CURSO – Delegado de Polícia Civil do Estado do Pará Nº 04
DATA – 27/08/2016
DISCIPLINA – Direito Processual Penal
PROFESSOR – Rodrigo Bello
MONITORA – Marcela Macedo
AULA 04 – Inquérito Policial – Continuação
Inquérito Policial
1. Características do Inquérito Policial 1.1 Inquisitoriedade
A Inquisitoriedade é a não aplicação dos princípios da ampla defesa e contraditório durante a investigação. A ampla defesa é a utilização dos meios defensivos fornecidos na lei e o contraditório consiste na possibilidade de manifestação.
Durante o inquérito não é possível aplicar esses mecanismos pela necessidade de se diferenciar da fase processual. Se houvesse a ampla defesa e o contraditório durante as investigações policiais, não haveria qualquer diferença se comparada ao processo, criando-se apenas uma repetição de atos semelhantes.
Outro fundamento para a não aplicação dos mecanismos é a necessidade do Estado de se colocar em uma ’’posição de vantagem’’ diante do agente, para equilibrar a situação. Isto é, o agente, antes de cometer o delito, realiza uma premeditação de sua conduta, estudando todas as possibilidades de violar as defesas e atacar um bem jurídico penalmente relevante. O agente se coloca em vantagem para surpreender a vítima e o Estado, eliminando as possibilidades de defesa real.
Assim, o Estado necessita manter o agente equidistante das investigações, sem participar efetivamente das diligências, para reequilibrar a situação e alcançar a equiparação de vantagens necessárias à conclusão do inquérito policial.
O art. 7°, XXI, do Estatuto da OAB, acrescentado pela Lei 13.245/16, dispõe ser direito de o advogado assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os
elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração apresentar razoes e quesitos.
Assistir aos clientes significa o direito do advogado de estar presente durante a apuração da infração e amparar o seu cliente, com informações e instruções. Portanto a intenção do artigo é apenas permitir a presença e assistência do advogado ao cliente durante as investigações, não configurando a existência de contraditório e ampla defesa.
O artigo traz o termo “nulidade absoluta”, gerando uma discussão se a presença do advogado seria uma obrigatoriedade durante as investigações. Prevalece o entendimento de que não há obrigatoriedade do advogado, uma vez que o artigo somente traz a cautela de proteger o cliente que deseja ser amparado pelo advogado. Em outras palavras, é direito do investigado ser assistido por seu advogado, na fase policial, caso queira, gerando nulidade se o Delegado de Polícia ou outra autoridade impedir esse direito.
Para o professor o termo “nulidade” foi utilizado de forma equivocada, devendo ser interpretado como irregularidade, que poderá ser sanada e corrigida a tempo.
Concluindo, não há contraditório no inquérito policial.
1.2. Sigilo
O inquérito policial é sigiloso, pois em 1941, quando da criação do CPP, o Estado Policial requisitava autoritarismo e sigilo nas condutas investigativas. Quanto menos acesso fosse dado ao advogado, mais força teria a polícia.
Entretanto, a CF/88 trouxe a garantia da publicidade como uma forma da sociedade fiscalizar os atos públicos. Surgiu assim um dilema entre a possibilidade do sigilo ou da publicidade. O STF manifestou-se pela súmula vinculante 14, para garantir tanto o sigilo quanto a publicidade do inquérito policial. Isto é, a súmula possibilitou o acesso do advogado aos atos já documentados, protegendo as diligências em andamento, para não prejudicar a investigação.
Portanto, o art. 7°, XXI, do Estatuto da OAB, transcrito acima, trouxe apenas uma complementação da súmula vinculante 14 do STF.
Observação:
A Lei 13.257/16 acrescentou o art. 6°, X, do CPP e o art. 185, §10, do CPP, para proteger os filhos de investigados que estejam na primeira infância.
2. Dinâmica do Inquérito Policial
Art. 6° do CPP prevê que a autoridade policial deverá, logo que tiver conhecimento da
prática da infração penal dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e
conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; ouvir o ofendido; ouvir o indiciado; proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações; determinar, se for caso, que se proceda aexame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias; ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes; averiguar a vida pregressa do indiciado e colher informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa.
Esses deveres da polícia prescritos no artigo podem ser entendido como apenas uma orientação de procedimento.
A oitiva do ofendido ou vítima é uma orientação, mas se o Delegado de Polícia entender ser estritamente necessária, o art. 201, §1° do CPP, permite a condução coercitiva da vitima (após autorização judicial), mesmo diante da sua negativa.
Para ouvir o indiciado, o CPP dispõe que, no que for aplicável, deverá ser observado o procedimento do inquérito policial, resguardando os trâmites legais para o indiciamento. Este indiciamento é ato privativo do Delegado de Polícia e a Lei 12830/13 exige fundamentação, não existindo mais possibilidade de requisição do Ministério Público para indiciar.
Havendo foro por prerrogativa de função, a abertura do inquérito e consequente indiciamento exigem que o presidente da investigação informe o respectivo foro privilegiado. O Informativo 807 do STF traz proposta de súmula vinculante, que prevê a remessa imediata do inquérito policial ao tribunal competente se surgir, durante a investigação ou ação penal em curso, indícios de participação ativa e concreta de autoridade que detém prerrogativa de foro. A remessa ocorrerá para realizar as providências cabíveis, inclusive para o efeito de ordenar o desmembramento da causa.
A identificação do indiciado pelo processo datiloscópico é regida pela Lei 12.037/09. O art. 3° da Lei dispõe que a identificação criminal poderá ser determinada de ofício pelo Juíz, mediante representação do Delegado de Polícia ou mediante requerimento da defesa.
A averiguação da vida pregressa do indiciado ocorrerá sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes, depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter. Importante ressaltar que a súmula 444 do STJ prevê a impossibilidade de prejuízo ao réu apenas pela existência de inquérito ou ações em curso, diante do Princípio da Presunção de Inocência.
Observações:
Existe possibilidade de indiciamento de Pessoa Jurídica. O caso recente do crime ambiental cometido pela mineradora Samarco na cidade de Mariana/MG é um exemplo.
Durante o inquérito, o indiciado poderá, por meio do seu advogado, requerer diligências. O Delegado de Polícia recebera o requerimento, podendo utilizar sua discricionariedade para concedê-lo ou não.
3. Arquivamento do Inquérito Policial
Encerrado o inquérito, o Delegado de Polícia deverá elaborar o relatório, conforme art. 10, §1° do CPP. O Ministério Público não precisa esperar a elaboração do relatório para denunciar o investigado.
O inquérito policial que tramita na justiça estadual presidido pela polícia civil poderá servir como base probatória para uma denúncia na justiça federal pelo Ministério Público Federal (MPF). Ex: o policial civil que descobre apenas ao final da investigação que existe interesse da União no caso concreto, não precisa descartar todo o trabalho feito, devendo enviar ao MPF. Não há vínculo rigoroso entre justiça federal e estadual, no que diz respeito às investigações.
O CPP não exige expressamente a capitulação jurídica (fenômeno da tipificação). É prudente que o Delegado de Polícia tipifique o delito, embora a lei não exija formalmente. Entretanto, o art. 52, I, da Lei de Drogas, exige a justificação e a classificação do delito, pelo fato de ser mais moderna.
A tipificação dada pelo Delegado de Policia não vincula o Ministério Publico, que poderá denunciar conforme o seu próprio entendimento.
Uma vez feito o relatório, será este, juntamente com o inquérito policial, enviado ao Poder Judiciário. Há receio de alguns doutrinadores de que a presença do inquérito anexado aos autos do processo influencie demasiadamente na causa, podendo prejudicar o réu, uma vez que feito mediante inquisitoriedade. Embora não seja essa a visão do CPP, que orienta a juntada do inquérito.
O crime investigado, em regra, será sujeito a Ação Penal Pública. Assim, o inquérito será encaminhado ao Ministério Publico, pelo Poder Judiciário, conforme art. 129, I da CF. Excepcionalmente, a Lei poderá especificar crimes de Ação Penal Privada.
Em caso de Ação Penal Privada haverá prazo decadencial de seis meses, começando a contar do conhecimento da autoria do delito. A consequência do desrespeito do prazo será a extinção da punibilidade, nos termos do art. 107 do CP. Nestes casos, aplica-se o art. 19 do CPP, que dispõe que o inquérito permanecerá no Poder Judiciário até o fim do prazo decadencial.
Enviado o inquérito ao Ministério Público, este analisará os indícios de autoria, materialidade e confirmará se é hipótese de Ação Penal Pública. Confirmados os requisitos, a denúncia será oferecida, obedecendo ao Princípio da Obrigatoriedade da Ação Penal Pública. A denúncia ocorrerá no prazo do art. 46 do CPP (5 dias se réu preso e 15 dias se solto).
Há possibilidade de o Ministério Publico requisitar diligências, para suprir alguma omissão do inquérito. Diante da necessidade das diligências para a ação penal, o Delegado de Polícia deverá cumpri-las.
O Ministério Público é o único que poderá promover, estimular e opinar pelo arquivamento. Pois quem realmente realiza o ato de arquivar, após o pedido, será o Poder Judiciário. Em outras palavras, diante do pedido de arquivamento o juiz poderá agir de duas formas:
Juiz discorda do pedido e não o homologa.
O professor critica essa participação do juiz no procedimento do arquivamento, uma vez que o CPP concede ao juiz poderes para interferir na decisão do titular da Ação Penal, ferindo o Principio Acusatório. Seria razoável que a proposta de arquivamento fosse enviada diretamente para o Procurador Geral de Justiça.
Pelo instituto da prevenção, durante o inquérito policial poderá haver a necessidade de representar ao Poder Judiciário, pedindo algo ao juiz. A primeira peça petitória ou representação é feita por livre distribuição. O juízo que toma conhecimento daquela representação se tornará prevento para uma possível futura ação penal.
Se no inquérito não houver qualquer representação, a distribuição no Poder Judiciário será livre. (Atenção: cuidado na prova para saber se já existe juiz prevento para endereçamento.)
Chegando ao juiz, este poderá concordar ou não com o Ministério Público. Se discordar, o juiz encaminhará a questão ao Procurador Geral da República (âmbito Federal) ou Procurador Geral de Justiça (âmbito estadual). O procurador geral poderá agir de duas maneiras:
Procurador Geral concorda com a proposta de arquivamento, sendo o juiz obrigado a arquivar.
Procurador Geral discorda do arquivamento, podendo oferecer a Ação Penal ou delegar essa função de denunciar para outro promotor.
O Procurador Geral não poderá obrigar aquele promotor de justiça que opinou pelo arquivamento a denunciar, pois existe no Ministério Público independência funcional, ausência de hierarquia e liberdade de consciência. Entretanto, quanto ao outro promotor, a quem se delegou a função de denunciar, este agirá como se fosse o próprio Procurador Geral, apenas efetivando a delegação, não se mensurando sua própria opinião. (art. 28 do CPP)
3.1 Arquivamento de inquérito na Justiça Federal
O Ministério Público Federal opina pelo arquivamento do inquérito, remetendo pedido ao juízo federal. Antes de a questão ser analisada pelo Procurador Geral, passa pela Comissão de Coordenação e Revisão do Ministério Público (CCR) que emitirá um parecer. A decisão final continua sendo do Procurador Geral da República.
Quanto à investigação dos crimes eleitorais, a competência será da justiça federal. Caso não haja policia federal na localidade, competirá a policia civil investigá-los. Porém, independente de quem realize a investigação, sendo crime eleitoral o pedido de arquivamento obterá parecer da CCR, antes de decisão do Procurador Geral. (Nos termos do art. 62, IV, da LC 75/93 que
derrogou o art. 357, §1°, da Lei 4737/65)
3.2 Motivos que geram o arquivamento
No processo Civil há coisa julgada formal e material. A coisa julgada material do arquivamento consiste em imutabilidade total desta decisão, inexistindo possibilidade de
desarquivamento. Na formal há apenas o impedimento de discussão daquilo que já foi investigado, podendo desarquivar se surgir novas provas.
As provas novas que ensejam o desarquivamento podem ser substancialmente ou formalmente novas. Isto é, será substancialmente se já forem conhecidas, mas houve uma modificação (ex: testemunha conhecida, mas que muda a sua versão), e formalmente nova se se descobre algo que ninguém conhecia ainda realmente.
Motivos:
Falta de Provas. Gera coisa julgada formal.
Extinção da punibilidade (art. 107 CP) ex: prescrição, decadência, morte, entre outros. Gera coisa julgada material. A morte do investigado se prova com a certidão de óbito. Se houver a apresentação de uma certidão de óbito que, posteriormente descobre-se falsa, há possibilidade de desarquivamento do inquérito, para não prestigiar a torpeza.
Atipicidade. Gera coisa julgada material.
Excludentes de ilicitude e culpabilidade. Houve discussão na jurisprudência, pois existem graus altos de subjetividade. Mas há entendimento de constituição de coisa julgada material.
O desarquivamento é atribuição do Procurador Geral, mas qualquer pessoa pode provocar o Ministério Público, bastando a notícia de provas novas, coforme súmula 524 do STF.