AS CENTENÁRIAS
AS CENTENÁRIAS
O filho da Morte
O filho da Morte
de Newton Moreno
de Newton Moreno
Texto produzido para espetáculo estreado no Teatro Poeira Texto produzido para espetáculo estreado no Teatro Poeira
em 06 de setembro de 2007, em 06 de setembro de 2007, dirigido por Aderbal Freire Filho, dirigido por Aderbal Freire Filho,
com Marieta Severo, Andréa Beltrão e Sávio Moll. com Marieta Severo, Andréa Beltrão e Sávio Moll.
Para minha mãe. Para minha mãe.
Morte e cultura popular. Morte e cultura popular.
No imaginário presente na cultura popular do interior do
No imaginário presente na cultura popular do interior do Brasil, lendas de comunicaçãoBrasil, lendas de comunicação com o’outro lado’, os desencarnados, não faltam. Moça morta que volta para namorar, com o’outro lado’, os desencarnados, não faltam. Moça morta que volta para namorar, almas penadas, o coisa-ruim e suas tentações, mula-sem-cabeça. Tudo tratado com humor e almas penadas, o coisa-ruim e suas tentações, mula-sem-cabeça. Tudo tratado com humor e respeito. Uma bufonaria sacro-profana. Quase como se amaciando a aproximação com a respeito. Uma bufonaria sacro-profana. Quase como se amaciando a aproximação com a idéia da Morte. A primeira dama dentre as manifestações do ‘inexplicável’. Um Beckett idéia da Morte. A primeira dama dentre as manifestações do ‘inexplicável’. Um Beckett sertanejo que traz a inexorabilidade de nosso fim, mas com diversão e picardia. Uma das sertanejo que traz a inexorabilidade de nosso fim, mas com diversão e picardia. Uma das situações mais comuns é a tentativa de enganar a morte quando ela vem nos buscar. situações mais comuns é a tentativa de enganar a morte quando ela vem nos buscar.
Disfarces, troca de pessoas, condições ardilosas, rezas que não se acabam, vale tudo nesta Disfarces, troca de pessoas, condições ardilosas, rezas que não se acabam, vale tudo nesta astúcia popular, mas ao final, ela é soberana. Não se engana a morte para a sempre. Mas dá astúcia popular, mas ao final, ela é soberana. Não se engana a morte para a sempre. Mas dá para se divertir com as tentativas de passa
para se divertir com as tentativas de passar-lhe a perna. Talvez todo teatro seja um Teatror-lhe a perna. Talvez todo teatro seja um Teatro da Morte.
da Morte.
A morte e a figura das carpideiras me acompanham em três dos meus recentes trabalhos. A morte e a figura das carpideiras me acompanham em três dos meus recentes trabalhos. AGRESTE, ASSOMBRAÇÕES DO RECIFE VELHO e neste AS CENTENÁRIAS. A AGRESTE, ASSOMBRAÇÕES DO RECIFE VELHO e neste AS CENTENÁRIAS. A convite de Marieta Severo e Andréa Beltrão, as carpideiras começaram a ganhar corpo e convite de Marieta Severo e Andréa Beltrão, as carpideiras começaram a ganhar corpo e voz e assumiram o protagonismo absoluto nesta peça.
voz e assumiram o protagonismo absoluto nesta peça.
Depois de conversa com as duas atrizes em março último, ficou claro que eu gostaria de Depois de conversa com as duas atrizes em março último, ficou claro que eu gostaria de escrever sobre uma grande amizade. Parece óbvio que a parceria destas duas
escrever sobre uma grande amizade. Parece óbvio que a parceria destas duas
empreendedoras dos nossos palcos me inspirou. Nesta peça, Socorro engana a Morte empreendedoras dos nossos palcos me inspirou. Nesta peça, Socorro engana a Morte quando vem buscar o filho de Zaninha. Este ludibriar a dita cuja é inspirado nos vários quando vem buscar o filho de Zaninha. Este ludibriar a dita cuja é inspirado nos vários causos da cultura popular com o mote de ENGANAR A MORTE. Todos estes contos ao causos da cultura popular com o mote de ENGANAR A MORTE. Todos estes contos ao fim, como veremos, falam que a morte sempre leva quem ela quer. Mas, em nosso caso, a fim, como veremos, falam que a morte sempre leva quem ela quer. Mas, em nosso caso, a prova de amizade que fica pelo caminho é o
prova de amizade que fica pelo caminho é o grande aprendizado.grande aprendizado. Surgem então Socorro e Zaninha. Carpideiras e Centenárias. Surgem então Socorro e Zaninha. Carpideiras e Centenárias.
Carpideiras no Sertão do Cariri. Campo místico do interior do Nordeste. Terra de romeiros, Carpideiras no Sertão do Cariri. Campo místico do interior do Nordeste. Terra de romeiros, de beatas, de procissões, de milagres, do insondável. São centenárias porque são mulheres de beatas, de procissões, de milagres, do insondável. São centenárias porque são mulheres que viveram mais que 100 anos, boa parte deles, a serviço da Morte. A peça acompanha a que viveram mais que 100 anos, boa parte deles, a serviço da Morte. A peça acompanha a história de amizade entre as duas em dois planos, passado e presente. Dizem que elas nunca história de amizade entre as duas em dois planos, passado e presente. Dizem que elas nunca morrem e fizeram o pacto com a Patroa. Dizem...
morrem e fizeram o pacto com a Patroa. Dizem...
As choronas (um dos nomes pelo qual se conhecem as carpideiras) têm lenço imenso nas As choronas (um dos nomes pelo qual se conhecem as carpideiras) têm lenço imenso nas mãos, sinal das lágrimas que
mãos, sinal das lágrimas que devem verter. “...No Brasil, aidevem verter. “...No Brasil, ainda nda resiste oresiste ochorar o defunto,chorar o defunto,
por pessoas ligadas por laços
por pessoas ligadas por laços de parentesco ou amizade, diante do cadáverde parentesco ou amizade, diante do cadáver, excitando , excitando asas lágrimas da família com frases exaltadas e gesticulação inimitável e dramática. É ela, lágrimas da família com frases exaltadas e gesticulação inimitável e dramática. É ela,
fazendo o quarto ao defunto
fazendo o quarto ao defunto, guarda, , guarda, sentinela, velório, a sentinela, velório, a iniciadora do canto iniciadora do canto dasdas
Incelências ou Excelências, entoadas em voz sinistra e apavorante, embora de impressão Incelências ou Excelências, entoadas em voz sinistra e apavorante, embora de impressão inesquecível para a assistência”. (Trecho extraído de Dicionário do Folclore Brasileiro de inesquecível para a assistência”. (Trecho extraído de Dicionário do Folclore Brasileiro de Luiz da Câmara Cascudo, página 117, verbete Carpideira.)
Luiz da Câmara Cascudo, página 117, verbete Carpideira.)
Sabe-se que a tradição do carpir é milenar, remonta ao Egito Antigo. Sabe-se que a tradição do carpir é milenar, remonta ao Egito Antigo.
O carpir também como campo do feminino, maternal, acarinhar, cuidar da morte de cada O carpir também como campo do feminino, maternal, acarinhar, cuidar da morte de cada defunto como um filho. A maternidade de alguma forma é um eixo desta peça.
defunto como um filho. A maternidade de alguma forma é um eixo desta peça.
Este ofício no Brasil respeitava códigos, traz um campo ritual e de grande teatralidade, mas Este ofício no Brasil respeitava códigos, traz um campo ritual e de grande teatralidade, mas encontra-se em evidente extinção.
Personagens: Personagens:
Socorro – Carpideira mais experiente. Chora só o necessário. Mestre da relação. Sábia e Socorro – Carpideira mais experiente. Chora só o necessário. Mestre da relação. Sábia e maternal.
maternal.
Zaninha – Carpideira mais jovem. Desaba em rios de lágrimas. Aprendiz. Glutona e Zaninha – Carpideira mais jovem. Desaba em rios de lágrimas. Aprendiz. Glutona e voluntariosa.
voluntariosa.
Socorro, passado e presente. Socorro, passado e presente. Zaninha, passado e presente. Zaninha, passado e presente. Pai de Zaninha Pai de Zaninha Nonato Nonato Coronel Coronel Lampião Lampião
Mulher leitura da carta Mulher leitura da carta
Viúva do Josimar e do Pereira Viúva do Josimar e do Pereira Menina Val
Menina Val
Velhinha Perna Torta Velhinha Perna Torta Mulher de luto Mulher de luto Homem no caminho Homem no caminho A MORTE A MORTE
“Rapaz, mistério é fortaleza “Rapaz, mistério é fortaleza o mundo não é só dos homens. o mundo não é só dos homens. tem fantasma que ensina tem fantasma que ensina reparte a experiência reparte a experiência assopra na orelha um conselho assopra na orelha um conselho cochicha uma advertência. cochicha uma advertência. Homem, escute sua sombra Homem, escute sua sombra o erro é a única certeza. o erro é a única certeza. A história vive da lenda. A história vive da lenda. O que não se vê tem beleza, O que não se vê tem beleza, força, ciência e esperteza. força, ciência e esperteza. O mundo não é só dos homens. O mundo não é só dos homens. Mistério é fortaleza” Mistério é fortaleza” Newton Moreno. Newton Moreno. AS CENTENÁRIAS AS CENTENÁRIAS
Socorro e Zaninha serão interpretadas pelas mesmas atrizes no passado e no presente. Socorro e Zaninha serão interpretadas pelas mesmas atrizes no passado e no presente.
Um outro ator interpreta a Mulher de Luto. Um outro ator interpreta a Mulher de Luto.
As mesmas atrizes que interpretam Socorro e Zaninha revezam-se entre suas personagens As mesmas atrizes que interpretam Socorro e Zaninha revezam-se entre suas personagens
no passado e a manipulação do boneco da outra, permitindo-lhes defender as outras no passado e a manipulação do boneco da outra, permitindo-lhes defender as outras
personagens presentes aos
personagens presentes aos velórios, como Lampião, Coronel, etc...velórios, como Lampião, Coronel, etc... Toda a ação acontece no interior do Nordeste brasileiro. Toda a ação acontece no interior do Nordeste brasileiro.
Região do Sertão do Cariri, estados de Pernambuco, Ceará e Paraíba. Região do Sertão do Cariri, estados de Pernambuco, Ceará e Paraíba.
Um caixão sempre no centro do palco. Um caixão sempre no centro do palco.
CENA 1 CENA 1 Nordeste presente Nordeste presente Caixão vazio. Caixão vazio.
Socorro entra em cena. Põe o véu negro e começa a rezar. Socorro entra em cena. Põe o véu negro e começa a rezar. Zaninha entra em cena e repete a mesma ação.
Zaninha entra em cena e repete a mesma ação. Zaninha desaba em lágrimas facilmente.
Zaninha desaba em lágrimas facilmente.
Socorro derruba uma única lágrima, econômica. Socorro derruba uma única lágrima, econômica. Seguem nesta ação até terminar o canto.
Seguem nesta ação até terminar o canto.
Socorro e Zaninha Socorro e Zaninha “Lá vem uma alma “Lá vem uma alma Pisando no chão, Pisando no chão, Vai dizendo a outra: Vai dizendo a outra: Ou que buracão! Ou que buracão! Esse buraco Esse buraco É a sepultura; É a sepultura; Essa terra fria Essa terra fria É a cobertura É a cobertura Uma incelença Uma incelença
Que nos deu no paraíso; Que nos deu no paraíso; Adeus, irmão, adeus! Adeus, irmão, adeus! Até o dia do juízo”. Até o dia do juízo”. Mulher de luto Mulher de luto
Muito emocionante. Deix’eu enxugar o rosto. Desidratei-me toda. Toda. Que emotividade Muito emocionante. Deix’eu enxugar o rosto. Desidratei-me toda. Toda. Que emotividade que vocês têm. Estão contratadas.
que vocês têm. Estão contratadas. Socorro e Zaninha Socorro e Zaninha Gradecidas. Gradecidas. Mulher de luto Mulher de luto
Olhe, o velório começa daqui a pouco. Já, já eu trago a janta docês. Dê licença que eu vou Olhe, o velório começa daqui a pouco. Já, já eu trago a janta docês. Dê licença que eu vou pegar um lenço enxuto.
pegar um lenço enxuto. Socorro e Zaninha Socorro e Zaninha Sim, senhora. Sim, senhora.
Elas se recompõem e sentam. Mulher de luto sai. Elas se recompõem e sentam. Mulher de luto sai.
Zaninha Zaninha
Eita, fome. Socorro, mulé, eu já tou palestrando com minha barriga. Ela tá falano comigo Eita, fome. Socorro, mulé, eu já tou palestrando com minha barriga. Ela tá falano comigo de tanta fome. Tu ouviu?
de tanta fome. Tu ouviu? Socorro
Socorro
Quieta. (Pausa). Zaninha, eu tô com um sentimento que Ela está por aqui. Quieta. (Pausa). Zaninha, eu tô com um sentimento que Ela está por aqui.
Zaninha Zaninha
Mas Ela nunca aparece, a não ser que seja assunto sério. Da última vez que ela apareceu Mas Ela nunca aparece, a não ser que seja assunto sério. Da última vez que ela apareceu para nóis, tu te alembra bem o que se ass
para nóis, tu te alembra bem o que se assucedeu... Será que Ela adescobriu qucedeu... Será que Ela adescobriu que...?ue...? Socorro(Tapando-lhe a boca)
Socorro(Tapando-lhe a boca)
Silêncio. Tô que só me arrepio, mulé. Num tem um pelo meu quieto no seu canto. Silêncio. Tô que só me arrepio, mulé. Num tem um pelo meu quieto no seu canto. Zaninha Zaninha Eita, Socorro. Eita, Socorro. Socorro Socorro Eita, Zaninha. Eita, Zaninha. SOCORRO SOCORRO
Tu já pensou numa coisa, Zaninha? Tu já pensou numa coisa, Zaninha? ZANINHA
ZANINHA
Pensei em duas: cuscuz e buchada. Pensei em duas: cuscuz e buchada. SOCORRO
SOCORRO
Eita, mulé, tu num tira comida da cabeça. Eita, mulé, tu num tira comida da cabeça. ZANINHA
ZANINHA
Só tiro quando ela chega no bucho. Só tiro quando ela chega no bucho. SOCORRO
SOCORRO
O defunto num morreu, mulé. Ora e entonce dessa vez nóis encontra Ela. O defunto num morreu, mulé. Ora e entonce dessa vez nóis encontra Ela. ZANINHA
ZANINHA
Ai, mulé, pior. Ela encontra nóis. Ai, mulé, pior. Ela encontra nóis. SOCORRO
SOCORRO
Viuge, chegou o dia. Hoje faiou o jeito que nóis achô de num cruzar nossos caminho. Viuge, chegou o dia. Hoje faiou o jeito que nóis achô de num cruzar nossos caminho. ZANINHA
ZANINHA
Um encontro medonhamente terrorífico como aquele dos ido de Virgulino nunca mais, Um encontro medonhamente terrorífico como aquele dos ido de Virgulino nunca mais, Socorro. A tinhosa mordida que nem ficô naquele encontro tá cum nóis nos ódio dela. Socorro. A tinhosa mordida que nem ficô naquele encontro tá cum nóis nos ódio dela. SOCORRO
SOCORRO
Mas desde aquele dia nós semo esperta. Ela sai nóis chega. Nóis descobriu o único lugar Mas desde aquele dia nós semo esperta. Ela sai nóis chega. Nóis descobriu o único lugar onde ela num tá.
onde ela num tá. ZANINHA ZANINHA
Num tá pruquê já teve. Num tá pruquê já teve.
SOCORRO SOCORRO
Isso té os home dotô tem que aprender cum nóis. O lugar mais seguro de fugir dum cabra é Isso té os home dotô tem que aprender cum nóis. O lugar mais seguro de fugir dum cabra é ficano do lado dele.
ficano do lado dele. ZANINHA
ZANINHA
O lugar mais longe é o lugar mais perto. O lugar mais longe é o lugar mais perto. SOCORRO
SOCORRO
Num qué vê a morte, vai num velório. A esconjurada já
Num qué vê a morte, vai num velório. A esconjurada já agarrou um freguês, já tá levandoagarrou um freguês, já tá levando ele pros confim, já tá ocupada, vortá traveiz pro mermo lugar ela num vorta.
ele pros confim, já tá ocupada, vortá traveiz pro mermo lugar ela num vorta. ZANINHA
ZANINHA Aí nóis chega. Aí nóis chega. SOCORRO SOCORRO
Mas agora nóis chegô antes dela. Tu tá preparada pra outro encontro? Mas agora nóis chegô antes dela. Tu tá preparada pra outro encontro? ZANINHA
ZANINHA
Outro encontro medonhamente terrorífico que nem aquele dos ido da premera lampa? Cruz Outro encontro medonhamente terrorífico que nem aquele dos ido da premera lampa? Cruz credo.
Agora a esconjurada vem de cum força. Agora a esconjurada vem de cum força. ZANINHA
ZANINHA
Vamo ficá do lado de fora da casa. Nóis se potreje debaixo dum pé de pau. Vamo ficá do lado de fora da casa. Nóis se potreje debaixo dum pé de pau. SOCORRO
SOCORRO
Carece não. O cundidado tá no quarto. Ela aqui num vem. Quando chegá vai Carece não. O cundidado tá no quarto. Ela aqui num vem. Quando chegá vai decretadazinha buscar o infeliz, num é cidadã educada de passar pela sala. decretadazinha buscar o infeliz, num é cidadã educada de passar pela sala. ZANINHA
ZANINHA
Tu qué dizê que a morte só entra pela porta dos fundo? Tu qué dizê que a morte só entra pela porta dos fundo? SOCORRO
SOCORRO
Quero dize que ela é malamanhada, malempregada e maleducada. Quero dize que ela é malamanhada, malempregada e maleducada. ZANINHA
ZANINHA E malacafetosa. E malacafetosa.
Luz baixa aos poucos. Luz baixa aos poucos.
CENA 2 CENA 2
Nordeste passado Nordeste passado
Socorro entra em cena. Socorro entra em cena.
Bate palmas como se chamasse alguém Bate palmas como se chamasse alguém
Um senhor aparece. Um senhor aparece.
Socorro Socorro
Eu vim buscar a cabra que o senhor aprometeu. Eu vim buscar a cabra que o senhor aprometeu. Pai
Pai
A cabra nós matamos no almoço de ontem pro mó de alimentar os parente que vieram pro A cabra nós matamos no almoço de ontem pro mó de alimentar os parente que vieram pro velório.
velório. Socorro Socorro
Eu disse ao senhor: num se deve comer carne na semana do enterro. Muito menos a que o Eu disse ao senhor: num se deve comer carne na semana do enterro. Muito menos a que o senhor me deu.
senhor me deu.
Zaninha aparece e assiste a tudo no canto. Zaninha aparece e assiste a tudo no canto.
Socorro Socorro
Era a minha paga. O senhor acordou que eu levava a cabritinha. Era a minha paga. O senhor acordou que eu levava a cabritinha. Pai
Pai
Era o último bicho que eu tinha, dona Socorro. Era o último bicho que eu tinha, dona Socorro. Socorro
Socorro
Num sobrou um naco de carne? Num sobrou um naco de carne?
Pai Pai
Eu vou espiar. Do jeito que essa aqui come, só deve de ter sobrado o couro da cabra. Eu vou espiar. Do jeito que essa aqui come, só deve de ter sobrado o couro da cabra. Zaninha
Zaninha
Eita, painho, que mentira. Eita, painho, que mentira.
Senhor sai. Senhor sai.
Zaninha Zaninha
A senhora chorou bonito mesmo. Parecia milagre. A senhora chorou bonito mesmo. Parecia milagre. Socorro
Socorro
Foi milagre mesmo, fia. Com a fome que tava ainda consegui cantar e prantear sua mãe. Foi milagre mesmo, fia. Com a fome que tava ainda consegui cantar e prantear sua mãe. Sua graça?
Sua graça? Zaninha Zaninha
Zaninha. A senhora me leva mais a senhora quando tiver outro morto na vila? Zaninha. A senhora me leva mais a senhora quando tiver outro morto na vila? Socorro
Socorro
Tu quer carpir mais eu? Tu quer carpir mais eu? Zaninha
Zaninha
Eu quero aprender a fazer saudade bonito assim que nem a senhora faz, feito pólen nos óio Eu quero aprender a fazer saudade bonito assim que nem a senhora faz, feito pólen nos óio da gente.
da gente. Socorro Socorro
Tu tem medo de morto? Tu tem medo de morto? Zaninha
Zaninha
Nunca tinha visto um defunto. Nunca tinha visto um defunto.
Socorro Socorro
Mas assim fica difícil, fia. Ver o morto é cundição de fundamento empreguístico para quem Mas assim fica difícil, fia. Ver o morto é cundição de fundamento empreguístico para quem quer perseverar nesse ofício das alma.
quer perseverar nesse ofício das alma. Zaninha
Zaninha
Espere! Nunca tinha visto até ver o corpo de mainha. Foi Pai que não me deixou ver. Espere! Nunca tinha visto até ver o corpo de mainha. Foi Pai que não me deixou ver.
Prendeu eu no quarto. Mas quando ouvi a senhora cantando as incelência, eu pulei a janela, Prendeu eu no quarto. Mas quando ouvi a senhora cantando as incelência, eu pulei a janela, arrudiei a casa e espiei o velório todinho escondida. Parecia uma visão. A senhora abrindo arrudiei a casa e espiei o velório todinho escondida. Parecia uma visão. A senhora abrindo os caminho para mainha avoar pro céu. Mas deve de ser bonito viver a vida chorando, viver os caminho para mainha avoar pro céu. Mas deve de ser bonito viver a vida chorando, viver a vida sentino. Deixe eu mais a senhora, deixe.
a vida sentino. Deixe eu mais a senhora, deixe. Socorro Socorro Eu vou considerar. Eu vou considerar. Zaninha Zaninha
Espere!(Zaninha pega um embrulho e entrega). Sobrou um resto da buchada. (Entrega-lhe). Espere!(Zaninha pega um embrulho e entrega). Sobrou um resto da buchada. (Entrega-lhe). Espere! E tem essa jaca. (Entrega a jaca). Eu tinha escondido para lanchar antes de dormir. Espere! E tem essa jaca. (Entrega a jaca). Eu tinha escondido para lanchar antes de dormir. Mas pode levar.
Mas pode levar. Socorro
Socorro
Obrigado. Eu acho. Obrigado. Eu acho.
Zaninha(Quando Socorro já estava saindo) Zaninha(Quando Socorro já estava saindo)
Dona Socorro. Considere eu mais a senhora, viu. Considere eu. Dona Socorro. Considere eu mais a senhora, viu. Considere eu.
Sai Socorro com a jaca na mão. Sai Socorro com a jaca na mão.
CENA 3 CENA 3 Nordeste presente Nordeste presente Socorro Socorro Ui! Ui! Zaninha Zaninha
Avistasse Ela foi? Avistasse Ela foi?
Senti um vento trágico. Um arrupio lá nas parte. Senti um vento trágico. Um arrupio lá nas parte. Zaninha
Zaninha
Num guento mais prender as água. (P
Num guento mais prender as água. (Para a Mulher de luto). Oie, eu preciso me aliviar.ara a Mulher de luto). Oie, eu preciso me aliviar. Onde é seu Wanderley Cardoso (W.C.)?
Onde é seu Wanderley Cardoso (W.C.)? Mulher de luto
Mulher de luto
Eu lhe levo. Como é sua graça? Eu lhe levo. Como é sua graça? Zaninha
Zaninha
Eu sou Zaninha de nascença. Prazer. A senhora sabe que eu nasci depois de minhas duas Eu sou Zaninha de nascença. Prazer. A senhora sabe que eu nasci depois de minhas duas irmãs mortas e peguei o nome delas. É o nosso nome. Zaninha. Meu e de minhas duas irmãs mortas e peguei o nome delas. É o nosso nome. Zaninha. Meu e de minhas duas irmãs mortas. Mania de mainha de por nome de morto. Diz que nunca vingou nessa família irmãs mortas. Mania de mainha de por nome de morto. Diz que nunca vingou nessa família nascidos com esse nome. Tenho medo que venha a morrer a qualquer minuto. É a praga do nascidos com esse nome. Tenho medo que venha a morrer a qualquer minuto. É a praga do nome, mulé. Zaninha Moribunda.
nome, mulé. Zaninha Moribunda. Mulher de luto
Mulher de luto
Oxe, isto é um nome ou um agouro? Oxe, isto é um nome ou um agouro? Zaninha
Zaninha
Meu batismo trouxe foi uma sentença. Mainha me dizia que se eu morresse ela punha de Meu batismo trouxe foi uma sentença. Mainha me dizia que se eu morresse ela punha de novo o mesmo nome na cria nova. “Tu nasceu da morte delas, elas voltarão a nascer da tua novo o mesmo nome na cria nova. “Tu nasceu da morte delas, elas voltarão a nascer da tua morte.” Eu sou três, Dona Mulé. Eu conto o calendário de trás para frente na agonia da morte.” Eu sou três, Dona Mulé. Eu conto o calendário de trás para frente na agonia da morte anunciada. Morro um pouco a cada dia e agradeço um dia de cova a menos na minha morte anunciada. Morro um pouco a cada dia e agradeço um dia de cova a menos na minha estrada quando o sol desarma a tenda no horizonte.
estrada quando o sol desarma a tenda no horizonte. Socorro
Socorro
Leve ela logo no WC senão ela não cala a matraca. Leve ela logo no WC senão ela não cala a matraca.
Saem. Socorro sozinha e o caixão vazio. Socorro começa a procurar a Morte pela sala. Saem. Socorro sozinha e o caixão vazio. Socorro começa a procurar a Morte pela sala. Mulher de luto volta à cena e a olha com curiosidade.
Mulher de luto volta à cena e a olha com curiosidade.
Socorro(Sem perceber a entrada da Mulher de Luto) Socorro(Sem perceber a entrada da Mulher de Luto) Tu tá aí?
Tu tá aí?
Mulher de Luto Mulher de Luto Perdeu algo, fia? Perdeu algo, fia?
Socorro(Percebendo que Mulher de luto voltou). Socorro(Percebendo que Mulher de luto voltou). Não, não. Eu tava me preguntando: este defunto
Não, não. Eu tava me preguntando: este defunto morreu como?morreu como? Mulher de luto
Mulher de luto
Num tá ido. Tá fazeno a passagem. Num tá ido. Tá fazeno a passagem.
Socorro Socorro
Ainda não morreu? Ainda não morreu? Mulher de luto Mulher de luto
Não, mas tá todo desenganado, todo desc
Não, mas tá todo desenganado, todo descaído. Não se espera que passe de aído. Não se espera que passe de hoje, aí eu trateihoje, aí eu tratei de trazer ocês logo.
de trazer ocês logo. Socorro Socorro A senhora é prevenida, né? A senhora é prevenida, né? Mulher de luto Mulher de luto
Vai que morre alguém e eu fico sem carpideira para organizar as cunferência com os santo. Vai que morre alguém e eu fico sem carpideira para organizar as cunferência com os santo. As senhora são conhecida por aqui.
As senhora são conhecida por aqui. Socorro
Socorro
Nois trabalha aqui há muito tempo. Nois trabalha aqui há muito tempo.
Mulher de luto Mulher de luto
A senhora tem quantos anos? A senhora tem quantos anos? Socorro
Socorro
Dizem que eu tenho 111 anos. Eu num tenho nem como dizer que sim, nem como dizer que Dizem que eu tenho 111 anos. Eu num tenho nem como dizer que sim, nem como dizer que não. Mas também agora, o que importa? Mas eu não sou véia, eu sou antiga.
não. Mas também agora, o que importa? Mas eu não sou véia, eu sou antiga.
Eita, a senhora tem idéia a que horas chega o morto? Ta com cara de quem vai logo ou ta Eita, a senhora tem idéia a que horas chega o morto? Ta com cara de quem vai logo ou ta meio apegado?
meio apegado? Mulher de luto Mulher de luto
Vai logo. Ta daquele jeito que já começa a avistar os anjo, Nossa Senhora. Vai logo. Ta daquele jeito que já começa a avistar os anjo, Nossa Senhora. Socorro
Socorro
Então falta pouco. Então falta pouco. Mulher de luto Mulher de luto
Se preocupe não. Eles já tão afeitando o homem. Se preocupe não. Eles já tão afeitando o homem. Socorro
Socorro
Meu avô também custou para se adecidir morrer. Foi por causa de meu avô que eu hoje sou Meu avô também custou para se adecidir morrer. Foi por causa de meu avô que eu hoje sou carpideira.
carpideira. Mulher de luto Mulher de luto
Olhe, foi por causa de seu avô? Olhe, foi por causa de seu avô? Socorro
Socorro
Foi por causa de meu avô. Meu primeiro morto, eu não vi. Num deixaram. Prenderam todas Foi por causa de meu avô. Meu primeiro morto, eu não vi. Num deixaram. Prenderam todas as criança num quarto com umas boneca de pano. Umas boneca meio defunta. Fecharam as as criança num quarto com umas boneca de pano. Umas boneca meio defunta. Fecharam as porta bem para a tristeza não alcançar
porta bem para a tristeza não alcançar agente. agente. Umas muriçoca vigiava nós. Mas eu queriaUmas muriçoca vigiava nós. Mas eu queria olhar para meu avô. Ver como ficou a cara dele agora morto. Queria saber se mudava muito olhar para meu avô. Ver como ficou a cara dele agora morto. Queria saber se mudava muito depois da pessoa ver a mulher da foice. Queria dizer, mesmo que ele não ouvisse (o que eu depois da pessoa ver a mulher da foice. Queria dizer, mesmo que ele não ouvisse (o que eu duvido), o que eu nunca disse. Aquelas coisa que agente dá por entendido e num derrama duvido), o que eu nunca disse. Aquelas coisa que agente dá por entendido e num derrama no coração do outro.
no coração do outro.
Olhe, Dona Mulé, deu-me uma agonia e eu fugi daquele quarto. Arrastei-me sozinha pelos Olhe, Dona Mulé, deu-me uma agonia e eu fugi daquele quarto. Arrastei-me sozinha pelos corredor imenso da casa de minha avó e, nas parede, eu via as fotos de meu avô. Um
corredor imenso da casa de minha avó e, nas parede, eu via as fotos de meu avô. Um homem espichado, macio, que levantou um sítio sozinho e alimentou seis filho com seu homem espichado, macio, que levantou um sítio sozinho e alimentou seis filho com seu trabalho.
trabalho. Mas esclerozou rápido e trocava os Mas esclerozou rápido e trocava os nome tudo. Chamava seus bezerro como nome tudo. Chamava seus bezerro como sese fosse seus neto e seus neto como se fossem seus bezerro. Eu tinha me tornado A VACA fosse seus neto e seus neto como se fossem seus bezerro. Eu tinha me tornado A VACA MIMOSA. Eu tinha loucura por esse nome. Eu adorava ser gado. Isto eu também não disse MIMOSA. Eu tinha loucura por esse nome. Eu adorava ser gado. Isto eu também não disse para meu avô.
para meu avô. Bati a cara numa porta. Abri lentamente a porta da sala onde as Bati a cara numa porta. Abri lentamente a porta da sala onde as mulheresmulheres imensa tavam miando e vazando. Tavam tão cega de saudade que eu corri para baixo da imensa tavam miando e vazando. Tavam tão cega de saudade que eu corri para baixo da mesa onde deitaram meu avô. Lá fiquei uns vinte minuto a ouvir lamento. Mas aí eu ouvi mesa onde deitaram meu avô. Lá fiquei uns vinte minuto a ouvir lamento. Mas aí eu ouvi minha mãe. Minha mãe falava coisas tão lindas como eu nunca ouvi antes saindo dela. minha mãe. Minha mãe falava coisas tão lindas como eu nunca ouvi antes saindo dela. Minha mãe ficou outra para mim. Ficou imensa. Sai umas belezas da boca da gente quando Minha mãe ficou outra para mim. Ficou imensa. Sai umas belezas da boca da gente quando a dor nos alcança. Eu fiquei a matutar como faria para subir na mesa e ver meu avô.
a dor nos alcança. Eu fiquei a matutar como faria para subir na mesa e ver meu avô.
Mas minha tia imensa descobriu meu esconderijo e me arrancou da sala imensa sem que eu Mas minha tia imensa descobriu meu esconderijo e me arrancou da sala imensa sem que eu pudesse ver.
pudesse ver.
Eu ainda gritei: ‘Sou eu, vovô, a MIMOSA.’ Mugi de leve como se despedisse. ‘Muuu’. Eu ainda gritei: ‘Sou eu, vovô, a MIMOSA.’ Mugi de leve como se despedisse. ‘Muuu’. ‘Tire essa menina daqui senão de noite, ela fica sem dormir.’ Mandaram. E lá fui eu. ‘Tire essa menina daqui senão de noite, ela fica sem dormir.’ Mandaram. E lá fui eu. Mas eu fiquei noites sem dormir, matutando como ficou o rosto de meu avô morto. Noites Mas eu fiquei noites sem dormir, matutando como ficou o rosto de meu avô morto. Noites imensas a mugir. Noites bovinas. Noites em que eu choro e rio assim. ‘Muuu!’.
imensas a mugir. Noites bovinas. Noites em que eu choro e rio assim. ‘Muuu!’.
Zaninha volta. Zaninha volta.
Tu tava mugindo? Tu tava mugindo? Socorro
Socorro
É uma reza nova. Um lamento belíssimo. Um bendito sertanejo. Foi feito para o velório de É uma reza nova. Um lamento belíssimo. Um bendito sertanejo. Foi feito para o velório de um boi de estimação.
um boi de estimação. Zaninha
Zaninha
Moça, que demora da gota. Assim o defunto chega aqui já na fedentina. Socorro, tu devia Moça, que demora da gota. Assim o defunto chega aqui já na fedentina. Socorro, tu devia de ver o azulejo do WC dela. Tudo pintado. (Vê Zaninha emocionada). Eita, ta emotivada de ver o azulejo do WC dela. Tudo pintado. (Vê Zaninha emocionada). Eita, ta emotivada de novo, é?
de novo, é? Socorro Socorro
Eu tava palestrando mais ela sobre meu avô. Eu tava palestrando mais ela sobre meu avô. Zaninha
Zaninha
Viuje, Socorro, para que? Olhe, é ela falar disso e o tempo muda. Fique assim não, fia. Viuje, Socorro, para que? Olhe, é ela falar disso e o tempo muda. Fique assim não, fia. Sabe o que seria bom para ela melhorar? O cumê que a senhora aprometeu pra nóis. Sabe o que seria bom para ela melhorar? O cumê que a senhora aprometeu pra nóis. Socorro
Socorro
Zaninha! Ela é assim mesmo, moça. Despachada demais. Toda entregue. Zaninha! Ela é assim mesmo, moça. Despachada demais. Toda entregue. Zaninha
Zaninha
Oxe, eu sou sincera. Agora que eu me esvaziei todinha, tô na precisão de encher o bucho. Oxe, eu sou sincera. Agora que eu me esvaziei todinha, tô na precisão de encher o bucho. Olhe, a reza sai tão mais bonita.
Olhe, a reza sai tão mais bonita. Socorro Socorro Eita, Zaninha. Eita, Zaninha. Zaninha Zaninha Venha cá, me dê um cheiro. Venha cá, me dê um cheiro.
As duas se abraçam. Mulher de luto sai As duas se abraçam. Mulher de luto sai . .
Socorro Socorro
Ela veio ouvir a estória de meu avô. Ela veio ouvir a estória de meu avô. Zaninha
Zaninha
Ela passou por aqui? Ela passou por aqui? Socorro
Socorro
Passou. E eu esqueço o prefume dela? Sinta o cheiro. Passou. E eu esqueço o prefume dela? Sinta o cheiro. Zaninha
Zaninha
Mas quando nós baixa num velório, Ela já fez o seuviço todo e já se foi embora. Mas quando nós baixa num velório, Ela já fez o seuviço todo e já se foi embora. Socorro
Socorro
Se Ela ficou aqui, Ela quer algo de nóis. Se Ela ficou aqui, Ela quer algo de nóis.
Cheiram juntas. Cheiram juntas. Socorro e Zaninha Socorro e Zaninha Eita! Eita! CENA 4 CENA 4 passado passado
Zaninha senta-se ao lado do pai. Zaninha senta-se ao lado do pai.
Zaninha Zaninha
Pai, quero ser que nem a fia de Dona Rosa. Pai, quero ser que nem a fia de Dona Rosa. Senhor Senhor Feia? Feia? Zaninha Zaninha
Não, quero carpir. Não, quero carpir.
Senhor Senhor
Dizem que essa moça, dona Socorro, é meio bruxa, é meio santa. Quer viver grudada na Dizem que essa moça, dona Socorro, é meio bruxa, é meio santa. Quer viver grudada na morte desse jeito, fia?
morte desse jeito, fia? Zaninha
Zaninha
Vou aprender a não ter medo dela não, pai. Vou aprender a não ter medo dela não, pai. Senhor
Senhor
Se ficar amiga da dita cuja, diga para ela me levar logo para perto de sua mãe. Para ela Se ficar amiga da dita cuja, diga para ela me levar logo para perto de sua mãe. Para ela apressar meu desencarne que a saudade lateja em mim todinho que nem gota.
apressar meu desencarne que a saudade lateja em mim todinho que nem gota. Zaninha
Zaninha
Eita, painho. Eu me lembro que toda semana, o senhor levava a aliança de mainha para um Eita, painho. Eu me lembro que toda semana, o senhor levava a aliança de mainha para um moço apertar. O senhor dizia que era mainha que exigia que fosse assim. Queria ajustar a moço apertar. O senhor dizia que era mainha que exigia que fosse assim. Queria ajustar a aliança ao dedo por causo
aliança ao dedo por causo da doença agourenta que a aproximava do da doença agourenta que a aproximava do fim. fim. Mainha queriaMainha queria sentir a aliança presa na carne pouca. Quando chegasse a hora, morreria justinho assim, sentir a aliança presa na carne pouca. Quando chegasse a hora, morreria justinho assim, colado ao afeto que ela tinha pelo senhor. A aliança agarrada a alguma parte saliente dos colado ao afeto que ela tinha pelo senhor. A aliança agarrada a alguma parte saliente dos espírito. Eita, painho.
espírito. Eita, painho.
CENA 5 CENA 5 presente presente
Zaninha adormeceu ao lado do caixão vazio. Socorro acende uma vela.
Zaninha adormeceu ao lado do caixão vazio. Socorro acende uma vela. Zaninha ronca deZaninha ronca de vez em quando.
vez em quando.
Socorro canta a Incelença, mas é interrompida vez em quando pelo ronco de Zaninha. Socorro canta a Incelença, mas é interrompida vez em quando pelo ronco de Zaninha.
Incelença Incelença
“Jesus! Jesus! Jesus! Jesus vai comigo. “Jesus! Jesus! Jesus! Jesus vai comigo. Eu vou com Jesus.
Eu vou com Jesus.
Jesus! Jesus! Jesus me acompanha! Jesus! Jesus! Jesus me acompanha! Jesus seje a minha guia!
Jesus seje a minha guia! Jesus! Jesus! Jesus...” Jesus! Jesus! Jesus...”
A Mulher de luto chega e surpreende Socorro. A Mulher de luto chega e surpreende Socorro.
Mulher de luto Mulher de luto
O cumê tá quase pronto. O cumê tá quase pronto. Socorro
Socorro
E nosso cliente? E nosso cliente?
Deus ta operando. Deus ta operando. Socorro
Socorro
To sentino uma desassossegança no peito. Que nem quando ele se foi. To sentino uma desassossegança no peito. Que nem quando ele se foi. Mulher de luto
Mulher de luto Ele quem, mulé? Ele quem, mulé? Socorro
Socorro
Tive um pretendente, mas não se consumou nada. Num deixaram. (Após leve pausa). Num Tive um pretendente, mas não se consumou nada. Num deixaram. (Após leve pausa). Num é de se espantar, né? é de se espantar, né? Mulher de luto Mulher de luto Porque? Porque? Socorro Socorro
Eu sei. Não precisa me dizer. Eu sei. Não precisa me dizer. Mulher de luto Mulher de luto O que? O que? Socorro Socorro
Pode dizer, diga. Pode dizer, diga. Mulher de luto Mulher de luto
O que? O que ocê quer que eu diga? O que? O que ocê quer que eu diga? Socorro
Socorro
Que eu sou feia. Feia de dar dó, eu sei. Minha mãe dizia isto desde criança para mim. “Ô Que eu sou feia. Feia de dar dó, eu sei. Minha mãe dizia isto desde criança para mim. “Ô meu amorzinho, tão boazinha e tão feiosa.”
meu amorzinho, tão boazinha e tão feiosa.” Mulher de luto
Mulher de luto
Deixe disso, Socorro. Deixe disso, Socorro. Socorro
Socorro
Olhe, menina eu era tão feia que me aconselharam a ter um cachorro porque moça Olhe, menina eu era tão feia que me aconselharam a ter um cachorro porque moça passeando com cachorro atrai pr
passeando com cachorro atrai pretendente. Mas eu arranjei um vira-lata perebento e etendente. Mas eu arranjei um vira-lata perebento e aindaainda assim todos só olhavam para as pereba do cachorro.
assim todos só olhavam para as pereba do cachorro.
Eu nasci numa família de tristes. Filha feia de uma família triste. Fomo tudo educado na Eu nasci numa família de tristes. Filha feia de uma família triste. Fomo tudo educado na lágrima. Não havia um dia em que não se chorasse naquela casa. Sabe como se reconhecia lágrima. Não havia um dia em que não se chorasse naquela casa. Sabe como se reconhecia os traços da família?
os traços da família? Fazendo a criança chorar. Minha avó Fazendo a criança chorar. Minha avó beliscava os menino, quandobeliscava os menino, quando choravam, ela dizia que as feição lembrava a marca da família.
choravam, ela dizia que as feição lembrava a marca da família.
Chorano era todo mundo igual. A mesma prole, o mesmo sangue, o mesmo gosto do choro. Chorano era todo mundo igual. A mesma prole, o mesmo sangue, o mesmo gosto do choro. Minha avó nunca usou outra cor senão preto. Depois que meu avô se foi, ela vestia mais e Minha avó nunca usou outra cor senão preto. Depois que meu avô se foi, ela vestia mais e mais roupas e peças pretas. Aumentou, aumentou na sucedência dos mortos da família. Ela mais roupas e peças pretas. Aumentou, aumentou na sucedência dos mortos da família. Ela dizia:
dizia:
“Para que tirar o luto? Tem sempre alguém morreno no mundo”. “Para que tirar o luto? Tem sempre alguém morreno no mundo”. Mulher de luto
Mulher de luto
Isto é que é uma filosofia sentida, né menino? Isto é que é uma filosofia sentida, né menino? Socorro
Socorro
Olhe, nos dias de velóro, todos tinham que vestir a noite. Nosso varal parecia que não Olhe, nos dias de velóro, todos tinham que vestir a noite. Nosso varal parecia que não
amanhecia de luto estendido de canto a canto. (Segredando). Eu ainda tentava usar uns pano amanhecia de luto estendido de canto a canto. (Segredando). Eu ainda tentava usar uns pano colorido nas calçola para me animar por dentro. Na cidade, tinha as bandeira dos festejos e colorido nas calçola para me animar por dentro. Na cidade, tinha as bandeira dos festejos e nós, tudo preso dentro de casa. Agente se arrastava até a porta e pelas fresta, via rasgos de nós, tudo preso dentro de casa. Agente se arrastava até a porta e pelas fresta, via rasgos de vermeio, azul, amarelo. Era um custo para ver a alegria.
vermeio, azul, amarelo. Era um custo para ver a alegria.
Foi quando eu comecei a cuidar. De todos. A me especializar na dor. Dos outros. Foi quando eu comecei a cuidar. De todos. A me especializar na dor. Dos outros.
De um quebranto até gota, de resfriado até doença de operar, aquelas que tem que viajar na De um quebranto até gota, de resfriado até doença de operar, aquelas que tem que viajar na ambulânça da prefeitura para tratar em outra cidade.
Eu andei, viu fia? Longe podia de ser qualquer distança. Se me dissesse, ‘vamo para o sul’, Eu andei, viu fia? Longe podia de ser qualquer distança. Se me dissesse, ‘vamo para o sul’, eu ia de a pé mermo. Eu cunfiava nas distança, eu era do caminho.
eu ia de a pé mermo. Eu cunfiava nas distança, eu era do caminho.
Era eu quem cuidava dos meus parentes macambuzo, parecia uma mucama. Era eu quem cuidava dos meus parentes macambuzo, parecia uma mucama. Arrumava a morte de cada um deles.
Arrumava a morte de cada um deles.
“Chame Socorro, chame. Zezinho já foi desenganado.” “Chame Socorro, chame. Zezinho já foi desenganado.”
Aprendi a fazer mezinha para doente, rezei incelença para moribundo, vesti morto e comecei Aprendi a fazer mezinha para doente, rezei incelença para moribundo, vesti morto e comecei a carpir.
a carpir.
(Segredando. Morta de vergonha.) (Segredando. Morta de vergonha.) Nunca soube de homem a não ser os
Nunca soube de homem a não ser os defuntos que os parentes desdefuntos que os parentes despiam nas quartinhas depiam nas quartinhas de velório.
velório.
Foi assim que eu conheci um pinto. Espiava durante os banhos fúnebres, quando arriavam os Foi assim que eu conheci um pinto. Espiava durante os banhos fúnebres, quando arriavam os pijama, enfim conheci pinto quase por acidente.
pijama, enfim conheci pinto quase por acidente.
De qualquer modo, todos passaram a me querer bem depois que tratei da família. De qualquer modo, todos passaram a me querer bem depois que tratei da família. Conheci todos os tipos de maleitas, de despedidas, de choros, de alívios.
Conheci todos os tipos de maleitas, de despedidas, de choros, de alívios. Sabia as coisas do fim.
Sabia as coisas do fim.
Reconhecia de longe aquele que ia vingar e aquele que não. Reconhecia de longe aquele que ia vingar e aquele que não. “Esse se conclui hoje”.
“Esse se conclui hoje”.
Acho que Ela soprava no meu juízo sua decisão. Acho que Ela soprava no meu juízo sua decisão.
Sentem um arrepio. Leve ventania. Sentem um arrepio. Leve ventania.
Socorro Socorro Tu sentiu? Tu sentiu? Mulher de luto Mulher de luto
Um anjinho passou pro aqui. Um anjinho passou pro aqui. Socorro
Socorro
Aprendi muito com Ela. Aprendi que muita coisa acontece depois da morte. Aprendi muito com Ela. Aprendi que muita coisa acontece depois da morte. Sobra um fiapo de vida nos corpo: gases, ar, comida, vermes, suspiro, safadeza. Sobra um fiapo de vida nos corpo: gases, ar, comida, vermes, suspiro, safadeza. E de cadáver em cadáver, eu aprendi o amor.
E de cadáver em cadáver, eu aprendi o amor. Mulher de luto
Mulher de luto E quem foi ele? E quem foi ele? Socorro
Socorro
Foi o Pedro. Pedro era filho de meu padrinho em Sertânia. Foi o Pedro. Pedro era filho de meu padrinho em Sertânia.
Tinha uma maleita sem cura. Envelhecia tudo. Rápido que nem chuvisco no sertão. Tinha uma maleita sem cura. Envelhecia tudo. Rápido que nem chuvisco no sertão. Levou uma semana, para ele me tocar o braço e dizer: “Nunca ninguém me beijou”. Eu Levou uma semana, para ele me tocar o braço e dizer: “Nunca ninguém me beijou”. Eu disse: “Nem a mim”. Nos beijamo. Foi minha primeira vez. À beira da cama dele. disse: “Nem a mim”. Nos beijamo. Foi minha primeira vez. À beira da cama dele. Ele antes de morrer dizia: “Você é a melhor imagem para quem se vai”. Num foi lindo? Ele antes de morrer dizia: “Você é a melhor imagem para quem se vai”. Num foi lindo? Mulher de luto
Mulher de luto E Pedro? E Pedro?
Socorro(Após uma pausa). Socorro(Após uma pausa).
Pela primeira vez eu fui carpir por fora vestido de luto, mas por dentro eu fui de noiva. Pela primeira vez eu fui carpir por fora vestido de luto, mas por dentro eu fui de noiva. Foi Ela. Foi ali que eu entendi. A morte me deu ele, a morte me levou. Depois dele, homem Foi Ela. Foi ali que eu entendi. A morte me deu ele, a morte me levou. Depois dele, homem nunca mais.
nunca mais.
É Deus no início, Deus no final. Eita, meu Deus, Pedro. É Deus no início, Deus no final. Eita, meu Deus, Pedro.
A vela se apaga. Socorro faz o sinal da cruz. Zaninha acorda num rompante. A vela se apaga. Socorro faz o sinal da cruz. Zaninha acorda num rompante.
Zaninha Zaninha Ela chegou? Ela chegou? Socorro Socorro
Viuje, quase me matou de susto. Melhor tu ficar roncado que assusta menos. Viuje, quase me matou de susto. Melhor tu ficar roncado que assusta menos. Mulher de luto(Saindo de cena)
Mulher de luto(Saindo de cena) Eu vou buscar o cume.
Eu vou buscar o cume. Zaninha
Zaninha
Sonhei com ela, mulé. Sonhei com ela, mulé. Socorro
Socorro
Foi nada. Olhe, quando eu senti, bem no meio de palestra com nossa contratante, ela passar; Foi nada. Olhe, quando eu senti, bem no meio de palestra com nossa contratante, ela passar; foi como se ela quisesse dizer, estou me aproximano.
foi como se ela quisesse dizer, estou me aproximano. Zaninha(Saindo) Zaninha(Saindo) Vamos embora? Vamos embora? Socorro(Segurando-a) Socorro(Segurando-a)
Primeiro agente termina o seuviço, né fia? Agente nunca enjeitou defunto. Adepois, nóis Primeiro agente termina o seuviço, né fia? Agente nunca enjeitou defunto. Adepois, nóis some nas brenha de novo. E rápido.
some nas brenha de novo. E rápido. Zaninha
Zaninha
Tu te alembra do que ela aprometeu, mulé? Ela aprometeu voltar. Tu te alembra do que ela aprometeu, mulé? Ela aprometeu voltar. Socorro
Socorro
E como que se esquece uma promessa dessa? Mermo despois de tanto tempo. E como que se esquece uma promessa dessa? Mermo despois de tanto tempo. Zaninha
Zaninha
E Ela tiver chegano junto porque tá chegano nossa hora de largar a casca e se promover a E Ela tiver chegano junto porque tá chegano nossa hora de largar a casca e se promover a defunto.
defunto. Socorro Socorro
Será que Ela ta vindo para levar nóis mais Ela? Será que Ela ta vindo para levar nóis mais Ela? Mulher de luto.(Chega trazendo a comida) Mulher de luto.(Chega trazendo a comida) Pronto.
Pronto.
As duas começam a comer ao lado do caixão vazio. As duas começam a comer ao lado do caixão vazio.
Mulher de luto Mulher de luto
Tá boa a comida? (Elas acenam que ‘sim’ sem parar de comer). Tá boa a comida? (Elas acenam que ‘sim’ sem parar de comer). Zaninha(Levanta-se e fala com a boca cheia)
Zaninha(Levanta-se e fala com a boca cheia)
Quero lhe fazer uma homenagem verdadeira. Na minha existência de ser humana, eu não Quero lhe fazer uma homenagem verdadeira. Na minha existência de ser humana, eu não esperançava aconhecer um cuscuz de coco tão gostoso.
esperançava aconhecer um cuscuz de coco tão gostoso. Mulher de luto
Mulher de luto
Obrigado. Dizem por aí que ocês não morrem nunca. (As duas se olham). De tanto se amigar Obrigado. Dizem por aí que ocês não morrem nunca. (As duas se olham). De tanto se amigar com a morte, ocês ganharam a eternidade da comadre. É verdade?
com a morte, ocês ganharam a eternidade da comadre. É verdade? Socorro
Socorro
O povo fala muito. O povo fala muito. Zaninha
Zaninha
A senhora tem mais açúcar? A senhora tem mais açúcar? Socorro Socorro Zaninha! Zaninha! Zaninha Zaninha
É que eu gosto bem doce. É que eu gosto bem doce. Socorro
A que horas chega o defunto? Se ele demorar muito, a sua dispensa vai dá o créu com a A que horas chega o defunto? Se ele demorar muito, a sua dispensa vai dá o créu com a fome dela. fome dela. Zaninha Zaninha Te aquieta. Te aquieta. Mulher de luto Mulher de luto
Ele vai demorar não. Ele vai demorar não.
As duas seguem comendo. As duas seguem comendo.
Mulher de luto Mulher de luto
Eu acerto dinheiro bom para ocês ficar mais tempo. Eu acerto dinheiro bom para ocês ficar mais tempo. Socorro
Socorro
Olhe, moça, precisa de paga não. Agente faz é porque o coração pede. Olhe, moça, precisa de paga não. Agente faz é porque o coração pede. Zaninha
Zaninha
Basta um cumezinho bom e nóis fica muito feliz da nossa vida. Basta um cumezinho bom e nóis fica muito feliz da nossa vida. Mulher de luto
Mulher de luto
Querem uma caninha? Querem uma caninha?
As duas se olham. Zaninha senta e arrasta Socorro. As duas se olham. Zaninha senta e arrasta Socorro.
Zaninha(Animada) Zaninha(Animada)
Eita, Socorro. É hoje que nóis vai rezar bonito. É porque limpa a garganta, sabe? Abre os Eita, Socorro. É hoje que nóis vai rezar bonito. É porque limpa a garganta, sabe? Abre os caminho para a voz, para falar com os anjo.
caminho para a voz, para falar com os anjo. Socorro
Socorro
Esse defunto ta certo de que se vai? Esse defunto ta certo de que se vai? Mulher de luto
Mulher de luto
Queria estar enganada. Queria estar enganada. Zaninha
Zaninha
Porque tem aqueles que mudam de idéia. Porque tem aqueles que mudam de idéia. Mulher de luto
Mulher de luto
Muitos voltam? Tem os arrependido, né? Muitos voltam? Tem os arrependido, né? Zaninha
Zaninha
Olhe é mais comum do que mulher parindo. Eu fui a um velório de seu Zé do Ovo. Olhe é mais comum do que mulher parindo. Eu fui a um velório de seu Zé do Ovo. Mulher de luto
Mulher de luto
Como era o nome dele? Como era o nome dele? Zaninha Zaninha Zé do Ovo. Zé do Ovo. Mulher de luto Mulher de luto
Porque ele tinha esse nome? Porque ele tinha esse nome? Zaninha(Rindo)
Zaninha(Rindo) Melhor não explicar. Melhor não explicar. Socorro(Rindo) Socorro(Rindo) Melhor não. Melhor não. Zaninha Zaninha
O velório lotado. Apoi quando a vizinha Dona Ema espirrou, o defunto, seu Zé do Ovo O velório lotado. Apoi quando a vizinha Dona Ema espirrou, o defunto, seu Zé do Ovo voltou do lado de lá. Dizeno ele que voltou do susto que levou com o espirro de Dona Ema. voltou do lado de lá. Dizeno ele que voltou do susto que levou com o espirro de Dona Ema.
Deu um mês, ele partiu de novo. E dona Ema foi de novo velar. Quando a vizinha foi Deu um mês, ele partiu de novo. E dona Ema foi de novo velar. Quando a vizinha foi chegando perto do caixão, a viúva Dona Choca...
chegando perto do caixão, a viúva Dona Choca... Zaninha e Socorro
Zaninha e Socorro Melhor não explicar. Melhor não explicar. Zaninha
Zaninha
A viúva, Dona Choca, mulher de seu Zé do Ovo, que num agüentava mais o falecido, A viúva, Dona Choca, mulher de seu Zé do Ovo, que num agüentava mais o falecido, agarrou Dona Ema e disse: “Tu fica, mas se tu espirrar de novo, eu te mato”. Foi. agarrou Dona Ema e disse: “Tu fica, mas se tu espirrar de novo, eu te mato”. Foi. Socorro
Socorro
Lembra de Seu Aprígio que voltou para dizer que a reza tava funcionando? Veio Lembra de Seu Aprígio que voltou para dizer que a reza tava funcionando? Veio especialmente para nos elogiar.
especialmente para nos elogiar. Zaninha
Zaninha
Mentira, ele veio reclamar de nossa desafinação. Voltou e pôs a mão nos ouvido, Mentira, ele veio reclamar de nossa desafinação. Voltou e pôs a mão nos ouvido, desesperado que tava.
desesperado que tava. Socorro
Socorro
Tu não me endoida não, Zaninha. Ele veio dizer que nem os anjo cantava como nós. Tu não me endoida não, Zaninha. Ele veio dizer que nem os anjo cantava como nós. Zaninha
Zaninha
Deixe de ser iludida. Ele veio brabo, levantou-se e gritou: Deixe de ser iludida. Ele veio brabo, levantou-se e gritou:
“Vocês querem me conduzir para o inferno ou para o céu? Com essa cantoria de seriema “Vocês querem me conduzir para o inferno ou para o céu? Com essa cantoria de seriema rouca? Fiquem quieta que eu tenho mais chance com os Alto.”
rouca? Fiquem quieta que eu tenho mais chance com os Alto.” Socorro
Socorro
Eu me lembro dele sentando no caixão e beijando nossas mãos e dizendo que São Pedro Eu me lembro dele sentando no caixão e beijando nossas mãos e dizendo que São Pedro guardou um lugar especial para nós no coreto do céu.
guardou um lugar especial para nós no coreto do céu. Zaninha
Zaninha
Ele sentou-se foi para reclamar do caixão. Disse que compraram caixão mal-feito. Que nem Ele sentou-se foi para reclamar do caixão. Disse que compraram caixão mal-feito. Que nem os verme avisitava ele em madeira tão vagabunda. Que povo mais pirangueiro.
os verme avisitava ele em madeira tão vagabunda. Que povo mais pirangueiro. Socorro
Socorro
Ele arrancou um pedaço do veludo, beijou e lançou para gente. Ele arrancou um pedaço do veludo, beijou e lançou para gente. Zaninha
Zaninha
Tu tava com outra carpideira, foi? Tu tava com outra carpideira, foi? Socorro
Socorro
Foi mais tu, mulé. Foi mais tu, mulé. Zaninha Zaninha Eu num alembro. Eu num alembro. Socorro Socorro
Nem eu do que tu disse. Nem eu do que tu disse.
Zaninha Zaninha
Mulé, olhe o tempo. Mulé, olhe o tempo. Socorro
Socorro
Olhe o tempo, Zaninha, enganando nois. Olhe o tempo, Zaninha, enganando nois.
É o tempo, fia fazeno arte na lembrança da gente. É o tempo, fia fazeno arte na lembrança da gente. Mulher de luto
Mulher de luto
E ocês num tiveram cria nenhuma? E ocês num tiveram cria nenhuma?
Silêncio. Silêncio.
Socorro Socorro
Num fale do fio dela, não. Isto é uma melancolia na vida dela. Num fale do fio dela, não. Isto é uma melancolia na vida dela.
Zaninha Zaninha
Eita, chamaram o silêncio para junto deu. Eita, chamaram o silêncio para junto deu.
Porta ao fundo se abre. As duas se abraçam de novo. Mulher de luto sai para fechar a Porta ao fundo se abre. As duas se abraçam de novo. Mulher de luto sai para fechar a porta.
porta.
Socorro Socorro
Eu tô sentindo ela. Ela veio cobrar nóis. Eu tô sentindo ela. Ela veio cobrar nóis. Zaninha
Zaninha
Tu te alembra da última vez que nóis pôs a vista nEla, Socorro? Tu te alembra da última vez que nóis pôs a vista nEla, Socorro? Socorro
Socorro
Saia! Saia! O que ocê quer num tá aqui. Saia! Saia! O que ocê quer num tá aqui.
Ouve-se uma risada. Troca de olhares entre as duas. Ouve-se uma risada. Troca de olhares entre as duas.
Mulher de luto(voltando) Mulher de luto(voltando) Pronto, tranquei a porta. Pronto, tranquei a porta.
As duas pulam dentro do caixão no susto. As duas pulam dentro do caixão no susto.
CENA 6 CENA 6 passado passado
Zaninha chegando na casa de Socorro muito alegre. Zaninha chegando na casa de Socorro muito alegre.
Zaninha Zaninha
Dona Socorro. Dona Socorro. Dona Socorro. Dona Socorro. Socorro
Socorro
Que foi menina? Que foi menina? Zaninha (Eufórica) Zaninha (Eufórica)
Diz que morreu gente na casa de seu Eurico, estão chamando a senhora. Posso ir mais a Diz que morreu gente na casa de seu Eurico, estão chamando a senhora. Posso ir mais a senhora, posso?
senhora, posso? Socorro
Socorro
Esconde essa dentadura, fia. Esconde essa dentadura, fia. Zaninha
Zaninha
Pai deixou. Eu escolhi essa roupa, tá bonita? Pai deixou. Eu escolhi essa roupa, tá bonita? Socorro
Socorro
Eu escolho quando você se ajunta mais eu. Ou mió, Ela escolhe a hora. Eu escolho quando você se ajunta mais eu. Ou mió, Ela escolhe a hora. Zaninha
Zaninha
Eu aprometo ficar calada. Eu aprometo ficar calada. Socorro
Socorro
Só se eu quebrar seus dente para tu não rir e fatiar a língua para não falar. Tu acha que é Só se eu quebrar seus dente para tu não rir e fatiar a língua para não falar. Tu acha que é assim feito melaço no queijo, é? Ela num chega assim toda facilitada para cima de tu, não. assim feito melaço no queijo, é? Ela num chega assim toda facilitada para cima de tu, não. Ela chega no respeito, nas economia do gracejo. Vez em quando é que Ela fala.
Ela chega no respeito, nas economia do gracejo. Vez em quando é que Ela fala. Zaninha
E a voz é bunita? E a voz é bunita? Socorro
Socorro
Deixe de ser iludida. O chefe aqui é ela. Agente ganha uns ano nessa vida, mas ela pede em Deixe de ser iludida. O chefe aqui é ela. Agente ganha uns ano nessa vida, mas ela pede em troca. troca. Zaninha amuou. Zaninha amuou. Socorro Socorro
Tu quer muito ser que nem eu, é? ( Zaninha acena que sim). Ela vai ter que lhe ensinar Tu quer muito ser que nem eu, é? ( Zaninha acena que sim). Ela vai ter que lhe ensinar respeito por ela para agente trabaia juntas, menina.
respeito por ela para agente trabaia juntas, menina. Zaninha Zaninha Quando? Quando? Socorro Socorro
Adepois que você for mãe, vai aprender a temer a morte. Vai orar toda noite para que ela se Adepois que você for mãe, vai aprender a temer a morte. Vai orar toda noite para que ela se afaste de sua cria. Quando você sentir a força dela, vamos poder negociar.
afaste de sua cria. Quando você sentir a força dela, vamos poder negociar. Zaninha
Zaninha
Mas eu sou lacrada. Não conheço homem. Mas eu sou lacrada. Não conheço homem. Socorro
Socorro
Pois trate de arranjar. Quando você temer a perda, você vai ficar pronta para trabalhar mais Pois trate de arranjar. Quando você temer a perda, você vai ficar pronta para trabalhar mais ela. (Pausa). Assim Ela me disse.
ela. (Pausa). Assim Ela me disse. Zaninha
Zaninha
A senhora fala com Ela? A senhora fala com Ela? Socorro
Socorro
Não, fia. Ela é quem fala comigo. Não, fia. Ela é quem fala comigo.
Zaninha(Para si mesma) Zaninha(Para si mesma) Arrumar um fio! Arrumar um fio! CENA 7 CENA 7 passado passado
Quarto de Zaninha. Ela está deitada embaixo de um cobertor pesado. Quarto de Zaninha. Ela está deitada embaixo de um cobertor pesado.
Pai(Fora de cena) Pai(Fora de cena)
Entre seu Nonato. Entre. Entre seu Nonato. Entre. Nonato(Fora de cena) Nonato(Fora de cena)
Licença, viu. Ela apresentou melhora? Licença, viu. Ela apresentou melhora?
Enquanto eles falam ainda fora de cena, Zaninha molha o rosto. Ajeita-se e finge de doente. Enquanto eles falam ainda fora de cena, Zaninha molha o rosto. Ajeita-se e finge de doente.
Pai Pai
Está só delirando, meu fio. A febre ta alta. Toda castigada. Cagando fogo, comendo nada. Está só delirando, meu fio. A febre ta alta. Toda castigada. Cagando fogo, comendo nada. Nonato Nonato Posso entrar? Posso entrar? Pai Pai
Pode, ela veve a repetir seu nome. Se achegue, se achegue. Pode, ela veve a repetir seu nome. Se achegue, se achegue.
Nonato entra. Nonato pode ser típico galã nordestino. Nonato entra. Nonato pode ser típico galã nordestino.
Nonato Nonato Zaninha? Zaninha? Zaninha Zaninha
Jesus, eu tô vendo o Senhor. Chegou a hora, chegou? Jesus, eu tô vendo o Senhor. Chegou a hora, chegou? Nonato
Nonato
Sou eu, Zaninha. Sou eu, Zaninha. Zaninha
Zaninha
Eu, quem? São Judas? É São Judas? Eu, quem? São Judas? É São Judas? Nonato.
Nonato.
Não, sou eu. Nonato. Não, sou eu. Nonato.
Zaninha Zaninha
Eu não lhe escuto direito não. Eu vou mais o Senhor, eu vou. Eu não lhe escuto direito não. Eu vou mais o Senhor, eu vou. Nonato
Nonato
Viuje que ela já ta quase do outro lado. Viuje que ela já ta quase do outro lado. Zaninha
Zaninha
Mas só lhe peço que cuide de Nonato. Eu amo ele, senhor. Se eu vingasse, eu queria casar Mas só lhe peço que cuide de Nonato. Eu amo ele, senhor. Se eu vingasse, eu queria casar mais ele, ter fio com ele.
mais ele, ter fio com ele. Nonato
Nonato
Mais eu? Eita! Ta ardendo em febre. Mais eu? Eita! Ta ardendo em febre. Zaninha
Zaninha
Ele é o homem mais lindo do Cariri inteiro. Quando eu vi ele na festa junina vestido de Ele é o homem mais lindo do Cariri inteiro. Quando eu vi ele na festa junina vestido de
noivo, ave Maria, eu quase parei de respirar. Ele é tão lindo que parece uma pamonha quente noivo, ave Maria, eu quase parei de respirar. Ele é tão lindo que parece uma pamonha quente com a manteiga derretendo-se toda pro cima. Quase pedi ao padre para casar nóis ali mesmo com a manteiga derretendo-se toda pro cima. Quase pedi ao padre para casar nóis ali mesmo no meio da festa junina. Ele é minha completude e eu sei que ele tem sentimento neu.
no meio da festa junina. Ele é minha completude e eu sei que ele tem sentimento neu. (Tosse).
(Tosse). Nonato Nonato
Zaninha, eu fico mais tu. Zaninha, eu fico mais tu. Zaninha(Mais dramática) Zaninha(Mais dramática)
Que luz bonita. É o paraíso, é? É para eu ir mais o senhor, é? To ouvindo não. Fale mais Que luz bonita. É o paraíso, é? É para eu ir mais o senhor, é? To ouvindo não. Fale mais alto. Essa aí do seu lado é Santana, é? Se eu voltar, se o senhor me der outra chance, eu alto. Essa aí do seu lado é Santana, é? Se eu voltar, se o senhor me der outra chance, eu prometo viver para Nonato.( Zaninha encena
prometo viver para Nonato.( Zaninha encena a ascensão para os céusa ascensão para os céus, Nonato quer segurá-, Nonato quer segurá-la).
la). Nonato Nonato
Morra não. Viva e eu me caso com ocê. Morra não. Viva e eu me caso com ocê. Zaninha
Zaninha
Eita, é nossa senhora. Eita, é nossa senhora. Nonato
Nonato
Volte, venha. (Sacudindo-a). Eu me caso. Eu me caso!!! Volte, venha. (Sacudindo-a). Eu me caso. Eu me caso!!! Zaninha Zaninha O que? Quem? O que? Quem? Nonato Nonato
Sou eu, Zaninha. O seu Nonato. Sou eu, Zaninha. O seu Nonato. Zaninha
Oh, meu amor. Milagre, ocê veio me salvar. Eu já tava de braço dado com Pedrão. Do lado Oh, meu amor. Milagre, ocê veio me salvar. Eu já tava de braço dado com Pedrão. Do lado dele. Sinta o prefume dele, sinta. Ele ta me chamando.(Querendo ir) Eu tô em dúvida. Vou dele. Sinta o prefume dele, sinta. Ele ta me chamando.(Querendo ir) Eu tô em dúvida. Vou ou fico? Vou ou fico? Vou ou fico?
ou fico? Vou ou fico? Vou ou fico? Nonato
Nonato
Não! Agora ocê é pertence meu. Não! Agora ocê é pertence meu.
Beijam-se Beijam-se..
Nonato Nonato
Eu lhe quero bem. Você era moça que mais rebriava naquela festa. Eu lhe quero bem. Você era moça que mais rebriava naquela festa. Zaninha(Já mais recuperada)
Zaninha(Já mais recuperada) Ah, se sesse.
Ah, se sesse. Nonato Nonato
E deixa de num for E deixa de num for Zaninha Zaninha Ah, já to me encabulando. Ah, já to me encabulando. Nonato Nonato
Se eu subesse eu tinha vinhedo mais rápido. Zaninha, quer namorar mais eu? Se eu subesse eu tinha vinhedo mais rápido. Zaninha, quer namorar mais eu? Zaninha
Zaninha
Namorar? Quero não. Namorar? Quero não. Nonato Nonato Não? Não? Zaninha Zaninha
Eu to com precisão de outra coisa. De ter uma cria mais tu. Eu to com precisão de outra coisa. De ter uma cria mais tu. Nonato
Nonato
Zaninha, nós nem se casou. Zaninha, nós nem se casou. Zaninha
Zaninha
Mas ocê aprometeu! O senhor ouviu pai? Mas ocê aprometeu! O senhor ouviu pai? Pai(Fora de cena) Pai(Fora de cena) Ouvi! Ouvi! Zaninha Zaninha
Mas, olhe, eu preciso ter um filho logo. Se der, em menos de nove meses. Do jeito que for Mas, olhe, eu preciso ter um filho logo. Se der, em menos de nove meses. Do jeito que for mais rápido. O senhor conhece os mecanismo, né? Dessas esfregação, o senhor conhece mais rápido. O senhor conhece os mecanismo, né? Dessas esfregação, o senhor conhece alguma mais rápida para parir menino
alguma mais rápida para parir menino Nonato
Nonato
A senhora me avexou todinho. Até onde se sabe, os avanço cientificista nessa área são A senhora me avexou todinho. Até onde se sabe, os avanço cientificista nessa área são pouco. O jeito é o usual mesmo.
pouco. O jeito é o usual mesmo. Zaninha Zaninha Então vamo. Então vamo. Nonato Nonato Zaninha,
Zaninha, ocê ocê ficou ficou boa?boa? Zaninha(Tossindo falsa) Zaninha(Tossindo falsa)
Aos poucos. Foi o susto. Foi você. Foi o seu amor. (Beija-lhe carinhosa) mas entonce vamos Aos poucos. Foi o susto. Foi você. Foi o seu amor. (Beija-lhe carinhosa) mas entonce vamos começar a fazedura de menino é agora.
começar a fazedura de menino é agora.
Abre espaço para ele embaixo dos lençóis. Abre espaço para ele embaixo dos lençóis.
Nonato Nonato
Seu pai está na outra sala. Seu pai está na outra sala. Zaninha
Zaninha
E se eu piorar de novo e me for amanhã? Pelo menos eu morro vitoriosa porque pertenci a E se eu piorar de novo e me for amanhã? Pelo menos eu morro vitoriosa porque pertenci a tu, meu bolo de mandioca.
tu, meu bolo de mandioca. Nonato
Nonato
Que coisa linda! Nunca ninguém me disse uma coisa assim. Eu me caso, eu me caso mais tu. Que coisa linda! Nunca ninguém me disse uma coisa assim. Eu me caso, eu me caso mais tu.
Somem-se embaixo dos lençóis. Somem-se embaixo dos lençóis.
Sugestão: passagem dos lençóis dos amantes para o parto. Sugestão: passagem dos lençóis dos amantes para o parto. CENA 8
CENA 8 passado passado
Socorro fazendo o parto de Zaninha. Socorro com o filho no colo. Socorro fazendo o parto de Zaninha. Socorro com o filho no colo.
Socorro Socorro
Agora que tu sabe o que é o amor, tu sabe o que é o medo da perda. Tu está pronta. Agora que tu sabe o que é o amor, tu sabe o que é o medo da perda. Tu está pronta. Zaninha
Zaninha
To afoita para cumeçar. To afoita para cumeçar. Socorro Socorro Cadê o cordão? Cadê o cordão? Zaninha Zaninha Que cordão? Que cordão? Socorro Socorro O cordão imbilical. O cordão imbilical. Zaninha Zaninha
Procure, mulé, deve de tá por aí. Procure, mulé, deve de tá por aí. Socorro
Socorro
Tá não, a criança nasceu desapegada de tudo, como se não tivesse costura com a mãe. Tá não, a criança nasceu desapegada de tudo, como se não tivesse costura com a mãe. Zaninha Zaninha Me dê ele, Socorro. Me dê ele, Socorro. Socorro Socorro
Tome, dê de mamar logo antes que ela o faça. Tome, dê de mamar logo antes que ela o faça.
Socorro entrega o bebê envolto em panos nos braços de Zaninha. Zaninha chora abraçando Socorro entrega o bebê envolto em panos nos braços de Zaninha. Zaninha chora abraçando a criança. a criança. Zaninha Zaninha Ela? Ela? Socorro Socorro
Ela quer o menino. Ela quer o menino. Zaninha
Zaninha
Ele enjeitou meu peito. Ele enjeitou meu peito.
Socorro Socorro
Ele arrotou? O menino já mamou? Ele arrotou? O menino já mamou? Zaninha Zaninha Eita, socorro. Eita, socorro. Socorro Socorro
Eita, Zaninha. O menino é dela. Eita, Zaninha. O menino é dela.
CENA 9 CENA 9 passado passado
Socorro ensinando algumas regras/o ofício a Zaninha. Zaninha carregando o filho no colo, Socorro ensinando algumas regras/o ofício a Zaninha. Zaninha carregando o filho no colo, está dando de mamar.
está dando de mamar.
Socorro Socorro
A casa fica sem ser varrida por oito dias e nem se come carne nesse ínterim. A casa fica sem ser varrida por oito dias e nem se come carne nesse ínterim. Zaninha
Zaninha
Viuje, quanta coisa. Esse negócio de morrer dá muito trabalho. Viuje, quanta coisa. Esse negócio de morrer dá muito trabalho. Socorro
Socorro
Tem que ser uma mulher, sempre, uma mulher a carpir. Homem nenhum pode se enxerir em Tem que ser uma mulher, sempre, uma mulher a carpir. Homem nenhum pode se enxerir em trabalho nosso. Cuidado para não trazer t
trabalho nosso. Cuidado para não trazer terra da casa do morto erra da casa do morto para dentro da sua. para dentro da sua. Tem queTem que bater até sair a areia todinha do velório. Tem que amar
bater até sair a areia todinha do velório. Tem que amarrar um cordão na cintura do defurar um cordão na cintura do defuntonto dando sete nós e rezando um pai-nosso e uma ave-Maria para cada nó dado. Quando se jogar dando sete nós e rezando um pai-nosso e uma ave-Maria para cada nó dado. Quando se jogar terra sob o morto tem que pedir que ele lhe arranje um lugar bem bom para onde ele está terra sob o morto tem que pedir que ele lhe arranje um lugar bem bom para onde ele está indo.
indo. Zaninha Zaninha
E se ele for lá para baixo? E se ele for lá para baixo? Socorro
Socorro
É cada pergunta que tu faz. Na dúvida, só jogue terra em quem tu confia nos destino. É cada pergunta que tu faz. Na dúvida, só jogue terra em quem tu confia nos destino. Zaninha Zaninha Ai, Jesus. Ai, Jesus. Socorro Socorro O que foi? O que foi? Zaninha Zaninha
Não sai mais leite. Secou. Não sai mais leite. Secou.
Socorro Socorro Doeu a mama? Doeu a mama? Zaninha Zaninha
Tá doendo. E como que o menino fica sem o leite? Tá doendo. E como que o menino fica sem o leite? Socorro
Socorro
Não fica se ocê deixar eu amamentar. Não fica se ocê deixar eu amamentar.
Zaninha Zaninha Ocê tem? Ocê tem? Socorro Socorro
Já dei leite até para bezerro. Dê cá o bichinho. Já dei leite até para bezerro. Dê cá o bichinho.
Socorro dá de mamar e continuam o aprendizado do carpir. Socorro dá de mamar e continuam o aprendizado do carpir.
Socorro Socorro
O defunto deve de vestir a melhor roupa. Roupa de missa, de ir ao médico. Entendeu? O defunto deve de vestir a melhor roupa. Roupa de missa, de ir ao médico. Entendeu? Zaninha
Zaninha
Mesmo se a roupa for de chita e colorida? Mesmo se a roupa for de chita e colorida? Socorro(Não sabe a resposta, tenta disfarçar) Socorro(Não sabe a resposta, tenta disfarçar)
Cada pergunta que ocê faz. Outra coisa: durante um ano, só se fala do morto como o Cada pergunta que ocê faz. Outra coisa: durante um ano, só se fala do morto como o defunto, adepois de um ano, passa a chamá-lo de o falecido. Quando o defunto acabou de defunto, adepois de um ano, passa a chamá-lo de o falecido. Quando o defunto acabou de passar, o melhor é entoar o ben
passar, o melhor é entoar o bendito de São Pedro, o porteiro, para ele abrir dito de São Pedro, o porteiro, para ele abrir as porta do céuas porta do céu para o referido. Cante mais eu.
para o referido. Cante mais eu. Socorro e aos poucos Zaninha Socorro e aos poucos Zaninha “Meu Sinhô São Pedro
“Meu Sinhô São Pedro chaveiro do céu
chaveiro do céu vós nos abra a porta vós nos abra a porta que eu não sô herege que eu não sô herege Aqui chego uma alma Aqui chego uma alma Nas portas do céu Nas portas do céu
Vós nos abra a porta Vós nos abra a porta Pelo santo véu
Pelo santo véu
Vós nos abra a porta Vós nos abra a porta Amanhã bem cedo Amanhã bem cedo Que eu quero ir pro céu Que eu quero ir pro céu Mais Sinhô São Pedro Mais Sinhô São Pedro Vós nos abra a porta Vós nos abra a porta Pelo Bom Jesus Pelo Bom Jesus Eu quero ir pro céu Eu quero ir pro céu Mais a santa Cruz”. Mais a santa Cruz”. Zaninha Zaninha Ele dormiu. Ele dormiu. Socorro Socorro
Espie coisa mais preciosa. Ele gostou das incelença. Espie coisa mais preciosa. Ele gostou das incelença.
As duas olhando para o menino. As duas olhando para o menino.
Zaninha Zaninha E o nome do menino? E o nome do menino? Socorro Socorro
Num vou dar nome não para morte não
Num vou dar nome não para morte não saber como chamar. Eu não dei nome para saber como chamar. Eu não dei nome para minhaminha burrinha e ela tá viva inté hoje. Porque tudo para