Ano 1 (2015), nº 5, 33-42
PORTAS PARA O DESENVOLVIMENTO
Alexandre Pontieri
⃰oi publicada no DJe nº 72 (divulgado aos
16.04.2015) decisão monocrática do
excelentís-simo ministro Celso de Mello, do egrégio
Su-premo Tribunal Federal, em Embargos de
Di-vergência no Recurso Extraordinário
202.149-RS, opostos contra acórdão que havia sido assim ementado:
“CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Extrai-se da Constituição Fe-deral, em interpretação teleológica e integrativa, a maior concretude possível.
IMUNIDADE – ‘LIVROS, JORNAIS, PERIÓDICOS E O PA-PEL DESTINADO A SUA IMPRESSÃO’ – ARTIGO 150, CISO VI, ALÍNEA ‘D’, DA CARTA DA REPÚBLICA – IN-TELIGÊNCIA. A imunidade tributária relativa a livros, jor-nais e periódicos é ampla, total, apanhando produto, maqui-nário e insumos. A referência, no preceito, a papel é exempli-ficativa e não exaustiva”.
A questão levada ao STF dizia respeito à possibilidade
da extensão da imunidade tributária do art. 150, inciso VI,
alí-nea ‘d’, da Constituição Federal de 1988, sobre as chapas de
Impressão e peças sobressalentes que determinado grupo
edito-rial havia importado da Alemanha.
O ministro Celso de Mello recebeu os embargos de
di-vergência, “para conhecer e dar provimento ao recurso
extra-ordinário interposto pela União Federal, ora embargante, em
ordem a denegar o mandado de segurança impetrado pela
empresa contribuinte ora embargada”, fundamentando sua
decisão em dois (02) precedentes do STF sobre o tema:
⃰
Advogado; Pós-Graduado em Direito Tributário pelo CPPG – Centro de Pesquisas e Pós-Graduação da UniFMU, em São Paulo; Pós- Graduado em Direito Penal pela ESMP-SP – Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo.
“(...) I – A imunidade tributária prevista no art. 150, VI, ‘d’, da Constituição Federal não abrange os serviços de compo-sição gráfica. Precedentes.
II – O Supremo Tribunal Federal possui entendimento no sentido de que a imunidade em discussão deve ser interpreta-da restritivamente.
III – Agravo regimental improvido” (RE 631.864-AgR/MG, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI).
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁ-RIO. TRIBUTÁEXTRAORDINÁ-RIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS – ISS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 150, INC. VI, ALÍNEA D, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. EXTENSÃO AOS-SERVIÇOS DE COMPOSIÇÃO GRÁFICA: IMPOSSIBILI-DADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO” (RE 435.978-AgR/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA).
E o eminente ministro Celso de Mello explicitou em sua
decisão que “embora mantendo respeitos a divergência quanto
a essa orientação, devo ajustar-me, no entanto, em atenção ao
princípio da colegialidade, ao entendimento prevalecente nesta
Suprema Corte a propósito do litígio em exame, procedendo,
em consequência, na linha dessa diretriz jurisprudencial, ao
julgamento da presente causa”.
Porém, o que mais nos chamou a atenção de forma
po-sitiva na decisão proferida pelo eminente ministro Celso de
Mello foi sua manifestação sobre a possibilidade de
interpreta-ção extensiva da imunidade tributária prevista no art. 150, VI,
‘d’, da Constituição Federal.
Vejamos trecho da decisão dos Embargos de
Divergên-cia no Recurso Extraordinário nº 202.149-RS:
“(...) Embora vencido no julgamento do RE 203.859/SP, oca-sião em que o Supremo Tribunal Federal consagrou entendi-mento restritivo a propósito da matéria em causa, tenho sus-tentado – com fundamento em autorizada lição doutrinária (HUGO DE BRITO MACHADO, “Curso de Direito Tributá-rio”, p. 248, item n. 3.12, 20ª ed., 2002, Malheiros; ROQUE ANTONIO CARRAZZA, “Curso de Direito Constitucional Tributário”, p. 681, item n. 4.4.3, 17ª ed., 2002, Malheiros; REGINA HELENA COSTA, “Imunidades Tributárias”, p.
192, item n. 2.4.5, 2001, Malheiros, v.g.) – a possibilidade de interpretação extensiva do postulado da imunidade tributá-ria, na hipótese prevista no art. 150, VI, “d”, da Carta Políti-ca, considerando, para esse efeito, a própria teleologia da cláusula que impõe, ao Estado, essa específica limitação constitucional ao poder de tributar.
Não desconheço que o postulado da imunidade consagrado pela Constituição da República, em favor dos livros, dos jor-nais, dos periódicos e do papel destinado à sua impressão (CF, art. 150, VI, “d”), reveste-se de significativa importân-cia de ordem político-jurídica, destinada a preservar e a as-segurar o próprio exercício das liberdades de manifestação do pensamento e de informação jornalística, valores em fun-ção dos quais essa prerrogativa de índole constitucional foi conferida, instituída e assegurada.
O instituto da imunidade tributária não constitui um fim em si mesmo. Antes, representa um poderoso fator de contenção do arbítrio do Estado, na medida em que esse postulado funda-mental, ao inibir, constitucionalmente, o Poder Público no exercício de sua competência impositiva, impedindo-lhe a prática de eventuais excessos, prestigia, favorece e tutela o espaço em que florescem aquelas liberdades públicas. Considero, por isso mesmo, que o postulado da imunidade qualifica-se como instrumento de proteção constitucional vo-cacionado a preservar direitos fundamentais – como a liber-dade de informar e o direito do cidadão de ser informado -, em ordem a evitar uma situação de perigos a submissão tri-butária das empresas jornalísticas (reais destinatárias dessa especial prerrogativa de ordem jurídica), ao poder impositivo do Estado”.
Pois bem. Torçamos para que fundamentos desse jaez
sejam levados ao plenário do STF quando do julgamento do
Recurso Extraordinário 330.817-RJ, que está sob o rito da
re-percussão geral - porque se trata de matéria repetida em
inúme-ros processos, onde será julgada a interpretação da norma
cons-titucional do artigo 150, inciso VI, alínea “d”, sobre a extensão,
ou não, da imunidade tributária aos livros eletrônicos.
Por óbvio que a palavra final será dada pelo egrégio
STF, mas não há que se deixar de lembrar que diversos
tribu-nais brasileiros já se posicionaram sobre o tema das
Imunida-des Tributárias das novas mídias eletrônicas. As discussões que
anteriormente envolviam os livros, jornais e periódicos
impres-sos em papel, passaram a contar também com os CD-Roms e
novas formas de mídias eletrônicas, porque, como dispõe o
artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal "a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
Assim, os tribunais não poderiam deixar de apreciar
questão tão nova e interessante em nosso ordenamento jurídico.
Entendimentos contrários à possibilidade de
Imunida-des Tributárias aos CDs são minoria, mas ainda encontraram
respaldo em alguns de nossos tribunais, como podemos
verifi-car em decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de
Goiás na Apelação Cível em Mandado de Segurança nº
55839-9/189, de 5/12/2002:
"Mandado de Segurança. Impostos. ICMS CD Rom. Imuni-dade Tributária - Inexistência. Hipótese não contemplada no artigo 150, inciso VI, alínea d da Constituição Federal. In-terpretação não extensiva. Não é qualquer papel que está imune à tributação de impostos, mas apenas aquele destinado à impressão de livros, jornais e periódicos, descabendo es-tender-se o benefício de natureza constitucional a outras hi-póteses não contempladas pela constituição, vale dizer, para abranger outros insumos como o livro "ELETRÔNICO", em forma de CD-Rom. Apelo conhecido e improvido".1
Já em posição favorável à tese das imunidades
tributá-rias aos livros eletrônicos, o Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro na Apelação Cível 1996.001.01801, tendo como
partes o Estado do Rio de Janeiro e uma Editora, proferiu a
seguinte decisão:
"Apelação Cível. Mandado de Segurança. Imunidade concer-nente ao ICMS. Inteligência do artigo 150, VI, d, da Consti-tuição Federal. Comercialização do dicionário Aurélio Ele-trônico por processamento de dados, com pertinência exclu-siva ao seu conteúdo cultural - "software". A lição de
1
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Apelação Cível em Mandado de Segurança nº 55839-9/189 de 5/12/2002.
mar Baleeiro:" Livros, jornais e periódicos transmitem aque-las idéias, informações, comentários, narrações reais ou fictí-cias sobre todos os interesses humanos, por meio de caracte-res alfabéticos ou por imagens e, ainda, por signos Braile des-tinado a cegos". A limitação ao poder de tributar encontra respaldo e inspiração no princípio "no tax on knowledges". Segurança concedida."2(Grifamos)
Os Tribunais Regionais Federais também apreciaram
questões sobre a extensão das Imunidades Tributárias aos
li-vros eletrônicos. As decisões são favoráveis, entendendo de
forma teleológica, dando efetividade aos princípios
constituci-onais da livre manifestação de pensamento, de expressão da
atividade intelectual, comunicação e de acesso à informação.
Tribunal Regional Federal da 4º Região, Processo
1998.04.01.090888-5, Relator Juiz João Pedro Gebran Neto:
"Constitucional. Tributário. Imunidade. Jornal. CD-Rom. 1 - O fato de o jornal não ser feito de papel, mas veiculado em CD-Rom, não é óbice ao reconhecimento da imunidade do ar-tigo 150, VI, d, da Constituição Federal, porquanto isto não desnatura como um dos meios de informação protegidos con-tra a tributação.
2 - Interpretação sistemática e teleológica do texto constituci-onal, segundo a qual a imunidade visa a dar efetividade aos princípios da livre manifestação de pensamento, de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunica-ção, de acesso à informação aos meios necessários para tal, o que deságua, em última análise, no direito de educação, que deve ser fomentado pelo Estado visando ao pleno desen-volvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cida-dania e sua qualificação para o trabalho, havendo liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber ( art., 5º, IV, IX, XIV, 205, 206, II, etc.).3 (Gri-famos).
E, ainda, em diversos outros julgamentos proferidos
pe-los Tribunais Regionais Federais, temos os seguintes
2
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Apelação Cível 1996.001.01801. 3
Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Processo 1998.04.01.090888-5, Relator: Juiz João Pedro Gebran Neto.
namentos favoráveis à tese das imunidades tributárias aos
cha-mados “livros eletrônicos”:
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. LI-VROS ELETRÔNICOS E ACESSÓRIOS. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA E EVOLUTIVA. POSSIBILIDADE. 1. Na hipótese dos autos, a imunidade assume a roupagem do tipo objetiva, pois atribui a benesse a determinados bens, conside-rados relevantes pelo legislador constituinte. 2. O preceito prestigia diversos valores, tais como a liberdade de comuni-cação e de manifestação do pensamento; a expressão da ati-vidade intelectual, artística e científica e o acesso e difusão da cultura e da educação. 3. Conquanto a imunidade tributá-ria constitua exceção à regra jurídica de tributação, não nos parece razoável atribuir-lhe interpretação exclusivamente lé-xica, em detrimento das demais regras de hermenêutica e do "espírito da lei" exprimido no comando constitucional. 4. Hodiernamente, o vocábulo "livro" não se restringe à con-vencional coleção de folhas de papel, cortadas, dobradas e unidas em cadernos. 5. Interpretar restritivamente o art. 150, VI, "d" da Constituição, atendo-se à mera literalidade do tex-to e olvidando-se da evolução do contextex-to social em que ela se insere, implicaria inequívoca negativa de vigência ao co-mando constitucional. 6. A melhor opção é a interpretação teleológica, buscando aferir a real finalidade da norma, de molde a conferir-lhe a máxima efetividade, privilegiando, as-sim, aqueles valores implicitamente contemplados pelo cons-tituinte. 7. Dentre as modernas técnicas de hermenêutica, também aplicáveis às normas constitucionais, destaca-se a interpretação evolutiva, segundo a qual o intérprete deve adequar a concepção da norma à realidade vivenciada. 8. Os livros são veículos de difusão de informação, cultura e edu-cação, independentemente do suporte que ostentem ou da ma-téria prima utilizada na sua confecção e, como tal, fazem jus à imunidade postulada. Precedente desta E. Corte: Turma Suplementar da Segunda Seção, ED na AC n.º 2001.61.00.020336-6, j. 11.10.2007, DJU 05.11.2007, p. 648. 9. A alegação de que a percepção do D. Juízo a quo ingressa no campo político não merece acolhida, haja vista que inter-pretar um dispositivo legal é exercício de atividade tipica-mente jurisdicional. 10. Não há que se falar, de outro lado, em aplicação de analogia para ampliar as hipóteses de
imu-nidade, mas tão-somente da adoção de regras universalmente aceitas de hermenêutica, a fim de alcançar o verdadeiro sen-tido da norma constitucional. 11. Apelação e remessa oficial improvidas.”(Apelação em Mandado de Segurança nº 216577 do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Publicado no DJF-3 de 03.11.2008 )
“CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO - IPI E II - IMUNI-DADE TRIBUTÁRIA - ART. 150, VI, "D" DA CF/88 - MA-TERIAL DIDÁTICO DESTINADO AO ENSINO DA LÍNGUA INGLESA EM FORMATO CD-ROM, CD ÁUDIO, FITAS DE VÍDEO, FITAS CASSETE - POSSIBILIDADE DE EXTEN-SÃO A imunidade, como regra de estrutura contida no texto da Constituição Federal, estabelece, de modo expresso, a in-competência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que al-cancem situações específicas e determinadas. O disposto no artigo 150, inciso VI, alínea "d", da Constituição Federal se revela aplicável, uma vez que novos mecanismos de divulga-ção e propagadivulga-ção da cultura e informadivulga-ção de multimídia, como o CD-ROM, aos denominados livros, jornais e periódi-cos eletrôniperiódi-cos. são alcançados pela imunidade. A norma que prevê a imunidade visa facilitar a difusão das informações e cultura, garantindo a liberdade de comunicação e pensamen-to, alcançando os vídeos, fitas cassetes, CD-ROM, aos deno-minados livros, jornais e periódicos eletrônicos, pois o legis-lador apresentou esta intenção na regra no dispositivo consti-tucional. Apelação provida.”(Apelação em Mandado de Se-gurança nº 307236. Publicado no DJF-3, CJ1, de 27.10.2009, página 58)
“IMUNIDADE. LIVROS. QUICKITIONARY. CF/88, ART. 150, INC. VI, ALÍNEA D. Hoje, o livro ainda é conhecido por ser impresso e ter como suporte material o papel. Rapida-mente, porém, o suporte material vem sendo substituído por componentes eletrônicos, cada vez mais sofisticados, de modo que, em breve, o papel será tão primitivo, quanto são hoje a pele de animal, a madeira e a pedra. A imunidade, assim, não se limita ao livro como objeto, mas transcende a sua materia-lidade, atingindo o próprio valor imanente ao seu conceito. A Constituição não tornou imune a impostos o livro-objeto, mas o livro-valor. E o valor do livro está justamente em ser um instrumento do saber, do ensino, da cultura, da pesquisa, da
divulgação de idéias e difusão de ideais, e meio de manifesta-ção do pensamento e da própria personalidade do ser huma-no. É por tudo isso que representa, que o livro está imune a impostos, e não porque apresenta o formato de algumas cen-tenas de folhas impressas e encadernadas. Diante disso, qualquer suporte físico, não importa a aparência que tenha, desde que revele os valores que são imanentes ao livro, é li-vro, e como lili-vro, estará imune a impostos, por força do art. 150, VI, d, da Constituição. O denominado quickitionary, embora não se apresente no formato tradicional do livro, tem conteúdo de livro e desempenha exclusivamente a função de um livro. Não há razão alguma para que seja excluído da imunidade que a Constituição reserva para o livro, pois tudo que desempenha a função de livro, afastados os preconceitos, só pode ser livro.”(Apelação em Mandado de Segurança nº 200070000023385 do Tribunal Regional Federal da 4ª Regi-ão. Publicado no DJ de 03.10.2001, página 727)