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Materialidade das divulgações de passivos contingentes

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Academic year: 2021

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Materialidade das divulgações de passivos contingentes

Carlos Barros

ISCAC Coimbra Business School cbarros@iscac.pt

Fernanda Alberto

ISCAC Coimbra Business School falberto@iscac.pt

Clara Viseu

ISCAC Coimbra Business School cviseu@iscac.pt

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Resumo

O presente trabalho tem como objetivo o estudo da materialidade nas divulgações de passivos contingentes em empresas portuguesas. Com base numa amostra de empresas utilizando a base SABI, procedeu-se à análise das que apresentaram passivos contingentes nos períodos de 2011 a 2015, para verificar se aplicavam os patamares de materialidade utilizados pelos preparadores das demonstrações financeiras e se se encontrava alguma relação com o setor e dimensão. Os resultados mostram que os montantes dos passivos contingentes divulgados são superiores aos limiares de materialidade habitualmente utilizados pelos auditores, não sendo, contudo, conclusivos quanto à associação entre a divulgação de passivos contingentes materialmente relevantes e as duas variáveis analisadas: o setor de atividade e a dimensão das empresas.

PALAVRAS-CHAVE: Divulgações, Materialidade, Passivos contingentes, Patamares de materialidade.

Abstract

The aim of this paper is to study the materiality in disclosures of contingent liabilities in the Portuguese companies. Based on a sample of companies, using the SABI data basis, we analyse the amount of contingent liabilities disclosed in the period between 2011 and 2015, to verify if the companies consider or not the practice rules about the materiality thresholds in the financial statements and if there is a relationship with the industry and the companies’ size. The results evidence that the amounts of the contingent liabilities disclosed are higher than the materiality thresholds usually adopted by auditors. Farther, the results could not confirm a clear association between the disclosure of material contingent liabilities and both variables analysed: the industry and the size of the companies.

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1. Introdução

O interesse dos problemas suscitados pela aplicação da materialidade intensificou-se na década de 1970, nos EUA, tanto na vertente doutrinal como institucional, de acordo com Messier Jr. et al. (2005). Holstrum e Messier Jr. (1982) sintetizaram a literatura relevante produzida sobre esta matéria até à data, classificando-a em quatro áreas fundamentais de estudo: a natureza dos itens, a estrutura formal dos modelos de decisão, os fatores que afetam os julgamentos da materialidade e os patamares da materialidade. Duas décadas depois, Messier Jr. et al. (2005) procederam à revisão dos estudos sobre materialidade, agrupando-os, contudo, de acordo com a metodologia de investigação: estudos de arquivo e estudos comportamentais.

A análise da literatura sobre a materialidade conduziu-nos à identificação do que consideramos ser uma área relevante e ainda lacunar de investigação: a materialidade dos passivos contingentes divulgados nas demonstrações financeiras das empresas portuguesas. As normas contabilísticas impõem a divulgação das perdas possíveis em que as entidades poderão vir a incorrer. Contudo, só têm de divulgar estas “más notícias” caso os montantes das perdas possíveis sejam materialmente relevantes. Este requisito de divulgação permite-nos avaliar o que os preparadores das demonstrações financeiras consideram “materialmente relevante”.

O interesse da investigação justifica-se pela quase ausência de estudos sobre os julgamentos de materialidade efetuados pelos preparadores da informação financeira em Portugal, conhecendo-se somente o trabalho de Barros e Alberto (2015) centrado na análise dos passivos contingentes judiciais. Apesar das normas contabilísticas e de auditoria não fornecerem indicações concretas para o cálculo do que se deve considerar de “materialmente relevante”, a literatura tem identificado alguns critérios como sendo os mais usuais (costuma-se designar estes critérios práticos por “regras do polegar”). Simultaneamente, os investigadores têm concluído pela falta de consenso nos julgamentos sobre a materialidade, tanto entre grupos de utilizadores, como dentro de cada grupo, o que motiva a investigação, no sentido de melhor se percecionar os julgamentos sobre a materialidade nesta área particular.

O presente trabalho tem como objetivo o estudo da materialidade nas divulgações de passivos contingentes em empresas portuguesas. Com base numa amostra de empresas extraída da SABI, procedeu-se à análise das que apresentaram passivos contingentes no período compreendido entre 2011 e 2015, para verificar se aplicavam os patamares

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habituais de materialidade e, adicionalmente, se se encontrava alguma relação dessa divulgação com o setor e dimensão dessas empresas.

Além desta introdução, o presente trabalho estrutura-se em seis capítulos. Os aspetos normativos da materialidade são tratados no capítulo 2. O capítulo 3 contém a revisão da literatura sobre a materialidade na informação financeira, a qual nos conduziu à identificação de uma área pouco aprofundada: a materialidade no âmbito da divulgação dos passivos contingentes. No capítulo 4 apresenta-se o estudo empírico realizado e que deu lugar aos resultados e discussão que constam no capítulo 5. As principais conclusões integram o último capítulo.

2. A materialidade na perspetiva normativa

O conceito de materialidade é definido tanto nas normas contabilísticas como nas de auditoria. Ainda que nos normativos nacionais os conceitos não divergem, justifica-se atender atualmente às normas internacionais do International Accounting Standards Board (IASB), International Auditing and Assurance Standards Board (IAASB) e International Federation of Accountants (IFAC).

De acordo com a Estrutura Conceptual do IASB (2001, §30) “a informação é material se a sua omissão ou inexactidão influenciarem as decisões económicas dos utentes tomadas na base das demonstrações financeiras”.

A definição de materialidade apresentada pela IFAC assenta na do IASB: “a informação é material se a sua omissão ou distorção puder influenciar as decisões económicas dos utentes tomadas na base das demonstrações financeiras. A materialidade depende da dimensão do elemento ou do erro julgados nas circunstâncias particulares da sua omissão ou distorção. Por conseguinte, a materialidade proporciona um limiar ou um ponto de corte não sendo uma característica qualitativa primária que a informação tem de ter para ser útil” (IFAC, 2007).

A aceitação desta definição de materialidade é praticamente consensual (IFAC, 2008, ISA 320, §2). A existência de um único conceito de materialidade aplicável à contabilidade e auditoria ou a necessidade de distinção entre materialidade contabilística e materialidade em auditoria é um tema que tem merecido a atenção de investigadores (e.g. Ro, 1982 e Leslie, 1985). A tendência é para se considerar como um conceito único, porém, o mesmo possui matizes próprios no âmbito de cada área.

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Na Estrutura Conceptual do IASB, a materialidade surge como um aspeto específico da relevância, não constituindo uma característica qualitativa principal para que a informação seja considerada útil (EC 2001, §29; EC 2010, BC 3.18). Não constitui, portanto, uma característica qualitativa primária que a informação tenha de ter para ser útil, proporcionando, antes, aos utilizadores, um patamar ou ponto de corte (IASB, 2001, §30). As normas do IASB evidenciam a enorme repercussão que o julgamento sobre a materialidade tem na forma de divulgação de informação de itens em linhas separadas nas demonstrações financeiras (IAS 1, § 29) ou nas notas (IAS 1, §§30-31), na aplicação de políticas contabilísticas (IAS 8, § 8), na correção de erros (IAS 8, § 41) e no reconhecimento, mensuração, classificação e divulgação de informação intercalar (IAS 34, § 23).

A materialidade percorre todo o processo de auditoria às demonstrações financeiras, sendo a sua aplicação indispensável para o auditor poder responder a questões como: quanto trabalho deve ser feito (planeamento) e como interpretar os resultados da auditoria (emissão de opinião) (IFAC, 2008, ISA 320, § 2). Concretamente, o auditor deve considerar a materialidade ao determinar, na fase de planeamento, a natureza, oportunidade e extensão dos procedimentos de auditoria (IFAC, 2008, ISA 320, § 6). O auditor deverá determinar níveis de materialidade para particulares classes de transações, saldos de contas e divulgações, se entender que as circunstâncias específicas da entidade assim o exigem. Tais níveis representarão o limite máximo de distorções aceites pelo auditor nessa área (IFAC, 2008, ISA 320, § 10). Finalmente, na emissão de opinião sobre as demonstrações financeiras, o auditor deve avaliar se as distorções por corrigir são materialmente relevantes quando consideradas individualmente ou em agregado (IFAC, 2008, ISA 450, § 11).

A avaliação do que é material, em cada uma das fases da auditoria, é uma matéria de julgamento profissional do auditor (IFAC, 2008, ISA 320, § 4).

Evidencia-se assim consenso no que respeita ao conceito de materialidade patente nos normativos contabilístico e de auditoria. As divergências surgem, porém, quando se aborda a sua determinação, suscitando a questão: a determinação da materialidade é uma tarefa que se pode normalizar de forma exaustiva ou, pelo contrário, depende essencialmente do juízo profissional? De facto, a conveniência de integrar nas normas regras específicas não é uma questão nova nem pacífica, como se comprovou na consulta realizada, em 2012, pela European Securities and Markets Authority (ESMA). Os

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resultados mostram opiniões oscilantes entre a conveniência ou não de maior regulação em alguns aspetos, mas denotam algum consenso nomeadamente em torno da conveniência das normas não estabelecerem limites quantitativos para a materialidade por esta implicar a consideração de aspetos quantitativos e qualitativos que divergem em cada situação /empresa (ESMA, 2012). Já na alteração da Estrutura Conceptual do IASB, ocorrida em 2010, se sublinha que a materialidade é um aspeto específico de cada entidade, devendo ser analisada no contexto da informação financeira dessa entidade, não podendo as normas estabelecer um limiar quantitativo único (IASB, QC 11 e BC 3.18). Comprovando a complexidade na posição sobre o tema, o IASB retomou-o, tendo em curso dois projetos, um sobre a definição de materialidade (Exposure Draft – Definition of Materiality) e outro sobre a sua aplicação prática (IFRS Practice Statement - Application of Materiality to Financial Statements), ainda a aguardar publicação. Acresce que a materialidade é um conceito relativo e não absoluto. Uma distorção de determinado montante pode ser material para uma pequena entidade e não o ser para outra de maior dimensão, como o próprio IASB sublinha (IASB, 2010). Como refere a ISA 320 (IFAC, 2008, § 2) “os julgamentos acerca da materialidade são feitos à luz das circunstâncias envolventes, e são afetados pela dimensão e natureza de uma distorção, ou de uma combinação de ambas”.

A ausência de orientações práticas normativas sobre o patamar de materialidade exige que profissionais da contabilidade e da auditoria apliquem julgamentos profissionais para a avaliação do que pode ou não influenciar as decisões dos utilizadores, e isto requer que estes profissionais adotem formas convincentes e lógicas de avaliar o nível de materialidade (Juma’h, 2009: 26).

Ao tratar-se de um conceito relativo, as normas requerem que o auditor adote referenciais para determinar a materialidade para as demonstrações financeiras como um todo (IFAC, 2008, ISA 200, § A3). As bases ou referenciais mais usados são algumas categorias de resultados (resultado líquido, resultado antes de impostos), embora também seja comum o emprego do total do rédito, do ativo líquido, do capital próprio, entre outros (IFAC, 2008, ISA 320, § A4). Na definição da materialidade na fase de planeamento, o auditor deve estimar, com as informações que disponha (dados históricos, orçamentos, previsões, entre outros) os valores esperados desses referenciais. Depois de definida a base do referencial, o auditor aplica uma percentagem, escolhida atendendo ao julgamento

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profissional, sobre a base, resultando o montante que se pode designar por julgamento preliminar da materialidade (IFAC, 2008, ISA 320, § A7).

Fatores qualitativos também afetam a materialidade, pois a natureza das distorções combinada com a sua dimensão, afetam o julgamento dos utilizadores da informação financeira (IFAC, 2008, ISA 320, § A3). Assim, distorções que envolvam fraudes afetam de forma mais significativa a opinião dos utilizadores, na medida em que implicam a idoneidade do órgão de gestão e das pessoas abrangidas (Arens et al., 2012). Tais como distorções que, apesar de imateriais quanto à dimensão, afetam a tendência dos resultados da entidade (por exemplo, uma distorção que implica a alteração do resultado líquido de positivo para negativo).

Em suma, a preparação da informação requer um conjunto de decisões sobre o que é material ou não, podendo as perceções dos preparadores da informação divergir das de outros utilizadores da informação. Brennan e Gray (2011: 28) referem que tantos os gestores como os auditores têm incentivos para que os patamares da materialidade sejam o mais altos possível, o que não coincide necessariamente com os interesses dos acionistas. Patillo e Siebel (1974, in Juma’h, 2009: 27) classificaram os fatores que afetam estes julgamentos em financeiros e não financeiros (ou quantitativos e qualitativos). 3. Revisão da literatura

A revisão da literatura sobre a materialidade conduziu-nos à identificação de uma área específica de investigação que se manifesta pouco explorada: a materialidade relacionada com os passivos contingentes.

Fesler e Hagler (1989) utilizaram as divulgações de 126 empresas americanas cotadas em bolsa analisando as divulgações de contingências relacionadas com processos judiciais a vários níveis de materialidade. Concluem que a não divulgação de contingências daquela natureza é frequente, mesmo quando os passivos contingentes em causa são materialmente relevantes. Por outro lado, verificam que quanto maior a materialidade dos valores envolvidos maior a probabilidade de os mesmos serem divulgados.

As contingências fiscais foram analisadas por Gleason e Mills (2002) junto de 100 empresas americanas industriais. Especificamente, investigaram os fatores explicativos das decisões das empresas em divulgar e registar contingências fiscais. Para o efeito, os autores examinaram as divulgações daquela natureza constantes das demonstrações financeiras das entidades, bem como os dados recolhidos junto da administração fiscal

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americana das mesmas entidades, para um período de nove exercícios, tendo concluído que nem sempre as contingências que envolvem valores superiores a 5% dos resultados da entidade são divulgadas. No mesmo sentido de Fesler e Hagler (1989), assinalam que o incremento da probabilidade de divulgação está associado à relevância do valor relativo das contingências. As entidades baseiam o cálculo da materialidade considerando medidas estáveis como a dimensão da entidade ou os resultados normais, não confiando apenas no resultado do exercício. Os autores relevam, ainda, a associação do incremento da probabilidade das divulgações com o aumento das expectativas de perdas nos processos em causa.

De acordo com a IAS 37 (IASB, 2008) um passivo contingente consiste numa obrigação possível, resultante de acontecimentos passados, cuja existência apenas se poderá confirmar, ou não, por acontecimentos futuros incertos que não estão sob controlo, pelo menos total, da entidade. Contudo, mesmo existindo uma obrigação presente resultante de acontecimentos passados, tal obrigação poderá não ser reconhecida como passivo, mas antes constituir-se como passivo contingente, se não for provável a ocorrência de exfluxos de recursos ou se a quantia dessa obrigação não puder ser mensurada com suficiente fiabilidade. Quanto a esta última possibilidade, a norma indica que tal só acontecerá “em circunstâncias extremamente raras” (IASB, 2008, IAS 37, § 29)

Os passivos contingentes não devem ser reconhecidos no passivo, mas antes divulgados nas Notas. Se for remota a possibilidade de exfluxos de recursos que incorporem benefícios económicos, então não há lugar, sequer, a divulgação (IASB, 2008, IAS 37, §§ 27-8).

Os acontecimentos que originam os passivos contingentes não são estáticos, podendo tornar-se provável, e não apenas possível, a saída de recursos que incorporem benefícios económicos. Nessas circunstâncias, sendo viável a mensuração do seu valor, de forma fiável, deve reconhecer-se uma provisão (IASB, 2008, IAS 37, § 30).

As provisões revestem um caráter contingencial, no sentido de que apenas acontecimentos futuros incertos, mas mais prováveis de ocorrerem do que de não ocorrerem, confirmarão as respetivas obrigações. No entanto, o termo "contingente", como bem explícita a IAS 37 (IASB, 2008, § 12), é empregue para passivos e ativos que não sejam reconhecidos devido a duas circunstâncias: a respetiva existência será confirmada pela ocorrência ou não de eventos futuros incertos, não totalmente sob o controlo da empresa; os passivos não satisfazem os critérios de reconhecimento.

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A existência ou não de uma obrigação presente pode determinar o reconhecimento de uma provisão (quando seja mais provável do que não que essa obrigação exista à data do balanço) ou de um passivo contingente (quando seja mais provável que nenhuma obrigação presente exista à data do balanço). No entanto, a IAS 37 indica que apenas em casos raros pode haver lugar a dúvidas quanto à existência de uma obrigação presente (§15), apresentando como exemplo em que tal possa acontecer um processo judicial (§ 16).

As entidades com passivos contingentes devem divulgar, para cada classe, à data do balanço, uma breve descrição da respetiva natureza e, se praticável, uma estimativa do seu efeito financeiro, indicação das incertezas relacionadas com a quantia ou com o momento de ocorrência de qualquer exfluxo e a possibilidade de qualquer reembolso (IASB, 2008, IAS 37, § 86).

Por conseguinte, atendendo aos requisitos de divulgação previstos na IAS 37 (IASB, 2008, § 86), é expectável que as empresas divulguem os passivos contingentes materialmente relevantes. Contudo, a literatura sobre a discricionariedade das divulgações mostra a influência de diversos fatores na decisão da gestão em aplicar as regras de divulgação normativas, como seja a dimensão, o capital, a propensão para a litigância e a qualidade das divulgações (Gleason & Mills, 2002). Ou seja, nem sempre as entidades cumprem os requisitos de divulgação previstos nas normas contabilísticas, existindo outros determinantes que concorrem para as decisões de divulgação de informação.

Neste sentido, Iatridis (2008) examinou as divulgações contabilísticas de demonstrações financeiras de empresas britânicas relacionando as suas características financeiras com divulgações extensivas de informação. O estudo conclui que as divulgações extensivas estão relacionadas com a intenção de maior acesso aos mercados de capitais e de dívida, sendo as empresas de maior dimensão, crescimento e com maiores alavancagens a proporcionar divulgações mais generosas.

Por outro lado, apesar da divulgação de passivos contingentes materialmente relevantes decorrer das normas contabilísticas, existe um segundo nível de razões para que as empresas divulguem passivos contingentes, mesmo que não sejam materialmente relevantes. A literatura sobre as divulgações voluntárias mostra a existência de incentivos que poderão ter um papel relevante na divulgação dos passivos contingentes, embora secundário face aos requisitos normativos (Acito et al., 2009). Neste sentido, Heitzman

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et al. (2010) concluem que os gestores fazem divulgações voluntárias não apenas porque os benefícios excedem os custos, mas também porque sentem obrigação de divulgar informações materialmente relevantes, ainda que não obrigatórias. Skinner (1994) analisou o facto de as empresas frequentemente divulgarem voluntariamente más notícias. Segundo o autor, os gestores têm razões para divulgar os factos que poderão vir a repercutir-se negativamente nos resultados da empresa, na medida em que os utilizadores da informação penalizam, habitualmente, a gestão, quando resultados negativos não expectáveis surgem. Daqui poderá resultar, para a gestão, problemas litigiosos intentados pelos utilizadores pelo facto de não terem sido cumpridos os requisitos de divulgação, bem como a perda de reputação da gestão junto desses mesmos utilizadores. Pode-se entender que a divulgação de passivos contingentes sem que os mesmos sejam materialmente relevantes se incluiria neste contexto.

Suave et al. (2013), que analisam as divulgações de passivos contingentes nas empresas cotadas na BM&FBOVESPA, relacionam com o setor, com resultados mais positivos nos setores de Petróleo e Gás, Telecomunicações, Finanças e Seguros, Química e Energia Elétrica, e correlação inversa em empresas com mais liquidez.

Por conseguinte, à luz da literatura sobre a discricionariedade das divulgações é nossa expectativa de que quanto maior forem os montantes dos passivos contingentes, maior a probabilidade de os mesmos serem divulgados, sendo certo, porém, que algumas empresas divulgam informações a que não estão obrigadas pela existência de incentivos de naturezas diversas.

4. Metodologia de investigação

Este trabalho tem como objetivo geral conhecer como as empresas aplicam a materialidade nas divulgações dos passivos contingentes. A revisão da literatura deixa claro que a generalidade dos práticos considera, como patamar a partir do qual um item é materialmente relevante, 5% do resultado antes de impostos (IFAC, 2011). Nos casos em que os resultados do exercício não sejam expressivos ou consistentes é frequente a utilização de outras bases de cálculo, sendo o total do ativo, total do capital próprio e total do rédito alternativas comuns, aplicando-se sobre estas bases percentagens entre 1% e 3% (IFAC, 2011).

Estas bases de cálculo são por nós assumidas como determinantes das decisões sobre a divulgação de passivos contingentes por parte das empresas incorporadas na amostra. Isto

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é, a nossa expectativa é a de que os preparadores das demonstrações financeiras atendam às referidas “regras do polegar”.

O conceito de materialidade é em tudo semelhante para efeitos contabilísticos e de auditoria. Entre as matérias contabilísticas que têm sido objeto de estudo no âmbito da materialidade, selecionámos a divulgação de passivos contingentes. A nossa expectativa é, pois, a de que a maioria das entidades divulgue os passivos contingentes no Anexo (notas) cujo montante seja materialmente relevante. A literatura sobre a discricionariedade das divulgações revela que, para além dos referidos requisitos normativos, outros há que impelem as entidades a divulgar “más notícias”, ainda que as mesmas não superem os patamares de materialidade, pelo que esperamos a existência de algumas divulgações de passivos contingentes abaixo do referido limiar.

Em consequência, definimos como hipótese geral do nosso estudo:

As empresas constantes da amostra aplicam os critérios habituais de materialidade para decidirem se divulgam ou não as matérias previstas na normalização contabilística.

Como referido em epígrafe, os designados “critérios habituais”, expressão necessariamente ambígua pelo facto de as normas contabilísticas e de auditoria não fornecerem orientações concretas sobre tais critérios, são as “regras do polegar” assinaladas anteriormente.

Para testar a hipótese geral definimos como hipótese operacional, à luz das bases de cálculo da materialidade utilizadas para determinar a “materialidade estimada”, desdobrando-a em função de quatro possibilidades referenciadas pela IFAC (2011):

H1: O montante global dos passivos contingentes divulgados é superior ao patamar de materialidade estimado.

H1.1: O montante global dos passivos contingentes divulgados é superior a 5%

do resultado antes de impostos.

H1.2: O montante global dos passivos contingentes divulgados é superior a 1%

do total do ativo.

H1.3: O montante global dos passivos contingentes divulgados é superior a 3%

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H1.4: O montante global dos passivos contingentes divulgados é superior a 1%

do volume de negócios.

A ISA 320 (§ A3) indica que o auditor deve considerar nos seus julgamentos sobre a materialidade fatores de natureza qualitativa, como a natureza da entidade, em que posição se encontra no seu ciclo de vida e o setor de atividade e ambiente económico em que opera (IFAC, 2008). Neste sentido examina-se a influência do setor de atividade, considerando as categorias indústria, comércio e serviços, bem como o fator dimensão de acordo com os critérios definidos pela Comissão Europeia (2003) para distinguir micro, pequena, média e grande entidade. Surgem assim as segunda e terceira hipóteses:

H2: a materialidade do montante global dos passivos contingentes está associada com o setor de atividade da entidade.

H3: a materialidade do montante global dos passivos contingentes está correlacionada com a dimensão da entidade.

A primeira hipótese permite-nos concluir, objetivamente, pela aplicação ou não, por parte da generalidade dos preparadores da informação financeira, das “regras do polegar”. As segunda e terceira mostrar-nos-á, ou não, a relevância de fatores qualitativos na definição dos patamares de materialidade, concretamente no que respeita ao setor de atividade e à dimensão das entidades.

Amostra

Os dados necessários para testar as hipóteses operacionais foram recolhidos da base de dados SABI, em março de 2017.

A população definida para o estudo é constituída por todas as empresas portuguesas com contas depositadas e disponíveis na SABI. A amostra selecionada corresponde às empresas constantes da base de dados com passivos contingentes divulgados para, pelo menos, algum dos períodos entre 2011 e 2015, inclusive. Uma das limitações do presente estudo reside no facto de apenas constar da base de dados o montante global dos passivos contingentes divulgados, pelo que se desconhece a natureza dos mesmos, quantos existem e o montante respetivo, não permitindo uma análise similar ao estudo prévio identificado em Portugal incidente sobre os passivos contingentes decorrentes de processos judiciais (Barros & Alberto, 2015).

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Foram identificadas 505 empresas com passivos contingentes divulgados em algum dos períodos económicos abrangidos, num total de 1.048 passivos contingentes (Tabela 1).

Para testar a hipótese 2, a existência de associação entre a divulgação de passivos contingentes e os setores de atividade, teve de se agregar os setores de atividade económica, classificados de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Rev.3 (CAE Rev.3) pelos três grandes setores: indústria, comércio e serviços, de forma a obter observações suficientes para a aplicação dos testes de correlação (Tabela 2).

Para examinar a eventual correlação entre a dimensão das empresas e a divulgação de passivos contingentes, classificaram-se as mesmas de acordo com a respetiva dimensão tendo em conta os critérios da Comissão Europeia (Tabela 3).

Período económico Nº de Passivos Contingentes 2011 289 2012 229 2013 204 2014 161 2015 165 Total 1048 Tabela 1

Número de Passivos Contingentes por Período

Indústria Comércio Serviços Total

2011 91 114 84 289 2012 65 94 70 229 2013 66 73 65 204 2014 49 66 46 161 2015 49 61 55 165 Total 320 408 320 1048 Nº de Passivos Contingentes Tabela 2

Número de Passivos Contingentes por Setor

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O número de observações por período e por critério de materialidade e as respetivas estatísticas descritivas podem ser observados na Tabela 4.

A título de exemplo, o número de empresas com passivos contingentes divulgados no Anexo em 2015 e para as quais foi possível calcular o primeiro critério de materialidade, 5% do Resultado Antes de Impostos, foi de 111; para o critério 1% do Ativo e 3% do Capital Próprio, o número de observações aumenta para 165, reduzindo-se para 154 quanto ao critério 1% do Volume de Negócios. Estas variações ficam a dever-se ao facto de algumas empresas não apresentarem Resultado Antes de Impostos positivo ou de não terem Volume de Negócios.

Metodologia

Para examinar se o montante global dos passivos contingentes divulgados é superior aos critérios de materialidade habitualmente utilizados pelos auditores, extraiu-se da base SABI o montante dos mesmos, assim como os montantes das rubricas necessárias das

Micro Pequena Média Grande Total

2011 42 74 78 44 238 2012 35 50 69 35 189 2013 31 47 64 30 172 2014 26 42 48 30 146 2015 27 44 47 31 149 Total 161 257 306 170 894 Tabela 3

Número de Passivos Contingentes por Dimensão Período económico Nº de Passivos Contingentes

Período Estat. 5%RAI201X 1%ATIVO201X 3%CP201X 1%VN201X

N 156 289 289 265 Média 530,81 44,1 27,2 539,08 Desv. P 4881,28 447,26 239,8 4113,07 N 123 229 229 211 Média 157,97 476,54 20,7 2808,65 Desv. P 359,2 6718,55 261,01 33064,17 N 112 204 204 189 Média 2155,33 13,81 70,59 733,23 Desv. P 21023,37 24,93 761,54 6125,07 N 110 161 161 154 Média 116,29 14,74 8,06 9049,03 Desv. P 223,22 40,44 299,37 102646,77 N 111 165 165 154 Média 79,99 49,74 25,06 848,79 Desv. P 199,87 464,15 132,75 8397,11 2014 2015 Tabela 4 Estatísticas descritivas 2011 2012 2013

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demonstrações financeiras para o cálculo dos patamares de materialidade. Foram determinados os quatro critérios utilizados de materialidade em conformidade com as quatro sub-hipóteses operacionais H1.1 a H1.4. (Tabela 5), para cada período económico.

Desta forma obtêm-se quatro variáveis para cada período económico correspondentes aos quatro critérios utilizados para determinação da materialidade. Espera-se que para a maioria das observações o rácio “Passivo Contingente/materialidade” seja superior a 1. Contudo, de acordo com a revisão da literatura, é igualmente esperado que algumas empresas divulguem passivos contingentes de montante inferior à materialidade (<1). Com a hipótese 2 examina-se a potencial associação entre a variável setor das entidades e a divulgação dos passivos contingentes em função da sua materialidade. Para medir a eventual associação utilizam-se o teste não paramétrico do qui-quadrado de independência e o coeficiente de Cramer e respetivo teste de significância.

Na hipótese 3 analisa-se a correlação entre a dimensão, variável ordinal, e a divulgação de passivos contingentes materialmente relevantes utilizando-se para o efeito o teste não paramétrico do qui-quadrado de independência e o coeficiente tau-b de Kendall e respetivo teste de significância.

5. Resultados e discussão

Para analisar as quatro hipóteses operacionais que decorrem da Hipótese 1 calcularam-se os rácios descritos na Tabela 5, resumindo-se os resultados na Tabela 6. Para todos os períodos de 2011 a 2015 e para todos os critérios de cálculo da materialidade, mais de 50% dos passivos contingentes divulgados é superior, em valor, ao patamar de

Designação Cálculo Descrição

5%RAI201X PC201X/5%RAI201X Rácio entre o montante do Passivo Contingente do período X e 5% do Resultado Antes de Impostos do mesmo período

1%ATIVO201X PC201X/1%ATIVO201X Rácio entre o montante do Passivo Contingente do período X e 1% do total do Ativo do mesmo período

3%CP201X PC201X/3%CP201X Rácio entre o montante do Passivo Contingente do período X e 3% do total do Capital Próprio do mesmo período

1%VN201X PC201X/1%VN201X Rácio entre o montante do Passivo Contingente do período X e 1% do total do Volume de Negócios do mesmo período

Tabela 5

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materialidade. O critério de determinação da materialidade em que se verificam mais casos cujos montantes destes passivos são superiores ao patamar é o de 5% do resultado antes de impostos (valor máximo de 90% para 2011); já o valor mínimo ocorre para o critério 3% do capital próprio verificado nos períodos 2011, 2012 e 2015 (62%). Estes resultados vão no sentido da não rejeição das hipóteses operacionais H1, corroborando a literatura no sentido de que, em regra, os preparadores e auditores utilizam as designadas “regras do polegar” no cálculo da materialidade.

Ainda assim, para todos os critérios de cálculo da materialidade em todos os períodos económicos considerados há casos de passivos contingentes inferiores aos critérios utilizados; as percentagens variam entre 10% e 38%, sempre inferior a 50%. Este facto suscita-nos a seguinte questão, apontada pela literatura: não sendo as empresas obrigadas a divulgar os passivos contingentes que não sejam superiores aos patamares habituais de materialidade, por que razão muitas delas optam por fazê-lo? Skinner (1994) avança como possível justificação o facto de os gestores serem avessos a divulgar resultados inesperados pelos utilizadores da informação financeira, antecipando, por isso, a divulgação de perdas classificadas com probabilidade “possível”.

O facto de os resultados revelarem a existência de divulgação de passivos contingentes abaixo do patamar de materialidade suporta as conclusões de estudos sobre a discricionariedade das divulgações. Estas investigações têm demonstrado, justamente, a Período Estat. Rácio<1 Rácio>=1 Rácio<1 Rácio>=1 Rácio<1 Rácio>=1 Rácio<1 Rácio>=1

Freqª 15 141 86 203 111 178 58 207 Perc. 10 90 30 70 38 62 22 78 Freqª 15 108 57 172 88 141 46 165 Perc. 12 88 25 75 38 62 22 78 Freqª 16 96 49 155 72 132 37 152 Perc. 14 86 24 76 35 65 20 80 Freqª 18 92 37 124 52 109 32 122 Perc. 16 84 23 77 32 68 21 79 Freqª 20 91 42 123 63 102 34 120 Perc. 18 82 25 75 38 62 22 78 2015 Tabela 6

Rácios Passivos Contingentes/Materialidade

2011

2012

2013

2014

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existência de incentivos que levam as empresas a divulgar, por sua iniciativa, “más notícias” (Heitzman et al., 2010; Skinner, 1994).

Note-se que, no presente estudo, como já foi referido, está-se a trabalhar com o montante global dos passivos contingentes divulgado e não com o montante dos passivos contingentes por classes ou item a item. Contudo, consideramos que a análise de materialidade em função do montante global faz mais sentido atendendo ao conceito de materialidade. O efeito das divulgações nos utilizadores da informação financeira não ocorre caso a caso. Isto é, se uma empresa divulgar a possibilidade de perdas em 100 processos judiciais movidos por terceiros contra si, os utilizadores não irão considerar o impacto de cada processo de per se, antes considerarão as implicações de tais informações como um todo. Daqui resulta que as decisões sobre a divulgação dos passivos contingentes por parte das empresas terão em consideração o conjunto dos processos e não os casos individuais, pelo que, supõe-se que as mesmas procederão à divulgação dos casos individuais se estes, no seu conjunto, forem materialmente relevantes.

Na segunda hipótese analisou-se a associação entre os três grandes setores de atividade económica (indústria, comércio e serviços) e a divulgação dos passivos contingentes cujos montantes superam os critérios habituais de materialidade. As normas de auditoria e a literatura referem que fatores qualitativos afetam a determinação da materialidade referindo a título de exemplo o setor de atividade. Os resultados (Tabela 7), em larga medida, não corroboram a literatura, não se detetando, com exceção de dois critérios (1%ATIVO201X e 1%VN201X) em apenas dois períodos (2011 e 2015) a existência de associação entre as referidas variáveis.

Período Estat. Valor Sigª Valor Sigª Valor Sigª Valor Sigª

Qui-Q 0,865 0,649 11,858 0,003 3,656 0,161 7,286 0,026 Cramer 0,203 0,003 0,166 0,026 Qui-Q 2,19 0,349 2,045 0,36 0,676 0,713 3,828 0,147 Cramer Qui-Q 0,498 0,78 2,392 0,302 3,504 0,173 4,45 0,108 Cramer Qui-Q 0,472 0,79 2,523 0,283 2,959 0,228 3,134 0,209 Cramer Qui-Q 5,576 0,062 6,248 0,044 1,516 0,469 8,904 0,012 Cramer 0,195 0,044 0,24 0,012 2015 Tabela 7

Associação entre o Setor e a divulgação de PC

2011

2012

2013

2014

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Estes resultados poderão eventualmente justificar-se pelo insuficiente desdobramento dos setores de atividade. Como foi referido, inicialmente utilizaram-se as CAE de cada empresa, não se tendo, contudo, obtido observações suficientes para a sua análise. Em consequência agregaram-se as CAE em função dos três grandes setores da atividade económica, perdendo-se parte da diferenciação entre os casos.

Na hipótese 3 examinou-se a correlação entre a dimensão das empresas e a divulgação de passivos contingentes. A dimensão da empresa pode afetar a forma como os utilizadores olham para eventuais distorções vertidas nas respetivas demonstrações financeiras, pelo que a nossa expectativa é a de que esta variável tenha influência na divulgação de passivos contingentes. Porém, os resultados não são concludentes (Tabela 8).

Assim, para quatro dos cinco períodos económicos analisados há pelo menos um critério de cálculo da materialidade onde se encontrou correlação entre a dimensão da empresa e a divulgação do montante global de passivos contingentes superior à materialidade. O cálculo do tau-b de Kendall, para um nível de significância inferior a 5%, permitiu perceber que a correlação é negativa corroborando a literatura (Iatridis, 2008), no sentido de que quanto maior a empresa, maior a tendência para divulgar passivos contingentes cujos montantes sejam inferiores aos patamares de materialidade. Ainda assim, para o período de 2014 em nenhum dos critérios de cálculo da materialidade se encontrou correlação com a dimensão das empresas.

6. Conclusões

Apesar de se tratar de um tema de investigação antigo, a revisão da literatura permitiu-nos concluir pelo interesse atual do estudo sobre a materialidade. A relevância da

Período Estat. Valor Sigª Valor Sigª Valor Sigª Valor Sigª Qui-Q 10,568 0,014 1,369 0,713 1,433 0,698 7,41 0,06 Kendall´s tau-b -0,198 0,022 Qui-Q 10,456 0,016 11,402 0,01 0,628 0,89 14,726 0,002 Kendall´s tau-b -0,257 0,005 -0,204 0,001 -0,256 0 Qui-Q 0,352 0,96 3,485 0,323 3,089 0,378 12,588 0,006 Kendall´s tau-b -0,23 0,001 Qui-Q 2,587 0,475 2,795 0,424 2,695 0,441 7,728 0,052 Kendall´s tau-b Qui-Q 12,873 0,004 11,329 0,01 2,178 0,536 17,297 0,001 Kendall´s tau-b -0,32 0 -0,229 0,001 -0,285 0 2015 Tabela 8

Correlação entre a Dimensão e a divulgação de PC

2011

2012

2013

2014

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informação financeira, a falta de consenso na aplicação da materialidade, a variabilidade dos julgamentos em função dos itens, são alguns dos motivos justificativos dessa atualidade.

As críticas do tema, já efetuadas por autores diversos, suscitaram-nos o interesse por uma área específica cuja investigação julgamos oportuna: a materialidade dos passivos contingentes. Este tema aborda a materialidade na perspetiva de um dos três grandes grupos habitualmente investigados: os preparadores da informação financeira.

O estudo empírico efetuado permitiu concluir pela aplicação, pelos preparadores das demonstrações financeiras analisadas, das designadas “regras do polegar”. Os resultados suportam, igualmente, a existência de incentivos para que algumas empresas divulguem informação financeira desfavorável mesmo não sendo materialmente relevante.

A análise da influência de dois fatores qualitativos apontados como relevantes no julgamento sobre a materialidade, o setor de atividade e a dimensão da empresa, revelaram, para a amostra, a não existência, em regra, de associação entre o setor e a divulgação de passivos contingentes materialmente relevantes. Para a variável dimensão, no entanto, foi detetada correlação para quatro dos cinco períodos em análise.

Limitações e investigações futuras

Uma das limitações recorrentes nos estudos sobre a materialidade baseados em dados publicados, de que o presente também enferma, é a de falta de acesso aos valores considerados imateriais por parte dos preparadores da informação financeira, uma vez que estes não são divulgados. Também não se teve acesso à discriminação do montante global dos passivos contingentes divulgados pelo número e natureza.

Por outro lado, o leque de fatores qualitativos estudado foi reduzido, apenas duas variáveis, setor e dimensão. Pelo que, relevaria, para trabalhos futuros, ampliar as variáveis qualitativas que podem influir nessa divulgação (e.g. auditor Big 4 ou outro) e relacionar a aplicação dos patamares de materialidade com a natureza dos passivos contingentes.

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