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AVALIA QUEM PODE? OU QUANDO ESTRATÉGIAS DE POLIDEZ FAZEM FALTA EM INTERAÇÃO NO CONTEXTO DE TRABALHO 1

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“AVALIA QUEM PODE?” OU “QUANDO ESTRATÉGIAS DE POLIDEZ FAZEM FALTA EM INTERAÇÃO NO CONTEXTO DE TRABALHO”1

Isabel Cristina Rangel MORAES BEZERRA - (Faculdade de Formação de Professores/UERJ)

Resumo:

Com este artigo pretendo fazer uma breve reflexão sobre questões de polidez em ambiente de trabalho. Analiso como, em um grupo de discussões e estudos, o coordenador de um curso de idiomas e um professor constróem a relação chefe-subalterno, marcada por um grau de assimetria que leva o primeiro a fazer atos diretos de ameaça à face do segundo. Analiso também a perspectiva dos dois participantes ao refletirem sobre o evento e, finalmente, problematizo as implicações deste modelo de relação de trabalho.

Palavras-chave: interação no trabalho, construção discursiva de relações, polidez, Prática Exploratória.

1. Introdução

Em nossas interações cotidianas, segundo pesquisadores estudiosos da polidez, esta se faz presente seja como forma de evitação de conflito (Lakoff, 1973, 1989), seja pela socialização a que se é submetido, implicando a construção de scripts culturais (Blum-Kulka,1995), seja para atingir objetivos ou para preservar a face (Brown & Levinson, 1987). Além disso, a polidez entendida como “bons modos de conduta [...] regula a interação social de forma que a minimização de conflitos potenciais possa levar à maximização de benefícios pessoais (Held, 1999:21)”

Atuando como pesquisadora-consultora em um curso de idiomas, surpreendi-me ao transcrever um momento das discussões gravadas em áudio. Deparei-me com uma microcena que envolvia dois dos participantes. Verifiquei uma atitude contrária ao esperado em um grupo de estudos e reflexão pela forma como foi discursivamente construída e, de certa forma, preconizados pelos autores acima, embora não tratassem a polidez enquanto comportamento situado. Aliando essa perspectiva ao entendimento da sócio-construção de significados e relações pelo discurso, analisarei a microcena, cruzando esta análise com a perspectiva dos dois interactantes.

2. Entendendo face e polidez

Teorizando sobre a forma como nos apresentamos nos encontros sociais, Goffman (1980 [1967]) propôs o construto por ele denominado face. Diz respeito “ao valor positivo que uma pessoa efetivamente reclama para si mesma através do que os outros presumem ser a linha por ela adotada” (ibi.:76,77). Seria a imagem que o falante projeta, portadora de atributos socialmente aprovados, mantida durante a interação, demarcando a sua linha de conduta. Portanto, é a auto-imagem pública, construída pelo falante na interação, podendo sustentá-la ou perdê-la, mas sendo uma estratégia para ser aceito pelo grupo. No entanto, a face não é um atributo do falante, por ser um empréstimo social, podendo ser retirada quando não sustentada ou validada pelo outro. Desta forma, a face é relevante para estudos de polidez, servindo de base para o modelo proposto por Brown e Levinson (1987).

Em seu modelo pioneiro de polidez, Lakoff (1973) reconhece que o falante não utiliza os atos de fala apenas para partilhar informações. Busca sempre conseguir que seu interlocutor tenha-lhes um sentimento favorável. Isso poderia ser obtido através de regras de polidez, formuladas por Lakoff (ibid:298 - com comentários de Oliveira, 1992, entre colchetes):

1No VII CBLA, este artigo foi submetido com o seguinte título: “‘Avalia quem pode?’ ou ‘Quando

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[1] Não imponha.[afastamento necessário entre interlocutores em situações formais (distância)]; [2] Dê opções. [o falante não deve ser categórico na expressão de suas crenças, sentimentos,

atenuando a força do que vai dizer (deferência)];

[3] Faça A sentir-se bem- seja amigável. [atitude de camaradagem verdadeira ou não].

Ainda que Lakoff não tenha bebido na fonte goffmaniana, percebe-se a existência de estratégias de trabalho de face com relação ao falante e àquele ao qual se dirige. Passando ao modelo de Brown e Levinson (1987), duas questões caracterizam-no. A primeira diz respeito à razão, que permite ao falante escolher os meios pelos quais tentará atingir os objetivos pretendidos na interação. A segunda, diz respeito à face. Esta torna-se a motivação para que os interactantes tenham um comportamento polido (Oliveira (1992). Os trabalhos de face visariam manter um equilíbrio ritual da interação, uma vez que todo membro adulto competente não deseja sofrer imposições (face negativa), mas deseja ser aprovado/aceito e aquilo que pretende também seja desejável ao menos para alguns dos outros membros (face positiva). Isto requer que todos ajam no sentido de controlar a conduta para não contrariarem a imagem que tentam construir interacionalmente, i.e., para não contrariarem a linha de conduta assumida. Por outro lado, é crucial que operem no sentido de sustentar a imagem que o interlocutor constrói, demonstrando consideração/respeito.

Brown e Levinson (1987) consideram, porém, ser possível que os interactantes façam atos de

ameaça à face (AAF) positiva ou negativa do interlocutor na interação, ao realizarem atos que

implicam ameaças diretas aos desejos de face. Assim, ordens/pedidos são atos de ameaça à face negativa por carregarem imposições ao que o outro deve ou não fazer. Críticas/acusações são atos de ameaça à face positiva. Se alguém opera racionalmente, evitará fazer tais atos ou lançará mão de estratégias para minimizá-lo.

3. Relações de poder e polidez

As práticas socais nas quais nos engajamos mostram que determinadas ações - mandar, criticar, etc. - são feitas normalmente por quem [acha que] detém o poder. Considerando a forma como a polidez regula as interações sociais, Held (1999: 21) afirma que está associada ao poder, por ser construída nas relações sociais, refletindo-as, regulando-as e estabelecendo-as indiretamente. Para harmonizar a comunicação social, o autor (ibid.) afirma que as relações reais de poder devem ser substituídas por relações simuladas de poder. Na prática, isto significaria que o mais forte deveria passar simbolicamente o poder ao mais fraco na interação para manter o equilíbrio do poder que mantém as relações sociais.

Held (ibid.:21) introduz a noção de estratégias de submissão, caracterizadas por atos de “auto-depreciação e submissão pessoal em favor do parceiro interacional, que um indivíduo polido é levado a representar por razões sócio-éticas”. Estão ligadas ao valor do outro e são normalmente usadas por aqueles de status inferior para com aqueles de status superior. Porém, podem ser utilizadas por quem detém o poder como forma de manipulação ou mesmo de solidariedade/favor. Para Held (ibid.:29), “as formas de se expressar respeito estão se tornando independentes de valor hierárquico”, significando que esses e outros gestos de submissão não mais limitam-se a serem usados por aqueles que não detêm o poder. Conseqüentemente, seria preciso analisar como a interação se configura, quem são os interactantes, qual o tópico/objetivo comunicativo e contexto para entender a finalidade e função desses gestos; no caso de sua ausência, quais as implicações.

4. A avaliação e relações de poder na interação

Avaliar pessoas, ações, objetos, etc. faz parte do cotidiano, revelando-se através de nosso discurso. Para Linde (1997:152), a avaliação é “um dos maiores componentes da estrutura lingüística do discurso” e, por outro lado, “uma parte importante da interação social, tendo sérias conseqüências para as decisões do mundo real.” Ela (ibid.) enfatiza que “a análise da avaliação necessariamente dá uma explicação da relação existente entre a estrutura lingüística e a prática social”. Para Linde, a

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avaliação pode ser entendida como qualquer enunciação que indique como o falante baliza o significado social ou o valor de uma pessoa, coisa, evento, relação.

Assim, a avaliação “compõe uma parte importante da dimensão moral da língua” (ibid.:152), oferecendo indicativos sobre a ordem social que o falante reproduz ao assumi-la via discurso. Quanto à configuração lingüística, Linde menciona a possibilidade de a avaliação ser expressa por enunciações e de narrativas. Com respeito à narrativa, Linde (ibid.:153) indica que a avaliação possui duas dimensões. A que me interessa é ‘referência a normas sociais’, compreendendo “comentários morais ou demonstrações da forma como o mundo é, a forma como o mundo deveria ser, o que se considera um comportamento adequado e o tipo de pessoa que o falante e o seu interlocutor são.” É uma forma particular de um julgamento normativo: que tipo de comportamento pode ser esperado.

Para entender a avaliação como prática social, Linde (ibid.) parte do pressuposto de que é necessário entender seu funcionamento nas diversas estruturas discursivas, ao invés de focalizar a sua função apenas na narrativa. Cabe ressaltar que a avaliação pode ocorrer em qualquer ponto da narrativa, pode ser realizada em qualquer nível da estrutura lingüística e não tem uma forma específica. Outra questão relevante é que a avaliação seria negociada entre os interactantes.

Remetendo às questões anteriormente discutidas, percebe-se como elas se interligam. Isso acontece na medida em que avaliar o comportamento de alguém pode ser um AAF positiva da pessoa avaliada, gerando a necessidade da utilização de estratégias de polidez, tal como indiretividade. Pode-se mesmo ter que lançar mão de estratégias de submissão, retirando o foco da pessoa avaliada, para poder negociá-la na interação.

5. Metodologia e Contexto de Pesquisa

A Prática Exploratória (Allwright 2002a, 2002b, 1992) prima por reforçar a necessidade de que os insights/implicações/novos saberes sejam gerados e partilhados por todos os envolvidos. Portanto, o pesquisador deve aliar seus interesses aos dos participantes e priorizar o entendimento da qualidade de vida no contexto. Isso porém não significa que vá interferir no contexto à revelia dos participantes – não vistos como sujeitos de pesquisa. São antes parceiros que, através das reflexões coletivas, tomam decisões. Os entendimentos surgidos dos puzzles investigados servem para que os participantes, inclusive o pesquisador, fiquem mais conscientes das questões que os subjazem.

Considerando os princípios Prática Exploratória (PE), não foi difícil dialogar com a perspectiva sugerida por Eelen (2001). Este, estudioso e crítico de teorias de polidez, questiona os modelos de polidez disponíveis por não considerarem o ouvinte, mesmo quando usam informantes, em situações fictícias ou questionários, para tentar dar conta de como este percebe determinadas situações. Eelen (2001) ainda sugere que o ouvinte adote uma posição interacional argumentativa e avaliativa, permitindo-lhe dar conta do contínuo polidez-impolidez, uma vez que o segundo elemento, para Eelen (ibid.), não aparece nas teorizações.

Meu trabalho originou-se de um dos encontros quinzenais em um curso de idiomas no qual professores e eu desenvolvemos ações no sentido de refletirmos sobre nossa prática pedagógica, para melhor entendê-la. Partindo de interesses do grupo, espero que tal processo gere insights sobre a construção do saber docente e de conhecimentos em sala de aula. Fazem parte do grupo três professores: Mila e Gil, graduados em Port./Ing.; Eli, graduado em Port./Ing., coordenador na instituição e, no momento da pesquisa, mestrando em Letras.

Ao transcrever o encontro de 02/junho/2003, identifiquei uma cena entre Gil e Eli reveladora de um modelo de interação marcado por uma relação de poder não mitigada. Submeti-a à sua apreciação para que refletissem sobre a forma como a interação fora construída e como sentiam-se ao retomá-la, via transcrição. Pretendia incorporar a percepção e a reflexão de ambos acerca do evento para que todos pudéssemos entender melhor o modelo de relação profissional ‘coordenador-professor’ que estava sendo praticado entre os dois. Assim, a análise dos dados será norteada pelos meus

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[1] Como a relação entre Eli (coordenador/professor)- Gil (professor) foi construída na interação e quais as conseqüências para aquele contexto interacional imediato? Que modelo de relação profissional parecia ser praticado?

[2] Quais as percepções levantadas por ambos quanto à sua participação e ao modelo de relação profissional configurado naquela interação? Quais as implicações desse modelo para a relação interpessoal/profissional entre eles?

Na próxima seção, tento responder esses puzzles. 6 “ A tua fama de professor intransigente”

Na microcena, reportávamo-nos aos laços de afetividade construídos no processo de ensino-aprendizado entre professores /alunos, bem como à influência positiva ou não. Gil aponta como sua relação com os alunos modificara-se ao longo de sua prática. Vejamos sua colocação e a reação dos interactantes:

12 Gil [é: entendeu é isso] eu tô é é é:: é o que acontece comigo aqui. muitos alunos aqui têm- nunca estudaram comigo. mas eu não sei que a minha fama corre, Gil, Gil, Gil. nunca estudaram comigo mas sabe que- agora mesmo esse terceiro período, não é, do sábado, quando a Márcia entrou na sala, tava lá no outro prédio que falou que ia ser eu to- eles confessaram =

13 Eli não, mas eles falam. eles confessam.

14 Gil eles confessaram pra mim. falou “ó nós tínhamos medo de estudar com você. nós estávamos com medo.” hoje quer todo mundo que- tão reivindicando pra eu = 15 Eli = continuar =

16 Gil = com eles no quarto. 17 Mara ( )

18 Gil entendeu?

19 Eli mas aí também, olha só, aí entra um outro ponto, né, entra o ponto do do que você até falou na outra aula, do próprio crescimento seu como professor.

20 Mara é.

∧ 21 Eli você sabe que você já foi um professor muito mais intransigente. (0.8) e tua a sua fama de professor intransigente =

22 Mara = ficou =

23 Eli = vem do passado. não é de agora. agora você mesmo falou que você mudou, aprendeu muito com seus alunos como lidar com os alunos.

24 Mara até [( )]

∧ 25 Eli [mas você já teve] problemas seríssimos com alunos, do aluno chegar na secretaria reclamar de você, falar isso, da mãe de aluno ir lá. lembra um um caso que teve da mãe da Vívian? (0.8) né? da aluna

26 Gil [[˚ foi ˚]]

∧ 27 Eli [[que a] menina chegou em casa chorando, aos prantos por causa do Gil, que o Gil tinha falado que ela era burra.

28 Gil não. tinha colocado ela no ce:ntro da [da sala de aula e todos tinham que fazer] 29 Eli [é uma coisa assim. tinha insinuado que ela

era burra.]

30 Gil eu tinha que colocado ela [no centro da sala] e os alunos tinham que fazer pergunta a ela.=

∧ 31 Eli [mas ele não falou isso.]

No turno19 (T19) Eli faz um comentário esperado em um contexto como o nosso que congrega professores refletindo sobre a sua prática pedagógica. É um insight coletivo no sentido de verificarmos como nossas práticas e nossas relações com os alunos atingem diversos matizes ao longo do exercício profissional. No entanto, no T21, Eli começa a avaliar a atuação profissional de Gil, constituindo-se em um ato direto de ameaça à face positiva do interlocutor. Parece assumir agora a

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fala do coordenador do curso e não mais do colega professor, não sendo amigável (Lakoff:1972). Talvez quisesse mostrar a Gil que ele agora pode fazer tal comparação por que mudou sua atitude, Antes não traria tal assunto à conversação.

Eli não mitiga a avaliação, utilizando-se do adjetivo intransigente, repetido com ênfase, inclusive na construção: ‘você sabe que você já foi um professor muito mais intransigente’, avaliando diretamente. Além disso, observa-se a pausa significativa de (0.8) em que ninguém toma o turno, parecendo marcar a autoridade do coordenador e o momento de crise e/ou constrangimento dos outros interactantes, exatamente quando Gil construía a face de professor temido mas preferido. No T25, retoma a avaliação, narrando um episódio no qual busca caracterizar o perfil profissional de Gil no tocante à relação com alunos.

Ao construir a sua avaliação, via narrativa, Eli não utiliza formas lingüísticas que pudessem mitigar a avaliação. Na verdade, para quê inserir história tão desastrosa? No T25, ao dizer ‘você já

teve problemas seríssimos com alunos’, ‘do aluno chegar na secretaria e reclamar de você’, ‘da mãe do aluno ir lá’, Eli constrói discursivamente uma face contrária àquela que Gil pretendia marcar

quando, no T14, mostra uma perspectiva profissional diversa daquela presente no início de sua carreira. Ressalto no T25 de Eli nova pausa de (0.8) que lhe permite continuar um pouco mais como a autoridade que tem o direito de apontar, diante de outras pessoas, como Gil era e como deveria comportar-se. Isso leva Gil a confirmar o fato narrado, mas cabe observar o seu constrangimento ao fazê-lo baixinho e monossilabicamente (T26).

Nos T28 e T30 Gil tenta apresentar a sua versão do fato, sofrendo sobreposição da fala de Eli à sua. Há um visível embate. Gil tenta salvar a sua face enquanto Eli faz o contrário, expressando sua avaliação de forma ameaçadora. Talvez pudesse utilizar-se de estratégias de submissão, conforme aponta Held (1999), mantendo-se na posição de professor, entendendo que este profissional está sujeito a passar por situações em que desagrada o aluno. A demonstração de solidariedade e

co-membership mitigaria a avaliação. Vejamos a seqüência da microcena no trecho abaixo:

1 Gil [e ela não gostou.]

2 Eli e ela não gostou. [deu um problema sério isso.]

3 Gil [ela não gostou daquele mo- é é daquela, daquele momento.= 4 Eli = não [é questão dela ter gostado. eu acho que-]

5 Gil [( )(no centro)] e as pessoas ficarem fazendo pergun[ta pra ela.]

6 Eli [> é a questão também do en- <]

7 Gil hoje em dia, os que não querem, eu deixo ficar [(lá no lugar) entendeu? ]

8 Eli [é a questão] é a questão de respeitar a individualidade.

Os T1 a T6 evidenciam uma continuação do embate: Eli avaliando Gil negativamente e este tentando explicar-se. As sobreposições de turnos e a repetição de argumentos por ambos mostram que a avaliação no nível constituinte do discurso acerca da prática de Gil estava sendo negociada, no entanto, diferentemente do que é preconizado por Linde (1997) eles não chegaram a um consenso. Eli o via como responsável pelo problema e Gil tentava mostrar que um mal entendido acontecera. Gil se conforma, embora não esteja conforme.

Essas foram as minhas considerações de pesquisadora. Mas que considerações os interactantes teceram ao rever este episódio? É o que veremos a seguir.

6.1 “Mas eu tava até constrangido um pouco de falar”

Considerando a reflexão sobre a microcena como parte do objetivo de entender a qualidade de vida naquele contexto institucional, pedi a Gil que a avaliasse: Parecia continuar a construção da boa figura no contexto:

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Gil sei lá. intere:- interessante como nós falamos assim quebrado. e:: a n- não sei se:: eu eu olhando aqui: assim como ficou. como como eu tava falando, será que vocês conseguiram entender o que eu queria dizer, a mensagem que eu queria passar do:: caso da aluna que eu tinha colocado no:: centro do da da turma? né? será que vocês conseguiram entender porque ficou tão quebrado aqui.

A hesitação ao formular uma avaliação, o foco na forma como falara e não na interação em si, demonstrava como era difícil fazê-lo. Houve diversos momentos em que eu esperava que Gil avaliasse a atitude de Eli, mas ele voltava o foco para si, como se utilizasse ‘estratégias de submetido’.

1 Bel aí você o que que você você olhando isso aí como é que você se sente? 2 Gil como eu me sinto?

3 Bel é.

4 Gil ((rindo)) ah é é é. it’s hard to say. 5 Bel hard to say?

6 Gil well (1.8) uh ((suspira)) como eu vou dizer como? eu me sinto assim >(aprendendo)< é:: (1.2) ho::je eu não faço mais isso né? hoje eu num num ajo mais dessa forma. tento é como o Eli colocou aqui. eu tento respeitar (um pouco) o o ser o aluno. também a parte afetiva do aluno.

Não fazia qualquer avaliação negativa à forma como Eli o posicionara discursivamente, por não saber das conseqüências. Opta por colocar-se em posição de inferioridade (T6). A tomada de tal posição por Gil sugeria uma estratégia de preservação de face e de posição no curso, especialmente da última, por não achar errado adotar uma estratégia pedagógica para todos os aprendizes. Ao longo da interação, Gil usou a mesma argumentação para expressar seu entendimento da forma como Eli havia interagido, chegando a se auto-depreciar:

Gil eu fico assi:m é pensando, se ele: me interrompeu é porque eu acho que eu não tava me colo- eu fico, assim, eu não tava me colocando be:m, acho que eu não tava me expressando bem é: então toda vez que há uma- eu me sinto- pra falar a verdade, eu me sinto mais à vontade tando com você e com a Mara que tando com você, a Mara e ele presente. entendeu? eu me sinto: mais à vontade pra me expressar pra: pra pra eu falar.

Neste turno surgem indícios de como a relação profissional coordenador-professor está presente mesmo no grupo de discussão, impedindo uma participação mais reflexiva, menos ameaçadora. Confessa o desconforto da posição de submetido. Parecia também incerto do meu papel, pois, afinal, qual o objetivo real de tantas perguntas? Finalmente, Gil revela como conseguiu avaliar a interação:

1 Gil achei engraçado que você sentiu uma coisa, até quando você me fez a pergu:nta, agora eu falei, mas eu tava até constrangido um pouco de falar. tipo assim, um um me:do de falar, não é? acho que era o fato de eu saber que você, que tem uma certa ligação [com e:le-] 2 Bel [si:m, claro.] 3 Gil de amizade, entendeu? então eu fiquei assim “não, eu não vou falar.” =

4 Bel = mas eu sou sua amiga também.

5 Gil “não vou falar”, entendeu? e: sei lá, você me fez umas perguntas que fez eu falar e agora no final com você fecha:ndo =

Gil avalia, embora mitigando, como sente-se nos encontros quando Eli está presente. Utiliza-se do downgrader ‘um pouco’:

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constrangido e-

Na verdade, fica muito constrangido não apenas por causa do episódio, mas pelo próprio papel institucional exercido por Eli:

Gil Então, eu me sinto mais à vontade sem ele. ele é que: eu não sei se é o fato de ser coordenador, né, e saber que no final do ano é ele que vai dividir as turmas, né, e que vai dar tu:rmas, então que vai dar turmas de acordo com a a: capacidade do professor, né, competência do professor em tá com aquela turma. então eu fico: assi:m é: não sei se constrangido é a palavra certa, né?

Para Gil, a forma de Eli colocar-se discursivamente reforça sua posição institucional de poder, colaborando para um distanciamento e dificultando o exercício reflexivo do grupo profissional. 6.2 “Aqui eu tô me vendo totalmente patrão.”

Ao rever e fizer a sua avaliação da interação, não foi difícil que Eli tocasse imediatamente, ainda que fazendo longas pausas, na questão que me fizera refletir sobre estratégias de polidez naquele contexto:

Eli em relação ao que tava acontecendo aqui, né, a gente tava falando sobre- > a gente começou falando< sobre alguns episódios, sobre postura do professor, né, nossa postu:ra, mais com a postura do Gil, né? Mais com a postura do Gil, é:: (1.0) sssó que aqui tem uma coisa que me chamou atenção (0.5) é: que: (0.5) eu eu comecei crucificando o Gil. é. uma coisa que me chamou atenção e que na hora eu não percebi mas que eu fiquei o tempo todo crucificando o Gil. criticando ele. (0.5) né? eu:: não sei, eu acho que eu não estava contribuindo muito pra pra:: interação em si.

Ao avaliar sua participação, Eli aponta como o fato de criticar o colega não contribui para o objetivo do encontro. Enquanto alguém que estuda a linguagem, reconhece que estava fazendo um AAF, sem mitigação:

Eli ele defendendo a face e eu ameaçando a face dele o tempo todo. é isso que que que me pareceu. uma coisa que na hora eu não percebi.

Em vários momentos Eli mostra seu desconforto ao rever como se posicionara diante do episódio acontecido, gerando uma avaliação negativa:

Eli [olha- e isso] me incomoda. é aquela mesma voz de imposição. olha, eu tô impondo ao Gil que ele seja professor nesse modelo.

No trecho acima, Eli reconhece como posiciona-se e ao colega discursivamente, sem mitigar a relação de poder. Isso revela uma ‘voz de imposição’, retomada pelo verbo ‘impondo’. Mais do que falta de tato, o trabalho de destruição da face do outro, ao tornar-se objeto de reflexão, destrói a própria face.

Bel mas eu achei trazer isso aqui pra ver com você como você tá se vendo nesse momento aí.

Eli aqui eu tô me vendo totalmente patrão. ((risos de ambos)) “se você tá melhorando, vai melhorar mais.” chicote na mão. senão você vai pro tronco. mas é isso que eu tô vendo aqui. exatamente isso.

Bel e você fica confortável ou desconfortável?

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A incongruência entre a linha de conduta pretendida e aquela verificada estão marcadas no seu discurso. A metáfora que caracteriza sua atitude é forte: o senhor de escravos. Além disso, o uso do superlativo ‘desconfortabilíssimo’ não deixa de ser um upgrader, reforçando sua auto-avaliação. Aquela não era a face que desejava projetar. Questionado se o status de coordenador e a forma de interação interferiam no próprio trabalho, Eli afirma:

Eli muitos ficam assim assustados (0.5) e como sempre eles tentam se defender. “não não foi assim. foi assim. foi assim que aconteceu.” (0.2) né e:: mas o que eu noto mesmo é que eles ficam com medo de me contar os problemas. se acontece alguma coisa dentro da sala deles, eles não chegam comigo. eles conversam com os outros professores. mas comigo eles não conversam. não falam. “olha tá acontecendo isso comigo.” (0.2)

Sem entender as teorias sobre polidez como posicionamentos prescritivos, nem a Prática Exploratória como uma perspectiva teórico-metodológica para pesquisa com a qual tenta-se impor mudanças no contexto investigado, pude observar problemas que acarretam dificuldades na relação profissional desses dois atores sociais. Acredito que atingi meu propósito de colaborar para a reflexão de ambos sobre como se posicionam e posicionam o outro no discurso. Os entendimentos gerados, ainda que trazendo à tona questões complicadas, podem iluminar como configuram-se as relações profissionais coordenador x professor(es), resgatadas no discurso, assim como as suas implicações.

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BLUM-KULKA, S. 1995 The metapragmatics of politeness in Israeli society.

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GOFFMAN, E. 1980 [1967] A Elaboração da face. IN: S.A. FIGUEIRA (org.) Psicanálise e Ciências

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LAKOFF, R. T. 1972 The logic of politeness; or minding your ps and qs. IN: Papers from the ninth

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LINDE, C. 1997 Evaluation as linguistic structure and social practice. IN: B. GUNNARSSON; P. Linell; B. NORDBERG. The Construction of Professional Discourse. 151-172.

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Referências

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