A arte dramática no ambiente hospitalar: o teatro humanizador da saúde.
Jessica Farias Dantas Medeiros1, Maria de Lourdes Macena Filha² 1 Parte do TCC de graduação do primeiro autor.
² Graduando do Programa de Graduação em Licenciatura em Teatro do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia – IFCE. email: fariasjessicad@yahoo.com.br
² Doutorando e professora do curso Licenciatura em Teatro do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia - IFCE. email: lumacena@ifce.edu.br
Resumo: Este trabalho tem como foco a análise da força transformadora que a arte dramática possui
dentro das instituições hospitalares. Utilizando-se, predominantemente, de atores clowns, o teatro
humanizador surge nesse ambiente como uma forma de presar pelo bem estar dos pacientes e de seus
familiares, além de conscientizar médicos e gestão da importância de uma relação mais humanizada e
próxima dos mesmos. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, na qual foi possível observar que de
teatro dentro do hospital vem a cada dia ganhando seu espaço e que a sua função vai muito além do
provocar o riso, a alegria e a quebra dessa rotina tão estressante. As técnicas e o estudo do clown são o
principal alicerce para esses atores, porém, não é a única maneira pela qual o ator e o seu grupo podem
trabalhar ações visando o processo de humanização no referido local. O teatro, que se classifica como
vida intensificada e como uma arte que tem em sua expressão o englobamento de outras artes (música,
dança e literatura), possui um leque de possibilidades de utilização em vários projetos de
humanização.
Palavras–chave: arte transformadora, clown, comunicação, humanização, teatro e saúde.
1. INTRODUÇÃO
Nunca paramos para pensar o quanto o simples fato de levar atenção, riso e alegria a um
enfermo pode contribuir para o seu tratamento e, principalmente, para uma melhor vivência dessa
estadia tão inquietante. O maior desafio da contemporaneidade nos ambientes hospitalares é a falta de
comunicação e relação entre o profissional de saúde e o usuário, os profissionais entre si e a própria
relação com o enfermo e seus familiares. O teatro humanizador
1, que está crescendo no Brasil, junto
com o Ministério da Saúde vem tentando mudar essa realidade. Através de uma maior atenção voltada
a esse trabalho, percebemos que os grupos que abraçam a iniciativa, investem nesse novo tipo de
teatro, constituído predominantemente por atores clowns, e em pesquisas e livros que seguem esse
modelo de ator em hospitais.
A produção de cuidados voltada para a humanização pressupõe como requisitos atendimento de qualidade, participação social do usuário, melhora na relação entre profissionais e usuários e respeito à singularidade e aos direitos de cada usuário. Um hospital que se utiliza da filosofia da humanização contempla, em sua estrutura física, tecnológica, administrativa e humana, o respeito e a valorização da pessoa humana, seja ela paciente, familiar ou o próprio profissional de saúde. A observância desses pressupostos pode garantir condições para o atendimento de qualidade e o respeito à dignidade (Rev. esc. Enferm. , 2009)
1 Teatro que busca a compreensão das ações humanas, na construção de suas realidades como flexíveis,
utilizando-se da arte dramática como ferramenta para ocasionar uma relação e comunicação entre esses indivíduos de forma humanizada.
ISBN 978-85-62830-10-5 VII CONNEPI©2012
E é com esse intuito que o teatro procura ter o seu espaço nas instituições hospitalares,
procurando ser um agente humanizador nesse ambiente, que na atualidade ainda se mantém tão
precário. A arte dramática possui muito mais do que um caráter político e didático pedagógico, ela tem
uma característica profundamente transformadora, tanto no estado físico quanto no estado emocional
do ser humano. Estar comprovado a melhoria e a recuperação de pacientes com algum tipo de
patologia a partir da presença de projetos humanitários que levam o teatro e a alegria para essas
pessoas, sua família e toda a equipe médica. Redução do hormônio do estresse, ativação de endorfinas
para diminuir a dor, redução de tensão muscular, melhor oxigenação do cérebro, reforço da imunidade,
harmonia na relação entre médico e paciente, e uma maior aproximação e apoio familiar, tanto para o
enfermo quanto para a equipe médica, são alguns dos efeitos positivos causados por esse tipo de
teatro.
O projeto mais conhecido aqui no Brasil é o “Doutores da Alegria”, de São Paulo, criado em
setembro de 1991, formado por atores profissionais na área do clown e em técnicas circenses. Os
artistas possuem toda uma preparação diferenciada para realizar este tipo de trabalho. Em Fortaleza
existem muitos grupos que também abraçaram essa iniciativa como o “Terapia do Riso” e a
“Associação Peter Pan” – APP –, utilizando-se, dorsalmente, dos princípios da palhaçaria. A
preparação dos atores consiste principalmente no domínio da linguagem do clown dentre outros
aspectos. Mas qual a verdadeira importância da arte dramática dentro dos hospitais? Será que ela deve
se limitar apenas ao universo clownesco?
Visando responder a essas perguntas, o referido artigo surgiu. O pesquisador, através de suas
inquietações, busca a valorização deste tipo de trabalho disseminando-o, não apenas para os hospitais
públicos, e enfatizando a complexidade e a beleza dessa atividade que vem crescendo a cada ano.
2. MATERIAL E MÉTODOS
Para a realização desta pesquisa, foi necessário um estudo minucioso da literatura citada, na
qual se priorizou referências da tese de doutorado em artes da autora Ana Lúcia Martins Soares (2007)
e do trabalho de conclusão de curso de graduação em enfermagem da autora Viviane Maria (2008). O
processo metodológico constituiu-se então, de uma pesquisa bibliográfica, tanto na área de saúde
quanto na de artes, na tentativa de identificar e relacionar o teatro ao processo de humanização
hospitalar, ressaltando sua importância e eficácia.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para darmos continuidade à pesquisa, faz-se necessário uma pequena explanação sobre o que
realmente vem a ser o conceito de humanização e como esse termo se aplica ao ambiente hospitalar
para que, assim, possamos ter uma melhor compreensão do objeto de estudo.
Humanizar parte da idéia do valor humanitário que promove o bem estar mediante a eliminação
da dor, do sofrimento, da pobreza e da miséria; seu principal objetivo é tornar o ser mais humano,
mais sociável e civilizar as relações existentes em um determinado local. Este conceito surgiu devido à
tomada de consciência do ser humano, o qual percebeu que estava esquecendo os aspectos
sentimentais, de comunicação e expressão. Tal amnésia se faz presente, principalmente, pelo fato de a
humanidade se deixar enraizar cada vez mais nos princípios capitalista, os quais dizem que “ter” é
mais importante do que “ser”. A rotinha estressante, característica fundamental da sociedade
contemporânea, é também outro fator anti-humanização: a sociedade está centrada no ideal único de
luta por evolução e progresso tecnológico e econômico, abandonando, muitas vezes, os valores éticos
e o pensamento coletivo e social.
Foi buscando resgatar esses valores e a importância de se humanizar essa sociedade, que alguns
países da Europa, como Inglaterra, França, Espanha, além dos Estados Unidos, mantiveram
consolidados programas de humanização na rotina hospitalar de sua população. No Brasil só foi
possível essa solidificação a partir de 1999, com o Programa Nacional de Humanização – PNHAH –
criado pela Secretaria da Assistência à Saúde, do Ministério da Saúde, tendo como público alvo
hospitais da rede pública. O programa tem como objetivo principal mudar a assistência aos usuários
dos hospitais, melhorando tanto a qualidade dos serviços hoje prestados, quanto a sua eficácia em
aprimorar as relações entre os profissionais de saúde e usuários, profissionais entre si, profissionais e
gestores, hospital e comunidade. Sobre humanização em saúde vejamos o que diz o Ministério:
Humanização em saúde é resgatar o respeito a vida humana, levando-se em conta circunstâncias sociais, éticas, educacionais e psíquicas presentes em todo relacionamento humano [...] envolve, ainda, três outros aspectos fundamentais: 1) a capacitação permanente dos profissionais de saúde e a criação de condições para que participe efetivamente na identificação das melhorias que considerem necessárias às suas condições de trabalho; 2) a criação de condições para que o usuário participe na avaliação da qualidade dos serviços que lhe são oferecidos; 3) o empenho da comunidade organizada e sua efetiva participação como parceira dos agentes públicos de saúde, em ações de apoio e acompanhamento dos serviços (Ministério da Saúde, 2001).
Todos estão envolvidos nesse processo, no qual os profissionais da área são mais cobrados a fim
de manter o caráter humanitário em seu ambiente de trabalho. Isso se explica pelo fato de que o
hospital é um dos locais mais propícios a sofrer um déficit de relação e comunicação mais
humanizada, justamente por ser um espaço que lida com vidas fragilizadas, vivendo uma rotina
eletrizante cujo diálogo se limita apenas a conceitos técnicos da medicina. Para Chiattone (2003 apud
Santos, 2008, p. 24), a humanização nos hospitais deve ser voltada para o processo de treinamento das
equipes de saúde e para intervenções estruturais, permitindo, portanto, que a experiência da
hospitalização seja mais confortável, principalmente em se tratando de hospitalização infantil.
Estabelecidos os conceitos inicias de humanização, faz-se necessária uma pequena explicação
sobre umas dessas intervenções estruturais, a arte dramática, objetivando uma futura ponte entre esses
dois estudos e alguns questionamentos dessa prática que ainda se limita ao clown.
O universo do teatro no hospital, especificadamente o clown, ganhou espaço no âmbito
acadêmico e profissional da medicina a partir da década de 70, com os ideais do médico americano
Hunter Doherty Patch Adams. Seu estudo surgiu a partir do momento em que ele, estudante da área,
percebeu a importância de implantar no seu ambiente de trabalho médicos mais humanizados,
valorizando a compaixão, a generosidade e a preocupação do bem estar de seus pacientes. O referido
pesquisador aliou os princípios de palhaçaria a essa rotina tão delicada, buscando resgatar em suas
visitas aos hospitais uma aproximação maior dos médicos com os enfermos, fazendo com que estes
associem a imagem daqueles à do palhaço. Esta transformação do ambiente hospitalar em um local de
distribuição e provocação de sorrisos influiu significadamente na saúde dos pacientes, conforme
podemos ver a baixo:
Existem inúmeros de que o humor ajuda a vencer situações difíceis, reduz o estresse e fortalece a saúde, portanto, também o riso pode produzir a tensão e superar dificuldades em casos de situações de sobrecarga graves. Também quando se falando de doenças, inúmeros relatos comprovam que rir é o melhor remédio. O riso leva também a alterações das funções cardiovasculares, aumentando a freqüência cardíaca e pressão arterial e depois baixa novamente, melhorando os sinais de estresse (SANTOS, 2008, p. 36).
Mas a arte dramática dentro das instituições de saúde vai muito além do princípio de provocar
riso, divertimento e uma possível cura dos enfermos. Em nosso país temos como referência o projeto
“Doutores da Alegria”, de São Paulo, que procura levar alegria a crianças hospitalizadas, seus pais e
médicos utilizam-se também de outras artes como a música, dança, pintura e a literatura. Formado por
atores profissionais na área do clown e em técnicas circenses, o projeto, que surgiu em setembro de
1991, se engloba nas mais de 180 iniciativas existentes no país com o apoio do Ministério da Saúde.
Em Fortaleza podemos destacar os grupos “Terapia do Riso” e a “Associação Peter Pan” – APP –, que
trabalham com atores e não-atores sem perder também a figura do clown e os princípios da palhaçaria.
Para atuar no ambiente hospitalar não basta a formação atorial do palhaço, mas impõe-se uma
especialização com práticas e conhecimentos específicos, testados em ambiente real e avaliados
sistematicamente (SOARES, 2007, s/p). A preparação desse ator em geral consiste no domínio da
linguagem do clown, no conhecimento sobre troca de experiências e visões do universo hospitalar
entre profissionais da saúde e palhaços, e na habilidade e desenvolvimento de ser um palhaço, com um
estudo teórico sobre os valores da humanização em hospitais. Também cabe a eles, na construção
desse figurino, buscar a semelhança com o médico, vestindo jalecos brancos e empregando brinquedos
que remetem tanto à figura do palhaço quanto a objetos utilizados pelos funcionários, de uma maneira
bem lúdica e colorida. O Clown tem liberdade de ser e criar, utilizando-se de constantes improvisações
e colocando em prática seus estudos em circo, bufões, bobos e arlequins, aceitando seu próprio
ridículo e aguçando a sua percepção.
Outro aspecto trabalhado com esses atores é a noção de higiene hospitalar, estudos sobre ética
no trabalho e maneiras de como aproximar os domínios da arte e os da saúde, adequando o trabalho do
palco ao hospital. Fora o projeto já citado “Doutores da Alegria”, que realiza audições para atores
profissionais, em geral os grupos que abraçam essa iniciativa abrem espaço para voluntários de
diversas áreas, sendo a formação desse palhaço de caráter informal ou até mesmo inexistente. E é
nesse âmbito que o Ministério da Saúde deve ter cuidado, pois o contato com pessoas hospitalizadas,
principalmente crianças, é de profunda delicadeza e não são todas as pessoas que sabem lidar com a
dor do outro e muito menos atrelar o palhaço a essa busca. O verdadeiro valor desse palhaço no
hospital é explicado por Soares (2007) quando o mesmo diz que:
O palhaço se dirige ao que é saudável numa criança que está doente, no intuito de manter vivas as suas possibilidades de criar, de sonhar, de rir. De fato, o mundo do palhaço é bem diferente daquele do hospital, mas seu universo está muito próximo ao da criança. Essa proximidade cria rapidamente uma grande cumplicidade entre eles. A aproximação, num segundo plano, com os médicos e enfermeiros e mesmo os acompanhantes, se dá através da própria criança. (SOARES, 2007, s/p)