• Nenhum resultado encontrado

CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE: APROXIMAÇÃO ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL E O CONSTITUCIONALISMO? **

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE: APROXIMAÇÃO ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL E O CONSTITUCIONALISMO? **"

Copied!
21
0
0

Texto

(1)

CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE: APROXIMAÇÃO ENTRE O

DIREITO INTERNACIONAL E O CONSTITUCIONALISMO?**

Bárbara Pincowsca Cardoso Campos*

RESUMO: O propósito deste artigo é examinar o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos em relação ao controle de convencionalidade, comparando-o à noção de controle de constitucionalidade, no contexto da constitucionalização do Direito Internacional. Também se analisa o controle de convencionalidade à luz da interação entre o direito interno e o internacional. Conclui-se que esConclui-se mecanismo deve Conclui-ser abordado de forma crítica, especialmente Conclui-se o que Conclui-se pretende é garantir efetividade do Direito Internacional.

Palavras-chave: Controle de convencionalidade – Corte Interamericana de Direitos Humanos – Constitucionalização do Direito Internacional

ABSTRACT: The purpose of this article is to examine the comprehension of the Inter-American Court of Human Rights in relation to the control of conventionality, comparing it to the notion of constitutionality control, in the context of the constitutionalization of International Law. It is also analyzed the control of conventionality in light of the interaction between national and international law. In conclusion this mechanism should be addressed in a critical way, especially if it is meant to guarantee effectiveness of International Law.

Keywords: Control of conventionality – Inter-American Court of Human Rights – Constitutionalization of International Law

**

Artigo científico apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina “Direito Internacional Público”, do programa de Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade de Brasília (UnB), ministrada pelo Professor Doutor George Rodrigo Bandeira Galindo, Diretor da Faculdade de Direito da UnB.

*

Mestranda em Direito (UnB), bacharel em Relações Internacionais e em Direito, pesquisadora do Grupo “Crítica & Direito Internacional”; Gerente de Projetos do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

(2)

1. INTRODUÇÃO

A expressão constitucionalização do Direito passou a ser de uso frequente nos debates jurídicos acadêmicos, e com significados, por vezes, dos mais variados. De forma geral, pode-se associar esse termo, como ensina Luis Roberto Barroso, a uma “irradiação de valores constitucionais” por um sistema jurídico.1 Tratar de constitucionalização do Direito é, portanto, explorar como o conteúdo das normas constitucionais se expande e se irradia, impregnando outros ramos do Direito.

O debate sobre a constitucionalização tem repercutido no campo do Direito Internacional, ao lado da internacionalização do Direito Constitucional. Neste caso, rotula-se de constitucionalização o processo em que institutos, categorias e garantias constitucionais são assimilados no Direito Internacional. E, por outro lado, a incorporação do Direito Internacional na ordem jurídica interna, ou seja, a “irradiação” das normas e obrigações internacionais nas Constituições domésticas, é a tão falada constitucionalização do Direito Internacional. Em última análise, fato é que ambos os processos põem em destaque também um debate clássico: as formas de relação entre o ordenamento jurídico interno e internacional – interação, aliás, lida como harmoniosa e, por vezes, tensa.

Por uma Constituição mundial ou global? Constitucionalismo como forma de promover valores universais no plano internacional? Será a Carta da Organização das Nações Unidas a constituição da comunidade internacional ou serão as normas de jus cogens capazes de dar essa resposta? A linguagem constitucionalista conseguirá sanar as deficiências do Direito Internacional? Essas perguntas têm ocupado boa parte dos estudos sobre a constitucionalização do Direito Internacional – debate que, aliás, já encontrou voz em âmbito regional.

Vejamos o caso do sistema interamericano de direitos humanos, em especial da Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante “Corte Interamericana”, “Tribunal”, ou “Corte”). Em razão da posição privilegiada ocupada

1

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 851, nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7547>. Acesso em: 29 out. 2013. p. 44.

(3)

pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante “Convenção”, “Convenção Americana” ou “Pacto de San José”) nas constituições de alguns Estados da região, bem como o papel proativo e a orientação interpretativa feita pela Corte, já se chegou a cunhá-la de Corte Constitucional Latino-americana. A Convenção seria, portanto, uma constituição latino-americana em matéria de direitos humanos, tendo a Corte como sua guardiã. Nas palavras de Piovesan, o sistema regional interamericano simboliza um “constitucionalismo regional”, sendo a Convenção um verdadeiro “código interamericano de direitos humanos”.2

Nesse mesmo sentido, Hernán Salgado Pesantes, presidente e ex-juiz da Corte Interamericana, chega a considerar esse Tribunal como modelo no processo constitucional transnacional. A respeito da Convenção Americana, afirma que, devido à sua transcendência e importância para a comunidade interamericana, pode ser tida como a “Carta Magna do continente” ou a sua “lei fundamental que cria um marco de constitucionalidade material e formal”. Compara a faculdade de ditar medidas provisórias da Corte com as ações de amparo previstas no direito interno, pois ambas têm o propósito de suspender ab initio os efeitos prejudiciais que violam o direito, evitando danos irreparáveis. Hernán Salgado Pesantes também explica a similaridade da atividade processual da Corte Interamericana de zelar pelo cumprimento do Pacto de San José com a dos juízes constitucionais, guardiões da lei suprema de seus países. E conclui:

(…) hay que poner de relieve que la justicia constitucional tiene como fin último contribuir a fortalecer el Estado de derecho en un contexto democrático, superando la crisis institucionales y políticas que nos asedian. Una finalidad semejante, con parecidas dificultades, se proponen realizar la Comisión y la Corte Interamericana, como custodios del sistema, conscientes de que la dignidad del ser humano sólo se consolida en un Estado democrático de derecho.3

2

PIOVESAN, Flávia. Fuerza Integradora y catalizadora del sistema interamericano de protección de los derechos humanos: desafíos para la formación de un constitucionalismo regional. IN: BOGDANDY, Armin von; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer; ANTONIAZZI, Mariela Morales (org). La justicia constitucional y su internacionalización: ¿Hacia un ius constitucionale commune en América Latina? v. 2. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2010. Disponível em: <http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/libro.htm?l=2895>. Acesso em: 20 set. 2013. p. 441.

3

PESANTES, Hernán Salgado. Justicia constitucional transnacional: el modelo de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. Control de Constitucionalidad Vs. Control de Convencionalidad. IN: BOGDANDY, Armin von; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer; ANTONIAZZI, Mariela Morales (org). La justicia constitucional y su internacionalización: ¿Hacia un ius constitucionale commune en América Latina? v. 2. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2010. Disponível em: <http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/libro.htm?l=2895>. Acesso em: 20 set. 2013. p. 494-495.

(4)

Sérgio García Ramírez, ex-presidente da Corte Interamericana, fez também comparações entre o papel desempenhado pelos tribunais constitucionais domésticos e as cortes internacionais de direitos humanos em seus votos, como se verá adiante. Os primeiros, explica, têm a missão de garantir o Estado de Direito ao apreciar e julgar os atos de autoridades em relação à lei suprema do país. De forma semelhante, os tribunais internacionais de direitos humanos interpretam, julgam e aplicam os tratados desta matéria, manifestando-se sobre os atos violatórios praticados em relação às obrigações convencionais assumidas.4

Seguindo essa tendência de comparação da Corte Interamericana de Direitos Humanos com cortes constitucionais internas, frequentemente se coloca o debate sobre o controle de convencionalidade e o controle de constitucionalidade. De forma simplificada, o controle de convencionalidade é um mecanismo, desenvolvido na jurisprudência da Corte Interamericana, que designa um processo de verificação, por parte de juízes e tribunais nacionais, da compatibilidade de normas internas com a Convenção Americana e a interpretação que lhe é dada pela Corte, conforme será detalhado mais adiante. Seria similar, portanto, ao controle de compatibilização vertical de normas jurídicas inferiores com a Constituição, ou seja, o controle de constitucionalidade exercido por órgãos judiciais competentes.

Em uma rápida aproximação entre esses tipos de controle, é possível, desde logo, visualizar um denominador comum: ambos se referem à confrontação de uma norma interna, inferior, face à superior (Constituição e Convenção Americana). Além disso, o objetivo de tais instrumentos, em última análise, seria conferir efetividade aos direitos dispostos na Constituição estatal, no primeiro caso, e na Convenção Americana, no segundo. Como a Corte Interamericana entende o controle de convencionalidade? Qual é o fundamento e a necessidade dos referidos controles? O controle de convencionalidade, em especial, é instrumento hábil a alcançar esses propósitos? Esta é a resposta que se procura nas linhas que se seguem.

4

Voto Razonado del Juez Sergio García Ramírez a la Sentencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos en el caso Trabajadores Cesados del Congreso Vs. Perú, del 24 de noviembre de 2006, parágrafos 4-5.

(5)

O objetivo deste artigo é, portanto, explorar o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o controle de convencionalidade, à luz das noções de controle de constitucionalidade, no contexto do debate sobre a constitucionalização do Direito Internacional. Esses institutos, conforme se verá, têm também como pano de fundo a interação entre o direito interno e o internacional – relação que precisa ser repensada e abordada de maneira crítica.

2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E DE CONVENCIONALIDADE

O que é o controle de constitucionalidade? Controlar a constitucionalidade, de forma simplificada, significa verificar a adequação ou a compatibilidade de uma lei ou ato normativo com uma Constituição. É, na verdade, um instrumento de controle por meio do qual se retiram do ordenamento jurídico todos os atos e normas que contrariam a Constituição.

Luis Roberto Barroso ensina que, antes de 1945, vigorava na maior parte da Europa um modelo de supremacia do Poder Legislativo, inspirado na soberania do Parlamento inglês e da concepção francesa de lei como expressão da vontade geral.5 No final dos anos 40, à luz da experiência norte-americana, um novo modelo, de supremacia da Constituição, toma lugar. Países europeus passaram, então, a adotar um modelo próprio de controle de constitucionalidade, criando tribunais constitucionais. O controle de constitucionalidade aparecia, assim, como um sistema de defesa da supremacia da Constituição, como arma para garantir a unicidade do direito nacional.

A ideia de controle de constitucionalidade foi inaugurada nos Estados Unidos. É até trivial associar a origem do controle com o célebre precedente jurisprudencial firmado em 1803 pelo chief justice John Marshall quando do julgamento do caso Marbury v. Madison pela Suprema Corte daquele país. Neste caso, foi a primeira vez em que o Judiciário considerou-se compete para julgar a constitucionalidade das leis e de atos normativos dos demais poderes, ressaltando a

5

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 851, nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7547>. Acesso em: 29 out. 2013. p. 8.

(6)

supremacia da Constituição norte-americana como fundamento de validade de todas as demais normas. “Uma constituição é apenas um pedaço de papel se as restrições nela contidas não puderem ser postas em vigor pelos tribunais”, afirmaria o referido magistrado. Foi lançada, assim, a ideia de um controle de constitucionalidade difuso, em que todo e qualquer juiz tem o dever de reconhecer a incompatibilidade de uma norma com a Constituição.

Ao lado dessa famosa decisão judicial, cabe citar ainda o projeto de corte constitucional de Hans Kelsen. Mentor de um dos anteprojetos da Constituição da Áustria de 1920 e, posteriormente, juiz do Tribunal Constitucional daquele país, Kelsen defendeu um modelo específico, em que a jurisdição constitucional ficava a cargo de uma corte constitucional. Kelsen é, assim, reconhecido como o criador do chamado controle de constitucionalidade concentrado. Kelsen enxergava de maneira desvantajosa a experiência constitucional norte-americana relativa ao controle de constitucionalidade, pelo perigo de uma prática contraditória aos órgãos aplicadores da lei. Entende que:

A desvantagem dessa solução consiste no fato de que os diferentes órgãos aplicadores da lei podem ter opiniões diferentes com respeito à constitucionalidade de uma lei e que, portanto, um órgão pode aplicar a lei por considerá-la constitucional, enquanto o outro lhe negará a aplicação com base na sua alegada inconstitucionalidade. A ausência de uma decisão uniforme sobre a questão da constitucionalidade de uma lei (...) é uma grande ameaça à autoridade da própria Constituição.6

A principal e mais eficaz garantia de uma Constituição, para Kelsen, é a anulação de um ato constitucional. Só os tribunais poderiam verificar essa constitucionalidade. A criação de uma Corte Constitucional era fundamental, principalmente em relação à Constituição austríaca. “Uma democracia sem controle não pode durar”, dizia Kelsen.

Registre-se, então, que o debate sobre controle de constitucionalidade, no binômio controle difuso e concentrado, tem raízes históricas em Marshall e Kelsen. Ao lado do modelo norte-americano e austríaco, costuma ser citada também a experiência francesa, por ser a mais conhecida expressão quanto a um controle prévio de constitucionalidade. Sem que seja meu propósito abordar em detalhes o conteúdo

6

(7)

desses institutos, resgatá-los é importante para se compreender os fundamentos e a ideia do controle de convencionalidade desenvolvido pela jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

De forma análoga ao de constitucionalidade, o controle de convencionalidade é, em linhas gerais, um processo de verificação da (in)compatibilidade dos atos internos e normas jurídicas de um Estado em relação aos tratados internacionais dos quais é Parte. A ideia de controle de convencionalidade exercida por órgãos jurisdicionais internos foi particularmente desenvolvida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Na literatura mais especializada, o caso Almonacid Arellano é o leading case, sempre citado como referência inicial para o estudo do tema, apesar de que a expressão “controle de convencionalidade” tenha sido usada, pela primeira vez, no voto do juiz Sergio García Ramírez em Myrna Mack Chang e, posteriormente, no caso Tibi. Sergio García Ramírez, conforme já se assinalou, compara a tarefa da Corte Interamericana à desempenhada por tribunais constitucionais: a primeira examina os atos questionados face à Convenção, ao passo que as cortes constitucionais o fazem em relação às suas leis fundamentais:

(…) Dicho de otra manera, si los tribunales constitucionales controlan la ‘constitucionalidad’, el tribunal internacional de derechos humanos resuelve acerca de la ‘convencionalidad’ de esos actos. A través del control de constitucionalidad, los órganos internos procuran conformar la actividad del poder público - y, eventualmente, de otros agentes sociales - al orden que entraña el Estado de Derecho en una sociedad democrática. El tribunal interamericano, por su parte, pretende conformar esa actividad al orden internacional acogido en la convención fundadora de la jurisdicción interamericana y aceptado por los Estados partes en ejercicio de su soberanía.7

Entretanto, é no caso Almonacid Arellano, em 2006, em que a Corte Interamericana, reunida em pleno, efetivamente incorpora tal terminologia em seus julgados, definindo seus contornos gerais e ainda ampliando o conceito, ao se referir ao controle de convencionalidade como dever de juízes e tribunais internos de examinar a compatibilidade das leis à Convenção Americana e à interpretação que é dada pela própria Corte.

7

Voto concurrente razonado del juez Sergio García Ramírez a la sentencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos en el caso Tibi Vs. Ecuador, del 7 de septiembre de 2004. parágrafo 3º.

(8)

Neste caso, a Corte declarou que o Poder Judiciário chileno aplicou uma norma cujo efeito foi cessar as investigações relativas à execução extrajudicial do senhor Arellano, deixando impunes os responsáveis pelos crimes. A Corte considerou que, ainda que o Poder Legislativo tenha falhado em sua tarefa de suprimir ou não adotar normas contrárias à Convenção, permanece o dever do Poder Judiciário de abster-se de aplicar a referida norma. Portanto, os magistrados e tribunais domésticos, além de aplicar as normas previstas no ordenamento interno, devem garantir a aplicação e a implementação das obrigações convencionais assumidas pelo Estado. Nos dizeres da Corte:

La Corte es consciente que los jueces y tribunales internos están sujetos al imperio de la ley y, por ello, están obligados a aplicar las disposiciones vigentes en el ordenamiento jurídico. Pero cuando un Estado ha ratificado un tratado internacional como la Convención Americana, sus jueces, como parte del aparato del Estado, también están sometidos a ella, lo que les obliga a velar porque los efectos de las disposiciones de la Convención no se vean mermadas por la aplicación de leyes contrarias a su objeto y fin, y que desde un inicio carecen de efectos jurídicos. En otras palabras, el Poder Judicial debe ejercer una especie de “control de convencionalidad” entre las normas jurídicas internas que aplican en los casos concretos y la Convención Americana sobre Derechos Humanos. En esta tarea, el Poder Judicial debe tener en cuenta no solamente el tratado, sino también la interpretación que del mismo ha hecho la Corte Interamericana, intérprete última de la Convención Americana.8

É importante esclarecer que a própria Corte Interamericana realiza também – e a todo o tempo – um controle jurisdicional direto ao examinar a adequação de normas internas dos Estados parte, em casos concretos, com a Convenção Americana, como explicava o juiz Sergio García Ramírez nos votos acima citados.

Em sua jurisprudência sobre anistia (Barrios Altos, La Cantuta e Almonacid Arellano, em especial), para citar um exemplo, a Corte Interamericana considerou que as leis de anistia então examinadas eram incompatíveis com a Convenção Americana e que, portanto, careciam de efeitos jurídicos. Trata-se, nesse caso, de um controle exercido diretamente pelo órgão de supervisão, interpretação e aplicação da Convenção Americana, qual seja, a própria Corte Interamericana. Não se trata, portanto, de modificar diretamente o direito interno, mas, sim, de controlar se as

8

CORTE I.D.H. Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 26 de septiembre de 2006. parágrafo 124. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/index.php/casos-contenciosos>. Acesso em: 25 out. 2013.

(9)

normas internas estão de acordo ou não com a Convenção. Pode-se dizer que, nesses casos, a Corte está realizando, essencialmente, um controle concentrado. É diferente, portanto, do sistema descentralizado de controle de normas por tribunais nacionais a que se refere a Corte no caso Almonacid Arellano, quando o Tribunal põe a cargo de todos os juízes nacionais o exercício deste controle.

A esse respeito, parece-nos bastante apropriada a diferenciação feita por André de Carvalho Ramos: o primeiro tipo de controle, atribuído a tribunais internacionais, é por ele apelidado de “controle de convencionalidade internacional”, enquanto que o exame de compatibilidade exercido por tribunais internos seria o controle de convencionalidade nacional.9

Em sentença proferida dois meses depois de Almonacid Arellano, no caso Trabajadores Cesados del Congreso, a Corte retomou esse entendimento e fez ainda algumas precisões. O Tribunal, após se referir ao critério estabelecido em seu julgado anterior, afirmou:

(…) En otras palabras, los órganos del Poder Judicial deben ejercer no sólo un control de constitucionalidad, sino también ‘de convencionalidad’ ex officio entre las normas internas y la Convención Americana, evidentemente en el marco de sus respectivas competencias y de las regulaciones procesales correspondientes. Esta función no debe quedar limitada exclusivamente por las manifestaciones o actos de los accionantes en cada caso concreto, aunque tampoco implica que ese control deba ejercerse siempre, sin considerar otros presupuestos formales y materiales de admisibilidad y procedencia de ese tipo de acciones.10

Assim, no entender do Tribunal, esse controle de convencionalidade deve ser praticado de ofício, ou seja, por iniciativa do próprio juiz, ou a pedido das partes. Em todo caso, deve ser exercido de acordo com os respectivos aspectos formais, materiais e processuais, conforme se assinalou.

9

RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 250.

10

CORTE I.D.H. Caso Trabajadores Cesados del Congreso (Aguado Alfaro y otros) Vs. Perú. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24 de noviembre de 2006. Serie C No. 158. parágrafo 128. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/index.php/casos-contenciosos>. Acesso em: 25 out. 2013.

(10)

Essa concepção foi reiterada em diversos julgados entre 2007 e 2010.11 Entretanto, foi no caso Cabrera García y Montiel Flores, julgado no final de 2010, que a Corte Interamericana definitivamente consolidou sua jurisprudência a respeito do controle de convencionalidade, em especial ao dispor sobre medidas de reparações. Nesse caso, aclarou a Corte Interamericana que todos os juízes e órgãos vinculados à administração da justiça, em todos os níveis, estão obrigados a exercer de ofício esse controle de convencionalidade. Fez-se esse esclarecimento já que, em alguns Estados da região, os tribunais constitucionais são órgãos autônomos independentes do Poder Judiciário. Foi o que assinalou o juiz ad hoc Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot em seu voto:12

La intencionalidad de la Corte IDH es clara: definir que la doctrina del ‘control de convencionalidad’ se debe ejercer por ‘todos los jueces’, independientemente de su formal pertenencia o no al Poder Judicial y sin importar su jerarquía, grado, cuantía o materia de especialización (…).

Se trata, en realidad, de un ‘control difuso de convencionalidad’, debido a que debe ejercerse por todos los jueces nacionales (…).

Neste caso, a Corte Interamericana ainda cita trechos de decisões de diversas cortes supremas da região – Costa Rica, Bolívia, República Dominicana, Peru, Argentina, Colômbia – que aplicaram o controle de convencionalidade, com base em sua interpretação e jurisprudência.

Em 2011, o controle de convencionalidade é mencionado em outras 4 sentenças do Tribunal,13 e o que mais chama a atenção é o entendimento exposto no caso Gelman. Neste caso, estavam em jogo a vigência e a aplicação de uma lei que impedia a investigação e punição de agentes estatais responsáveis por graves violações aos direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar e na Operação Condor – Ley nº 15.848 ou Ley de Caducidad de la Pretensión Punitiva del Estado de 1986. A

11

La Cantuta vs. Perú (2006); Boyce y otros vs. Barbados (2007); Heliodoro Portugal vs. Panamá (2008); Rosendo Radilla Pacheco vs. Estados Unidos Mexicanos (2009); Manuel Cepeda Vargas vs. Colombia (2010); Comunidad Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguay (2010); Fernández Ortega y Otros vs. México (2010); Rosendo Catú y Otra vs. México (2010); Ibsen Cárdenas e Ibsen Peña vs. Bolivia (2010); Vélez Loor vs. Panamá (2010); Gomes Lund y Otros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil (2010).

12

Voto razonado del Juez Ad Hoc Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot en relación con la sentencia de la Corte Interamericana de derechos Humanos en el caso Cabrera García y Montiel Flores vs. México, de 26 de noviembre de 2010. parágrafo 21.

13

Gelman Vs. Uruguay (2011); Chocrón Chocrón Vs. Venezuela (2011); López Mendoza Vs. Venezuela (2011); Fontevecchia y D’Amico Vs. Argentina (2011).

(11)

questão é que essa lei tinha sido elaborada já no regime democrático, aprovada em um referendo em 1989 e em um plebiscito em 2009, ou seja, contava com respaldo da maioria dos cidadãos.

A Corte apontou que a referida lei contrariava manifestamente a Convenção Americana. Reiterou sua jurisprudência no sentido de que são inadmissíveis dispositivos de anistias, prescrições ou excludentes de responsabilidade, carecendo de efeitos jurídicos. Inovou ao afirmar que o fato de haver unicamente um regime democrático não garante per se o respeito do Direito Internacional, apontando os limites da democracia na proteção internacional dos direitos humanos. E, no tocante ao controle de convencionalidade, traz mais um elemento novo: essa tarefa não cabe apenas ao Poder Judiciário, mas a qualquer autoridade pública. Nos termos da sentença:

La sola existencia de un régimen democrático no garantiza, per se, el permanente respeto del Derecho Internacional, incluyendo al Derecho Internacional de los Derechos Humano (…). La legitimación democrática de determinados hechos o actos en una sociedad está limitada por las normas y obligaciones internacionales de protección de los derechos humanos (…), por lo que, particularmente en casos de graves violaciones a las normas del Derecho Internacional de los Derechos, la protección de los derechos humanos constituye un límite infranqueable a la regla de mayorías, es decir, a la esfera de lo ‘susceptible de ser decidido’ por parte de las mayorías en instancias democráticas, en las cuales también debe primar un “control de convencionalidad” (…), que es función y tarea de cualquier autoridad pública y no sólo del Poder Judicial.14 (grifo nosso)

A Corte passa a entender, então, que o controle de convencionalidade não compromete tão somente o Poder Judiciário e os órgãos vinculados à administração da justiça, mas toda e qualquer autoridade pública, vinculada a diferentes poderes. A meu ver, parece que, neste ponto, a Corte introduz mais um princípio de responsabilidade internacional do Estado do que a ideia de um controle nos moldes constitucionais propriamente dita.

14

CORTE I.D.H. Caso Gelman Vs. Uruguay. Fondo y Reparaciones. Sentencia de 24 de febrero de 2011 Serie C No. 221. parágrafo 239. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/index.php/casos-contenciosos>. Acesso em: 25 out. 2013.

(12)

Vale registrar que, em todas essas sentenças, a Corte Interamericana ampara-se, basicamente, em três razões de Direito Internacional para justificar a teoria do controle de convencionalidade, a saber: a) o cumprimento, de boa fé, das obrigações internacionais contraídas pelos Estados e o efeito útil – effect utile – das obrigações internacionais; b) a impossibilidade de se invocar o direito interno como obstáculo ao cumprimento das referidas obrigações, à luz do art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados; c) princípio da responsabilidade internacional do Estado por atos e omissões cometidos por quaisquer de seus poderes ou órgãos em violação às obrigações internacionais.

Os fundamentos, escopo e a forma em que se dá o referido controle de convencionalidade não têm escapado de críticas. Argumenta-se, em primeiro lugar, que essa teoria, tal como desenvolvida pela Corte Interamericana, não encontra respaldo na Convenção Americana de Direitos Humanos – posicionamento que, a meu ver, deve ser lido com cautela. Pela própria evolução jurisprudencial da Corte, é possível, sim, interpretar esse tipo de controle à luz dos arts. 1º (1) e 2º da Convenção. O primeiro estabelece o compromisso dos Estados de respeito e garantia dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção. Esse dever implica também a obrigação geral, a cargo dos Estados Partes, de harmonizar o seu direito interno à normativa internacional de proteção, seja eliminando eventuais insuficiências em sua legislação, seja adequando os dispositivos internos com as obrigações convencionais. É o que prevê o art. 2º da Convenção Americana. O controle de convencionalidade encontra, portanto, amparo nestes dispositivos, cujo conteúdo já foi amplamente desenvolvido pela Corte.

Outro ataque feito ao entendimento da Corte diz respeito à amplitude das tarefas a cargo dos juízes e tribunais nacionais, que passam a ter o dever de conhecer em detalhes a jurisprudência interamericana. Segundo a Corte, para exercer esse controle, deve-se considerar a sua jurisprudência, ou seja, a interpretação que lhe for dada à Convenção e Protocolos, bem como a outros instrumentos internacionais de direitos humanos examinados pelo Tribunal em seus julgados. Tal interpretação – que, aliás, não é estanque, e sim, cambiante – incluiria não apenas as sentenças emitidas no procedimento contencioso, mas também as opiniões consultivas, as resoluções referentes às medidas provisionais, à supervisão de cumprimento de sentenças e à interpretação de sentenças, inclusive de assuntos que envolvem outros Estados Partes da

(13)

Convenção. Por isso, fala-se em “bloco de convencionalidade” como referencial para o exercício deste controle.15 A respeito deste ponto, Christina Binder chama a atenção para o fato de que o exercício desse controle amplo, no formato previsto pela Corte, pode extrapolar as competências dos juízes nacionais:

(...) Poner este conjunto de estándares de derechos humanos en las manos de los jueces nacionales y exigirles que ejerzan un control consecuente con esos estándares parece una extensión mayor de sus competencias. Además, puede plantear problemas institucionales a nivel nacional, cuando, por ejemplo, la competencia de control de los jueces nacionales, tal como está establecida en la Constitución, sólo comprende la CADH, pero no otros estándares.16

Por fim, uma terceira preocupação recorrente se refere ao exercício deste controle de convencionalidade em Estados que adotam um sistema de controle concentrado, ou seja, quando tão somente uma corte constitucional é que tem competência por zelar pela constitucionalidade de leis e atos normativos – casos como o da Costa Rica e do Uruguai. Ainda que a Corte, no caso dos Trabajadores Cesados del Congreso, tenha ressaltado que o exercício desse controle se daria de acordo com as competências e procedimentos internos do respectivo país, não parece claro se estava a se referir ao controle concentrado.

Respostas criativas parecem não faltar para solucionar essa questão. Néstor Pedro Sagüés, por exemplo, aponta 3 caminhos. Ora, se em um Estado concreto não for dada competência a seus juízes nacionais para exercer o controle (de constitucionalidade e, consequentemente, de convencionalidade): a) façamos uma reforma constitucional ou legislativa; b) reconheçamos pretorianamente que todos os juízes podem realizar dito controle de convencionalidade; ou c) desenhemos um caminho para que essas questões possam chegar ao órgão constitucional competente para operacionalizar esse controle.17 Em seu voto no caso Cabrera García y Montiel

15 Voto razonado del Juez Ad Hoc Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot en relación con la sentencia de la Corte Interamericana de derechos Humanos en el caso Cabrera García y Montiel Flores vs. México, de 26 de noviembre de 2010. parágrafo 50.

16

BINDER, Christina. ¿Hacia una Corte Constitucional de América Latina? La Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos con un enfoque especial sobre las amnistías. IN: BOGDANDY, Armin von; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer; ANTONIAZZI, Mariela Morales (org.). La justicia constitucional y su internacionalización: ¿Hacia un ius constitucionale commune en América Latina? v. 2. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2010. Disponível em: <http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/libro.htm?l=2895>. Acesso em: 20 set. 2013. parágrafos 175-176. 17

SAGUÉS, Néstor Pedro. El “Control de Convencionalidad” como instrumento para la elaboración de un ius commune interamericano. IN: BOGDANDY, Armin von; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer;

(14)

Flores, o juiz ad hoc Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot propõe, por sua vez, uma forma de graduar a intensidade do controle: nos sistemas difusos, o grau de controle é de maior alcance, e diminuirá nos sistemas em que nem todos os juízes sejam competentes para exercer o controle de convencionalidade.18 Bem, sem que seja meu objetivo discutir essas alternativas, fato é que ainda não se tem definido como se deve realizar o controle de convencionalidade em um sistema de controle de normas centralizado.

Do exposto, fica claro que será necessário aguardar alguns “capítulos” na evolução da jurisprudência da Corte Interamericana para se aferir o êxito da doutrina de controle de convencionalidade por parte de juízes e tribunais nacionais. Tal sucesso dependerá, por um lado, da interpretação dada pela Corte e do conteúdo de suas sentenças, e, por outro lado, da postura, vontade ou “atitude” – na falta de melhores expressões – dos juízes, salas, cortes e tribunais constitucionais dos países da região. Por essa razão, é necessário entender como se dá a relação entre o ordenamento jurídico interno e internacional, conforme será abordado na sequência.

3. A INTERAÇÃO ENTRE O DIREITO INTERNO E O DIREITO INTERNACIONAL

Falar em controle de convencionalidade é, de certa forma, tratar tanto da constitucionalização do direito internacional quanto da internacionalização do direito constitucional. Por um lado, significa abrir conceitos de Direito Constitucional – como é a noção de controle de constitucionalidade – para a seara internacional. E, por outro lado, é também trasladar garantias convencionais, previstas nos tratados internacionais, para o campo constitucional da tutela e salvaguarda de direitos humanos, influenciando, inclusive, a prática das cortes nacionais.

ANTONIAZZI, Mariela Morales (org.). La justicia constitucional y su internacionalización: ¿Hacia un ius constitucionale commune en América Latina? v. 2. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2010. Disponível em: <http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/libro.htm?l=2895>. Acesso em: 20 set. 2013. p. 454-455.

18

Voto razonado del Juez Ad Hoc Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot en relación con la sentencia de la Corte Interamericana de derechos Humanos en el caso Cabrera García y Montiel Flores vs. México, de 26 de noviembre de 2010. parágrafos 35-37.

(15)

Falar em controle de convencionalidade também significa navegar pela relação entre direito interno e internacional, tocando em questões de soberania, cumprimento – e o lugar – das obrigações convencionais assumidas, respeito e garantia de normas internacionais. O controle de convencionalidade, tal como entendido pela Corte, ancora-se nesta interação entre os dois ordenamentos jurídicos, interno e internacional, inclusive quando se trata da forma com que tratados internacionais são incorporados internamente.

Como se sabe, esse debate da relação direito interno versus internacional tem sido tradicionalmente apresentado como uma colisão entre dualismo e monismo. Em linhas bem gerais, para a tradição dualista, os dois sistemas são distintos e independentes. A escola monista, por sua vez, defende que o direito internacional e o direito interno formam um único sistema normativo: para uma das correntes monistas, defendida por Kelsen, haveria uma prevalência das normas internacionais; uma segunda corrente, sustentada por Triepel, enxergava a predominância do direito interno, dando especial ênfase à soberania dos Estados. Armin von Bogdangy, ao propor outra base conceitual, diferente do binômio monismo e dualismo, bem destaca como esses conceitos se encaixaram historicamente no seu tempo e que, agora, vive-se outro momento:

La relación entre las normas del derecho internacional y las de los ordenamientos jurídicos internos aún es entendida en función de conceptos desarrollados hace cien años: el monismo y el dualismo. Estos conceptos representan, quizás, uno de los logros más destacados de una época en la que la doctrina jurídica dedicó grandes esfuerzos a la consecución de una ciencia autónoma (…). Y si se compara la situación actual con la de cien años atrás, se observa que casi todos sus elementos constitutivos han cambiado: la evolución del Estado-nación en el marco del proceso de globalización, el espectacular desarrollo del derecho internacional y, sobre todo, la introducción de disposiciones constitucionales específicas relativas al papel del derecho internacional e los ordenamientos jurídicos nacionales. 19

Ainda há alguns que insistem nesta divisão e continuam a batalhar por um dos lados desta balança. Sagüés, por exemplo, com o propósito de destacar a

19

BOGDANDY, Armin von. Configurar la relación entre el derecho constitucional y el Derecho Internacional Público. IN: BOGDANDY, Armin von; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer; ANTONIAZZI, Mariela Morales (org.). La justicia constitucional y su internacionalización: ¿Hacia un ius constitucionale commune en América Latina? v. 2. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2010. Disponível em: <http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/libro.htm?l=2895>. Acesso em: 20 set. 2013. p. 563.

(16)

importância do controle de convencionalidade, chega a afirmar, “agrade ou não esta conclusão”, que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos assume uma condição de supraconstitucionalidade. Enxerga que o Pacto de San José predomina sobre as Constituições por partir da premissa de que o bem comum regional se erige como valor superior ao bem comum nacional – posição que é tida como polêmica pelo próprio autor.20

Fato é que essa dicotomia entre monistas e dualistas, por diversas razões, já perdeu espaço doutrinário e relevância prática, surgindo outras concepções sobre o tema. Não pretendo expor todas as abordagens que tentam explicar essa interação entre o plano interno e internacional, mas tão somente chamar a atenção para um aspecto que aparece presente como ideias-chave nestas perspectivas: uma aproximação entre cortes, na forma de diálogo, em um contexto de pluralismo jurídico.

Por vezes, essa aproximação se dá na forma de diálogo entre tribunais, como defende o transconstitucionalismo. Marcelo Neves construiu esse modelo baseando-se em uma relação complementar entre as diversas ordens jurídicas. No seu entender, soluções a problemas de natureza constitucional são construídas com base no diálogo e entrelaçamento entre ordens de tipo diferente (locais, regionais, internacionais, supranacionais).21 Talvez seja mais difícil falar em “diálogo” quando se está diante de ordens tão desiguais, marcadas por uma diferenciação de poder, mas esse ainda é, em todo caso, o eixo central da proposta transconstitucionalista.

André de Carvalho Ramos parece trilhar caminho semelhante ao defender o diálogo das cortes e uma fertilização cruzada entre o direito interno e o direito internacional, o que resolveria um eventual conflito aparente de normas. Nos casos em que não for possível esse “diálogo das cortes”, propõe uma teoria do duplo controle: o de constitucionalidade (Supremo Tribunal Federal e juízes nacionais) e de convencionalidade (Corte Interamericana, por exemplo). Qualquer ato interno teria que passar pelo crivo de ambos controles. Se barrada em um dos controles, a norma em questão não deveria ser aplicada. “Essa teoria do duplo controle permite a convivência

20

SAGUÉS, Néstor Pedro. El “Control de Convencionalidad” como instrumento para la elaboración de un ius commune interamericano. IN: BOGDANDY, Armin von; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer; ANTONIAZZI, Mariela Morales (org.). La justicia constitucional y su internacionalización: ¿Hacia un ius constitucionale commune en América Latina? v. 2. México. p. 457.

21

(17)

entre as ordens normativas justapostas na defesa de direitos humanos”, entende o autor.22

O ex-juiz e ex-presidente da Corte Interamericana, atual membro da Corte Internacional de Justiça, Antonio Augusto Cançado Trindade, há muito defende a interação, coordenação e coexistência entre distintos sistemas jurídicos, sempre no sentido de beneficiar e fortalecer a proteção dos seres humanos. O que deve prevalecer, afirma, é “a norma mais favorável às vítimas, que melhor as proteja, seja ela norma de direito internacional ou de direito interno”.23 O atual presidente da Corte Interamericana, juiz Diego García-Sayán, ao tratar do impacto da jurisprudência interamericana nos tribunais da região, refere-se também a uma “viva interação”.24 Diálogo jurisprudencial é, inclusive, uma iniciativa da Corte, do Instituto Interamericano de Direitos Humanos e da Universidade Nacional do México, com análise de diversas sentenças nacionais que aplicam a jurisprudência da Corte Interamericana.

Nota-se, assim, que diálogo e seus homólogos (aproximação, complementaridade, fertilização, interação, cooperação) parecem ser a “nova” roupagem assumida nesta relação direito interno versus internacional - ainda que não haja nada de novo nesta forma de caracterizar esse fenômeno.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tendência da constitucionalização do Direito Internacional, hoje palavra de ordem na literatura jurídica especializada, já alcançou regimes específicos, setoriais, como o sistema interamericano de direitos humanos, em especial a Convenção e a Corte Interamericana. Tal processo deixa em evidência algumas perguntas, lançadas

22

RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 375.

23

CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. 2ª ed. Vol. I. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003. p. 542.

24

GARCÍA-SAYÁN, Diego. Una viva interación: Corte Interamericana y tribunales internos. IN: CORTE I.D.H. La Corte Interamericana de Derechos Humanos - Un Cuarto de Siglo: 1979-2004. San José, Costa Rica: Corte I.D.H., 2005. p. 325.

(18)

no começo deste artigo, que ainda são mal ou não respondidas: de que vale essa obsessão por uma linguagem de constitucionalização?

Ancorar-se ou equiparar-se a normas de direito interno em busca de uma efetividade ou eficácia parece ser a grande bandeira defendida pelo constitucionalismo. Entretanto, a meu ver, esse projeto constitucionalista deve ser visto com parcimônia. Não se pode, de forma tão simplificada, medir a efetividade do Direito Internacional com base em parâmetros do direito estatal moderno. Será que as obrigações previstas na Convenção Americana serão, de fato, cumpridas internamente ao se exigir de todos os órgãos judiciais internos, aplicadores da lei, que exerçam um controle da Convenção, tal como ditada pela Corte? É essa a estratégia a seguir para se ter mais eficácia?

A tão falada efetividade do Direito Internacional pode surgir das formas mais improváveis. Não se pode fechar os olhos a uma série de interferências existentes, inclusive nos campos social, econômico e cultural. A Corte Interamericana, por exemplo, consolidou e passou a reforçar o seu entendimento sobre a necessidade de um controle de convencionalidade em 2006. É curioso notar que não foi apenas a partir desta data em que as cortes nacionais passaram a incorporar a jurisprudência do Tribunal em seus julgados – esse fenômeno já se nota há muito antes. Em Cabrera García y Montiel Flores, para fundamentar essa teoria, a Corte Interamericana faz referência a julgados da década de 90, quando os tribunais nacionais já dialogavam ou incorporavam o entendimento da Corte em suas sentenças.

Então, será que criar artefatos constitucionalizados, tal como a ideia de controle de convencionalidade, é a garantia de uma efetividade? Ao parecer, não. O entusiasmo com a constitucionalização, portanto, deve ser visto de forma mais parcimoniosa. É necessário enxergar tal fenômeno, mas não desvinculado da realidade social em que direito interno e internacional se inserem.

(19)

4. BIBLIOGRAFIA

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 851, nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7547>. Acesso em: 29 out. 2013.

BINDER, Christina. ¿Hacia una Corte Constitucional de América Latina? La Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos con un enfoque especial sobre las amnistías. IN: BOGDANDY, Armin von; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer; ANTONIAZZI, Mariela Morales (org.). La justicia constitucional y su internacionalización: ¿Hacia un ius constitucionale commune en América Latina? v. 2. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2010. Disponível em: <http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/libro.htm?l=2895>. Acesso em: 20 set. 2013.

BOGDANDY, Armin von. Configurar la relación entre el derecho constitucional y el Derecho Internacional Público. IN: BOGDANDY, Armin von; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer; ANTONIAZZI, Mariela Morales (org). La justicia constitucional y su internacionalización: ¿Hacia un ius constitucionale commune en América Latina? v. 2. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2010. Disponível em: <http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/libro.htm?l=2895>. Acesso em: 20 set. 2013.

CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. 2ª ed. Vol. I. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003. p. 506-563.

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Trabajadores Cesados del Congreso (Aguado Alfaro y otros) Vs. Perú. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24 de noviembre de 2006. Serie C No. 158. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/index.php/casos-contenciosos>. Acesso em: 25 out. 2013.

________. Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 26 de septiembre de 2006. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/index.php/casos-contenciosos>. Acesso em: 25 out. 2013.

________. Caso Cabrera García y Montiel Flores Vs. México. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 26 de noviembre de 2010. Serie C No. 220. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/index.php/casos-contenciosos>. Acesso em: 25 out. 2013.

________. Caso Gelman Vs. Uruguay. Fondo y Reparaciones. Sentencia de 24 de

febrero de 2011 Serie C No. 221. Disponível em:

(20)

GARCÍA-SAYÁN, Diego. Una viva interación: Corte Interamericana y tribunales internos. IN: CORTE I.D.H. La Corte Interamericana de Derechos Humanos - Un Cuarto de Siglo: 1979-2004. San José, Costa Rica: Corte I.D.H., 2005. p. 325-384.

HITTERS, Juan Carlos. Control de constitucionalidad y control de convencionalidad. Comparación (criterios fijados por la Corte Interamericana de Derechos Humanos). Estudios Constitucionales, año 7, no. 2, p. 109-128, 2009.

KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18ª ed. São Paulo: Altas, 2005.

NIJAMN, Janne; NOLLKAEMPER, Andre. Beyond the Divide. IN: NIJAMN, Janne; NOLLKAEMPER, Andre (ed.). New Perspectives on the Divide between National and International Law. Oxford: Oxford University Press, 2007. p. 341-360.

NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 115-151.

PESANTES, Hernán Salgado. Justicia constitucional transnacional: el modelo de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. Control de Constitucionalidad Vs. Control de Convencionalidad. IN: BOGDANDY, Armin von; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer; ANTONIAZZI, Mariela Morales (org). La justicia constitucional y su internacionalización: ¿Hacia un ius constitucionale commune en América Latina? v. 2. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2010. Disponível em: <http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/libro.htm?l=2895>. Acesso em: 20 set. 2013.

PIOVESAN, Flávia. Fuerza Integradora y catalizadora del sistema interamericano de protección de los derechos humanos: desafíos para la formación de un constitucionalismo regional. IN: BOGDANDY, Armin von; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer; ANTONIAZZI, Mariela Morales (org). La justicia constitucional y su internacionalización: ¿Hacia un ius constitucionale commune en América Latina? v. 2. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2010. Disponível em: <http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/libro.htm?l=2895>. Acesso em: 20 set. 2013.

RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 221-269.

________. Processo Internacional de Direitos Humanos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 335-393.

(21)

SAGUÉS, Néstor Pedro. El “Control de Convencionalidad” como instrumento para la elaboración de un ius commune interamericano. IN: BOGDANDY, Armin von; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer; ANTONIAZZI, Mariela Morales (org). La justicia constitucional y su internacionalización: ¿Hacia un ius constitucionale commune en América Latina? v. 2. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2010. Disponível em: <http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/libro.htm?l=2895>. Acesso em: 25 set. 2013.

Referências

Documentos relacionados

Nesse contexto, o objetivo desta pesquisa foi mapear e avaliar as alterações na vulnerabilidade natural e nos atributos físicos e químicos do solo promovidas

(grifos nossos). b) Em observância ao princípio da impessoalidade, a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, vez que é

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

O valor da reputação dos pseudônimos é igual a 0,8 devido aos fal- sos positivos do mecanismo auxiliar, que acabam por fazer com que a reputação mesmo dos usuários que enviam

Neste estudo foram estipulados os seguintes objec- tivos: (a) identifi car as dimensões do desenvolvimento vocacional (convicção vocacional, cooperação vocacio- nal,

Os dados referentes aos sentimentos dos acadêmicos de enfermagem durante a realização do banho de leito, a preparação destes para a realização, a atribuição

Neste tipo de situações, os valores da propriedade cuisine da classe Restaurant deixam de ser apenas “valores” sem semântica a apresentar (possivelmente) numa caixa

Abstract— The Industrial Subgroup of the IEEE Robotics and Automation Society’s Ontologies for Robotics and Automa- tion Working Group has developed extensions to the group’s