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A primazia da Economia (Privado) sobre o Político (Público) e suas Conseqüências: O Neoliberalismo e a Crise. Resumo

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John Karley Sousa de Aquino (UECE)1

A primazia da Economia (Privado) sobre o Político (Público) e suas Conseqüências: O Neoliberalismo e a Crise

Resumo

Aristóteles na antiguidade já afirmava que o homem que consegue viver isoladamente, ou seja, fora da pólis (Sociedade) ou é uma besta ou um Deus, pois não precisa de ninguém. Já que o homem não é nenhum nem outro e sim um zoon politikon, um “animal político”, isso quer dizer que o homem não é somente enquanto indivíduo privado reservado em seu lar, no oikos, mas enquanto homem em sociedade constituído em leis, o cidadão, que é público e privado. Havia a lei privada (oikos – nomos) e a lei da pólis (pública). Para Aristóteles apenas na vida pública a vida boa poderia ser realizada, já que na economia o fim era a vida meramente vivida. O presente artigo parte de uma visão dialética e pressuposto de que é possível uma vida digna para todos e o fim do primado do privado sobre o público que acarretou no neoliberalismo. O presente artigo fará uso das obras Filosofia do Direito de Hegel, a política de Aristóteles e o Manifesto do partido Comunista de Marx assim como obras complementares.

PALAVRAS-CHAVE: Economia. Estado. Política. 1.Pólis e Oikos

Segundo Giorgio Agamben

Os gregos não possuíam um termo único para exprimir o que nós queiramos dizer com a palavra vida. Serviam-se de dois termos, semântico e morfologicamente distintos, ainda que reportáveis há um ético comum: zoe, que exprimia o simples fato de viver comum a todos os seres vivos (animais, homens ou deuses) e bíos que indicava a forma ou maneira de viver própria de um indíviduo ou de um grupo. 2

Desde a antiguidade clássica os gregos separavam a economia da política, a pólis do oikos, Aristóteles defendia que a realização da “vida boa” (bíos) somente se realizava na pólis, o oikos era o lar, o âmbito privado, era a família, que para o estagirita não se bastava para si mesma e por isso que havia o estado que é uma comunidade mais ampla, cuja a finalidade (seu telos) seria garantir a satisfação das necessidades vitais e fazer com que o homem, que na polis é cidadão, atinja em fim a felicidade, que é uma vida digna de ser vivida.

Na modernidade sempre houve segundo o filósofo Robert Kurtz o embate entre esses dois princípios, o mercado e o estado, a economia e a política. As alternativas sempre foram procuradas ou no mecado (pelo homo economicus) ou no estado (pelo homo políticus), na contemporaneidade essa luta se deu entre os dois modos de vida, ou o capitalismo ou o socialismo, mas a partir de 1989 houve a queda do modelo estatal soviético e ausência de oposição e alternativa a supremacia do mercado.

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Graduando em Filosofia da Universidade Estadual do Ceará – UECE – Centro de humanidades. Professor Doutorando. Alberto Dias Gadanha.

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1.2.Pólis e Oikos na Antiguidade

Aristóteles na antiguidade definiu que o homem possuía dois modos de vida o privado e o público. O homem privado era o homem em sua família (no oikos), na vida privada o homem estava em sua relação homem-mulher, as relações pais e filhos, a relação senhor e escravo e a arte de obter as coisas necessárias, os meio, em partícula a riqueza. O homem público era o cidadão, o cidadão na polis, mas para ser cidadão na polis não bastava habitar o território pertencente a polis segundo Giovanne Reale

não basta habitar no território da cidade, nem gozar do direito de empreender uma ação judiciária e, também não basta ser descendente de cidadãos. Para ser cidadão, impõe-se a ‘a participação nos tribunais ou nas magistraturas’, isto é, tomar parte na administração da justiça e fazer parte da assembléia que legisla e governa a cidade. 3

O cidadão é aquele que participa das decisões políticas da polis. Assim na polis grega o cidadão só era tal se participava diretamente do governo da res pública, seja como um administrador ou como o que faz as leis. E era apenas como cidadão que a vida digna de ser vivida poderia ser satisfeita. No que se refere à economia (a crematística4), Aristóteles definia três modos de adquirir riquezas, ou de modo imediato, como a caça, a pesca e a colheita, ou no escambo que é a troca de bens e por último o modo não natural o comércio por meio do dinheiro, que recorre a todos as artimanhas para aumentar sem limites a riqueza, essa terceira forma de crematística é condenada por Aristóeteles, pois ela tem um fim em si mesma e não o real motivo da economia que é satisfazer como meio as reais necessidades, segundo Aristóteles

A alguns parece que esta seja a tarefa da economia (aumentar continuamente as riquezas), e continuam a crer que esta deva salvaguardar ou aumentar ao infinito a consciência do patrimônio pecuniário. A causa dessa atitude é o fato de afadigar-se em torno às coisas que permitem viver, sem preocupar-se como viver bem, e dado que o desejo de afirmar a própria vida não tem limites, desejam meios produtivos ilimitados.5

Para Aristóteles a economia jamais pode ser hierarquicamente superior à política, assim a “simples vida natural é, excluída, no mundo clássico, da pólisproprieamante dita e resta firmemente confinada como mera vida reprodutível, ao âmbito do oikos” (AGAMBEN, 2007, pag. 10). A vida meramente vivida, a zoé está relegada ao oikos, ao nomos do oikos (oikos-nomos, economia) a vida privada, era hierarquicamente inferior a vida pública (a boa vida), assim para Aristóteles a realização da vida boa (bío) da vida livre e que vale a pena ser vivida se daria no estado, pela política. E

Quando em um trecho que deveria torna-se canônico para a tradição política do ocidente, Aristóteles define a meta da comunidade perfeita, ele o faz justamente opondo o simples fato de viver à vida politicamente qualificada. 6

1.3.Pólis e Oikos na Contemporaneidade

Com o desaparecimento da pólis ocorre uma separação distinta da antiga entre o público e o privado, essa separação trouxe (como em todo processo histórico) seus aspectos positivos e os negativos. Como ponto determinante e conquista da civilização ocidental está à questão do valor do sujeito como pessoa livre universalmente, pois na Grécia clássica (e em Roma) apenas alguns eram livre, os cidadãos livre da necessidade diária (na própria obra de Aristóteles a Metafísica o filósofo já deixava claro a separação entre liberdade, a cultura, e a necessidade, a civilização) da labuta, entregue aos escravos e

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(Reale,Giovanni. Aristoteles, história da filosofia grega e romana vol. IV, 2007, página 130).

4(Aristóteles, Política, 2005, A 8ss) 5

(Aristóteles, Política, 2005, 1257 b 38-1258 a 2)

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comerciantes em que o próprio Aristóteles deixava bem claro que era a escravidão uma instituição necessária que possibilitava o tempo ocioso necessário para a filosofia, a bela arte e a política que os cidadãos se dedicavam. Com o advento do cristianismo ocorre o reconhecimento (pelo ao menos formal) da liberdade universal. Com o cristianismo há o advento da subjetividade que não havia na antiguidade, e devido a essa subjetividade a noção de culpa, responsabilidade, moral e todas as características da subjetividade que vão se desenvolvendo até sua “realização” na sociedade civil burguesa moderna. Ora, a subjetividade que aflora como um momento da liberdade separa o cidadão do estado, a política se torna algo estranho e a democracia impraticável no contexto medieval. O sujeito separado da pólis (política, estado) se alienará da lei que para um cidadão grego era a expressão da sua vontade, quando um grego obedecia a uma lei da pólis obedecia a si mesmo. Essa separação entre o âmbito público e privado será realizada por completo na sociedade civil burguesa, em que cada cidadão-burguês procura unicamente sua satisfação particular por meio do mercado, que apenas acidentalmente (o que Hegel chama de totalidade relativa) garante as satisfações de todos, ou seja, como Hegel afirma o cidadão-burguês “são pessoa privadas, as quais têm por seu fim seu interesse próprio” (HEGEL, 2010, § 187) e que na busca por esse fim, a satisfação universal (ou seja, de todos é uma conseqüência, é um meio, no caso o Mercado). E o estado na modernidade? Bem, o estado na modernidade é um poder superior e fim imanente da sociedade civil burguesa, pois a sociedade civil burguesa entregue a si mesmo não se sustenta, e por isso há as corporações (o que chamamos hoje de sindicatos) que Hegel chama de “segunda Família” do cidadão e a administração pública, pois se faz necessário uma organização do caos da sociedade civil burguesa. O Estado não possui fins privado, ele é a lei que garante a liberdade (direitos) e responsabilidades (deveres) do cidadão (homem público, político). O estado legítimo não é monopólio de uma classe (se utilizando de um jargão marxista, já que Hegel fala em estamento), mas do cidadão e se caso o estado se torna privilégio de classe (instrumento de classe) ele não é um estado legítimo, mas uma caricatura de estado em que o cidadão como legítimo responsável pelo estado tem todo o direito de exigir seus direitos e garantir sua liberdade, pois para Hegel o direito é público e não privilégio de um estamento (classe), a lei depende do “saber e querer próprio” (HEGEL, 2010, § 228) de todos para possuir legitimidade e ser um estado de direito. Mas “se o direito é propriedade de um tal estamento, que se torna excludente (e os outros) são mantidos estranhos não apenas a respeito do mais pessoal e mais próprio, senão também a respeito do que há de substancial e racional nisso, a respeito do direito, e estão posto sob tutela, até mesmo numa modalidade de servidão a tal estamento” (HEGEL, 2010, § 228) e essa situação em que o direito “é um instrumento de classe” então não há um estado legítimo, mas uma tirania (como Hegel afirma no § 215 de que a tirania pendura as leis tão alto que ninguém consegue ver).

2.A Sociedade Civil-Burguesa

Hegel em sua filosofia do direito apresenta o conceito de sociedade civil-burguesa onde o particular é o fim e o universal o meio (§ 187), o fim é a satisfação particular das necessidades e carências do cidadão privado, necessidades tanto naturais quanto sociais, e o universal (a satisfação das necessidades e carências de todos) é o meio, é o homo economicus no mercado, cujo fim é o lucro (satisfação particular) e não o real sentido da economia (segundo Aristóteles) a de satisfazer as reais necessidades. Devido essa situação de primazia hierárquica do lucro sobre a satisfação (bem estar), Hegel afirma que “a pessoa concreta, que enquanto particular em si fim... é um princípio da sociedade civil-burguesa” (HEGEL, 2010, § 189), o privado e o particular (o econômico) é o princípio da sociedade civil-burguesa assim como seu fim, e o que vale não é o interesse do todo e do universal,

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mas o interesse próprio, o egoísmo econômico que tem como conseqüência o “espetáculo igualmente do excesso, da miséria e da corrupção física e ética comum a todos” (HEGEL, 2010, § 190), e é interessante notar que Hegel (antes de Marx) já havia percebido que a necessidade e a satisfação individual entreguem a uma universalidade caótica (o arbítrio e o bel-prazer subjetivo no mercado competitivo) leva ao excesso tanto de riqueza quanto de miséria e a corrupção ética. O indivíduo na sociedade civil-burguesa é “carecimeto subjetivo” (HEGEL, 2010, § 189) que alcança sua satisfação “por meio de coisas exteriores (a propriedade) ou mediante a atividade do trabalho, enquanto que realiza a mediação entre ambas as partes” (HEGEL, 2010, § 189), no trabalho na sociedade civil-burguesa o fim é o particular, mas o meio é a universalidade (relação recíproca para a satisfação das necessidades e carências), para Hegel o sistema de carecimento e sua satisfação que gera a universalidade é o objeto de estudo da economia, que segundo Hegel é “uma das ciências que surgiram na época moderna” (HEGEL, 2010, § 189), para Hegel os pais dessa ciência são Adam Smith, Jean Baptist Say e David Ricardo. A sociedade Civil Burguesa é o lugar do livre comércio em que

Todo homem, desde que não viole as leis da justiça, fica perfeitamente livre de procurar atender a seus interesses, da forma que desejar, e colocar tanto sua indústria como capital em concorrência com outros homens ou ordem de homens. 7

A sociedade civil Burguesa enquanto local privilegiado do privado e particular e do livre comércio (totalidade relativa) se pauta nas carências e necessidades e sua satisfação no trabalho e no patrimônio. Com essa declaração e os esclarecimentos sobre o oikos e pólis na introdução não é absurdo afirmar categoricamente que na sociedade civil-burguesa é onde prevalece o oikos e onde o imperativo categórico burguês é o lucro (satisfação particular) é o valor predominante.

Hegel expõe as Carências e satisfação, trabalho e patrimônio na sociedade civil burguesa, e elas são a apresentação da economia enquanto oikos-nomos, no sentido clássico dito por Aristóteles, é o Âmbito privado que assim desenvolve-se, o indivíduo possui necessidades e para satisfazê-la, precisa de dinheiro que é adquirido por meio do trabalho que é o que gera riquezas que garante o consumo (satisfação das necessidades e carências) e esse ciclo trabalho, riqueza e consumo não é uma decisão autônoma e livre baseada em parâmetros racionais, mas uma necessidade para garantir a própria Existência biológica (zoe) o que faz do cidadão um mero trabalhador-consumidor que prioridade sobre o cidadão político (o público) com direitos e deveres capaz de intervir no espaço público assim com nas políticas públicas que lhe possibilitam uma vida digna de ser vivida (bíos) pois está preso ao particular, a mera satisfação subjetiva de suas necessiades básicas e surpléfuas impostas pelo mercado, é a clara primazia do oikos sobre a pólis.

3.O Estado Constitucional Efetivo

A Sociedade civil burguesa como oikos foi apresentada em seus princípios mais gerais, a antítese do oikos como bem disse Aristóteles é a pólis, o público que tem como fim o particular, mas o universal. A pólis que na contemporaneidade se tornou o Estado constitucional será apresentado agora em sua efetividade. O Estado apresentado será o Estado que Hegel apresenta em sua Filosofia do Direito, e não o estado estabelecido em que o que prevalece não é o universal, mas os desígnios de uma classe que parasitalemente

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se apodera da lei impedindo a efetividade da mesma, o estado burguês, que na filosofia de Hegel não é um estado verdadeiro, mas um falso estado, o que ele chama de Mal-Estado, porque ele não é o que ele verdadeiramente é. Para Hegel a liberdade concreta somente é possível por meio de instituições e da garantia da lei que suprime a liberdade abstrata (eu faço tudo o que quero) por essa liberdade, que segundo Hegel é a real, a liberdade enquanto direito e com um conseqüente dever (responsabilidade). Para Hegel a lei e as determinações éticas em um primeiro momento aparecem como limitação da minha liberdade, mas, no entanto eles são “enquanto delimitação contra a subjetividade indeterminada ou contra a liberdade abstrata e contra os impulsos da vontade ou da vontade que determina a partir de seu arbítrio seu bem indeterminado” (HEGEL, 2010, § 149), na verdade o que a lei delimita não é a liberdade, mas a licenciosidade*, pois com a Ausência da lei (do estado) todos estariam entregues ao arbítrio do outro sem nenhuma limitação, e aconteceria que o critério de certo e errado, justo ou injusto, cairia na convicção de cada um e Hegel aponta a Incoerência do relativismo da convicção, ao lembrar que a convicção é unicamente sem pretensão de universalidade, e o que para mim se é bom, para os outros pode ser mal e que eles também podem me castigar e violar de acordo com suas convicções, e posso ser julgado apenas por opiniões convictas que me imporão seu arbítrio e violência como o bom, mesmo que seja somente em sua convicção, afirma Hegel “de resto para falar ainda uma observação, segundo esse princípio da convicção,resulta a conseqüência, para o modo de ação dos outros perante meu agir, de que eles estão em pleno direito segundo sua convicção, considerar minhas ações como crimes – uma conseqüência na qual eu não apenas nada conservo de vantagem - porém estou apenas rebaixado, do ponto de vista da liberdade e da honra, na relação de não-liberdade e desonra, a saber, experimentar na justiça, que é em si algo também meu, apenas uma convicção subjetiva e estranha e opinar, que em sua execução sou apenas tratado por uma violência externa” (HEGEL, 2010, § 140), ou seja, a partir do ponto de vista de um relativismo moral na ausência da lei, eu tanto sou um perigo ao outro ao tentar impor minha opinião arbitrária, como sou vítima em potencial da violência arbitrária da opinião alheia. Sem lei o indivíduo está entregue a uma decisão arbitrária de outro sem apelação, assim os piores crimes podem ser cometidos em nome da liberdade como minha liberdade de matar impunemente, minha liberdade a ser intolerante a minorias éticas e sexuais ou religiosas, etc. por isso para Hegel o Estado (assim como para Aristóteles) é essa necessidade e que se garante a liberdade efetiva, a cidadania, o sujeito livre é o cidadão. Segundo Hegel o cidadão com direitos e deveres, e a presença de um com a ausência de outro é uma anomalia contrária à cidadania, direito sem deveres são privilégios, assim como deveres sem direitos é uma injustiça, a lei ela é válida para todos, no estado “todos são idênticos” e o homem “vale assim porque ele é judeu, católico, protestante, alemão, italiano, etc” (HEGEL, 2010, § 209), mas há alguns pressupostos para a legitimidade desta lei, há a diferença entre a mera legalidade e a legitimidade o que é fundamental na distinção de um estado legítimo e verdadeiro ou de um estado deturpado.

3.1.a lei (legalidade e legitimidade)

Está claro que estado e cidadania são indissociáveis, a lei que garante a liberdade efetiva do cidadão não é qualquer a lei, mas uma lei legítima, e Hegel apresenta os critérios para a distinção entre a mera legalidade e a legitimidade. A primeira é que e a lei é válida *Essa distinção entre Liberdade e Licenciosidade é como em Locke no 2° tratado Sobre o Governo Civil, segundo Locke “liberdade não é para qualquer um fazer o que lhe apraz, viver como lhe convém, sem se ver refreado por leis qualquer”, para ele isso é licenciosidade e se desvia reta razão. Liberdade em Locke é liberdade Civil (pós-contrato social) em que “a liberdade de homem de governo importa ter regra permanente pelo qual viva comum a todos os membros dessa sociedade e feita pelo poder legislativo nela erigido: liberdade de seguir minha própria vontade em tudo quanto a regra não prescreve, não ficando sujeito a vontade inconstante, incerta e arbitrária de qualquer homem.” (LOCKE, 1999, §22)

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para todos e que ela não se deve bastar como hábito (a lei não-escrita), pois isso causa confusão aos legisladores dando uma espécie de arbitrariedade com a lei, e essa parte é determinante, exige do cidadão o conhecimento da lei “a necessidade de que as leis sejam tornadas conhecidas universalmente” (HEGEL, 2010, § 215), segundo Hegel, o indivíduo apenas pode ser responsável (responsável juridicamente) se conhece a lei, e não é apenas ‘ver’ a lei, mas ter consciência de si como pessoa jurídica. Para Hegel a tirania esconde as leis e as manipula ao bel-prazer (o caso da Alemanha Nazista onde a Constituição foi suspensa, na URSS em que a constituição era alterada constantemente e da Itália de Berlusconi em que o judiciário comprado altera as leis em benefício dele, Berlusconi). Um povo que não possui acesso a lei (constituição) não pode ser responsabilizado juridicamente e o governo é ilegítimo (ilícito). Outra garantia de legitimidade da lei é a “publicidade do direito”, para Hegel o direito é público e não privilégio de uma classe, a lei depende do saber e querer próprio de todos para possuir legitimidade e haver então um Estado de Direito. Mas se o

Direito é propriedade de um estamento que se torna excludente... (os outros) são mantidos estranhos não apenas a respeito do mais pessoal e mais próprio, senão também a respeito do que há de substancial e racional nisso, a respeito do direito e estão sob tutela, até numa modalidade de servidão a tal estamento. 8

E essa situação em que o direito é um instrumento de classe (parafraseando Marx) então não há um estado legítimo, mas uma tirania. Alei é do cidadão, para o cidadão e pelo cidadão, somente enquanto político o homem intervem no estado e garante a legitimidade do mesmo, somente na pólis pode se organizar a bíos (vida boa), pois ali o que prevalece é o interesse de todos em assembléia. O Estado é de todos, assim como alei, mas para tanto é preciso a intervenção pública para garantir que o estado garanta a cidadania sem a qual a vida se torna um misto de violência e cada um por si, na pólis, o que prevalece é o lema dos mosqueteiros de “um por todos, todos por um”. O Estado está ali para garantir que todos tenham direitos invioláveis e não seja prejudicado em sua liberdade e nem prejudicar outro.

Ma com certeza a com a vivência cotidiana do estado como uma figura com o monopólio da força e apenas como um instrumento de manutenção de privilégios, pode-se ficar tentado a zombar dessa valorização do Estado e da lei, e de que o melhor seria o fim desse ‘monstro’, mas e aí que está o problema, o Estado não faz nada mesmo, ele no status quo não é verdadeiro, o problema não é a lei, mas a não efetivação da lei, a impunidade, assim como a manutenção da lei como instrumento legal de dominação, porque que o Estado tão louvado por Hegel como “efetivação da idéia ética” (HEGEL, 2010, § 257) e de que é no Estado “que a liberdade chega ao seu direito supremo” (HEGEL, 2010, § 258) se torna o contrário dele mesmo, como o universal em si e para si se torna o terrível Leviatã? A resposta está na sociedade civil burguesa. O Estado é o universal e não o particular, mas na contemporaneidade a burguesia (a sociedade civil burguesa), o oikos, se tornou uma parasita no Estado, e segundo Marcuse “este representa o estágio mesmo do desenvolvimento social que Hegel pretendia evitar, ou seja, o domínio totalitário dos interesses particulares sobre o todo” (MARCUSE, 1978, pag. 200). Como o fim da economia é a satisfação particular e não a universal, o bem estar geral, o Estado sendo gerido pela sociedade civil-burguesa se torna um instrumento de classe, um estado burguês, uma parato legal (e não legítimo) de dominação, em que o estado apenas pune os que transgridem a legalidade, afastando a comunidade da administração pública e colocan-

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do como fim do estado a satisfação particular da burguesia, este é o Estado liberal burguês, um Estado ilegítimo, vítima de um parasitário, o burguês.

4.O Estado Burguês e o Neoliberalismo

Este apanhado histórico-conceitual tanto dos antecedentes históricos de economia (oikos) e a política (pólis) e sua realidade contemporânea enquanto sociedade civil-burguesa como herdeira do oikos, onde prevalece a satisfação individual, o lucro e a mera vida (zoe) e o estado constitucional como herdeiro da pólis, onde prevalece o bem público e a vida boa (bíos), assim como o sujeito da economia o trabalhador-consumidor e o sujeito da política, o cidadão. É possível apontar a real relação economia e política e predomínio da primeira (a economia) sobre a segunda (a política), não é o Estado que prevalece, mas há uma prioridade da economia sobre a política, essa decidindo acerca dos rumos públicos e a existência do cidadão rebaixada a mera existência trabalhador-consumidor, o que é visível na tamanha importância hoje dada ao “direito do consumidor” como uma defesa do cidadão, côo se o pólo público da pessoa tivesse sido suprassumido pelo privado, e isso de fato é uma realidade em que a “a sociedade civil domina o Estado” (MARCUSE, 1978, pag. 201), e como na sociedade civil-burguesa o que predomina é o burguês que são “pessoas privadas, as quais tem por seu fim seu interesse próprio” (HEGEL, 2010, § 187), o Estado em que a economia domina é o Estado burguês, em que a burguesia se tornou classe dominante, pois a

Burguesia, desde o estabelecimento da indústria moderna e do mercado mundial, conquistou finalmente a soberania política no estado representativo burguês. O governo do estado moderno é apenas um comitê para gerir os negócios comuns de toda a burguesia.9

O Estado Liberal burguês é um estado de deficiente vítima de um parasita que torna o universal (o bem estar e satisfação de todos) em um particular (o bem estar e satisfação de poucos) é uma verdadeira tirania de classe, um estado ilegítimo em que a lei se torna apenas uma prostituta que fica do lado de quem paga mais, e esse “despotismo é tanto mais mesquinho, mais odioso e mais exasperador, quanto maior é a franqueza com que proclamam ter no lucro seu objetivo e seu fim” (MARX, 2003, pag. 32). Este Estado vítima de uma praga faz da lei mera legalidade e impede a real democracia, pois as cadeiras da assembléia estão reservadas para poucos, e o mais impressionante, esse mesmo Estado consegue oferecer a todos o espetáculo inacreditável da miséria em meio a abundância. Hoje a produção é o suficiente para garantir uma vida boa para todos se caso houvesse um real planejamento por meio das instituições públicas legítimas, mas o que há é uma total desorganização da distribuição da produção do estado essa entregue a mão do mercado onde o que prevalece é o lucro, e o Estado pouco ou nada faz para impedir essa realidade irracional, o Estado liberal é um estado da austeridade e não regulamentação em que o livre-jogo de interesses particulares e arbitrários (isso chega a ser cômico) é o que garante a satisfação de todos, e o que acontece é o que vemos, ilhas de prosperidade em meio ao oceano da miséria. Um exemplo dessa irracionalidade do não-planejamento é apontado por Leo Huberman que afirma que a propriedade privada e o não-planejamento (o livre-comércio) “barra o caminho ao planejamento central quando este é do interesse dos próprios capitalistas, o que não fará para impedir a ação planificada no interesse de todo o país” (HUBERMAN, 1978, pag. 310). A decisão última sobre o que é bom ou não, melhor ou pior, justo ou injusto, não cabe a soberania do povoe do Estado, não é uma

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decisão política, mas uma decisão econômica utilitarista. A pergunta não é, é bom para todos? Mas. Vai dar lucro?

O estado neoliberal pode ser sintetizado, mas diz regras básicas do consenso de Washington, reunião feita em 1989 entre FMI, Banco Mundial e Banco Internacional de Desenvolvimento, nessas regras fica clara a primazia da economia sobre o Estado (e sua falência) e a decomposição da soberania externa e interna de um povo e seu Estado. As dez regras ao:

 Disciplina fiscal (limitação do endividamento público)

 Redução dos Gastos Públicos (limitação da intervenção do Estado, necessidade de “racionalizar” e controlar o gasto público no país).

 Reforma Tributária (Simplificação e descentralização do sistema tributário, redução do número de tributos e impostos, diminuição dos custos do investimento).

 Aumento dos Juros de mercado

 Menos regulamentação no câmbio de mercado (a troca da moeda entre os estados).  Abertura comercial (livre jogo do mercado sem intervenção Estatal-política).  Investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições.

 Privatização das estatais

 Desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas).  Direito à propriedade intelectual.

Sem nenhum planejamento ou partilha racional (e, portanto igualitária) do todo produzido, o resultado era inevitável, a crise, crises não por falta, mas por excesso. Uma ação política para a planificação do todo em que o Estado não se encontra nas mãos de poucos, mas é o legítimo palco da ação pública do cidadão e garantia da cidadania é negado pelo burguês que ver nisso um perigo a sua propriedade privada, “tomemos como exemplo a questão da erradicação das favelas. Todos estão de acordo que elas devem desaparecer. Então, porquê não desaparecem? O que se impõe no caminho dessa evidente necessidade pública? A resposta é simples: a propriedade privada, o lucro individual. Há donos de terra que ganham dinheiro com o aluguel de favelas, há outros cujas rendas baixariam se caso novas e melhores casas fossem construídas para ocupantes de favela. Por isso, a erradicação das favelas não se faz. Ou quando se faz, é de forma incompleta, hesitante. Dessa forma, o benéfico da comunidade é prejudicado pelos interesses da propriedade” (HUBERMAN, 1978, pag. 311).

No neoliberalismo não são as leis públicas legisladas soberanamente pelo povo em vista o universal que guiam à vida, mas a leis econômicas “naturais”, a lei da oferta e da procura que inevitavelmente abandona a própria sorte pequenos e grandes em um terreno competitivo e cruel em que a única lei é o lucro a qual o homem se torna “lobo do homem” em uma selvageria econômica, o capitalismos selvagem ou seu estado de emergência, o fascismo.

Referências bibliográficas

AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer, O Poder Soberano e a Vida Nua. Tradução de Henrique Burigo, Belo Horizonte/MG, Editora UFMG, 2002.

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HEGEL, G.W.F. Princípios da Filosofia do Direito. Tradução de Paulo Menezes. São Leopoldo/RS, Editora UNISINOS, 2010.

HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Tradução de Waltensier Dutra. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 14° edição, 1978.

KURTZ, Robert. Original Die Unselbständigkeit des Staates und die Grenzen der Politik in www.exit-online.org Conferência lida no Colóquio: "Capital e Estado na América Latina", Agosto de 1994, publicado na revista Indicadores Econômicos FEE, Porto Alegre, maio de 1995, tradução de Peter Neumann (que agradece a Carlos Roberto Winckler e Luiz Augusto Estrella Faria pelas sugestões quanto à terminologia e ao estilo). LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil.in:. Coleção Os Pensadores. Tradução de Anoir Aiex, São Paulo, Editora Nova Cultural, 1999.

MARCUSE, Herbert. Razão e Revolução, Hegel e o advento da teoria social. Tradução de Marília Barroso, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 4°edição, 1978.

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http://www.pstu.org.br/biblioteca/marx_engels_manifesto.pdf, 2003.

REALE, Giovanni. Aristóteles história da filosofia grega e romana vol.IV, tradução Henrique Cláudio de Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo, Edições Loyola, 2007.

Referências

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