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Prof. André de Freitas Barbosa Análise literária. Érico Veríssimo ( ) CAMINHOS CRUZADOS (1935)

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(1)

Prof. André de Freitas Barbosa Análise literária

CAMINHOS CRUZADOS

(1935)

Érico Veríssimo

(2)

O romance urbano

Caminhos Cruzados

conta uma

história coletiva

, mostrando de forma crítica a sociedade

porto-alegrense e contrastando a riqueza e a pobreza, como

é típico das grandes narrativas da

Geração de 1930

.

Vários núcleos de personagens compõem a história e,

embora se cruzem no mesmo espaço, não se conhecem. A

narrativa se assemelha à trama das populares

telenovelas

:

cada núcleo possui suas características e seu enredo.

Ao ser publicado, o livro foi considerado “comunista”,

ganhando a admiração dos seguidores desta ideologia e,

por outro lado, prejudicando a imagem do jovem autor

perante o governo Vargas. Veríssimo já se referiu ao

romance como

“um livro de protesto que marca a

inconformidade

ante

as

desigualdades,

injustiças

e

absurdos da sociedade burguesa”

.

(3)

A técnica do CONTRAPONTO

Érico Veríssimo usa a técnica do contraponto, desenvolvida pelo inglês Aldous Huxley (1894-1963) no romance Point Counter Point (“Contraponto”, de 1928). A técnica consiste em mesclar pontos de vista diferentes com a representação fragmentária das situações, sem que haja um protagonista. Os fatos se entrelaçam de tal modo que os personagens possuem vidas interligadas, porém independentes. Descrevendo tipos diferentes de personagens, o autor retrata uma cidade inteira.

Em primeiro plano, o livro narra o cotidiano de Porto Alegre em 1935, por meio dos pontos de vista de suas personagens. É por elas que o ambiente se desenha: a natureza da cidade recriada no romance é dialógica, pois abarca todas as vozes que a constituem. As realidades de vidas opostas entram em conflito quando uma se relaciona com a outra; nessa teia de relações emergem os jogos de interesses, as injustiças sociais, as falsas promessas, a aparência em detrimento da essência e as buscas individuais dentro da coletividade.

(4)

Elementos do enredo:

Os 5 dias de Caminhos Cruzados

SÁBADO

O professor Clarimundo Roxo, um erudito solteirão de 48 anos, desperta às cinco e meia da manhã. Pensa no livro que ainda escreverá. Será uma obra científica: nela pretende colocar toda a sua cultura e alguma fantasia. O protagonista escolhido é um fictício habitante da estrela Sírio; com um telescópio mágico, ele pode olhar a Terra e observar a verdade das coisas.

Às sete da manhã, quem desperta é Honorato Madeira, que logo chama a esposa, Virgínia. Ela desperta e se entrega aos pensamentos. Lembra que tem um filho de 22 anos, cujo temperamento não compreende, e um marido obeso, homem entediante que sempre faz as mesmas coisas. A lembrança lhe causa desgosto. Ele reclama da ida, à noite, a um baile do Metrópole; Honorato queria apenas ficar em casa descansando.

(5)

O filho do casal, Noel, toma café e recorda a infância, quando a negra Angélica o preparava para ir à escola, onde ele se encontrava com a menina Fernanda, sempre alegre e disposta. Noel nunca correu descalço pelas ruas. Seu mundo era o dos contos de fada. Este mundo caiu com a morte de “tia” Angélica, quando Noel tinha 15 anos. Desde então, o melhor de sua vida era a antiga amizade com Fernanda, cultivada desde a escola.

Em outro canto da cidade, Salustiano (também conhecido como Salu) acorda com o sol batendo em cheio no rosto. Dorme ao lado de uma moça, Cacilda, que encontrou na noite anterior. Pede-lhe que saia logo do prédio, sem ser vista. Às onze horas, em outro lugar, Chinita pensa em Salustiano. Hoje à noite vai encontrá-lo no baile do Metrópole. Ela está na casa do pai, o novo-rico “Coronel” José Maria Pedrosa. Decoradores trabalham sem parar no palacete. D. Maria Luísa, esposa de Pedrosa, teme pelos gastos, mas o marido quer promover uma festa de inauguração inesquecível, marcada para a terça-feira seguinte.

(6)

D. Maria Luísa conserva sempre um ar de vítima ofendida. A riqueza do marido veio com a sorte num bilhete de loteria. Ele e os filhos ficaram radiantes, mas a esposa se manteve séria, defendendo o dinheiro dos pedintes oportunistas. Rico, o marido deixou o interior e se mudou com a família para Porto Alegre.

Fernanda descansa, enquanto espera a hora de trabalhar. Pensa na vida dura que leva. A mãe, D. Eudóxia, é extremamente pessimista. A filha evita lhe dar atenção, preferindo pensar em Noel e chamar o irmão mais novo, Pedrinho, para o trabalho.

João Benévolo, vizinho de Fernanda, é um leitor fanático de “Os Três Mosqueteiros”. Gosta tanto da leitura que se deixa transportar para a Paris do século XVII, quando deixa de ser um homem fraco e insignificante e se torna ágil e ousado (pelo menos em sonhos...). Sua mulher, Laurentina, fica furiosa com a distração do marido: afinal, ele está desempregado há meses, as contas estão atrasadas e eles têm um filho pequeno, Napoleão, menino magro e sempre doente.

(7)

Da janela, João Benévolo e a esposa veem um carro luxuoso estacionar; de dentro sai D. Doralice Leitão Leiria, conhecida como D. Dodó, esposa do comerciante Teotônio Leitão Leiria, proprietário do Bazar Continental, onde Benévolo trabalhou. Ela vem visitar Maximiliano, um tuberculoso moribundo. Deixa algum dinheiro, prometendo transferi-lo para um hospital, e parte feliz, certa de que tem seu lugar garantido no céu.

Teotônio Leitão Leiria vai se encontrar com a moça dos olhos verdes, Cacilda. Teme ser reconhecido e caminha cheio de culpa, porque pensa na caridosa esposa, D. Dodó. Cacilda não aparece logo e o comerciante fica temeroso, pedindo explicações à viúva Mendonça pela demora. Cacilda chega e entrega-se a Teotônio, pensando no belo rapaz, Salustiano, que amou na noite anterior.

A volta de Leitão Leiria para casa repõe a rotina doméstica nos trilhos. A esposa aguarda o marido para o baile no Metrópole, preparado por ela em nome das “Damas Piedosas”.

(8)

No salão do Metrópole, Salustiano encontra Chinita e a convida para uma volta. O pedante Dr. Armênio espera que Vera, filha de Leitão Leiria e D. Dodó, compreenda o amor que lhe devota, mas a moça está interessada mesmo é em Chinita.

O professor Clarimundo ouve batidas na porta. É a viúva Mendonça, que vem reclamar da falta de pagamento do aluguel por Benévolo, desempregado há meses. Conta que, toda noite, um sujeito mal encarado vem visitar a esposa de Benévolo. Enquanto isso, Laurentina está diante do tal visitante mal encarado: Ponciano. Em outros tempos, este era o candidato preferido das tias de Laurentina, com quem a moça morava quando solteira. Mas João Benévolo apareceu e Ponciano se afastou. Após 10 anos, ele passou a reaparecer, todas as noites, esperando um instante de fraqueza ou revolta da mulher para lhe pedir que abandonasse o marido e o seguisse. Ponciano insiste com Laurentina para que ela aceite os 20 mil-réis que deixa sobre a mesa.

(9)

Na casa de Honorato, a esposa Virgínia desperta e toma pílulas rejuvenescedoras. Olha-se no espelho e vê a dura realidade: uma mulher de 45 anos, cabelos grisalhos, queixo duplo e princípio de rugas, tão diferente da bela jovem que ainda sente ser. O tempo havia passado e Virgínia, sempre arrogante e entediada, continuou levando a vida e envelhecendo sem emoções ao lado do marido e do filho que ela nem criara (a figura maternal de Noel era a falecida “tia” Angélica).

O palacete do Coronel Pedrosa continua sendo preparado para a inauguração. Chinita se comporta como uma estrela de Hollywood e o pai lhe paga todos os luxos. O outro filho de Pedrosa, João Manuel, nunca dorme em casa ou então só retorna pela madrugada, para dormir até o meio da tarde. Para D. Maria Luísa, a família estava se acabando. Onde iria parar tudo aquilo? O refinamento supérfluo, a mobília luxuosa e os gastos desnecessários assustam a dona da casa, que prefere não participar dos preparativos para a festa.

(10)

Análise fundamental da técnica narrativa

O capítulo inicial já evidencia a dinâmica cinematográfica, usada para criar um efeito que representa a simultaneidade das ações. O olhar panorâmico do narrador sobre a cidade é eficaz para unificar tempo, espaço e ação em um só plano:

Cinco horas da manhã. (...) Quase invisível dentro da névoa, um gato cinzento passeia sobre o telhado da casa da viúva Mendonça. Debaixo desse telhado fica o quarto do prof. Clarimundo. (...) A cabeça descansando no travesseiro de fronha grosseira, o prof. Clarimundo Roxo dorme de ventre para o ar, ronca e bufa, procurando uma sincronia impossível com o tique-taque do relógio.”

Essas imagens panorâmicas e em close-up permeiam toda a narrativa, criando um ambiente verossímil para a cidade, onde a ação de cada personagem é fundamental para o funcionamento da engrenagem urbana. É por meio desse procedimento que a técnica do contraponto consegue suporte para alternar as histórias a partir das vozes de cada personagem, para que o texto se torne coeso e harmonioso.

(11)

DOMINGO

Clarimundo

está de novo à janela, pensando em como

será seu livro sobre “o homem de Sírio”. Vê

Fernanda

e o

irmão,

Pedrinho

, sentados para o almoço. A moça avisa a

mãe que se encontrará com

Noel

.

Fernanda

pensa no

trabalho e na luta contra o fatalismo da mãe, enquanto o

sonhador

Noel

só pensa em literatura, mas sem nada fazer

para tornar real o projeto de seu romance.

Mais tarde,

Pedrinho

se encontra no quarto da bela

Cacilda

,

relutando

em

deixá-la.

O

rapaz

anda

perdidamente apaixonado por ela e lamenta o tipo de vida

que a moça leva. Sonha em lhe dar um colar muito bonito

que viu numa loja.

Cacilda

se aborrece com as constantes

visitas do rapaz, mas não tem coragem de magoá-lo.

(12)

SEGUNDA-FEIRA

Na casa de Benévolo, o filho chora de dor no estômago. O pai sonha, lendo um livro comprado com o dinheiro de Ponciano. Quando a esposa o aborrece, ele assobia o “Carnaval de Veneza”.

Na casa dos Pedrosa, o vai-e-vem é constante: todos estão envolvidos com a preparação da festa, exceto D. Maria Luísa. Vera beija Chinita loucamente, no quarto, e a moça se entrega às carícias da amiga. Depois, descem para o chá.

Noel, trancado no quarto, tenta escrever seu romance. Enquanto isso, Benévolo vai ao escritório de Leitão Leiria, tentando ser recontratado. Fernanda o recebe e fala com o patrão, que dá uma carta de recomendação ao desempregado e o encaminha a um amigo, dono de uma fábrica. Assim que Benévolo sai, Leiria telefona para a fábrica e pede desculpas por ter envolvido o amigo naquele problema, mas foi forçado; pede-lhe então para não se preocupar com o desempregado.

Virgínia, à janela, espera por um novo galanteador: Alcides, postado do outro lado da calçada, que a corteja todos os dias. A cada ruído na casa ela se assusta, deliciada pelo flerte.

(13)

TERÇA-FEIRA

Dia de festa no palacete do

Cel. Pedrosa

, que está

felicíssimo. Vem à lembrança a imagem de um amigo do

passado, um certo

Madruga

; fica imaginando a cara do

amigo, se pudesse ver todo seu sucesso.

Salu

dança

agarrado com

Chinita

. Ele diz frases insinuantes e a

convida para ir ao parque. Num canto junto à piscina, ele

derruba

Chinita

, que não resiste e se entrega.

Chove forte.

Salu

desperta, o corpo dói, a cabeça está

zonza. Logo se recorda da noite com

Chinita

e da

pergunta da moça sobre seu interesse por ela. Vai ao

telefone e, em surdina,

Chinita

marca um novo encontro.

Ela está assustada e excitada com o acontecimento da

noite anterior: teme ficar grávida e, ao mesmo tempo,

sente vontade de estar novamente com o rapaz.

(14)

Teotônio Leitão Leiria

fica enciumado com a festa dada

pelo novo-rico da cidade, o

Cel. Pedrosa

. Pensa numa

forma de derrotá-lo sem levantar suspeita. Talvez uma

carta anônima resolvesse o problema. Recorda-se, em

seguida, que o

Monsenhor Gross

lhe pedira emprego para

uma moça protegida e decide despedir

Fernanda

.

Pedrosa

está com a amante,

Nanette

, que lhe pede um

automóvel de presente, enquanto, sete andares acima, a

filha,

Chinita

, encontra-se novamente com

Salu

.

Virgínia

,

desgostosa com a vida de casada, espera na janela por

Alcides

, mas ele não aparece.

D. Maria Luísa

recebe a tal

carta anônima, dizendo que o marido tem uma amante.

Amargurada, ela analisa a situação de sua família: o filho

vive entre prostitutas e bebedeiras, a filha parece ter

perdido o respeito e, agora, o marido tem uma amante!

(15)

QUARTA-FEIRA

Às 6 da manhã, Clarimundo lê Einstein, enquanto Maximiliano, o vizinho tuberculoso, morre sob os olhos da família. Chinita só pensa em Salu e João Benévolo vaga pela rua, sentindo fome e chegando a cair de fraqueza.

Laurentina chorou o dia inteiro, esperando pelo marido. Os vizinhos dão o que comer a ela e ao filho. Ponciano já está ali sentado, dizendo que nada aconteceu a Benévolo: o marido é que não prestava mesmo... Por que Laurentina não viria morar com ele, Ponciano? O pretendente continua insistindo e mostra a carteira cheia de dinheiro, afirmando que tudo seria dela. Podia esperar mais um pouco: afinal, diz Ponciano, já havia esperado por ela durante dez anos...

Virgínia está à janela, mas descobre que Alcides nunca mais aparecerá: apanhando o jornal, ela, em choque, fica sabendo que o rapaz fora morto por um marido enciumado.

(16)

Noel finalmente consegue fazer Fernanda entender que está apaixonado por ela. Não soube dizer tudo claramente, mas a moça adivinhou o sentimento do amigo. D. Dodó comemora feliz seu aniversário; a filha Vera, indiferente à mãe, não consegue tirar Chinita do pensamento. Telefona para a casa da amiga; D. Maria Luísa lhe diz que a filha saíra fazia 2 horas justamente para visitá-la.

Clarimundo volta para casa, depois de dar aulas, e resolve aproveitar o silêncio da noite para começar a redigir seu livro sobre “o homem de Sírio”. Na introdução, escreve que, após observar de sua janela a vizinhança, resolveu escrever sobre um observador que, colocado num ângulo especial, certamente teria uma visão diferente do mundo. Termina dizendo: “Pois eu te vou contar, leitor amigo, o que meu observador de Sírio viu na Terra”. De repente, Clarimundo se lembra da chaleira fervendo e se levanta para terminar o café.

(17)

A discussão por trás da vida corriqueira da

Porto Alegre de 1935 é mais profunda do que a

denúncia das condições de vida dos pobres ou

da

hipocrisia

burguesa.

O

contraponto

possibilita o rompimento com a escrita linear

.

Considerações críticas

Já que falamos em

contraponto

(conceito

musical associado à

polifonia

– multiplicidade

de vozes), reconhecemos 4 personagens do

romance como

linhas melódicas paralelas

.

Todas

têm

na

literatura

seu

elemento

motivador, seja como profissão, seja como

forma de atuação social:

(18)

1. Prof. Clarimundo Roxo – idealizador de um romance que é concebido dentro de Caminhos Cruzados. É o grande observador, o escritor na “torre de marfim” (posta-se à janela do apartamento e observa a vizinhança; é personagem de seu próprio romance: “o homem de Sírio” é seu alter ego);

2. Noel Madeira – escritor vacilante, que sai da literatura como alienação rumo à consciência, conduzido pelo bom senso de Fernanda. Também inicia uma narrativa dentro de Caminhos Cruzados e está em constante conflito;

3. Fernanda – assume duas perspectivas: a) vê a literatura como ferramenta de intervenção social; b) como leitora crítica, apresenta a Noel a história do vizinho João Benévolo, que serve de tema para a elaboração do romance que o rapaz tanto deseja;

4. João Benévolo – também assume duas perspectivas: é o inspirador do romance de Noel e, ao mesmo tempo, o sonhador que deseja viver o que lê nos livros, como Dom Quixote (Benévolo encarna, portanto, a literatura como fantasia).

(19)

Prof. André de Freitas Barbosa

Análise literária

Poemas Negros

(1947)

Jorge de Lima

(1893-1953)

(20)

Poemas Negros

(1947) reúne 39 poemas em sua edição

original (entre eles, 3 escritos em prosa), sendo 24 até

então inéditos e 15 publicados em outras coletâneas. Em

geral, os textos apresentam uma espécie de

história do

negro no Brasil, em especial no contexto nordestino dos

antigos “banguês” (engenhos de cana-de-açúcar).

Os poemas têm em comum a valorização de

aspectos

da

cultura

afro-brasileira

(em

especial

as

práticas

religiosas) e da

sensualidade feminina. Em muitos poemas

o negro é visto por um prisma exótico. Além disso, o

sincretismo religioso se revela através de

crenças

e

hábitos

numa atmosfera marcada pela

fala popular

afro-brasileira

(um aspecto muito familiar ao Modernismo).

Tematicamente, temos um acréscimo da inclusão da

identidade do negro como parte do espaço regional, visto

como um lugar de conflito.

(21)

Em

Poemas Negros

, no entanto, Jorge de Lima

supera o registro puramente pitoresco e folclórico,

assimilando elementos da cultura afro-nordestina e

demonstrando a universalidade da poesia perante

quaisquer limitações raciais. O poeta propõe a

reflexão

sobre

a

importância

africana

na

composição de um “ser” brasileiro:

Na poesia de

Jorge de Lima

(1893-1953), já no

contexto do Modernismo, percebe-se a ideologia da

casa grande, ainda que a linguagem dos

Poemas

Negros

seja

farta

de

africanismos

e

outras

concessões à expressão popular.

(22)

Olá! Negro

Os netos de teus mulatos e de teus cafuzos e a quarta e a quinta gerações de teu sangue sofredor tentarão apagar tua cor!

E as gerações dessas gerações quando apagarem não apagarão de suas almas, a tua alma , negro!

Pai-João, Mãe-Negra, Fulo, Zumbi,

negro-fujão, negro cativo, negro rebelde negro cabinda, negro congo, negro ioruba, negro que foste para o algodão de U.S.A

para os canaviais do Brasil,

para o tronco, para o colar de ferro, para a canga

de todos os senhores do mundo;

eu melhor compreendo agora os teus blues

nesta hora triste da raça branca, negro! Olá, Negro! Olá, Negro!

A raça que te enforca, enforca-se de tédio, negro! E és tu que a alegras ainda com os teus jazzes, com os teus sons, com os teus lundus! (...)

(23)

Negro, ó proletário sem perdão, proletário, bom, proletário bom! Blues, Jazzes, songs, lundus…

Apanhavas com vontade de cantar, choravas com vontade de sorrir

com vontade de fazer mandinga para o branco ficar bom, para o chicote doer menos,

para o dia acabar e negro dormir! (...) Olá, Negro! O dia está nascendo!

O dia está nascendo ou será a tua gargalhada que vem vindo? Olá, Negro!

Olá, Negro!

Olá, Negro! (...)

quantas vezes as carapinhas hão de embranquecer

para que os canaviais possam dar mais doçura à alma humana? Olá, Negro!

(24)

O poema se refere à sucessão de gerações de negros, desde tempos coloniais. No escravo, destaca-se a habilidade artística

que se realiza na música (blues, jazz, songs e lundus), num paradoxal extravasamento de tristeza e alegria.

Os dados objetivos enumeram o lucro material (algodão e açúcar) e a trajetória de sofrimento do negro (tronco, colar de ferro, canga).

A prática ritual (mandinga) é evocada como recurso de atenuação do sofrimento, o qual, por sua vez, renova-se diariamente. No entanto, o próprio tempo recompõe a esperança, que também desponta a cada amanhecer.

Na conclusão, o poema demonstra uma suposta vocação do negro para a alegria. A imagem poética confunde luz e som, ao identificar no brilho da manhã (dia nascendo) o contentamento do escravo (gargalhada).

(25)

A identidade da mulher segundo os Poemas Negros

A identidade da mulher é construída a partir de seu uso pelo colonizador. Nesse sentido, tal identidade pode ser lida como uma naturalização da ideia de inferioridade dos afro-brasileiros.

A negra apresenta 3 características de várias etapas da história da escravidão:

1. representação do corpo escravizado (sexo e trabalho);

2. representação do pitoresco (religião e costumes em geral);

3. consciência catastrófica (abandono social).

Tanto a visão exótica quanto a catastrófica, esta marcada por um tom pessimista, fazem parte da literatura regionalista brasileira.

O corpo feminino é ambíguo: ora é imagem sensual, ora objeto de

castigo. Em ambas as situações identifica-se um branco perverso que

explora a mulher conforme seus interesses pessoais.

Assim, a identidade da mulher está associada à dualidade da modernização, pois ela registra uma tensão entre a cultura afro-brasileira e a colonizadora, sem deixar de lado a barbárie da escravidão.

(26)

Essa Negra Fulô

Ó Fulô! Ó Fulô!

Cadê meu lenço de rendas,

Cadê meu cinto, meu broche, (...) Ah! foi você que roubou!

Ah! foi você que roubou! (...) O Sinhô foi açoitar

sozinho a negra Fulô. A negra tirou a saia e tirou o cabeção, de dentro dêle pulou nuinha a negra Fulô. Essa negra Fulô!

Essa negra Fulô! Ó Fulô! Ó Fulô!

Cadê, cadê teu Sinhô

que Nosso Senhor me mandou? Ah! Foi você que roubou,

foi você, negra fulô? Essa negra Fulô!

Ora, se deu que chegou (isso já faz muito tempo) no banguê dum meu avô uma negra bonitinha, chamada negra Fulô. Essa negra Fulô!

Essa negra Fulô! Ó Fulô! Ó Fulô!

(Era a fala da Sinhá)

— Vai forrar a minha cama pentear os meus cabelos, vem ajudar a tirar

a minha roupa, Fulô! Essa negra Fulô!

Essa negrinha Fulô! ficou logo pra mucama pra vigiar a Sinhá,

(27)

Em tom cômico, a sensualidade é descrita como a principal qualidade da mulher negra. Ideologicamente, prevalece o olhar do colonizador, pois o poema reproduz uma narrativa marcada pela malandragem e pela ausência do desconforto da mulher negra num sistema que a vê como elemento sexual exótico.

Devido à visão do senhor, as atitudes de Fulô reforçam a consciência folclórica do texto, pois ela é retratada simplesmente como uma negra que tenta conquistar a atenção da casa-grande.

Quanto à forma, o poema é composto de versos curtos, com um ritmo que novamente se aproxima da percussão.

Portanto, o poema não só descreve uma imagem folclórica, mas problematiza a forma como a mulher negra foi explorada no contexto patriarcal do Brasil. Ao representar o silêncio dessa mulher, o poema desconstrói a ideia de democracia racial e deixa visíveis os conflitos sociais existentes.

(28)

O livro contém 3 poemas em prosa, uma exceção formal às escolhas gerais do poeta. Trata-se de “O Banho das Negras”, “Pra donde que

você me leva” e este “Zefa Lavadeira” (trechos):

“Zefa Lavadeira” e outros poemas em prosa

Uma trouxa de roupa é um mundo animado de anáguas, de corpinhos, de fronhas, de lençóis e toalhas servis; em resumo: dos homens e suas preocupações. (...)

Josefa – lavadeira, porque se julga a sós, vai despindo as belezas selvagens de ninfa cafuza. (...)

Depois de lavar a roupa dos outros, Zefa lava a roupa que a cobre no momento. Depois, deixa-se corando sobre o capim. (...) Outras Zefas, outras negras vêm lavar-se no rio. Eu estou ouvindo tudo, eu estou enxergando tudo. Eu estou relembrando a minha infância. (...) As negras aparam a espuma grossa, com as mãos em concha, esmagam-na contra os seios pontudos, transportam-na com agilidade de símios, para os sovacos, para os flancos; quando a pasta branca de sabão se despenha pelas coxas, as mãos côncavas esperam a fugidia espuma nas pernas, para conduzi-la aos sexos em que a África parece dormir o sono temeroso de Cam.

(29)

Enquanto lavava a trouxa de roupa, batendo os panos contra a pedra, Zefa nem se dava conta de que o eu lírico menino estava lá, parado, com os olhos nas suas axilas, que se cobriam e se descobriam continuamente, “piscando a tentação de arrochos e rendições cheias de saciedade”.

Logo depois, o garoto da casa-grande se deslumbrava, quando Zefa Lavadeira, pensando estar só, “ia despindo as belezas selvagens de ninfa cafuza” e expondo seu corpo “só vestido do manto de pele negra com que nascera”.

Pelo que se lê, havia ainda um mundo de “outras negras”, com seus “seios pontudos” e “nádegas rijas”, as mãos passando o sabão pelo corpo, alisando os seios e fazendo a espuma escorrer pelo ventre até as coxas, de onde era suavemente transportada aos segredos dos “sexos em que a África parece dormir o sono temeroso de Cam”.

(30)

Do Livro de sonetos

Sinto-me salivado pelo Verbo,

rodeado de presenças e mensagens, de santuários falhados e de quedas, de obstáculos, de limbos e de muros. Furo as noites e vejo-te, Solstício, ou recolho-me ao âmago das coisas, renovo um sacrifício expiatório,

lavo as palavras como lavo as mãos.

Esta é a zona sem mar e sem distância, Solidão, sumidouro, barro-vivo,

barro em que reconstruo sangues e vozes. Não quero interromper-me nem findar-me. Desejo respirar-me no Teu sopro,

(31)

No soneto anterior, de clara inspiração

religiosa ou espiritual, a participação no

sopro

divino

(o

próprio

princípio

vivificador)

proporcionará

ao

poeta

a

possibilidade de escapar do nada. A união

mística é feita exatamente através da

respiração

tomada,

na

sabedoria

popular, como critério de vida. Assim

como o vento sobre a terra inerte, o sopro

respiratório é a força que levanta e anima

o corpo.

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