Maria de F´atima Almeida Baia
Livia Oushiro
Ivanete Bel´em do Nascimento
(organizadoras)
Anais
do XII e XIII Encontros
Descri¸c˜
ao e An´
alise Preliminar dos
Pronomes Pessoais em
Pykobjˆ
e-Gavi˜
ao (Timbira)
Talita Rodrigues da Silva
∗
Resumo
Segundo Rodrigues (2002:49), o Pykobjˆe-Gavi˜ao constitui uma das sete l´ınguas membros do grupo ´et-nico Timbira (Tronco Macro-Jˆe, Fam´ılia Jˆe). O povo homˆonimo aprende o Pykobjˆe-Gavi˜ao como l´ıngua materna. Atualmente, ele ´e falado por cerca de seiscentas pessoas, divididas em quatro aldeias, situadas na micro-regi˜ao de Imperatriz (Maranh˜ao-MA). Ao longo deste artigo, buscaremos descrever e analisar alguns aspectos morfossint´aticos e pragm´aticos de uma das classes de palavras distingu´ıveis em Pykobjˆe-Gavi˜ao, isto ´e, a classe fechada dos pronomes. Descreveremos os usos apenas de pronomes pessoais, que, por sua vez, dividem-se em: pronomes dependentes, pronomes independentes e pronomes enf´aticos. Veremos que os pronomes dependentes sempre se manifestam prefixados a uma base lexical nominal, verbal, ou, ent˜ao, prefixados a uma part´ıcula marcadora de Caso ergativo ou dativo. A ergatividade, em Pykobjˆe-Gavi˜ao, ´e cindida, tendo seu uso canˆonico relacionado ao tempo passado. Os pronomes inde-pendentes tendem a se relacionar aos demais tempos, isto ´e, presente e futuro, sempre fonologicamente independentes da base lexical mais pr´oxima. J´a os pronomes enf´aticos podem aparecer em quaisquer tempos, desde que a fun¸c˜ao de foco precise ser marcada. Seus usos mais atestados s˜ao em resposta simples a um pergunta cujo enfoque esteja no sujeito ou em foco contrastivo de sujeito sentencial. Por fim, observaremos que os pronomes pessoais do Pykobjˆe-Gavi˜ao se distinguem nas marcas de pessoa (1a
, 2a
e 3a
) e de n´umero (singular e plural), com a singularidade de apresentar oposi¸c˜ao entre 1a
pessoal plural inclusiva e 1a
pessoa plural exclusiva.
Palavras-chave: L´ıngua ind´ıgena brasileira; Tronco lingu´ıstico Macro-Jˆe; Grupo Timbira; Pronomes pessoais.
∗ Departamento de Letras Cl´assicas e Vern´aculas da Universidade de S˜ao Paulo (DLCV-USP). Este
trabalho foi realizado a partir da pesquisa de mestrado intitulada “Descri¸c˜ao e an´alise morfossint´atica do nome e do verbo em Pykobjˆe-Gavi˜ao (Timbira)”, financiada pela FAPESP (Processo: 2009/03812-0). E-mail: talita.rodrigues.silva@usp.br.
Pronomes Pessoais em Pykobjˆ
e-Gavi˜
ao (Timbira)
143
Os pronomes pessoais em Pykobjˆ
e-Gavi˜
ao
(Timbira), uma abordagem morfossint´
atica
Para o entendimento da classe dos pronomes, Schachter (2007) esclarece:
O termo proforma ´e um termo para cobrir diversas classes de
pala-vras fechadas que, dentro de certas circunstˆancias, s˜ao usadas como
substitutas para palavras pertencentes a classes abertas, ou para
constituintes maiores. De longe, o tipo mais comum de pr´o-forma
´e o pronome, uma palavra utilizada como substituta para um nome
ou um sintagma nominal. V´arios subtipos de pronomes podem ser
distinguidos, entre eles, pronomes pessoais, reflexivos, rec´ıprocos,
de-monstrativos, indefinidos e relativos.
1(Schachter 2007:24. Tradu¸c˜ao
nossa.)
2O Pykobjˆe-Gavi˜ao apresenta trˆes subtipos de pronomes pessoais:
prono-mes prefixais ou dependentes (ligam-se a uma part´ıcula, a um verbo ou a um
nome), pronomes livres ou independentes e pronomes enf´aticos.
3O pronome dependente (doravante PD) ´e o que cobre o maior n´umero de
contextos em Pykobjˆe-Gavi˜ao. Um PD pode aparecer prefixado a part´ıculas
marcadoras de Caso,
4como {te} e {m˜
y} - exs. (1) e (2). Como {te} ´e a
marca de Caso ergativo cindido a tempo passado, podemos concluir que PD
´e a forma canˆonica para marcar as pessoas do discurso no tempo passado em
contraponto ao tempo presente e futuro, cujas formas pronominais canˆonicas
ser˜ao discutidas adiante.
(1)
aa-te
2PD-ERG
xoore
raposa
pro
pegar
‘Vocˆe pegou a raposa’
5(2)
mam
PAS/REM
co-m˜
y
3PD-DAT
c¨o
´
agua
xen
gostar
1Texto original: “The term pro-form is a cover term for several closed classes of words which, under certain circumstances, are used as substitutes for words belonging to open classes, or for larger constituents. By far the commonest type of pro-form is the pronoun, a word used as a substitute for a noun or a noun phrase. Various subtypes of pronouns may be distinguished, among them personal, reflexive, reciprocal, demonstrative, indefiniteand relative.”
2
Segundo o autor, outras pr´o-formas poss´ıveis nas l´ınguas naturais seriam: pr´o-frases (pro-sentences), pr´o-ora¸c˜oes (pro-clauses), pr´o-verbos (pro-verbs), pr´o-adjetivos (pro-adjectives), pr´o-adv´erbios (pro-adverbs) e pr´o-formas interrogativas (interrogative pro-forms).
3
Manteremos a nota¸c˜ao ‘pronomes enf´aticos’. Seu uso ´e de t´opico oracional, atribuindo a fun¸c˜ao de foco.
4
Para saber melhor como as part´ıculas marcadoras de Caso se disp˜oem em Pykobjˆe-Gavi˜ao, sugerimos a leitura de Silva (2011).
5
‘Antigamente ele gostava de ´agua’
67O PD tamb´em poder´a estar ligado a um membro da classe dos verbos. Neste
caso, ocupar´a a posi¸c˜ao de sujeito se o verbo for intransitivo, como visto em
(3), e de objeto, caso se trate de sujeito transitivo cuja teia semˆantica aceite
objeto [+humano], tal qual em (4), cujo predicador ´e popo, que significa ‘ver
pessoa’.
(3)
e’no’ny
PAS/LEX
aa-te
2PD-ir
a’c¨et
mata
c˜
ym
LOC
‘Ontem vocˆe foi `a mata’
8(4)
a’craare-te
crian¸ca-ERG
e’-popo
3PD-ver
‘A crian¸ca o viu’
O Pykobjˆe-Gavi˜ao divide os nomes em duas classes principais: nomes
alien´
aveis e nomes inalien´
aveis, o que corresponde a uma l´ıngua de tipo 3,
9de acordo com a classifica¸c˜ao proposta por Payne (1997) para avaliar a posse
nas l´ınguas naturais. Sobre esta estrat´egia gramatical de distin¸c˜ao de posse,
o autor esclarece:
Todos os nomes podem ser possu´ıdos, mas cada nome se submete a
apenas uma das estrat´egias. Normalmente os dois tipos de posse s˜ao
denominadas posse alien´avel vs. posse inalien´avel. A posse inalien´avel
´e usada por praticamente a mesma classe de substantivos possu´ıdos
das l´ınguas de tipo 1 como Maasai, e inerentemente possu´ıdos nas
l´ınguas de tipo 2 como Seko Padang.
10(Payne 1997:41. Tradu¸c˜ao
nossa.)
Quando o nome ´e de posse inalien´avel torna-se indispens´avel que ele
receba um complemento, para que possa ser plenamente interpretado. A
6No tempo futuro, por causa da part´ıcula de irrealis ha, a marca de dativo ser´a apagada, como vemos abaixo:
awca’te ny ce ha co xen ‘Amanh˜a ele gostar´a de ´agua’
FUT/LEX PT 3PI IRR ´agua gostar
7
PAS/REM indica forma lexicalizada para marcar passado remoto. DAT indica Caso dativo.
8
PAS/LEX indica passado marcado por item lexical. LOC indica locativo.
9
Payne (1997:40) afirma que h´a trˆes tipos de l´ınguas no que se refere `a marca de posse nominal. S˜ao elas:
L´ınguas de Tipo 1 distinguem ‘possu´ıdo’ de ‘n˜ao-possu´ıdo’;
L´ınguas de Tipo 2 distinguem ‘inerentemente possu´ıdo’ de ‘opcionalmente possu´ıdo’; L´ınguas de Tipo 3 distinguem ‘posse alien´avel’ de ‘posse inalien´avel’.
10
Texto original: “All nouns can be possessed, but each noun undergoes only one of the strategies. Usually the two kinds of possession are termed alienable vs. inalienable possession. Inalienable possession is used for roughly the same class of nouns that are possessable in type 1 languages like Maasai, and inherently possessed in type 2 languages like Seko Padang.”
Pronomes Pessoais em Pykobjˆ
e-Gavi˜
ao (Timbira)
145
esse tipo de complemento chamamos de “marca de genitivo”. A marca de
genitivo, em Pykobjˆe-Gavi˜ao, pode corresponder a um PD
11(exs. 5 e 6):
(5)
˜ej-kry
1PD-cabe¸ca
hy
doerINTR
‘Minha cabe¸ca d´oi’
12(6)
aa-pej˜oje
2PD-genro
cator
sairINTR
‘Meu genro saiu’
Apresentamos abaixo um quadro (ver Tabela 1)
13com todos os pronomes
dependentes recolhidos no Pykobjˆe-Gavi˜ao. Para saber mais sobre a intera¸c˜ao
destes pronomes com demais classes de palavras, sugerimos a leitura de Silva
(2012).
Tabela 1
Pronomes dependentes
Sujeito
Objeto Direto
Objeto Indireto
Marca de Genitivo
1
asg.
˜ej-
˜ej-
˜ej-
˜ej-2
asg
aa-
aa-
aa-
aa-3
asg.
e’- / ∅- / co-
e’- / ∅-
co-
e’- /
∅-1
apl.
me ˜ej-
me ˜ej-
me ˜ej-
me
˜ej-inclusivo
1
apl.
me ˜ej-
me ˜ej-
me ˜ej-
me
˜ej-exclusivo
2
apl.
me aa-
me aa-
me aa-
me
aa-3
apl.
me e’-/∅-/me co-
me e’-/me ∅-
me co-
me e’-/me
∅-O pronome independente (doravante PI) ser´a usado sempre que o morfema
de tempo/aspecto for n˜ao-passado, ou seja, presente ou futuro. Comparemos,
ent˜ao, o uso do PD (ex. 7) ao do PI (exs. 8 e 9):
(7)
aa-te
2PD-ERG
xoore
raposa
pro
pegar
‘Vocˆe pegou a raposa’
(8)
ca
2PI
xoore
raposa
pro
pegar
‘Vocˆe pega a raposa’
11
Amado (2004:75) aponta para uma distribui¸c˜ao morfofonol´ogica restrita `a 3a
pessoa, que encontra rela¸c˜ao com fatores lexicais diacronicamente dif´ıceis de serem recuperados n˜ao s´o nessa l´ıngua, mas em outras l´ınguas Timbira e Jˆe, como Krahˆo e Suy´a. Para conhecer melhor essa discuss˜ao, sugerimos a leitura dessa tese.
12
INTR indica que se trata de verbo monoargumental ou intransitivo.
13
Apresentamos o paradigma de PD de acordo com a distribui¸c˜ao morfossint´atica que se observa. Os demais pronomes n˜ao parecem sofrer qualquer influˆencia determinada por contexto morfossint´atico, por isso n˜ao julgamos relevante distinguir seus usos por fun¸c˜ao sint´atica.
(9)
ca
2PI
ha
IRR
xoore
raposa
pro
pegar
‘Vocˆe pegar´a a raposa’
14A subclasse dos PIs ser´a a ´
unica permitida para verbo intransitivo estativo
com semˆantica adjetival (ex. 10), e para frases com predicado n˜ao-verbal (ex.
11). Nestes contextos, tempo/aspecto n˜ao ser´a relevante:
(10)
mam
PAS/REM
wa
1PI
me
PL
capr¨ec
ser.vermelho/vermelho
‘Antigamente, ´eramos vermelhos’
15(11)
wa
1PI
Emperatrex
Imperatriz
c˜
ym
LOC
‘Eu estou em Imperatriz’
Al´em disso, observamos que a subclasse dos PIs atua na distin¸c˜ao Sa (sujeito
de verbo intransitivo com caracter´ıstica [+agente]) vs Sp (sujeito de verbo
intransitivo com caracter´ıstica [+experienciador]). Enquanto Sa (verbo
intransitivo simples ou estendido
16) pode aceitar PI (uso canˆonico, ex. 12)
ou PD (ex. 13) ou ambos (ex. 14):
(12)
cormy
ASC
wa
1PI
cato
partirINTR
‘Acabei de partir’
17(13)
cormy
ASC
˜ej-cato
1PD-partirINTR
‘Acabei de partir’
(14)
cormy
ASC
wa
1PI
˜ej-cato
1PD-partirINTR
‘Eu ´e que acabei de partir’
J´a Sp, exceto aqueles com semˆantica de adjetivo atributivo, exemplificado
acima (ex. 10), s´o aceitar´a PD (ex. 15) ou PD combinado com PI como
argumento (ex. 17):
(15)
ry’my’
DUR
˜ej-p˜
ym
1PD-estar.ca´ıdo/ca´ıdo
14IRR indica modo irrealis.
15
PL indica marca de plural para nomes ou pronomes pessoais.
16
Citaremos apenas exemplos dos predicados simples, para manter a simetria da an´alise comparativa.
17
Pronomes Pessoais em Pykobjˆ
e-Gavi˜
ao (Timbira)
147
‘Estou caindo’
18(16)
*ry’my’
DUR
wa
1PI
p˜
ym
estar.ca´ıdo/ca´ıdo
‘Estou caindo’
19(17)
ry’my’
DUR
wa
1PI
˜ej-p˜
ym
1PD-estar.ca´ıdo/ca´ıdo
‘Eu ´e que estou caindo’
20Abaixo, destacamos um quadro com todos os PIs encontrados em
Pykobjˆe-Gavi˜ao:
Tabela 2
Pronomes independentes
1
asg.
wa
2
asg.
ca
3
asg.
c¨e / ∅
1
apl. inclusivo
wa me
1
apl. exclusivo
co me
2
apl.
ca me
3
apl.
c¨e me / ∅ me
Por fim, h´a a subclasse dos pronomes pessoais enf´aticos (doravante PE),
cuja fun¸c˜ao ´e a de foco. Atestamos dois contextos em que o uso de tais
pronomes pessoais ´e mais recorrente: resposta simples a uma pergunta
qu-(ou pergunta de conte´
udo, para distingui-la de pergunta polar ou sim/n˜ao),
cuja ˆenfase recaia sobre o sujeito (ex. 18); e foco contrastivo de sujeito
sentencial (exs. 19 e 20) ou de objeto (ex. 21). Em todos os casos observados
parece n˜ao haver relevˆancia na distin¸c˜ao de tempo/aspecto.
(18)
j˜om-p¨e
WH-PF
c¨e
3PI
ha
IRR
prof¨ess¨or
professor
tow?
ser.novo/novo
Pa
1PE
‘Quem ser´a o novo professor? Eu’
2118
DUR indica aspecto durativo.
19
Utilizaremos * (asterisco) para dizer que tal frase n˜ao faz parte do uso difundido pela maioria da comunidade de fala, o que n˜ao quer dizer que a mesma seja totalmente inconceb´ıvel ou inintelig´ıvel, devido a restri¸c˜oes de qualquer esp´ecie.
20
Comparando esta frase com (18), observamos que o duplo uso de pronome pessoal confere uma interpreta¸c˜ao de foco ao sujeito sentencial.
21
WH indica pergunta qu- ou wh-, em inglˆes, para uso de formas como who, what, when, where, etc. PF indica part´ıcula fonte.
(19)
ca
2PE
aa-te
2PD-ERG
rop
on¸ca
coran
matar
‘Foi vocˆe que matou a on¸ca’
(20)
pa
1PE
wa
1PI
ha
IRR
Emperatrex
Imperatriz
c˜
ym
LOC
‘Eu ´e que estarei em Imperatriz’
(21)
Ta
3PE
a’craare-te
crian¸ca-ERG
e’-popo
3PD-ver
‘Foi ele quem a crian¸ca viu’
Apresentamos abaixo o paradigma completo dos pronomes enf´aticos.
22Tabela 3
Pronomes enf´aticos
1
asg.
Pa
2
asg.
ca
3
asg.
ta
1
apl. inclusivo
me paa
1
apl. exclusivo
me paa
2
apl.
me ca
3
apl.
me ta
Conforme observamos a partir do paradigma completo dos trˆes tipos de
pronomes pessoais do Pykobjˆe-Gavi˜ao, eles se distinguem
morfossintatica-mente em pessoa (1
a, 2
ae 3
a) e n´
umero (singular ´e o n˜ao-marcado, plural ´e
marcado com {me}). A primeira pessoa do plural pode apresentar distin¸c˜ao
inclusivo/exclusivo, no quadro de PIs, sendo que nos demais casos parece
ocorrer homofonia entre estas duas formas. Por primeira pessoa do plural
inclusiva entende-se falante e ouvinte (pode ou n˜ao incluir a terceira pessoa,
descrita na literatura como a n˜ao pessoa do ato discursivo). J´a o plural
exclusivo refere-se ao falante e n˜ao `a pessoa do discurso, excluindo, portanto,
o ouvinte.
Algumas considera¸c˜
oes
Ao longo dessa se¸c˜ao, exemplificamos e analisamos o quadro dos trˆes subtipos
de pronomes pessoais distingu´ıveis em Pykobjˆe-Gavi˜ao, a saber: pronomes
22Concordamos que a 1a
pessoa do sg. manifesta-se foneticamente tal qual Amado (2004) descreveu, no entanto, parece que sua contraparte plural apresenta alongamento voc´alico.