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TJSC ApCiv ª Câm. de Direito Civil j v.u. rel. Des. Sebastião César Evangelista Área do Direito: Consumidor; Civil.

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TJSC – ApCiv 2007.060473-7 – 1.ª Câm. de Direito Civil – j.

16.06.2014 – v.u. – rel. Des. Sebastião César Evangelista – Área do Direito: Consumidor; Civil.

DANO MORAL – Indenização – Consumidor – Microcomputador que apresenta determinado vício reiteradas vezes, mesmo após sucessivas di-ligências junto à assistência técnica – Recusa injustificada à substituição do produto, após o não saneamento do problema – Resistência imotivada que caracteriza fato antijurídico e, somado à subtração do tempo, decep-ção, angústia geradas pelas infrutíferas tratativas e o tratamento indigno ao consumidor, gera o dever de indenizar – Verba devida.

Jurisprudência no mesmo sentido

• Conteúdo Exclusivo Web: JRP\2010\10753.

Veja também Jurisprudência

RT 879/370 (JRP\2009\1342), RT 795/363 (JRP\2002\375) e RDC 63/296 (JRP\2007\1633); e

• Conteúdo Exclusivo Web: JRP\2012\20706.

Veja também Doutrina

• Dos vícios do produto no novo Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor e suas repercussões no âmbito da responsabilidade civil, de Clarissa Costa de Lima, RDC 51/112, Doutrinas Essenciais de Direito do Consumidor 4/1183, Doutrinas Essenciais de Responsabi-lidade Civil 4/759 (DTR\2004\897);

• O vício do produto e a exoneração da responsabilidade, de Roberto Senise Lisboa, RDC 5/89, Doutrinas Essenciais de Responsabilidade Civil 4/779 (DTR\1993\32); e

• Veículo novo com vício ou defeito de adequação. Problemas técnicos não solucionados por constantes visitas à concessionária credenciada. Condenação da empresa em substituição do bem, perdas e danos, dano moral e litigância de má-fé, de Carlos Eduardo Pachi – RDC

(2)

Quadro de Quantificação

Evento danoso: Resistência em substituir produto defeituoso. Caracterização do dano: Reiteradas diligências infrutíferas à assis-tência técnica e malferimento à dignidade do consumidor.

Composição do dano: Dano moral: R$ 15.000,00. ApCiv 2007.060473-7, da Capital.

Relator: Des. Sebastião César Evangelista.

Ementa:1NE Direito do consumidor. Substituição de produto defeituoso. Resistên-cia injustificada. Necessidade de repetição de diligênResistên-cias, seguida de recusa à troca do produto. Malferimento à dignidade do consumidor. Dano moral caracterizado.

Toda linha de produção está sujeita a defeitos, seja por falha mecânica, hu-mana ou ambas, sendo muito provável a eventual colocação no mercado de pro-duto com defeito que não será detectado pelo consumidor no ato da compra. O art. 18 do CDC abriga a garantia de que, quando isso ocorrer, será possível exigir do fornecedor o reparo em prazo de 30 dias, ou escolha, a critério do consumidor, de uma de três soluções: substituição do produto, devolução com restituição do valor ou abatimento do preço.

A aquisição de um aparelho com defeito é uma contingência do mercado de consumo e não gera, por si só, o dever de reparação por dano moral. Há de se diferenciar, por outro lado, a situação em que o fornecedor por diversas vezes de-volve o produto com o mesmo defeito, obrigando o consumidor a repetir diversas diligências administrativas para, ao final, receber uma recusa de troca do produto.

A oposição de resistência injustificada ao cumprimento dos deveres inscri-tos no art. 18 do CDC é fato antijurídico que, observadas as circunstâncias do caso concreto, é passível de gerar dever de reparação. O tempo subtraído de horas de lazer ou de trabalho, a decepção e a angústia geradas por repetidas e infrutíferas diligências administrativas e o tratamento pouco digno conferido ao consumidor são fatos que, no conjunto, representam dano moral indenizável.

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omeNtÁrio

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DaNo temPoral e sua autoNomia Na

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2007.060473-7

(tJsC)

suMário: 1. Resumo do caso – 2. Comentários: meros dissabores do cotidiano e o risco da

indústria de (fornecedores) impunes; 2.2 O art. 18 do CDC; 2.3 O veto do art. 16 e o efeito

NE Nota do Editorial: O conteúdo normativo no inteiro teor do acórdão está disponibili-zado nos exatos termos da publicação oficial no site do Tribunal.

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econômico da indenização punitiva – 2.4 Dano moral em sentido estrito x dano temporal; 2.4.1 A tendência de especificação do dano moral (lato sensu) pelo STJ; 2.4.2 O dano

tempo-ral no cenário jurídico brasileiro; 2.4.3 A tutela do tempo humano na Ap 2007.060473-7 – 3. Nota conclusiva – 4. Referências.

1. r

esuMo do cAso

O caso trata da lide entre Álvaro de Campos Lobo Neto (Consumidor, Apelante e requerente) e a fornecedora de serviços Hewlett Packard Brasil S.A (Fornecedora, Apelada e requerida). Narrou-se

que o requerente propôs ação a fim a obter a reparação por danos morais e materiais em desfavor da requerida. Em primeiro grau, os pedidos cumulados tiveram acolhimento parcial. Assim, julgou--se procedente o pleito de dano material e, por outro lado, consideroujulgou--se improcedente o pedido de danos morais – a rejeição da reparação dos danos imateriais teve por fundamento o argumento de que “percalços do cotidiano não geram dever de reparação pecuniária”, relatou-se no recurso. A causa de pedir fática é decorrente da compra de um notebook fabricado pela requerida, o qual

apresentou problemas em seu display, obrigando o consumidor – por 6 (seis) vezes ao longo de um

ano –, a buscar a Assistência Técnica, sempre retornando sem resolução para o defeito. Ainda assim, a Fornecedora teria se recusado a trocar o produto ou mesmo ressarcir o valor.

O voto da Apelação é dividido em três debates centrais: (1) meros dissabores cotidianos e sua não reparabilidade; (2) Análise da incidência do art. 18 do CDC; (3) debate sobre as consequências da negligência do fornecedor – relacionando-a à multa civil e indenização; (4) A ocorrência de dano moral provocado, dentre outros motivos, pela perda de tempo. Ao fim conclui-se pela existência de dano moral pecuniariamente compensável, mas afastou-se a ideia de autonomia do dano temporal – embora o tempo tenha sido considerado como fator para quantificação do dano moral sofrido. No presente comentário, concentrar-se-á principalmente no item 4, pois é aquele que pode ensejar maior celeuma doutrinária e jurisprudencial – além de representar a maior novidade: o debate sobre a autonomia (ou não) do dano temporal.

2. c

oMentários

2.1 Meros dissabores do cotidiano e o risco da Indústria de (fornecedores)

impunes

Na primeira parte do bem fundamentado voto catarinense, ocupou-se de confirmar o entendimen-to jurisprudencial sedimentado não só nos Tribunais, como também no imaginário jurídico. Ela, a jurisprudência criticada no cotidiano forense-consumerista e, ao mesmo tempo, tão utilizada pelo Poder Judiciário: a jurisprudência dos meros percalços e dissabores comezinhos do cotidiano, todos não indenizáveis. A principal base argumentativa seria a suposta “indústria do dano moral” – pre-sente no senso comum jurídico de forma massiva –, a qual permite a aglomeração de pequenas lesões aos consumidores do país.

No acórdão catarinense, buscou-se esteio no sobredito entendimento e também no Superior Tribunal de Justiça (STJ): “(...) 1. A jurisprudência desta Corte tem assinalado que os aborrecimentos comuns do dia a dia, os meros dissabores normais e próprios do convívio social não são suficientes para originar danos morais indenizáveis (...)” (STJ, REsp 1399931/MG, j. 11.02.2014, rel. Min. Sidnei Beneti). De acordo com desembargador-relator do TJSC: “Essa orientação existe para evitar que a tutela ju-rídica estatal não transborde em excessiva ingerência na vida privada, com a regulação das relações

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sociais nos seus mínimos detalhes, ao lado da multiplicação de ações judiciais desnecessárias, com prejuízo para a efetividade da prestação jurisdicional”.

Óbvio, não se trata aqui de defender a vulgarização das compensações do dano moral, mas sim de exigir maiores critérios a fim de não se confundir a inexistência de dano com a sua pequenez. O primeiro, lógico, não ensejará reparação alguma. Todavia, a segunda hipótese (“dano pequenino”, de pouca monta) está inevitavelmente inserido na seara da reparação integral dos danos suportados ao consumidor.

Portanto, embora o capítulo decisório ora comentado seja reflexo do entendimento majoritário, não se pode perder a oportunidade de incentivar a reflexão: “Indústria do dano moral” ou “Indústria de lesados”?1 A partir do momento em que se avaliza a “jurisprudência dos meros dissabores

cotidia-nos”, corre-se o risco de negar-se efetividade à reparação das pequenas lesões, negando-se, por via de consequência, vigência à reparação integral dos danos suportados pelo consumidor.

Daí porque foi importante a afirmação preocupada do desembargador Sebastião César Evangelista: “Sem desatentar à validade de tal argumento, é necessário ponderar, por outro lado, que o Poder Judiciário deve, no exame das provas, diferenciar as situações de “mero dissabor” daquelas em que o desgosto experimentado é significativo e resulta de prática abusiva de quem tem com a outra parte relação de poder.”

O julgado ora analisado, ocupou-se de apresentar o defeito do produto como uma contingência

inerente à produção em larga escala em nossa sociedade pós-moderna. Ditou desembargador Evan-gelista: “É fato notório que qualquer linha de produção está sujeita à possibilidade de defeito. Por melhor que seja a tecnologia empregada ou o treinamento dos funcionários, eventualmente haverá algum erro em algum momento da cadeia produtiva, entre a fabricação e a venda final no varejo, que resultará, lamentavelmente, na aquisição, pelo consumidor, de uma mercadoria imperfeita. Isso será sem dúvida um incômodo, mas não um fato gerador de dano moral. Essa é uma contingência do mercado consumo”.

Dessa forma, o julgado catarinense ratifica a preocupação com a vulgarização das compensações por danos morais –, sem rechaçá-la, contudo, no caso concreto. A retrocitada apreensão é perti-nente, mas deve sempre ser acompanhada de outra inquietação ocupada em evitar que o Poder Judiciário crie inadvertidamente uma “Indústria de (fornecedores) impunes” e “Indústria de (consu-midores) Injustiçados”.

2.2 O art. 18 do CDC

O Julgado catarinense apresenta a possibilidade de os produtos defeituosos serem reparados pelo fornecedor em 30 (trinta) dias como um “favor legal ao fornecedor” e, dessa maneira, o desembar-gador-relator ressaltou o direito à tríplice opção do consumidor: “O art. 18 do Código de Defesa do

Consumidor, caput e § 1.º, assegura ao comprador do produto com defeito exigir do fornecedor o

reparo em prazo de trinta dias, ou escolha, a critério do consumidor, de uma de três soluções: subs-tituição do produto, devolução com ressubs-tituição do valor ou abatimento do preço”. Nesse ponto, o julgado catarinense também busca esteio na lição da professora Cláudia Lima Marques – na clássica obra Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais –, no

sentido de que o prazo de 30 (trinta) dias somente deve ser usado em ocasiões especiais e sempre interpretado a favor do consumidor.

1. donnini, Rogério. Dano Moral: Indústria das indenizações ou das lesões? Revista Prática Jurídica,

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Após mencionar os direitos do consumidor provenientes do art. 18 do CDC, o desembargador-rela-tor ponderou acerca do abuso de direito do fornecedor que se nega a cumprir espontaneamente as

diretrizes públicas do CDC (art. 1.º): “De outro lado, adquirido o produto com defeito, apresentada a situação ao fornecedor e transcorrido o prazo de trinta dias sem uma resposta, passa a existir uma situação contrária ao direito. O fornecedor, nesse caso, estará abusando do favor legal que lhe foi conferido pelo CDC e sujeitando o consumidor à privação do uso pelo produto que comprou.” Portanto, a mensagem extraída do acórdão analisado é certeira: o descumprimento das medidas decorrentes do art. 18 do CDC, acompanhado da tentativa de estender o prazo para além dos 30 (trinta) dias da Lei Consumerista, representam abuso do direito inicialmente outorgado ao

fornece-dor, passando a consubstanciar-se em ato ilícito.

2.3 O veto do art. 16 e o efeito econômico da indenização punitiva

Um dos pontos interessantes do julgado ora analisado consiste no fato da menção à multa civil do art. 16 do CDC – o qual fora vetado e possuía a seguinte redação: “Art. 16. Se comprovada a alta periculosidade do produto ou do serviço que provocou o dano, ou grave imprudência, negligência ou imperícia do fornecedor, será devida multa civil de até um milhão de vezes o Bônus do Tesouro Nacional – BTN, ou índice equivalente que venha substituí-lo, na ação proposta por qualquer dos legitimados à defesa do consumidor em juízo, a critério do juiz, de acordo com a gravidade e pro-porção do dano, bem como a situação econômica do responsável.”

Embora o art. 16 do CDC tenha sido vetado, conforme antedito, o acórdão analisado ressalta a tentativa do Poder Legislativo Brasileiro de inserir o elemento punitivo de modo expresso junto ao dever de reparar, comparando-o com o punitive damages estadunidense, de modo a tornar antie-conômica a prática delitiva e para eliminar o risco de que o fornecedor “opte por praticar a conduta

ilícita, por ser essa a solução mais vantajosa do ponto de vista econômico”. O decisório citou, opor-tunamente, Mark A. Geistfeld, em seu Principles of product liability, apontando sobre a concepção

de punitive damages e a análise econômica do Direito: “Esse raciocínio é próprio da interpretação

econômica do direito. Considerando-se que a gerência do estabelecimento comercial deve buscar o melhor resultado financeiro possível, o natural é esperar que ela se oriente pelo desrespeito ao Código de Defesa do Consumidor, se essa prática se mostrar mais lucrativa”.

Enfim, percebeu-se forte influência da análise econômica do Direito, da Law and Economics, com

o ânimo de interpretar e guiar a aplicação da norma favoravelmente ao consumidor, nos termos almejados pelo tríplice mandamento constitucional (art. 5.º, XXXII; art. 170, V; ADCT, art. 48).

2.4 Dano moral em sentido estrito x dano Temporal

As discussões sobre a autonomia do dano temporal necessariamente perpassam pelo conceito de

dano moral – a maior ou menor amplitude da abrangência deste conceito repercutirá diretamente

na aceitação ou não da autonomia do dano temporal. A fim de tratar do tema com ênfase no julgado ora analisado, a seguir será exposta a tendência de especificação de dano moral no STJ, a autonomia do dano temporal no cenário jurídico brasileiro e a visão do julgado ora debatido.

2.4.1 A tendência de especificação do dano moral (lato sensu) pelo STJ

Antes de tratar da autonomia do dano temporal, é preciso observar se o Superior Tribunal de Justiça (STJ) adota ou não o conceito de dano moral em sentido estrito. A resposta pode ser obtida com um

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lançar de olhos sobre o enunciado sumular 387 e o REsp 1.254.141/PR, daí sendo possível concluir a aceitação, respectivamente, da autonomia do dano estético e do dano à perda de uma chance. Desse modo, percebe-se que, no STJ, o dano moral em sentido amplo segue tendência de especifica-ção enquanto sinônimo de dano imaterial e extrapatrimonial. Porém, como dano moral em sentido estrito, as decisões do STJ visualizam tal conceito geralmente no dano moral-psicológico (pelo qual

se fala em pretium doloris – vide REsp 56.288/RJ) e no dano moral objetivo – dano à honra objetiva,

à boa fama, o qual é muito citado na avaliação do dano moral contra as pessoas jurídicas (ex.: AgRg no AREsp 621.401; AgRg no AREsp 662519; e REsp 1.407.907). Por outro lado, outras categorias vêm sendo separadas desse dano moral em sentido estrito, como ocorreu com o dano estético e parece ser a tendência também do dano à chance – estas últimas categorias somente podem se integrar, como espécie, categoria mais abrangente: danos imateriais, extrapatrimoniais (não econômicos) ou morais em sentido amplo.

Assim, a tendência de especificação do dano moral em sentido amplo no STJ, resulta no destaque à categoria do dano estético convivendo com a presença de um “dano moral em sentido estrito”, vinculado à dor psicológica e ao dano à honra objetiva.

Em outras palavras, a autonomia do dano temporal é compatível com a percepção do dano moral em sentido amplo vigente hoje no STJ e com a respectiva tendência de especificação. Por essa razão, passa-se à exposição do dano moral no âmbito jurídico brasileiro.

2.4.2 O dano temporal no cenário jurídico brasileiro

O tempo enquanto elemento integrante de bens humanos imateriais e sua compensação não é

novidade recente no Brasil. Nessa senda, cita-se o desembargador do Estado do Rio de Janeiro, André Gustavo Corrêa de Andrade – no artigo Dano moral em caso de descumprimento de obrigação contratual2 –, publicado na Revista da EMERJ. Neste clássico trabalho, falava-se na tutela do tempo

a título de danos morais. O retrocitado artigo representou grande avanço, pois visualizava a ne-cessidade de proteger o patrimônio (imaterial) temporal do ser humano na sociedade do consumo. Por outro lado, a popularização da concepção de dano moral pela perda de tempo ocorreu somente anos depois. Em 2011, Marcos Dessaune3 publicou o livro Desvio produtivo do consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado – tal obra é referência obrigatória sobre o tema. Entretanto, a primeira

edi-ção da obra de trouxe uma limitaedi-ção à autonomia do dano temporal – segundo Dessaune a tutela do tempo deveria ter regulação jurídica própria, sem a qual, provavelmente, o desvio produtivo seria um “um mero ‘novo fato gerador de dano moral’.”4

No decorrer de 2014, publicou-se artigo intitulado de O dano temporal indenizável e o mero dissabor cronológico no mercado de consumo: quando o tempo é mais que dinheiro é dignidade e liberdade

veiculado na Revista de Direito do Consumidor (RDC) 92, defendendo-se a bandeira da autonomia

do dano temporal ou cronológico quanto ao dano moral em sentido estrito. E não tardou muito para que o trabalho fosse debatido em território forense – conforme será citado mais à frente.

2. andrade, André Gustavo Corrêa de. Dano moral em caso de descumprimento de obrigação

con-tratual. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 8, n. 29, 2005, p. 134-148.

3. Em diálogo datado de 25.09.2015, o jurista Marcos Dessaune registrou o preparo da 2.ª edição da obra Desvio Produtivo com muito mais detalhes, em uma espécie de teoria aprofundada do desvio produtivo.

4. dessaune, Marcos. Desvio Produtivo do Consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado. São

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Em desfavor da autonomia do dano temporal, o advogado Ulisses Sousa5 afirmou categoricamente

que “perda de tempo não pode ser fonte de renda”, sendo um de seus argumentos o fato de que o dano moral seria caracterizado, na verdade, pela dor psicológica e não perda de tempo – ora, mas não seria essa distinção mais um argumento a favor da autonomia do dano temporal? Outro argu-mento utilizado por Sousa seria o “auargu-mento da litigiosidade” – nesse ponto indaga-se: preferir-se-á aumento da litigiosidade ou das lesões ao tempo do consumidor? Frente ao dever fundamental de defesa do consumidor (art. 5.º, XXXII, CF), a escolha estatal já deveria ter sido feita.

Mais recentemente, foi a vez de Vítor Guglinski (RDC 99), em excelente texto, posicionar-se quanto

à autonomia ou não do dano temporal: Guglinski optou por inseri-lo no âmbito do dano moral. Todavia, com a devida vênia, percebe-se que a referida visão somente é adequada se ignorarmos a tendência de especificação das modalidades de dano moral em sentido amplo (danos imateriais).

No cenário jurisprudencial, catalogaram-se somente duas decisões versando sobre a autonomia do dano temporal: Uma sentença oriunda da comarca de Jales-SP e o acórdão da comarca de TJSC, ora analisado.

A sentença paulista possui contornos poéticos à luz de Guimarães Rosa, Machado de Assis e Paulo Freire. Autores como Ingo Sarlet, Milena Donato Oliva e Marcos Dessaune foram também lembra-dos, juntamente com o artigo sobre dano temporal da RDC 92. Transcreve-se trecho do

paradigmá-tico decisório monocráparadigmá-tico: “Consideramos, porém, desnecessário inserir o tempo produtivo como um direito fundamental, para dar ao tema tratamento autônomo e próprio. (…). O desperdício de

tempo produtivo do consumidor, assim como o genérico direito fundamental do consumidor (CF, art. 5.º, XXXII) traduz verdadeiro direito fundamental social, porque voltado ao grupo vulnerável na

relação de consumo, direito de solidariedade social”.

Assim, a sentença de Jales-SP, reconhece a possibilidade da análise do pleito de dano temporal autônomo – embora a compensação tenha ocorrido como dano moral, em decorrência da ausência de pleito expresso de dano temporal.

Há ainda demanda (0001622-07.2014.8.04.5800) proposta pela Defensoria Pública do Amazonas em favor de seu assistido na Comarca de Maués/AM no fim do ano de 2014 que – expressamente –, cumulou pedidos dano moral e temporal. Embora o caso ainda não possua resposta judiciária definitiva, o Ministério Público local pronunciou-se favoravelmente à autonomia pleiteada no se-guinte sentido: “(...) manifesto-me no sentido de que, o tempo gasto pelo consumidor para resolver problemas com a aquisição ou cancelamento de bens e serviços devido a falhas exclusivas do

fornecedor, deva ser indenizado a título de dano temporal, sendo este considerado um novo tipo de dano, independente, isto é, diverso daqueles já conhecidos da doutrina (moral, material, estético etc.)” (Parecer Ministerial de lavra da Promotora Yara Marinho de Paula, em 13.03.2015).

Anteriormente à sentença de Jales e ao parecer ministerial retromencionado, um acórdão catarinense já perpassava pela análise da autonomia do dano temporal. É exatamente o ponto visto a seguir.

2.4.3 A tutela do tempo humano na Ap 2007.060473-7

O decisório catarinense ora comentado é, sem dúvida, de vanguarda por ter iniciado os debates sobre a autonomia do dano temporal em relação ao dano moral. Imperioso reconhecer que o deci-sório, antes de tudo, reconhece o valor jurídico do tempo humano. Nessa linha de raciocínio, ditou o desembargador relator: “Deve-se registrar, inicialmente, que a circunstância de serem

5. sousa, Ulisses. Perda de tempo não pode ser fonte de renda. Revista Jurídica Consulex, Brasília,

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rias seis diligências, ao longo de um ano, com envio do computador para São Paulo e aguardo da resposta do fornecedor, é fato que prejudica o consumidor e lhe subtrai tempo em que poderia ser

dedicado ao trabalho ou a lazer. Essa é, por si só, uma agressão que não pode ser reparada, pois aquele tempo jamais será recuperado.”

Em busca de reforçar a tutela do aspecto temporal do consumidor, o voto transcreveu trecho de artigo sobre a autonomia do dano temporal publicado na RDC 92: “O dano temporal ou cronológico

por desvio do produtivo e perda de tempo útil e/ou livre é fenômeno típico da sociedade tecnológica pós-moderna, gozando de inegável presença fática que não pode mais ser ignorada pelos juristas brasileiros e mundiais. Daí por que – inspirando-se na lição do desembargador André Gustavo Cor-reia de Andrade –, é intolerável que os consumidores percam seu tempo útil e livre em decorrência de condutas abusivas imputáveis unicamente aos fornecedores de serviços/produtos que não se dispõem à solução rápida e adequada das demandas consumeristas avalizadas pela Constituição e pelo Código de Defesa do Consumidor. Verdadeiramente, o dano temporal por desvio produtivo ou desperdício de tempo útil e/ou livre do consumidor é realidade inarredável aferível à luz de cada caso concreto e pela regra de experiência ordinária do magistrado, a fim de separar mero aborrecimento do efetivo dano indenizável por perda do tempo útil e desvio produtivo. Em suma, o direito à inde-nização compensatória do dano temporal ou cronológico – enquanto categoria lesiva autônoma –, é consequência do sistema aberto de tutela da dignidade humana e de responsabilização civil, merecendo análise atenta e detida dos intérpretes e operadores do direito brasileiro. Aliás, tutelar juridicamente o tempo humano é também respaldar a liberdade, valorizar a vida, a família, o trabalho, o estudo, o afeto e tantos outros bens caros à personalidade humana em meio ao cotidiano veloz da sociedade da informação. No entanto, os Tribunais pátrios geralmente ainda conferem efetividade à tutela jurídica do tempo de modo reflexo sob o rótulo genérico de danos morais – já representando isso grande avanço, diga-se en passant. (Maia, Maurilio Casas. O dano temporal indenizável e o mero

dissabor cronológico no mercado de consumo: quando o tempo é mais que dinheiro – é dignidade e liberdade. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Ed. RT, n. 92, mar./abr. 2014. p. 174 e 175).”

Em seguida, ao se posicionar acerca da autonomia do dano temporal, expôs sua negativa à inova-ção. Porém, ao mesmo tempo, ressaltou a importância da tutela do tempo humano enquanto valor jurídico. Eis suas palavras: “Registre-se que, com a devida vênia, não se está a acompanhar o citado autor na caracterização do ‘dano temporal’ como uma categoria autônoma. O que se acompanha é seu raciocínio no sentido de que o desperdício de tempo a que foi sujeitado o consumidor deve ser considerado como um elemento importante na caracterização do dano moral. A necessidade de repetidamente ter de buscar a assistência técnica não exerce, evidentemente, nenhum efeito sobre a passagem do tempo, objetivamente considerado, mas o privou de utilizar daquele tempo de maneira que lhe fosse proveitosa. A escolha sobre a forma de dispor do próprio tempo é, sem dúvida, uma das mais importantes liberdades da vida, e um elemento essencial da dignidade humana (...). Pois bem, no caso concreto, a ré foi esbanjadora do tempo do autor.”

Ao fim do voto, o relator é claro no sentindo de incluir – além do tempo humano –, a tradicional

dor psicológica, o desgostos, a irritação como fatos geradores de dano moral: “Não é apenas o tempo perdido, entretanto, mas o sentimento de estar sendo desprezado e talvez enganado pela fornecedora, além da angústia de não saber se o reparo ou a troca serão feitos, quando o processo irá terminar, por quantas mais vezes será necessário requerer a solução do problema. O desgosto causado por tal situação, o arrependimento da compra e irritação ocasionada pela conduta da ré é fato que se pode facilmente compreender.”

Portanto, percebe-se que apesar da rejeição inicial da autonomia do dano temporal, o decisório analisado pode ser considerado de vanguarda por ter iniciado os debates sobre a separação do dano cronológico do dano moral em sentido estrito – no sentido de eventualmente ser possibilitada sua especificação como espécie de dano imaterial ou moral em sentido amplo.

(9)

3. n

otA conclusivA

Percebeu-se que o tema da autonomia do dano temporal é ainda demasiadamente incipiente em território forense e doutrinário. Entretanto, não se pode negar a autonomia do dano temporal sem fechar os olhos à tendência de especificação dos danos de natureza imaterial (danos morais em

sentido amplo) que é ratificada pelo STJ – vide, v.g., o caso do dano estético e do dano à chance.

Mesmo que, por vezes, pareça imperceptível, o tempo possui valor humano e jurídico. Como ditou Marcel Proust: “Teoricamente sabemos que a terra gira, mas nós não percebemos: O solo que pisa-mos não parece mexer-se e vivepisa-mos tranquilos; o mesmo acontece com o tempo de nossa vida”. E o aresto do TJSC não ignorou essa realidade.

Embora rejeitando a autonomia do dano pela perda de tempo, o TJSC avançou na temática ao debater a autonomia multimencionada e isso já é uma evolução. Isso porque todos os decisórios

an-teriores tratavam o desvio produtivo, a perda de tempo, o dano temporal ou cronológico, como um mero apêndice do dano moral e, assim, passível de padecer pela subjetiva ideia de “mero dissabor comezinho do cotidiano”, nada versando sobre a tendência de especificação dos danos imateriais,

como ocorreu o dano estético e vem ocorrendo com o dano à chance.

Enfim, na Sociedade da Informação, de massas, tecnológica e de consumo, até quando o tempo – enquanto bem humano repleto de valor –, será tratado como mero anexo do dano moral-psico-lógico? Até quando a perda do irrecuperável tempo humano terá seu ressarcimento subordinando

à subjetiva jurisprudência dos meros dissabores comezinhos do cotidiano? A reflexão é impositiva.

4. r

eFerênciAs

andRade, André Gustavo Corrêa de. Dano moral em caso de descumprimento

de obrigação contratual. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, vol. 8, n. 29, 2005, p. 134-148.

caStRo, Alexandre Martins; maia, Maurilio Casas. A Responsabilidade Civil pela

perda de uma chance de cura ou sobrevivência na atividade médica: Entre a doutrina e a visão do Superior Tribunal de Justiça. In: Stoco, Rui (org.).

Doutrinas Essenciais: Dano Moral. Vol. 1. São Paulo: 2015, 1.231-1.250.

deSSaune, Marcos. Desvio Produtivo do Consumidor: o prejuízo do tempo

desper-diçado. São Paulo: Ed. RT, 2011.

donnini, Rogério. Dano Moral: Indústria das indenizações ou das lesões?

Revis-ta Prática Jurídica, n. 140, Brasília, nov. 2013.

gagliano, Pablo Stolze. Responsabilidade Civil pela perda do tempo. Revista

Seleções Jurídicas, Rio de Janeiro, COAD, p. 29-32, maio. 2013.

guglinSki, Vitor. O Dano temporal e sua reparabilidade: aspectos doutrinários e

visão dos tribunais. Revista de Direito do Consumidor, n. 99, São Paulo: Ed. RT, 2015.

maia, Maurilio Casas. Dano temporal: categoria lesiva autônoma? Revista

Jurí-dica Consulex, Brasília, p. 22-24, 01.04.2015.

______. Dano Temporal, desvio produtivo e perda do tempo útil e/ou livre do consumidor: Dano cronológico indenizável ou mero dissabor não ressarcí-vel? Revista Seleções Jurídicas, Rio de Janeiro, p. 23-28, maio, 2013.

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______. O dano temporal indenizável e o mero dissabor cronológico no merca-do de consumo: quanmerca-do o tempo é mais que dinheiro é dignidade e liberda-de. Revista de Direito do Consumidor, ano 23, vol. 92, p. 161-176, mar.-abr. 2014.

SouSa, Ulisses. Perda de tempo não pode ser fonte de renda. Revista Jurídica

Consulex, Brasília, p. 59, abr. 2015.

maurilio Casas maia

Mestre em Ciências Jurídicas (UFPB). Pós-graduado lato sensu em “Direitos Civil e Processual Civil” e em “Direito Público: Constitucional e Administrativo”. Professor (UFAM). Defensor Público (DPE-AM). mauriliomaia@gmail.com

Vistos, relatados e discutidos estes autos de ApCiv 2007.060473-7, da Comar-ca da Capital (6.ª Vara Cível), em que é apelante Alvaro de Campos Lobo Neto e apelada Hewlett Packard Brasil S/A:

A 1.ª Câm. de Direito Civil decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Raulino Jacó Brüning, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Domingos Paludo.

Florianópolis, 16 de junho de 2014 − SEBASTIÃO CÉSAR EVANGELISTA, relator.

RELATÓRIO − Cuida-se de apelação interposta por Álvaro de Campos Lobo Neto, inconformado com a sentença que julgou ação de reparação de danos movi-da contra Hewlett Packard Brasil S.A.

A sentença (f.) acolheu parcialmente o pedido formulado pelo autor, conde-nando a empresa ré ao ressarcimento por danos materiais. Na fundamentação, consignou-se que devidamente comprovados os fatos de que o autor comprou a mercadoria fabricada pela ré e que, após entregá-lo seis vezes à assistência técnica, ao longo de quase um ano, o vício apresentado não foi sanado e a fornecedora recusou-se a trocar o produto ou ressarcir o valor. Rejeitou-se, por outro lado, a pretensão ao recebimento de indenização por dano moral, à consideração de que os percalços do cotidiano não geram o dever de reparação pecuniária. Ao final, condenou o réu nos ônus de sucumbência, arbitrados os honorários advocatícios em 15% sobre o valor da causa.

Feito o cálculo das custas finais (f.), a ré apresentou guia de recolhimento do valor da condenação (f.) e requereu o arquivamento dos autos.

O autor, de outro lado, inconformado com a sentença, apelou, pugnando pela reforma, no mérito, para que seja acolhido o pedido de reparação por dano moral. Relatou novamente as diligências feitas a fim de obter administrativamente o

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re-paro e observou que cada um dos envios à assistência foi seguido de expectativa, angústia e decepção, já que, a despeito da boa reputação da fabricante, a máquina retornava, invariavelmente, apresentando o mesmo defeito.

Nas contrarrazões, a apelada ressaltou já ter sido devidamente depositado o valor dos danos materiais, prosseguindo a demanda somente em relação aos danos materiais. No mérito, sustentou não se ter caracterizado, na hipótese, dano moral.

Este é o relatório.

VOTO – 1. O recorrente, em seu apelo, devolve a exame, exclusivamente, o pleito de reparação por dano moral, amparado no mau tratamento recebido pela fornecedora ré, que resultou em aproximadamente um ano e seis diligências infru-tíferas à assistência técnica, período no qual teria ficado privado de um computa-dor em bom estado de funcionamento. Sublinhou que em metade desse período a máquina esteve com o consumidor – apresentando defeito – e na outra metade retido na assistência técnica.

O argumento formulado na inicial e repisado nas razões de apelação foi rejeita-do pela sentença, com amparo em jurisprudência no sentirejeita-do de que meros dissa-bores do cotidiano não ensejam a reparação por dano moral.

Sobre o tema, registra-se manifestação recente do STJ:

“Direito civil. Responsabilidade civil. Compra pela Internet. Presente de natal. Não entrega da mercadoria. Violação a direito de personalidade não comprovada no caso concreto. Danos morais indevidos.

1.– A jurisprudência desta Corte tem assinalado que os aborrecimentos co-muns do dia a dia, os meros dissabores normais e próprios do convívio social não são suficientes para originar danos morais indenizáveis.

2.– A falha na entrega de mercadoria adquirida pela Internet configura, em princípio, mero inadimplemento contratual, não dando causa a indenização por danos morais. Apenas excepcionalmente, quando comprovada verdadeira ofensa a direito de personalidade, será possível pleitear indenização a esse título” (REsp 1399931/MG, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 11.02.2014).

Essa orientação existe para evitar que a tutela jurídica estatal não transborde em excessiva ingerência na vida privada, com a regulação das relações sociais nos seus mínimos detalhes, ao lado da multiplicação de ações judiciais desnecessárias, com prejuízo para a efetividade da prestação jurisdicional.

Sem desatentar à validade de tal argumento, é necessário ponderar, por outro lado, que o Poder Judiciário deve, no exame das provas, diferenciar as situações de “mero dissabor” daquelas em que o desgosto experimentado é significativo e resulta de prática abusiva de quem tem com a outra parte relação de poder.

Deve-se reconhecer que o só fato de o computador adquirido com defeito não seria suficiente para gerar, por si só, direito à reparação por dano moral. O dano

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estará caracterizado, por outro lado, se a fornecedora, abusando de sua predomi-nância de poder na relação negocial, negligenciar seu dever de promover o repa-ro ou fazer a trepa-roca do prepa-roduto, tratando o consumidor de forma desrespeitosa e submetendo-o, dessa forma, a situação angustiante e embaraçosa.

É fato notório que qualquer linha de produção está sujeita à possibilidade de defeito. Por melhor que seja a tecnologia empregada ou o treinamento dos funcio-nários, eventualmente haverá algum erro em algum momento da cadeia produtiva, entre a fabricação e a venda final no varejo, que resultará, lamentavelmente, na aquisição, pelo consumidor, de uma mercadoria imperfeita. Isso será sem dúvida um incômodo, mas não um fato gerador de dano moral. Essa é uma contingência do mercado consumo.

Se fosse apenas esse o contexto, teria plena aplicação a jurisprudência construí-da sobre a ideia de mero dissabor do cotidiano. Não é esse, entretanto, o funconstruí-da- funda-mento do pedido. O que se alega, na hipótese, é a insistente negativa da empresa em corrigir o defeito apresentado, seguido da recusa em promover a troca do pro-duto. O consumidor, nessa hipótese, não se viu apenas prejudicado no negócio, mas teve de se sujeitar a um verdadeiro périplo, diligenciando por praticamente um ano, levando o produto por seis vezes para a assistência, e finalmente enca-minhou-o a São Paulo na esperança de lhe ser reconhecido o direito à troca, rece-bendo, entretanto, resposta negativa. Em todas as oportunidades que foi buscada a solução diretamente junto à empresa, o resultado foi, depois de um prazo de espera, o retorno da máquina com defeito.

A questão que vem à baila, pois, não é a responsabilidade pelo defeito no pro-duto, mas pela resistência injustificada ao cumprimento de normas legais, em desfavor do consumidor que, ao lado de prejudicado no negócio de compra e venda, viu-se obrigado a dispender tempo e energia para compelir a fornecedora a cumprir o seu dever legal. Essa circunstância, no entender do apelante, ter-lhe-ia causado abalo moral, consideradas as inúmeras vezes em que se viu aguardando o reparo, sendo reiteradamente frustrada a expectativa, ao mesmo tempo em que se prolongava indefinidamente o período em que não pôde usufruir do microcom-putador adquirido.

2. A ocorrência de ilícito, na hipótese é flagrante, haja visto indisputável des-respeito à norma contida no art. 18 do CDC.

O art. 18 do CDC, caput e § 1.º, assegura ao comprador do produto com de-feito exigir do fornecedor o reparo em prazo de 30 dias, ou escolha, a critério do consumidor, de uma de três soluções: substituição do produto, devolução com restituição do valor ou abatimento do preço.

O direito de não efetuar a troca e sim promover o reparo é um favor legal ao fornecedor, que se aplica somente à hipótese em que a substituição da parte do defeito não prejudique o valor final do produto. É essa a regra inscrita no § 3.º do art. 18 do CDC: “O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1.º

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deste artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir--lhe o valor ou se tratar de produto essencial”.

Sobre o tema, disserta Cláudia Lima Marques:

“Nunca é demais frisar que este prazo de 30 dias previsto no § 1.º só será uti-lizado em situações especiais, que permitam a substituição das partes do produto, como em caso de veículos. Nesse sentido, é claro o § 3.º que exclui o prazo ‘sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor (...)’. É um critério bastante subjetivo, que será sempre interpretado pró-consumidor, tendo em vista as expectativas legítimas que o produto despertou nele. Tratando-se de uma socie-dade de consumo, o eventual conserto de bens de grande valor geralmente acarreta a diminuição de seu valor” (Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 6. ed. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 1212-1213).

Zelmo Denari, em comentário sobre o tema, registra que o preceito é voltado especificamente para produtos industrializados dissociáveis:

“É bom frisar, neste tópico, que o Código concedeu ao fornecedor de bens o di-reito de proceder ao saneamento dos vícios capazes de afetar a qualidade do produ-to, no prazo de 30 dias, contados da sua aquisição. Esse prazo legal de saneamento dos vícios, no entanto, somente deve ser observado em se tratando de produtos industrializados dissociáveis, é dizer, que permitam a dissociação de seus compo-nentes, como é o caso dos eletrodomésticos, veículos de transporte, computadores, armários de cozinha, copa ou dormitório. Se os vícios afetarem produtos indus-trializados ou naturais essenciais, que não permitem dissociação de seus elemen-tos – v.g., vestimentas, calçados, utensílios domésticos, medicamenelemen-tos, bebidas de todo gênero, produtos in natura –, não se oferece a oportunidade de saneamento, e o consumidor pode exigir que sejam imediatizadas as reparações previstas alter-nativamente no § 1.º do art. 18, como prevê expressamente o § 3.º, in fine” (In: GRinoveR, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado

pelos autores do anteprojeto. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. vol. 1, p. 224.)

Compreendido o escopo do preceito contido no art. 18 do CDC, revela-se ra-zoável a sua aplicação para a hipótese de microcomputador. O vício poderia ser resultante de uma peça com defeito, ou apenas um problema de conexão entre os dispositivos de hardware, o que poderia ser rapidamente detectado e reparado, sem prejuízo para a qualidade ou o valor do produto. Observe-se que, nesse caso, a es-pera do prazo de 30 dias já sujeita o consumidor a uma eses-pera contrária ao acordo de vontades, que incluía a tradição imediata do bem, ou a entrega em prazo certo. Esse prazo de espera, entretanto, embora indesejável, é conferido ao fornecedor pelo já mencionado art. 18 da Lei 8.078/1990.

De outro lado, adquirido o produto com defeito, apresentada a situação ao for-necedor e transcorrido o prazo de 30 dias sem uma resposta, passa a existir uma

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situação contrária ao direito. O fornecedor, nesse caso, estará abusando do favor legal que lhe foi conferido pelo CDC e sujeitando o consumidor à privação do uso pelo produto que comprou. Conforme a essencialidade do produto – um telefone, ou automóvel, por exemplo, a falta do bem pode causar séria repercussão sobre a vida cotidiana do consumidor. Em tais casos, o correto – a fim de se preservar a expectativa legítima do consumidor – seria que o fornecedor oferecesse solução provisória, como o comodato de produto similar até a conclusão da análise ou reparo, a fim de amenizar o prejuízo sofrido com a espera.

No caso em apreço, não alega o consumidor que a falta do notebook tenha oca-sionado grave prejuízo pela necessidade do bem para uso em trabalho. Não houve pedido de reparação por lucro cessante e tampouco se invocou a tese de direito a reparação pela perda de uma chance. O que se alega, tão-somente, é que o servi-ço de atendimento ao consumidor oferecido pela ré foi de tal forma ineficiente e irresponsável, que o sujeitou a uma condição indigna e angustiante, além de lhe subtrair tempo e lhe privar do gozo do bem comprado.

A fim de se melhor descreverem os contornos da situação fática que fundamen-ta o pedido de reparação, merece transcrição excerto da sentença que apresentou síntese dos fatos da causa (f.):

“Exsurge de todo o processado que o autor em 31.07.2001 (f.) adquiriu o compu-tador portátil supra descrito que foi entregue em sua residência em 03.08.2001 (f.).

Nada obstante ter adquirido aparelho novo que, à época, era um dos melhores do mercado, já em 05.09.2001 começou a apresentar problemas no display, motivo pelo qual foi enviado à assistência técnica autorizada da requerida para correção do problema, problema este não solucionado.

Em 30.10.2001 (Ordem de Serviço 2304, f.) o equipamento foi novamente en-caminhado à assistência técnica com o mesmo problema, o que voltou a acontecer em 25.01.2002 (Ordem de Serviço 2700, f.), 15.02.2002 (Ordem de Serviço 4654, f.), 25.04.2002 (Ordem de Serviço 3346, f.), e 27.06.2002 (Ordem de Serviço 3663, f.).

Todavia, decorrido quase um ano da aquisição do notebook e depois de ter sido entregue 6 (seis) vezes à assistência técnica, o defeito apresentado no display do

notebook não foi sanado, apesar de o art. 18 do CDC dispor expressamente que

‘os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor (...) po-dendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas’, e o § 1.º do mesmo artigo estabelecer o prazo de 30 dias para a correção do problema”.

Essa sequência de diligências foi descrita em pormenores na peça recursal, a f.

A apelada, em suas contrarrazões, não contestou a acuidade de tal descrição dos fatos, mas sustentou que eles não teriam ocasionado dano moral:

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“Com efeito, aceitar como configurado o dano moral no caso dos autos signi-fica não só desvirtuar totalmente o instituto como alimentar a indústria de inde-nizações, uma vez que o apelante não sofreu qualquer dano de ordem moral em decorrência do suposto defeito do equipamento adquirido, ou seja, não sofreu humilhação, dor, constrangimento, ou qualquer outro sentimento que pudesse abalar sua honra”. (excerto colhido das contrarrazões, f.)

Nesse contexto, revela-se que, na hipótese, a ofensa ao art. 18 do CDC é fato evidenciado e, mais que isso, incontroverso na demanda. Em hipótese alguma po-deria a ré, não tendo feito o reparo no prazo de 30 dias, recusar-se à substituição do produto ou devolução do valor. Por mesmo motivo, mostra-se abusivo sujeitar o consumidor a levar reiteradamente o bem para a assistência técnica.

Se a origem do mau funcionamento apresentado não é facilmente detectada, e o reparo exige prazo maior de 30 dias, então não se está diante de falha simples e comezinha, que possa ser sanada sem prejudicar o valor do produto. Um compu-tador que volta por várias vezes da assistência ao longo de um ano não é uma boa compra e ninguém em bom juízo, ciente dessa informação, iria adquirir a máquina senão mediante um significativo abatimento do preço.

A situação, pois, estaria a atrair a regra contida no § 3.º do art. 18 do CDC. A partir dos fatos narrados na inicial e delimitados na fundamentação na sentença, cumpriria à ré, respeitado o espírito da norma inserta no art. 18 do CDC, e em observados os princípios da confiança legítima e da boa-fé objetiva, oferecer a ime-diata substituição do produto ou devolução do dinheiro. No lugar de fazer isso, ela sujeitou o consumidor à situação já descrita, em processo longo e incômodo, que culminou na injustificável recusa à substituição ou devolução do valor.

3. Ainda que incontroversa a ilegalidade, é necessário avaliar se dela decorreu dano ao consumidor, já que a tutela individual dos direitos do consumidor, no direito brasileiro, não contempla a possibilidade de aplicação de multa ou indeni-zação pautada exclusivamente na negligência do fornecedor.

Analisando-se o subsistema de tutela dos direitos do consumidor criado pela Lei 8.078/1990, observa-se que a culpa grave ou a conduta altamente reprovável por parte do fornecedor não são fato suficiente para, por si só, autorizar a indeni-zação em favor da parte lesada ou submetida a risco de lesão. Essa característica, que pode ser interpretada como uma omissão na disciplina da matéria, é resultado de vetos feitos ao texto da legislação consumerista que foi aprovado pelo Congres-so Nacional.

Registre-se que a Lei 8.078/1990, na redação aprovada pelo Congresso Nacio-nal, estipulara em seu art. 16:

“Art. 16 – Se comprovada a alta periculosidade do produto ou do serviço que provocou o dano, ou grave imprudência, negligência ou imperícia do fornecedor, será devida multa civil de até um milhão de vezes o Bônus do Tesouro Nacional – BTN, ou índice equivalente que venha substituí-lo, na ação proposta por qualquer

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dos legitimados à defesa do consumidor em juízo, a critério do juiz, de acordo com a gravidade e proporção do dano, bem como a situação econômica do responsável”.

O artigo transcrito foi vetado pelo Presidente da República, juntamente com todos os dispositivos legais que cuidavam da aplicação de multa, tendo-se anotado na Mensagem 664/1990 a seguinte justificativa:

“O art. 12 e outras normas já dispõem de modo cabal sobre a reparação do dano sofrido pelo consumidor. Os dispositivos ora vetados criam a figura da ‘mul-ta civil’, sempre de valor expressivo, sem que sejam definidas a sua destinação e finalidade.

O art. 12 e ‘outras normas’ regulamentaram o direito à reparação patrimonial pelo dano sofrido pelo consumidor. Disciplinar direito ao ressarcimento, na exata medida do dano material comprovado, não é o mesmo que disciplinar ‘cabalmente’ a responsabilidade civil”.

A solução aprovada pelo Poder Legislativo foi a de quebrar com o sistema do Código Civil e inserir um elemento punitivo ao dever de reparar, na esteira da co-nhecida figura dos punitive damages do direito norte-americano, para as hipóteses em que demonstrada não apenas atitude antijurídica por parte do fornecedor, mas também a alta periculosidade do produto ou serviço, ou ainda a grave imprudên-cia, negligência ou imperícia do fornecedor. O texto normativo procurava, dessa forma, tornar antieconômica a prática delitiva grave.

A existência dos danos punitivos tem por objetivo evitar que um fornecedor, ciente do dano provocado ao consumidor, ou do risco de dano ocultamente impos-to ao consumidor, opte por praticar a conduta ilícita, por ser essa a solução mais vantajosa do ponto de vista econômico. Isso porque do universo de consumidores que efetivamente for prejudicado e tomar ciência de vício no produto, somente parte terá capacidade, tempo, paciência e os recursos necessários a compreender e comprovar o defeito e buscar administrativamente o reparo ou a troca. No caso de recusa, um subgrupo ainda menor buscará judicialmente a reparação.

Sobre o tema, comenta Mark Geistfeld que se o produtor tem a expectativa de que somente um em dez consumidores lesados irão processar e obter ganho de causa, talvez por serem incapazes de identificar o defeito, então, para maximizar lucros, ele teria de comparar o custo da correção do defeito com as despesas que adviriam da reparação – por ordem judicial – a esse um décimo de consumidores. Nas situações em que o custo da precaução excedesse a previsão de custo com o pagamento de indenizações, a escolha lógica, do ponto de vista estritamente finan-ceiro, seria a de vender o produto com defeito. Sem embargo das considerações éticas, e do risco de dano à imagem da empresa, o fato é que o raciocínio pautado em resultados financeiros, em alguns casos, incentivaria a direção da empresa a optar por conduta lesiva ao consumidor. A possibilidade de cominação de danos punitivos tem a função de eliminar esse incentivo (GeiStfeld, Mark A. Principles of

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No original, anotou o autor:

“Suppose the manufacturer expects that only one out of ten consumers with meritorious claims will actually sue and recover, perhaps because they are unable to identify the defects (like the failure to warn of a risk of cancer) as the cause of their injuries (cancer). To maximize profits, the manufacturer would make the safety decision by comparing the cost of the precaution (B) with these expected liability costs (1/10PL). The cost of the safety precaution could exceed the manu-facturer expected liability costs, creating an incentive to sell the defective product (...). This deterrence problem can be solved by punitive damages”.

Esse raciocínio é próprio da interpretação econômica do direito. Consideran-do-se que a gerência do estabelecimento comercial deve buscar o melhor resultado financeiro possível, o natural é esperar que ela se oriente pelo desrespeito ao Códi-go de Defesa do Consumidor, se essa prática se mostrar mais lucrativa. Essa linha de pensamento pode ser acusada de materialista e, em certo grau, cética, mas a reiteração de denúncias contra práticas abusivas por sociedades empresárias revela o seu valor como ferramenta para conter e sancionar abusos praticados contra os consumidores e orientar o mercado a um caminho mais ético, ainda que mediante coerção.

No sistema legal brasileiro tais sanções são somente viáveis em sede de tutela coletiva ou em sanções administrativas promovidas por órgãos de defesa do sumidor. No âmbito da tutela individual, a disciplina jurídica da matéria não con-templa a possibilidade de sanção, haja vista o veto presidencial ao art. 16 do CDC. 4. Estabelecidas as três premissas anteriores, passa-se ao exame da situação concreta, a fim de avaliar se é pertinente o pleito indenizatório perseguido no pre-sente recurso de apelação.

Definiu-se neste acórdão que (a) os meros dissabores do cotidiano não geram direito à reparação por dano moral; (b) no caso, houve clara violação ao art. 18 do CDC; e (c) a conduta negligente do fornecedor, por si só, não enseja indenização ou multa. Resta avaliar, neste tópico, se o substrato fático constatado a partir do exame das provas produzidas na espécie demonstra a concretização de dano moral ao autor.

A partir da situação de fato descrita, há inconteste abuso de relação de poder e sujeição do consumidor, por longo período de tempo, a situação que lhe tomou tempo valioso e o privou do uso do bem adquirido.

Deve-se registrar, inicialmente, que a circunstância de serem necessárias seis di-ligências, ao longo de um ano, com envio do computador para São Paulo e aguardo da resposta do fornecedor, é fato que prejudica o consumidor e lhe subtrai tempo em que poderia ser dedicado ao trabalho ou a lazer. Essa é, por si só, uma agressão que não pode ser reparada, pois aquele tempo jamais será recuperado.

Sobre o tema, colhe-se da literatura passagem de artigo publicado recentemente na Revista de Direito do Consumidor:

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“O dano temporal ou cronológico por desvio do produtivo e perda de tempo útil e/ou livre é fenômeno típico da sociedade tecnológica pós-moderna, gozando de inegável presença fática que não pode mais ser ignorada pelos juristas brasi-leiros e mundiais. Daí por que – inspirando-se na lição do desembargador André Gustavo Correia de Andrade –, é intolerável que os consumidores percam seu tempo útil e livre em decorrência de condutas abusivas imputáveis unicamente aos fornecedores de serviços/produtos que não se dispõem à solução rápida e ade-quada das demandas consumeristas avalizadas pela Constituição e pelo Código de Defesa do Consumidor.

Verdadeiramente, o dano temporal por desvio produtivo ou desperdício de tempo útil e/ou livre do consumidor é realidade inarredável aferível à luz de cada caso concreto e pela regra de experiência ordinária do magistrado, a fim de separar mero aborrecimento do efetivo dano indenizável por perda do tempo útil e desvio produtivo.

Em suma, o direito à indenização compensatória do dano temporal ou cronoló-gico – enquanto categoria lesiva autônoma –, é consequência do sistema aberto de tutela da dignidade humana e de responsabilização civil, merecendo análise atenta e detida dos intérpretes e operadores do direito brasileiro. Aliás, tutelar juridica-mente o tempo humano é também respaldar a liberdade, valorizar a vida, a família, o trabalho, o estudo, o afeto e tantos outros bens caros à personalidade humana em meio ao cotidiano veloz da sociedade da informação. No entanto, os Tribunais pátrios geralmente ainda conferem efetividade à tutela jurídica do tempo de modo reflexo sob o rótulo genérico de danos morais – já representando isso grande avan-ço, diga-se en passant” (Maia, Maurilio Casas. O dano temporal indenizável e o

mero dissabor cronológico no mercado de consumo: quando o tempo é mais que dinheiro – é dignidade e liberdade. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Ed. RT, n. 92, mar.-abr. 2014, p. 174-175).

Registre-se que, com a devida vênia, não se está a acompanhar o citado autor na caracterização do “dano temporal” como uma categoria autônoma. O que se acompanha é seu raciocínio no sentido de que o desperdício de tempo a que foi sujeitado o consumidor deve ser considerado como um elemento importante na caracterização do dano moral. A necessidade de repetidamente ter de buscar a assistência técnica não exerce, evidentemente, nenhum efeito sobre a passagem do tempo, objetivamente considerado, mas o privou de utilizar daquele tempo de maneira que lhe fosse proveitosa.

A escolha sobre a forma de dispor do próprio tempo é, sem dúvida, uma das mais importantes liberdades da vida, e um elemento essencial da dignidade humana.

Oportuno lembrar, nesse ponto, a lição de Sêneca:

“Não é curto o tempo que temos, mas dele muito perdemos. A vida é suficiente-mente longa e com generosidade nos foi dada, para a realização das maiores coisas,

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se a empregamos bem. Mas, quando ela se esvai no luxo e na indiferença, quando não a empregamos em nada de bom, então, finalmente constrangidos pela fatali-dade, sentimos que ela já passou por nós sem que tivéssemos percebido. O fato é o seguinte: não recebemos uma vida breve, mas a fazemos, nem somos dela carentes, mas esbanjadores. Tal como abundantes e régios recursos, quando caem nas mãos de um mau senhor, dissipam-se num momento, enquanto que, por pequenos que sejam, se são confiados a um bom guarda, crescem pelo uso, assim também a nossa vida se estende por muito tempo, para aquele que sabe dela bem dispor” (Sobre a

brevidade da vida. São Paulo: Nova Alexandria, 1993. p. 26).

Pois bem, no caso concreto, a ré foi esbanjadora do tempo do autor. Infligiu--lhe gratuitamente a pena de ter de se deslocar, procurar a assistência técnica, argumentar, insistir, deslocar-se novamente, tudo ao longo de um ano, por seis vezes repetidas.

Não é apenas o tempo perdido, entretanto, mas o sentimento de estar sendo desprezado e talvez enganado pela fornecedora, além da angústia de não saber se o reparo ou a troca serão feitos, quando o processo irá terminar, por quantas mais vezes será necessário requerer a solução do problema. O desgosto causado por tal situação, o arrependimento da compra e irritação ocasionada pela conduta da ré é fato que se pode facilmente compreender.

Em casos similares, de dificuldades sofridas por consumidores em razão da negligência no atendimento ao consumidor, o TJRS registrou um precedente importante:

“Obra com desídia a administradora de cartão de crédito que inclui e retira, su-cessivamente, das faturas do autor, lançamento que sabe ser indevido, obrigando o cliente a se submeter a verdadeira via crucis, durante longos meses, junto à central de atendimento da empresa, para o fim de obter a regularização de sua situação. Mais grave ainda, é que a ré, mesmo reconhecendo a impropriedade de tais lança-mentos, envia o nome do autor para o cadastro de inadimplentes, vindo-lhe causar novo e grave prejuízo. Dano moral in re ipsa” (ApCiv 70010319101, 6.ª Câm. Civ., TJRS, rel. Artur Arnildo Ludwig, j. 16.03.2005)

Em caso julgado por aquela Corte no ano seguinte, em situação mais próxima à dos autos, pois envolve atraso e defeito em reparo, averbou-se:

“Apelação cível. Responsabilidade civil. Consumidor. Fornecimento de servi-ços. Ônus da prova. Indenização devida. Devolução do dinheiro. Danos morais e materiais. Restando demonstrado que o fornecedor de serviços procedeu o con-serto do motor e do câmbio do automóvel do autor, peças essas que continuaram apresentando problemas, o que levou o demandante a procurar outra oficina, pro-cede a pretensão de devolução do dinheiro gasto, em razão do vício do serviço, ex

vi do art. 20, II, do CDC. (...) O dano moral decorre do próprio fato ilícito, sendo

que a prova, nesse caso, é prescindível, pois o prejuízo extrapatrimonial advém dos efeitos da verdadeira via crucis a que foi submetido o autor junto à oficina,

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estando in re ipsa. Valor da indenização arbitrado em 30 salários mínimos.

Ape-lo provido. Ação julgada parcialmente procedente” (ApCiv 70008712325, rel. Des.

Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, j. 22.03.2006)

Essa ideia, a de que não é apenas o tempo despendido, mas o tempo mau utili-zado, a angústia do problema indefinidamente insolucionado, foi, nos precedentes mencionados, traduzida metaforicamente como via crucis. Esse recurso linguístico

ganhou repercussão em diversos outros precedentes, tanto no próprio Tribunal Gaúcho (ApCiv 70009160854, ApCiv 70019340108, ApCiv 70044913457, ApCiv 70056397581, entre outras) quanto nesta Corte (ApCiv 2009.070532-7, ApCiv 2008.022736-3, entre outras).

Na esteira dos precedentes citados e dos fundamentos expostos, tem-se que o tormento, o desalento, a amargura imposta ao consumidor, ao lado da perda de tempo decorrente do tratamento desrespeitoso e, lembre-se, antijurídico do forne-cedor (violação ao art. 18 do CDC), consubstancia dano moral indenizável.

5. O autor insistiu no argumento de que, durante aproximadamente um ano, não pôde utilizar o computador. O argumento é também relevante, haja vista, que considerando-se (sic) o valor do produto, é presumível que o consumidor não tenha condições de comprar outro enquanto aguarda a resposta da assistência téc-nica. O microcomputador, ademais, vem-se tornando ferramenta a cada dia mais indispensável para profissionais de diversas áreas.

Note-se que não se está a tratar, aqui, de lucros cessantes. O que se observa é que a privação do uso do bem, aliada à essencialidade do produto e ao seu valor de mercado são fatos relevantes para a aferição do incômodo causado ao consumidor. Compreende-se facilmente, por exemplo, que o defeito numa camiseta ou num disco de música não causam, para o consumidor, o mesmo transtorno que o defei-to em sua geladeira, sua máquina de lavar roupas ou seu audefei-tomóvel.

É de se considerar, por outro lado, que no caso em tela não foi especificado pelo autor a necessidade do produto para uso profissional, tampouco existe notícia sobre haver em sua residência ou local de trabalho outros microcomputadores que pudesse utilizar. Nesse contexto, considerando-se as informações contidas nos autos, não se sobreleva a privação do uso da máquina na quantificação do dano moral.

6. É pacífico o entendimento de que o dano moral é indenizável, pretensão que encontra suporte nos arts. 186 e 944 do CC/2002, devendo o quantum ser fixado levando-se em consideração a extensão do dano sofrido, o grau de reprovabilida-de da conduta e a capacidareprovabilida-de econômica do réu, ante o caráter sancionatório da indenização.

Conforme assente na jurisprudência, a quantificação do dano deve, de um lado, compensar a vítima pelo abalo sofrido e, de outro, ter caráter pedagógico ao infrator, a fim de que não lhe seja infligida sanção irrelevante, incapaz de estimular uma mudança de comportamento.

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Sobre o tema, registra-se precedente do STJ:

“A fixação da indenização por dano moral deve revestir-se de caráter indeniza-tório e sancionaindeniza-tório, adstrito ao princípio da razoabilidade e, de outro lado, há de servir como meio propedêutico ao agente causador do dano” (REsp 582.047/RS, rel. Min. Massami Uyeda, j. 17.02.2009).

No caso em apreço, deve-se levar em conta que o dano sofrido não atingiu de maneira brutal o autor, mas prolongou-se por longo período de tempo. Deve-se considerar, também, que o grau de culpabilidade é elevado, pois não apenas a fornecedora descumpriu acintosamente a norma contida no art. 18 do CDC, mas sujeitou o comprador a repetidamente buscar a assistência técnica para não resol-ver o problema e, em seguida, recusar-se a trocar o produto ou restituir o valor. O comportamento é absolutamente inaceitável e a capacidade econômica do agente é elevado (fato notório, cuidando-se de filial de multinacional com diversos endere-ços no Brasil e distribuição em todo o mercado nacional). Arbitra-se a indenização, por conseguinte, em R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

A correção monetária será feita a partir da data deste julgamento (Súmula 362 do STJ). Em relação aos juros moratórios, contam-se a partir do início do evento danoso (Súmula 54 do STJ), incidindo juros legais de 0,5% ao mês na vigência do Código Civil de 1916 e de 1% ao mês a partir da vigência do Código Civil de 2002. Considera-se que o dano, no caso, teve início no primeiro dia subsequente ao exaurimento do prazo de 30 dias contados da primeira vez em que encaminhado o computador à assistência técnica. Conforme documento acostado a f., a entrega à assistência se deu em 05.09.2001, uma quarta-feira, exaurindo-se no dia 5 de outubro, sexta-feira. Juros de mora, portanto, contados a partir de 06.10.2001.

7. Registre-se, por fim, que o acolhimento da decisão tem reflexos sobre a su-cumbência, devendo incidir os honorários advocatícios no percentual estipulado na sentença.

8. Por todo o exposto, conhece-se do recurso e dá-se-lhe provimento para con-denar a ré ao pagamento de indenização por dano moral arbitrada em R$ 15.000,00 (quinze mil reais). Correção monetária a partir da data desta decisão e juros de mora desde 06.10.2001.

Referências

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