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O CONFLICTO EM TORNO DO P. KENTENICH TENTATIVA DE UMA VISÃO DE CONJUNTO

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JOACHIM SCHMIEDL – Padre de Schoenstatt

O CONFLICTO EM TORNO DO P. KENTENICH – TENTATIVA DE

UMA VISÃO DE CONJUNTO

(Publicado na revista Regnum,

55. Jahrgang (2020), Heft Nr. 4)

Recentemente foram abertos os arquivos da Congregação para a Fé (ex. Santo Ofício) relativos ao pontificado de Pio XII. As publicações de descobertas aí encontradas originaram um intenso debate dentro e fora do Movimento de Schoenstatt sobre o que realmente aconteceu há setenta anos. Para além de toda a boa vontade, abertura e transparência, tornou-se rapidamente evidente que não basta a publicação de algumas cartas. Nos arquivos das comunidades de Schoenstatt, dos palotinos, dos bispados alemães (sobretudo Tréveris e Limburgo), assim como nos arquivos romanos, encontram-se milhares de páginas de material para cuja compreensão são necessários vastos e exaustivos estudos. Nas páginas seguintes tentaremos traçar algumas linhas para aclarar contextos. Ao fazê-lo far-se-á um discernimento de fases que se sobrepõem e em cujo ponto central se encontram sem dúvida ambas as visitações das Irmãs de Maria, a de 1949 e a de 1951-1953, que, por sua vez, apresentam uma história prévia e uma posterior.

1934-1940: Uma confrontação teológica

Os primeiro escritos do Movimento de Schoenstatt foram publicados nos anos 30. A solicitação do “imprimatur” episcopal às autoridades competentes de Limburgo e Tréveris esteve permanentemente ligada a dificuldades.

Os primeiros problemas surgiram em 1934 com o texto “A árvore da vida como símbolo do Movimento Apostólico”. O bispo de Limburgo, Antonius Hilfrich, criticou a “originalidade” e as “ideias peculiares” de Schoenstatt. Uma fundamentação muito importante de tal crítica era que isso iria “em prejuízo da Acção Católica”, poria em perigo a “homogeneidade da Acção Católica”.1 Uma razão perfeitamente compreensível se tivermos em conta o panorama das lutas contra o nacional socialismo pelas restrições impostas às associações católicas. Mas quando o Pe. Kentenich respondeu que “precisamente o nosso ideal, sempre mantido em alto, é construir o nosso Movimento orientando-nos exclusivamente por uma sã dogmática e sobre os cimentos de um espírito de fé simples, descomplicado, a fim de dar um exemplo concreto ao mundo de hoje da vitalidade e força plasmadora das verdades católicas para a situação actual”2, surgiram diferenças justamente na maneira de entender a dogmática. Enquanto os censores e peritos teólogos do seminário de Tréveris e da Faculdade de Teologia “Sankt Georgen” fundavam as suas argumentações na teologia neoescolástica, que era a que então vigorava, e por conseguinte não queriam tolerar nenhuma peculiaridade carismática, nem sequer na terminologia. A Kentenich interessava-lhe gerar pontos de enlace para uma recepção actualizada das verdades da fé, uma recepção pessoal e comunitária. Os peritos advertiram “sobre um uso e difusão de uma linguagem inusitada”.3

Os ditames teológicos alongaram-se pela segunda metade dos anos trinta e referiam-se, para além de escritos menores como “Contribuições para uma valorização crítica de Schoenstatt”

1 Carta de Hilfrich a Bornewasser, 27 de fevereiro de 1935. 2 Kentenich a Bornewasser, 26 de abril de 1935.

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(1935) a outros como “A pedagogia de Schoenstatt exemplificada em José Engling” (1936, da autoria de Pe. Alexander Menningen), “A Santidade da vida diária” (1937, da Irmã Annette Nailis), a dissertação de Pe. Ferdinand Kastner e a sua publicação no livro “A cristificação mariana do mundo”, e a “Ascética orgânica” de Hermann Schmidt. As objecções incidiam até aos detalhes e com frequência referiam algumas expressões particulares. O mesmo sucedeu com a necessária autorização de impressão (nihil obstat) que o bispo devia dar para livros de oração e cantos. No começo da Segunda Guerra Mundial, o Movimento de Schoenstatt não era nenhuma tábua rasa pra os bispos de Tréveris e Limburgo, nem tampouco para o bispo auxiliar de Bamberg, Arthur Michael Landgraf, especialista na dogmática da Alta escolástica carolíngia. 1943-1949: O plano da Conferência Episcopal

O segmento seguinte pode tratar-se brevemente; veja-se para isso o meu artigo publicado nesta revista. 4 O ponto de partida foi a frase que se encontra no parecer do arcebispo de Friburgo de Brisgovia, Gröber, de 1943: “Os ‘schoenstatteanos’ que trabalham intensamente na área pastoral conformam dentro da diocese uma espécie de Estado dentro do Estado, com uma central e uma organização à parte, e com uma ascética ‘orgânica’ e uma dogmática próprias”. Uma vez que não foi possível tomar mais medidas durante a guerra, particularmente considerando que o fundador se encontrava no campo de concentração, uma vez finalizada a guerra mundial retomaram-se os esforços por disciplinar o Movimento. No ambiente pairava a proposta, várias vezes feita, de elevar a causa Schoenstatt ao Santo Ofício. Mas os bispos não se decidiam a fazê-lo. Redigiram “normas” que promulgaram no verão de 1948, mas que transmitiram só um ano mais tarde ao Movimento. Entretanto teve lugar a visitação episcopal das Irmãs de Maria.

1942-1953 O novo tipo de instituto secular – as Irmãs de Maria

A 1 de outubro de 1926 foi fundada a comunidade das Irmãs de Maria. Elas concebiam-se como uma comunidade familiar, baseada no assim chamado “princípio parental”: o fundador, Pe. José Kentenich, e a superiora geral, a Irmã Ana Pries, presidiam juntos à comunidade, em aplicação análoga da estrutura de uma família de sangue. Daí que de início não fossem previstos limites aos períodos de exercício desses cargos. Nos primeiros anos da comunidade, o Pe. Kentenich desenvolveu intensas relações pastorais com muitas Irmãs que se confiaram a ele, e cuja vida espiritual ele acompanhou mediante intensos contactos pessoais e epistolares. Assim como nos anos trinta a Aliança de Amor com a Sma. Virgem se tinha aprofundado desenvolvendo o espírito da entrega total (Carta Branca e Inscriptio), assim também na relação entre o fundador e as Irmãs se gerou uma prática específica. Esta expressou-se sob as formas de oração já conhecidas na tradição das ordens religiosas, formas ligadas a determinadas posturas corporais (ajoelhar-se, inclinação profunda, prostração), e expressou-se igualmente no “exame filial”5. A comunidade guardou como um tesouro especial estes pontos culminantes da vivência espiritual pessoal.

Com a prisão do Pe. Kentenich, em 20 de setembro de 1941, e a sua posterior transferência para o campo de concentração de Dachau, em março de 1942, já não foi possível o contacto pessoal nem epistolar com uma ou outra Irmã. O governo da comunidade realizou-se mediante cartas enviadas clandestinamente às Irmãs responsáveis e mediante instruções escritas em forma de

4 Joachim Schmiedl, Die Schönstatt-Bewehung in den Verhandlungen der Deutschen Bischofskonferenz 1943-1960, em: Regnun 53 (2019), 80-88.

5 Veja-se Joachim Schmiedl, O exame filial. Sobre as acusações contra o Pe. José Kentenich, em

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versos no assim chamado “Espelho do Pastor”. Deste modo mudou também a relação entre as Irmãs e o fundador

“A nossa geração mais velha foi educada individualmente. Teve que ser assim porque me interessava detectar a intenção de Deus para com o indivíduo e a comunidade observando primeiramente a vida espiritual das Irmãs. E também me interessava gerar uma atmosfera global que considerasse as sãs necessidades de cada pessoa. Uma vez alcançado esse objectivo, a vivência individual devia ceder passo à comunitária, tal como se aprecia no caso dos cursos mais jovens. Por essa via gerou-se uma tensão entre a geração mais velha e a jovem; tensão que ainda não foi superada. A geração jovem não tem dificuldade em utilizar a palavra ‘pai’6 em poemas, orações, cartas e às vezes até no trato pessoal, enquanto que a geração mais velha prefere conservar essa palavra no fundo do seu coração e não verbaliza-la.7

Depois de 1945 o Pe. Kentenich permaneceu a maior parte do tempo no estrangeiro. De março de 1947 a janeiro de 1959 esteve só duas semanas na Alemanha e Schoenstatt. Desde a América do Sul, África do Sul e E.U. acompanhou o processo de reconhecimento canónico das Irmãs de Maria como instituto secular. Apesar do intenso contacto epistolar, as Irmãs estavam entregues a si mesmas. Daí que se chegasse a exageros que estavam em contradição com as intenções do fundador. A 13 de novembro Pe. Kentenich escreve à equipa directiva das Irmãs:

“Antes de partir para Valparaíso ordenei um pouco as minhas cartas, e entre elas encontrei um acto filial que teria sido realizado no santuário a 24 de outubro de 1948. Começa com o canto “Terra santa…” Depois vem uma oração rezada por todas. Começa assim: “Pai, és como uma coluna florida…” Não posso comprovar quem organizou o acto. Suponho que tenha sido uma proposta da parte de Irmãs Missionárias. Por favor, que a Irmã Ana o averigue. O que figura na oração é algo absolutamente não são, soa a endeusamento de um ser humano e é difícil imaginar algo mais exagerado. Peço à Irmã Ana que procure o texto e o suprima em todo lado, incluindo na crónica, sem permitir que ninguém leia. Se for possível, façam-no sem chamar a atenção. A autora da oração teria evidentemente boa intenção, mas foi muito mal aconselhada. Será muito bom que orações deste tipo sejam primeiro submetidas a um saudável controlo.”8 Por insistência de vários bispos, e porque Irmãs e ex. Irmãs tinham acusado Kentenich em Tréveris, de 19 a 28 de fevereiro de 1949 o bispo auxiliar Stein realizou uma visitação das Irmãs de Maria. Em diálogo com os padres palotinos responsáveis, avaliou-se todo o Movimento na sua complexa e complicada estrutura. O parecer final de Stein pôs um ponto final provisório às controvérsias dos anos trinta:

“A correcção do pensamento teológico de Schoenstatt e o seu significado eclesial são erradamente questionados. A visitação canónica fortaleceu esta minha convicção (…) Igualmente a designação de Schoenstatt como ‘criação predilecta’ ou ‘ocupação predilecta’ de Deus e da Sma. Virgem não é errada em si mesma. Mas como pode dar azo a mal-entendidos, proponho estabelecer que só se faça escasso uso dela, e só em contextos que não deem azo em absoluto a más interpretações”.9

6 Em alemão: “Vater”, termo aplicado comummente ao pai de família. O trato dispensado ao Pe. Kentenich, na sua condição de sacerdote membro de uma comunidade religiosa, era o vocábulo latino “Pater”. Em alemão existe, pois, como em português, uma diferença no uso de ambos os termos. 7 Kentenich a Stein, 14 de Março de 1949

8 Kentenich à equipa directiva 13 de novembro de 1948.

9 Stein, Relatório sobre a visitação canónica do Movimento Apostólico de Schoenstatt de 19 de fevereiro a 28 de Março de 1949, 6.

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Das conversações com os mais estreitos colaboradores de Kentenich, o bispo auxiliar tirou a conclusão de que a pessoa do fundador estaria demasiado fortemente em primeiro plano, que até reclamaria uma certa “infalibilidade”. Referiu-se sobretudo à carta de 20 de Janeiro de 1949. Nela se informava sobre os actos de seguimento ao fundador e os recomendava, a fim de associar-se à sua maneira de proceder no 20 de Janeiro de 1942 e à posterior decisão pelo campo de concentração. Nessa altura o Pe. Kentenich já tinha escrito desde a prisão que o seu modo de actuar devia ser entendido na base da fé na realidade do mundo sobrenatural e do entrelaçamento de destinos da Família de Schoenstatt. Conclusão de Stein depois de conversar com os padres:

“Todas as pessoas do grupo dos colaboradores mais estreitos do Pe. Kentenich têm em comum um respeito extraordinário pelo “Mestre”, respeito que as impede de expor abertamente qualquer dúvida pessoal. De certo modo esta conduta está também motivada pelo temor de cair em desgraça perante ele”.10

Para as conversações com as Irmãs de Maria, Stein anotou algumas interrogações que lhe foram surgindo ao ler o material escrito e também o relatório de uma ex. Irmã de Maria do ano de 1940. Tais interrogações giravam em torno da interpretação do 20 de Janeiro de 1942, a prática dos “actos de seguimento” e a sua relação com a obediência perfeita, assim como a relação com o Pe. Kentenich, que se encontrava ausente de Schoenstatt há muito tempo. A Direcção Geral acentuou o significado dos actos e o seu simbolismo, mas admitiu que a sua acumulação constituía um problema e tinha chegado o tempo de levá-los à vida. Também as Irmãs formadoras do noviciado e terciado concederam que talvez os “actos” se tivessem multiplicado em excesso e produzido desvios e exageros. Ao longo da visitação, expuseram-se em várias conversas acusações dirigidas directamente contra a pessoa do Pe. Kentenich. Tais acusações surgiram das fileiras de Irmãs que tinham responsabilidades no Movimento. As observações de que se trataria de Irmãs cujas debilidades de carácter se teriam manifestado há muito tempo, foram interpretadas naturalmente como tentativas de descargo. A Irmã Ana, superiora geral, manifestou a sua preocupação porque “desde Dachau o Pe. Kentenich se mostrava excessivamente aberto aos actos filiais das Irmãs, e desse modo estaria fomentando exageros e desvios. E que a ela não lhe motivavam essas coisas, já que era uma mulher muito realista. Mas com respeito a integridade, o Pe. Kentenich era uma pessoa totalmente integra.”11 Isto foi ratificado pelas Irmãs que expressaram as suas reservas para com o Pe. Kentenich. A Irmã Agnes, que já antes da visitação tinha uma relação de confiança com o bispo auxiliar Stein, “salientou que os ‘métodos de confissão’ do Pe. Kentenich eram em si mesmo irrepreensíveis. Ela não experimentou qualquer coacção; nunca tinha encontrado nada repreensível nessas coisas. Tão claro testemunho libertou-me das últimas dúvidas que tinha nessa área em relação à pessoa do Pe. Kentenich e certamente porque, de entre todas as Irmãs, a Irmã Agnes era a que tinha conservado em maior medida uma visão clara da realidade, e pela sua sinceridade incondicional colaborou muito para que eu pudesse abrir-me caminho na ‘clausura espiritual’. Se a isso somarmos que também a Irmã Beatrix acentuou que ela repudia tais métodos não por razões de pureza, mas de dignidade feminina, e que também a Irmã Pallotta está convencida de que o Pe. Kentenich não pensa em nada de mal (quando aplica estes métodos), então não resta nada que seja directamente incriminatório. Seja como for, tais métodos são muito arriscados e sem dúvida não devem ser generalizados”.12

10 Id., 19. 11 Íd., 19. 12 Íd., 19.

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Stein chegou à conclusão de que o pensamento teológico de Kentenich e seus seguidores seria absolutamente ortodoxo, mas existiam alguns pontos perigosos. Esses seriam “o perigo da falta de independência no plano do pensamento e a vontade”; “o perigo de uma certa rigidez”, o perigo de que a reserva da comunidade “pudesse fomentar um certo temor de ser vigiado e denunciado”, a insuficiente valorização da Igreja quanto à valorização que se fazia da própria Família. Stein propôs pôr à disposição mais sacerdotes como confessores, e reflectir sobre se não se deveria dar às Irmãs outro director geral em lugar do Pe. Kentenich. E na formação pôr especial ênfase na autoridade da igreja sobre a Obra de Schoenstatt.

As reacções do Pe. Kentenich à visitação produziram-se em seguida. Antes de receber da parte do arcebispo Bornewasser a versão oficial do relatório oficial da visitação a 27 de abril de 1949, o fundador tinha escrito já treze cartas ao visitador. Elas apontavam a colocar em contextos mais amplos os factos dos quais Kentenich tinha tomado conhecimento pela correspondência epistolar com as Irmãs e os padres. Tais cartas foram só o prelúdio da grande resposta que Kentenich começou a escrever a 31 de Maio de 1949 em Santiago do Chile, e que concluiu dois meses mais tarde com a quinta entrega. Esta “epistola perlonga” aborda detalhadamente “Schoenstatt como problema pedagógico” e constata o seguinte: “Depois de ter examinado o “Relatório” ao versado não será difícil ampliar o tema e ver Schoenstatt como símbolo por excelência do problema pedagógico dos instituta saecularia. Se estes querem ser aptos para a vida e ser fecundos, necessitam de ambas as coisas; um direito próprio e uma pedagogia própria. Dado o caso, este último mais que o primeiro. Nós cremos ter uma missão nesse sentido, por isso apresentamos com gosto a nossa pedagogia para o debate público. Quem conhecer a situação pedagógica destes tempos e a sua relação com a catástrofe do Ocidente, quem conhecer também as tentativas de o regatar ampliará instintivamente o marco e considerará Schoenstatt como símbolo da problemática pedagógica de todo o Ocidente,”13

1950-1953: A visitação apostólica

O Pe. Kentenich manteve esta perspectiva durante a década seguinte. Em diversos momentos abordou as objecções apresentadas durante a visitação episcopal. Nas “Conferências de Quarten”, em fevereiro de 1950, explicou contextos e prática do assim chamado “exame filial”. A 2 de fevereiro de 1950 escreve ao arcebispo de Tréveris, Bornewasser:

“Peço a Vossa Excelência que considere a minha franca clareza e a minha indeclinável firmeza não como falta de respeito, mas (de modo similar ao que sucedia nos grandes períodos de florescimento da Igreja) como expressão de una séria responsabilidade solidária. Sei quanta gratidão, eu e os meus seguidores, devemos a Vossas Excelência e aos seus conselheiros e colaboradores directos. Com extraordinária generosidade Vossa Excelência permitiu que as nossas Irmãs acumulassem experiência durante vinte anos sem ser incomodadas, e isso em tempos em que o direito canónico lhe outorgava a competência de intervir e pôr impedimentos. Depois da publicação do marco jurídico apostólico, Vossa Excelência não só fez diligências com nobre generosidade para que fosse aprovada a comunidade das Irmãs, mas também se esforçou com êxito pela justificação de toda a Obra ante o episcopado alemão. Esses valiosos e memoráveis factos ficarão indelevelmente gravados no livro da nossa Família e da história da Igreja alemã. Mas desde Dachau creio ter a obrigação de modificar a minha anterior táctica de guardar silêncio e manter uma atitude de prudente empatia e reserva, e (tal como expressei frequentemente nas minhas cartas oficiais), apresentar-me agora diante do foro público da Igreja fazendo uso de uma incondicional franqueza, a fim de não me tornar culpado com outros

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da grande catástrofe que paira sobre o Ocidente. Talvez Vossa Excelência interprete tal atitude como vaidade ou arrogância, mas deve entender que ela é, ao menos subjectivamente, o fundamento da minha maneira de proceder e por conseguinte merece, senão reconhecimento, ao menos tolerância. A avançada idade e meritória vida de Vossa Excelência outorga-lhe o direito de que se lhe abram em breve as portas da eternidade. Quando aí contemplar a verdade eterna na luz divina e experimentar o amor eterno, queira Vossa Excelência implorar para todos nós a graça de ser preservados de erros de entendimento e desvios do coração, e jamais confundir desejos egoístas com o desejo e a vontade de Deus”.14

Por essa altura o arcebispo de Tréveris já tinha solicitado a Roma adiar o reconhecimento das demais comunidades de Schoenstatt como institutos seculares. A 27 de maio de 1950 Bornewasser solicitou à Congregação para os Religiosos um novo exame das Irmãs de Maria em relação ao princípio parental e a renúncia da Irmã Ana do seu cargo de superiora geral, acompanhando a solicitude com os pareceres do seu bispo auxiliar Stein. Solicitou também que o Pe. Kentenich deixasse de ser director espiritual e que um capítulo geral elegesse uma nova Direcção Geral. Mas não foi a Congregação para os Religiosos que actuou, e o assunto foi remetido para o Santo Ofício, a autoridade máxima da Curia, que a 15 de março de 1951, mediante decreto oficial, designou o Pe. Sebastian Tromp SJ, holandês, visitador apostólico para o Movimento Apostólico de Schoenstatt. As primeiras conversas com o Pe. Kentenich, que tinha sido chamado a Roma, começaram a 24 de abril de 1951. O resultado foi que o Pe. Kentenich não se declarou disposto a renunciar aos seus cargos.

A 31 de julho de 1951 Kentenich foi destituído do seu cargo de director geral das Irmãs de Maria. Com um decreto complementar (10 de agosto de 1951) dava-se às Irmãs instruções concretas relativas a terminologia e formas de expressões linguísticas, assim como a supressão de literatura schoenstatteana. Foi nomeado novo Assistente o Pe. Josef Friedrich. As Irmãs foram libertadas de toda a obrigação de consciência em relação ao Pe. Kentenich.

Até hoje não foi possível reconstruir com exactidão o transcurso da visitação apostólica. De todos os modos concluiu em agosto de 1953 com a aceitação de um “estatuto geral” para a Obra de Schoenstatt e a entrada em vigor de novas constituições para as Irmãs de Maria. O Pe. Kentenich devia continuar em Milwaukee, lugar do seu exílio.

1945 e anos seguintes; Os Sacerdotes de Schoenstatt, instituto secular?

Entretanto tinham surgido novos problemas. Desde os princípios dos anos 20 muitos sacerdotes diocesanos tinham-se integrado no Movimento de Schoenstatt. Quando se apresentou a possibilidade dos institutos seculares, o núcleo da dita comunidade de sacerdotes quis empreender também esse caminho; queriam constituir um instituto secular sem abandonar a vinculação ao bispo.

Depois do seu regresso à Alemanha, em março de 1950, o Pe. Kentenich visitou doze bispos alemães, ou vigários gerais, para lhes expor essa intenção e conquistá-los para a fundação de um instituto secular. As reações foram em geralde grande reserva.

Com tais planos os sacerdotes de Schoenstatt tropeçaram com outro “ninho de vespas”: as Irmãs de Maria eram consideradas, também na sua qualidade de instituto secular, como estreitamente ligadas à Sociedade Palotina. Assim se manifesta a sigla SAC (Societas Apostolatus Catholici) inscrita por detrás do seu nome. Em contrapartida já desde os anos vinte se aspirava

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nas fileiras dos sacerdotes a considerar-se “pars motrix et centralis” do Movimento e entrar assim em competição com os palotinos. Emboraaté 1956 o Pe. Kentenich sustentar ferreamente que os palotinos tinham o principal papel quanto a velar pelo Movimento e ser responsáveis por ele, essa tensão passou a conformar outro ponto mais de confronto que se manifestou sobretudo na segunda metade dos anos cinquenta e a primeira dos anos sessenta.

1953-1964: a comunidade dos palotinos

Enquanto o Pe. Kentenich encontrava cada vez mais um aliado no superior dos palotinos, Pe. Adalbert Turowski, um aliado que o apoiava e defendia onde fosse possível, justamente a sua província de origem afastou-se dele. Com efeito, o provincial, Pe. Heinrich Schulte, com quem Kentenich tinha promovido em Dachau um “desposório” entre a Sociedade Palotina e o Movimento, o qual seria reassumido pelo capítulo geral de 1947, distanciou-se de Kentenich em carta datada de 25 de janeiro de 1952 dirigida a Turowski:

Devia “ficar fora de dúvida a atitude fundamental de nobreza e sinceridade, de fé na missão, de obediência e de sentido eclesial. Igualmente devia salientar-se que existe uma concepção distinta sobre o modo correcto de proceder e a aplicação prática, especialmente também em relação com a autoridade da Igreja”.15

Na preparação do capítulo geral de 1953 tornou-se cada vez mais patente a diversidade de opiniões sobre uma convivência entre Schoenstatt e palotinos. Em virtude de a maioria dos capitulares ter estado a favor da reeleição de Turowski foi enviado ao capítulo o beneditino Ulrich Beste na qualidade de comissário do Santo Ofício. Beste excluiu os temas e candidatos não gratos e depois da votação proclamou o resultado: o novo superior geral seria o Pe. Wilhelm Möhler. Dado que pouco depois entrou em vigor o estatuto geral, Möhler passou a encabeçar a Presidência Geral. Nos anos seguintes agudizaram-se as tensões em torno da questão de se Schoenstatt devia ser considerado como uma fundação independente ou uma derivação da Obra de Vicente Pallotti. A “questão do modelo” [Schoenstatt como fundação independente ou derivação da obra de Vicente Pallotti] exigia uma decisão. Esta situação provocou nas comunidades de Schoenstatt uma nova tomada de partido pelo fundador desterrado, levou alguns a abandonar a comunidade palotina e promoveu acções tendentes a fundar uma comunidade sacerdotal separada dos palotinos.

A esta agudização contribuiu o facto de que o Santo Ofício, apesar da conclusão oficial da visitação apostólica, continuava a intervir, e exercia influência sobre os bispos alemães, sobretudo sobre o presidente da Conferência Episcopal, o cardeal de Colónia, Frings, para que disciplinasse também as comunidades laicas de Schoenstatt. O que Frings punha obedientemente em prática ainda em 1960, denunciou-o publicamente três anos mais tarde no Concílio, num discurso que pronunciou sobre os métodos do Santo Ofício.

1962-1966: O Concílio desata os nós

O Concílio Vaticano II ofereceu a base sobre a qual abordar cada uma das questões pendentes em relação a Schoenstatt. Entretanto vários bispos da Alemanha e da Igreja universal solicitaram uma solução. Havia, pois, que solucionar três pontos:

• Schoenstatt devia sair do âmbito da competência do santo Ofício. Uma apresentação dos cardeais Frings, Döpfner, Silva e Rugambwa a Juan XXIII teve como resultado que a

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2 de janeiro de 1963, poucos dias antes da canonização de Vicente Pallotti, a questão de Schoenstatt, com excepção de um possível regresso do fundador, fosse remetida para a Congregação para os Religiosos.

• A 3 de Dezembro de 1963, em virtude de um escrito do cardeal Antoniutti, foi designado o bispo de Münster, Höffner, moderator et custos da Obra de Schoenstatt, e Mons. Wilhelm Wissing como seu vigário. Ao mesmo tempo foi anunciada uma nova visitação que devia ser levada a cabo pelo provincial dos dominicanos do Equador, Pe. Hilarius Albers. Em fervereiro de 1964 a Conferência Episcopal alemã recomendou que se separasse Schoenstatt da comunidade palotina, se redigisse um novo estatuto geral e se nomeasse um bispo alemão como encarregado de Schoenstatt. Embora os palotinos alemães manifestaram em várias cartas a sua oposição, por decreto de 6 de Outubro de 1964 foi disposta a autonomia de Schoenstatt.

• No verão de 1965 começaram a observar-se movimentos na questão do regresso do Pe. Kentenich de Milwaukee. Convocado a Roma por meio de um telegrama cuja origem até continua a ser objecto de conjecturas, na última sessão do Concílio decidiu-se também o destino do fundador. A 20 de outubro de 1965 o caso Kentenich passou à Congregação para os religiosos: “Res remitatur ad S. Congregationem de Religiosis”. O bispo auxiliar de Münster, Tenhumberg descreve no seu diário o acontecimento: “Às 10h30 [de 23 de outubro de 1965] dirigi-me novamente ao Santo Ofício. As audiências tinham terminado. Mas inesperadamente foi convocada uma sessão urgente a que devia assistir o cardeal Otttaviani. Realizava-se no mesmo edifício. Mons. Agustoni16, depois de ter-me comunicado em linhas gerais, por desejo do cardeal, os resultados mais relevantes, vai procurar o cardeal (evidentemente após acordo prévio) à sala de reunião e trá-lo à minha presença. Sua Eminência Ottaviani reitera então (depois de desculpar-se por receber-me de pé na antecâmara da sala de reunião): Que o Santo Ofício tinha decidido o seguinte: Se o Pe. Kentenich quer sair da Sociedade Palotina, pode fazê-lo. Tem então que procurar um episcopus benevolus. Uma vez que o encontre, pode passar a ser sacerdote diocesano. Todas as questões relativas a esse passo já não deverão ser tratadas pelo Santo Ofício, mas pela Congregação para os Religiosos. Esta Congregação seria a partir de então a competente para todos os assuntos. Perguntei-lhe então se tal medida significava que o Santo Ofício tinha remetido para a Congregação para os Religiosos ‘tota causa fundatoris’ e Sua Eminênca respondeu muito clara e inequivocamente ‘Assim é’. Pouco tempo mais tarde, para estar seguro, voltei a colocar-lhe uma pergunta semelhante no mesmo contexto, e recebi a mesma resposta, com a fundamentação de que toda a causa de Schoenstatt estava na Congregação para os Religiosos, pelo que era conveniente que no futuro também a causa fundatoris fosse aí tratada. Que não seria bom que os dicastérios se ocupassem de assuntos tão estreitamente ligados entre si. Daí que em todas estas questões poderíamos dirigir-nos à Congregação para os Religiosos. À minha pergunta de como seria o modus procedendi, respondeu que o Santo Ofício enviaria o correspondente decreto à Congregação para os Religiosos e que então essa Congregação se encarregaria futuramente de regulamentar tudo. 17

O Pe. Kentenich obteve assim autorização para sair da Sociedade Palotina. No seu octagéssimo aniversário foi incorporado ao clero da diocese de Münster. Depois do encerramento do Concílio foi-lhe permitido regressar à Alemanha para passar ali os dias de Natal. Uma audiência com o

16 Secretario do cardeal Ottaviani

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papa Paulo VI constituiu um sinal visível da nova liberdade do movimento conquistada. Em janeiro de 1966 o bispo Höffner comunicou aos bispos alemães que se trataria de uma aclaração da relação entre Schoenstatt e os palotinos. “Não vejo no Movimento de Schoenstatt nenhum perigo para a doutrina da fé e a moral da nossa Igreja. Na era postconciliar certas crises na concepção e na proclamação da doutrina da fé e da moral da nossa Igreja radicam noutra parte”.18 Com a carta do cardeal Antoniutti ao bispo Höffner com data de 16 de março de 1966 concluíram-se os anos de exame teológico de Schoenstatt, das visitações episcopal e apostólica, assim como do afastamento do fundador da sua Obra: “Ex parte huius Sacrae Congregationis nihil obstat quominus, Pater Kentenich suum exerceat apostolatum sub ductu et vigilantia Excellentiae Tuae, et confidit illum prudenter et fructuose adlaboraturum, ad concordiam fovendam inter Societatem Apostolatus Catholici et Institutum Saeculare schoenstattense, juxta indicationes ipsi suo tempore datas nomine et auctoritate Summi Pontificis”.19

[Nada obsta da parte desta Santa Congregação para que o Pe. Kentenich desempenhe o seu apostolado sob a guia orientação e vigilância de TuaExcelência, e confia em que trabalhará de maneira prudente e fecunda para fomento da concórdia entre a Sociedade do Apostolado Católico e o instituto secular schoenstatteano, segundo as indicações que lhe foram dadas oportunamente em nome e por autoridade do Sumo Pontífice.]

Para poder ordenar os factos em torno da figura do Pe. Kentenich é necessário desemaranhar muitos nós. O presente artigo pretende dar uma pequena contribuição a essa tarefa. Muitos acontecimentos puderam apenas ser esboçados e requerem um estudo mais aprofundado. Mas deveria ficar claro que para isso falta algo mais que uma rápida olhadela sobre material de arquivos recentemente abertos.

18 Höffner aos bispos, 24 de janeiro de 1966. 19 Antoniutti a Höffner, 16 de maço de 1966.

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