperaturas de bulbo seco e úmido, velocidade e direção do vento, tanto no dossel (12 m), quanto próximo à superfície do solo (1,3 m). No nível superior foram instalados os seguintes instrumentos: 2 piranômetros (CM11 - Kipp & Zonen, Holanda) para medir radiação global incidente e refletida (erro de ±10W m-2), um saldo radiômetro (REBS, Seattle, EUA), outro saldo radiômetro (CNR1 - Kipp & Zonen, Holanda) para medida das quatros componentes do balanço de radiação (erro de ±10% na média diária), 2 sensores quantum (LI-COR, Nebraska, EUA) para medir radiação fotossinteticamente ativa incidente e refletida (erro de ±5%), um psicrômetro aspirado, composto por um termômetro de bulbo úmido e outro de bulbo seco de resistência de platina (Didcot Instuments, Abingdon, RU) com uma precisão de ± 0,1°C (Instituto de Hidrologia). A velocidade e à direção do vento foram medidos por uma anemômetro da RM Young, EUA (com erro de ±20% na direção do vento).
Próximo à superfície (1,3 m) foram instalados os seguintes instrumentos: 2 piranômetros (CM11 - Kipp & Zonen, Holanda) para medir radiação global incidente e refletida, um saldo radiômetro (REBS, Seattle, EUA), 2 sensores quantum (LI-COR, Nebraska, EUA) para medir radiação fotossinteticamente ativa incidente e refletida, 1 psicrômetro aspirado (Instituto de Hidrologia, RU) com composição similar à descrita anteriormente e um anemômetro (Met One, EUA) para medir a velocidade do vento.
A precipitação total foi medida próximo à área de policultivo, no Campus do Centro de Pesquisa Agroflorestal da Amazônia, onde encontra-se instalada uma estação climatológica convencional.
4.3.2 FLORESTA
Na Reserva Ducke, os instrumentos de radiação foram montados no topo da torre de 45 m, na extremidade de uma haste de 3,5 m de comprimento. O conjunto foi composto por: 2 piranômetros (CM11 - Kipp & Zonen, Holanda) para medir radiação global incidente e refletida, um saldo radiômetro (REBS, Seattle, EUA), 1 sensor quantum (LI-COR, Nebraska, EUA) para medida da radiação fotossinteticamente ativa incidente e 1 psicrômetro similar àquele instalado na área de policultivo. Dentro da floresta, a uma altura de 6,5 m, foram instalados os seguintes sensores: 2 piranômetros (CM11 - Kipp & Zonen, Holanda), um saldo radiômetro (REBS, Seattle, EUA), 2 sensores quantum (LI-COR, Nebraska, EUA) e 1 psicrômetro aspirado (Instituto de Hidrologia, RU), similar aos acima mencionados.
4.4 AQUISIÇÃO DOS DADOS
Para a aquisição dos dados, utilizou-se 2 datalogger 21X e 2 datalogger CR10 da Campbell Scientific, Inc. Os dataloggers foram programados para ler os sensores a cada 10 segundos e a cada 10 minutos fazer uma média de todos os parâmetros medidos no experimento.