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DÉBORA MATIUZZI PACHECO SACCOL VESTÍGIOS E MUTAÇÕES: A COREOGRAFIA DE GÍCIA AMORIM

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Academic year: 2019

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DÉBORA MATIUZZI PACHECO SACCOL

VESTÍGIOS E MUTAÇÕES: A COREOGRAFIA DE GÍCIA AMORIM

Dissertação apresentada no Programa de Pós-graduação em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Teatro, na linha de pesquisa Linguagens Cênicas, Corpo e Subjetividade.

Orientadora: Prof. Drª Sandra Meyer

FLORIANÓPOLIS, SC

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P116v Saccol, Débora Matiuzzi Pacheco

Vestígios e mutações: a coreografia de Gícia Amorim / Débora Matiuzzi Pacheco Saccol. – 2014.

147 p. : il. ; 21 cm

Orientador: Sandra Meyer Bibliografia: p. 107-113

Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de

Santa Catarina, Centro de Artes, Programa de Pós-graduação em Teatro, Florianópolis, 2014.

1. Dança. 2. Coreografia. 3. Gícia Amorim I. Saccol, Débora Matiuzzi Pacheco. II. Meyer, Sandra. III. Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Teatro. IV. Título

CDD: 792 – 20.ed.

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DÉBORA MATIUZZI PACHECO SACCOL

VESTÍGIOS E MUTAÇÕES: A COREOGRAFIA DE GÍCIA AMORIM

Dissertação apresentada no Programa de Pós-graduação em Teatro da Universidade Estadual de Santa Catarina como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Teatro, na linha de pesquisa Linguagens Cênicas, Corpo e Subjetividade.

Banca Examinadora:

Orientadora: ___________________________________ Profª. Drª. Sandra Meyer Nunes

Universidade do Estado de Santa Catarina

Membro: ______________________________________ Profª. Drª. Mônica Fagundes Dantas Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Membro: ______________________________________ Profª. Drª. Jussara Janning Xavier

Universidade do Estado de Santa Catarina

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Para minha mãe e meu pai, pela cumplicidade e fé. Por terem sido todo o suporte de que precisei.

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AGRADECIMENTOS

À Gícia Amorim, pela simpatia, disponibilidade e amabilidade com que vivenciou comigo as etapas deste trabalho.

À minha orientadora Sandra Meyer, pela generosidade, serenidade, e auxílio constante para a concretização desta pesquisa, compartilhando comigo os seus conhecimentos e o seu carinho.

Ao meu irmão Davi, pelas preciosas orientações, pelo carinho e pela torcida constante.

À Anna, pela amizade eterna e por sempre me dar suporte em tudo.

À Fernanda, pela carinhosa acolhida.

Ao PPGT da UDESC, por confiar em mim e me proporcionar a oportunidade de realizar essa pesquisa.

À Secretaria do PPGT da UDESC, em especial Sandra Maria de Lima Siggelkow (in memorian), por seu atencioso

carinho e eficiência.

Aos colegas de mestrado por compartilharem reflexões, seguranças e inseguranças.

Aos professores do mestrado, pelos ensinamentos.

Ao PROMOP e CAPES, por me proporcionarem a possibilidade financeira de uma dedicação maior a esse estudo.

Ao PPGAC da UFRGS, por me aceitar como aluna, em uma parceria com a UDESC; em especial às professoras Mônica Dantas e Marta Isaacsson, além dos colegas de turma, pela troca de experiências.

Aos membros da Banca, por terem demonstrado interesse e dedicação por essa pesquisa.

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“Ser bailarino é escolher o corpo e o movimento do corpo como campo de relação com o mundo, como instrumento de saber, de pensamento e de expressão.”

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RESUMO

SACCOL, Débora Matiuzzi Pacheco. Vestígios e mutações: a coreografia de Gícia Amorim. 2014, 147p. Dissertação (Mestre em Teatro, na linha de pesquisa Linguagens Cênicas, Corpo e Subjetividade). Universidade Estadual de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Teatro. Florianópolis, 2014.

Refletir sobre composição coreográfica é a proposta deste trabalho de pesquisa intitulado: Vestígios e mutações: a coreografia de Gícia Amorim. Tendo como apoio a exposição e

análise do trabalho coreográfico da bailarina brasileira Gícia Amorim, este estudo é uma reflexão sobre os elementos que se fazem presentes na coreografia. E especialmente, sobre a forma como convivem os vestígios do que o corpo já vivenciou e as mutações ocorridas, que são capazes de fazer com que esse corpo imprima sua própria assinatura no trabalho coreográfico, apontando para uma discussão acerca da noção de autoria na obra artística. Será também enfatizada a proposta do coreógrafo Merce Cunningham pois, além de ser um dos artistas de grande relevância para o estudo da dança e especialmente da composição coreográfica, sua proposta é a principal referência no trabalho de Gícia Amorim. Nesse estudo, serão tomadas as proposições de autores como José Gil, Laurence Louppe, André Lepecki, Roger Copeland, Michel Foucault, Roland Barthes, dentre outros, para guiar a compreensão das questões aqui abordadas. Aliado à pesquisa bibliográfica, este estudo contempla a análise de duas coreografias compostas por Gícia Amorim - D (K) in MC e Desdobramentos - e a realização de

entrevistas com a artista, com relatos de seu percurso artístico e sobre questões relativas ao seu processo criativo, incluindo o período em que frequentou aulas na escola de Merce Cunningham, em Nova Iorque.

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ABSTRACT

SACCOL, Débora Matiuzzi Pacheco. Traces and mutations: the choreography of Gícia Amorim. 2014, 147p. Dissertation (MA in Theatre, in the line of research Scenic Languages, Body and Subjectivity). Universidade Estadual de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Teatro. Florianópolis, 2014.

Reflecting about choreographic composition is the purpose of this research titled: Traces and mutations : the choreography of Gícia Amorim. This study is a reflection on the elements that are present in the choreography work of the Brazilian dancer Gícia Amorim. Especially about how living traces and the mutations of the body are experienced, and how the body print your own signature in choreographic work, pointing to a discussion of the notion of authorship in artistic work . Will also emphasized the proposal of the choreographer Merce Cunningham because, besides being one of the artists of great relevance to the study of dance and especially of the choreography, your proposal is the main reference on the Gícia Amorim’s work. In this study, will be used the propositions of authors like José Gil , Laurence Louppe , André Lepecki , Roger Copeland , Michel Foucault , Roland Barthes, among others, to guide the understanding of the issues raised in this research. Combined with the literature research, this study includes the analysis of two choreographies composed by Gícia Amorim - D (K) in MC and Desdobramentos - and interviews with the artist , with reports of her artistic career and about questions relating to her creative process, including the period when she attended classes at the School of Merce Cunningham in New York.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 –  Fotografia de Gícia Amorim e Merce Cunningham,

no Studio de Merce Cunningham, em Nova

Iorque, no verão de 2000. ... 34  Figura 2 –  Fotografia de Gícia Amorim no Studio de Merce

Cunningham, em Nova Iorque, no verão de 2000. . 37  Figura 3 –  Reportagem veiculada pelo Jornal O Estado de

São Paulo, em 19 Jun. 2001. ... 50 

Figura 4 –  Fotografia de Gícia Amorim na coreografia Fluxion II, no Rumos Itaú Cultural Dança 2003. Fotografia

de: Gil Grossi. ... 54  Figura 5 –  Fotografia de Helena Katz, a partir de vídeo em

que Katz está concedendo entrevista para o evento Dance Biennale di Venezia, em 2012. ... 88 

Figura 6 –  Fotografia de Gícia Amorim na coreografia D(K) in MC, no Centro Cultural São Paulo, em 1999.

Fotografia de: Carlos Rennó. ... 89 

Figura 7 –  Fotografia da escultura de Henry Moore: Hill Arches (1972-73) bronze - Galeria Nacional da Austrália. Fotógrafo desconhecido ... 95 

Figura 8 –  Fotografia da escultura de Henry Moore:Three Forms: Vertebrae (1968-69) - Museu de Israel, Jerusalem. Fotógrafo desconhecido ... 95 

Figura 9 –  Fotografia da escultura de Henry Moore: Reclining Figure (1951), localizada no exterior do Museu

Fitzwilliam, em Cambridge. Fotógrafo

desconhecido ... 96  Figura 10 – Fotografia de Gícia Amorim na coreografia

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LISTA DE APÊNDICE E ANEXOS

APÊNDICE A – Breve percurso artístico de Gícia Amorim ... 117 

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 21

2 GÍCIA AMORIM: TRAJETÓRIAS E SABERES EM UM CORPO DANÇANTE ... 29

2.1 O DELINEAR DE UM CAMINHO ... 30

2.2 ESTUDOS EM NOVA IORQUE ... 32

2.3 BREVES NOTAS SOBRE MERCE CUNNINGHAM ... 38

2.4 PROJETO CUNNINGHAM NO BRASIL ... 45

2.5 EFERVESCÊNCIA ARTÍSTICA E COREOGRÁFICA ... 51

3 COMPOSIÇÃO COREOGRÁFICA: UM UNIVERSO DE REFLEXÕES... 59

3.1 TÉCNICA [E DISCIPLINA]: MEMÓRIA E ESQUECIMENTO DA/NA DANÇA ... 60

3.2 LIMITES DA AUTORIA NA COMPOSIÇÃO ... 70

3.3 ESPECIFICIDADES DO TRABALHO SOLO: O CRIADOR-INTÉRPRETE ... 78

4 CONSTRUÇÕES COREOGRÁFICAS ... 86

4.1 D (K) in MC ... 86

4.2 DESDOBRAMENTOS ... 92

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 102

REFERÊNCIAS ... 107

APÊNDICE ... 115

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa traz como objetivo principal apresentar reflexões que estão inseridas na temática da composição coreográfica. Pensar sobre o modo como os elementos que se fazem presentes e que delineiam o processo de construção coreográfica se entrelaçam, é procurar perceber que são inúmeros os modos de fazer utilizados pelos artistas, os quais ajudam a constituir o que vai constantemente se redefinindo no entendimento sobre a composição coreográfica.

Nesse sentido, a escolha por trazer o trabalho da bailarina, professora e coreógrafa Gícia Amorim (1969 - ) nesta pesquisa, ocorreu justamente para que se pudesse falar de uma prática a partir da qual fossem apresentadas, pensadas e debatidas diversas questões envolvidas no que se refere à composição coreográfica, a partir de uma determinada vivência na dança. Faz-se relevante, nesse momento inicial, comentar as trajetórias que conduziram o trabalho coreográfico de Gícia Amorim como foco dessa pesquisa.

Conforme já comentado, o ponto de partida deste estudo foi procurar pensar sobre a composição coreográfica, e, dentro disso, levantar algumas questões acerca do tema por meio da abordagem de alguns artistas. Ao realizar este percurso, a pesquisa inicialmente concentrava-se no coreógrafo norte-americano Merce Cunningham (Centralia, 16 de abril de 1919 – Nova Iorque, 26 de julho de 2009), pois além de sua proposta ser preenchida por inovações e questionamentos para o universo da dança, suas ideias fizeram com que vários elementos fossem refletidos e repensados, ao longo do século XX, principalmente no que diz respeito ao modo como pode se dar o processo de composição coreográfica.

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principal, que era pensar sobre questões envolvidas na composição coreográfica. Mesmo assim, a pesquisa foi iniciada.

O primeiro passo, então, foi a realização de uma entrevista com a bailarina brasileira Gícia Amorim, por ela ter estudado com o coreógrado e ser a maior divulgadora da técnica Cunningham no Brasil. Esta entrevista foi o que faltava para que o ponto principal da pesquisa fosse definido. Nesta entrevista1, Gícia não falou apenas sobre sua experiência com Cunningham, mas descreveu as percepções de seu próprio trabalho coreográfico, as suas vivências e as questões que influenciaram o seu percurso enquanto artista da dança.

Refletir sobre o modo como a coreografia é feita, como as contaminações de artistas referenciais a compõem, e o modo como ela vai se modificando com o tempo, dentre outras reflexões, foram assuntos sobre os quais Gícia comentou durante a entrevista, e era justamente o que pretendia debater essa pesquisa. Como, por exemplo, ao ser perguntada se considera que seu trabalho tem bastante proximidade com o de Cunningham, ela comentou: “É uma influência, mas é o trabalho de uma pessoa influenciado por outra.” (AMORIM, 2012). A partir, então, dessas diversas questões que foram debatidas durante a entrevista, ficou definido o foco desta pesquisa: pensar sobre composição coreográfica a partir do trabalho de Gícia Amorim.

Dentre os aspectos suscitados por esse entrelaçamento entre o trabalho de Gícia e as questões referentes à composição coreográfica, algumas das reflexões que parecem ser fundamentais a esse debate dizem respeito às contaminações sofridas pelo corpo do bailarino, e que são justamente os vestígios, os rastros que compõem tudo o que existe. Conforme bem lembra Jacques Derrida: “O rastro é verdadeiramente a origem absoluta do sentido em geral. O que vem afirmar mais uma vez, que não há origem do sentido em geral.” (DERRIDA apud DARDEAU, 2011, p. 61).

Essa questão de que o corpo – e aqui especialmente o corpo do bailarino - é composto desses rastros, como vestígios

      

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de vivências, é um aspecto que será refletido neste estudo. Derrida comenta que toda forma originária só existe a partir da repetição em diferença, em uma espécie de economia de morte. Sobre isso, Derrida ainda coloca que:

Esse processo da economia de morte seria o próprio acontecer da vida, seria a vida se fazendo, já que ela não existe sem a economia de morte, sem repetição em diferença, sem rastro. Assim, a memória, a recordação, a tentativa de repetição de uma experiência, não pode nunca retomar um ponto passado na linha do tempo, pois nem a linha nem o ponto estarão lá. Devemos então pensar de outra forma, pensar a constituição temporal não como uma sucessão de tempos, mas como a irrupção de um feixe. Um acontecimento único e imprevisível que constitui-se por uma mecânica em que não há origem nem centro organizador e em que cada constituinte influencia o outro, cada um sendo responsável pela formação do outro, garantindo a própria existência graças a um movimento renegociador e revivificante. É a reatualização como um devir-sendo, que compõe a contemporaneidade das experiências e do se-fazer, como forma de auto-constituição pela repetição na diversidade. (DERRIDA, 2002, p. 188).

Nesse sentido, portanto, é interessante pensar que o fato de o trabalho de Gícia ter sido contaminado pela proposta de Cunningham, não está demonstrando exatamente uma origem (e nem aqui pretende-se resgatá-la), mas sim apresentando aspectos (informações) que compõem o universo do trabalho de Gícia Amorim. Partindo, então, do entendimento de que as vivências pelas quais o corpo passa são parte deste processo ininterrupto de transformação, estas vivências passam a fazer parte deste corpo, constituindo-o e transformando-o.

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variedade. Ainda que não se possa aqui aplicar o termo – vindo da Biologia – em sua significação pura, a ideia de transformação a partir de algo que foi vivenciado pelo corpo pode aqui ser aproveitada, já que as experiências vividas pelo corpo provocaram alterações, reconfigurando-o, promovendo a diferença.

Na continuidade desses entendimentos, um ponto que acaba por estar atrelado à essas questões e que então emerge nesse estudo refere-se à noção de autoria. Este será um aspecto explorado nesta pesquisa, já que as características do trabalho de Gícia – e de Cunningham – suscitam entendimentos no sentido de reflexões acerca do que está envolvido quando se trata de autoria. Esta noção pode ser ampliada quando se pensa, por exemplo, como Barthes, que faz comentários sobre o texto escrito, mas que são pertinentes às reflexões relativas ao “texto” que é produzido pelo corpo que dança. Para ele:

o escritor não pode deixar de imitar um gesto sempre anterior, nunca original; o seu único poder é o de misturar as escritas, de as contrariar umas às outras, de modo a nunca se apoiar numa delas; se quisesse exprimir-se, pelo menos deveria saber que a ‘coisa’ interior que tem a pretensão de ‘traduzir’ não passa de um dicionário totalmente composto, cujas palavras só podem explicar-se através de outras palavras. (BARTHES, 2004, p. 4). A pesquisa desenvolvida por Gícia Amorim, portanto, conduz a essas e diversas outras questões a serem aqui problematizadas. Dentre elas, pode-se destacar outros aspectos que serão abordados no decorrer desta pesquisa, como: a questão da técnica na dança, do bailarino como criador-intérprete independente e, dentre esses aspectos, os elementos que se fazem presentes nesta abordagem que se refere à composição coreográfica, e que são questões que o trabalho de Gícia Amorim permite pensar, fazendo com que essas reflexões possam colaborar com o universo das pesquisas em dança.

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bailarina, enfatizando as técnicas que vivenciou, os artistas com quem estudou e de que forma sua dança foi se constituindo ao longo de sua trajetória. Dentro desse percurso, será dedicado um espaço aos seus primeiros aprendizados na dança, em seguida será apresentado um importante período de sua carreira, que foram os estudos que realizou em Nova Iorque, onde pôde vivenciar as práticas de dança com importantes nomes de referência neste universo. Dentre esses nomes está a principal referência para seu trabalho: Merce Cunningham.

Em função da importância de Cunningham no trabalho de Gícia Amorim, houve a necessidade, então, de dedicar um espaço para abordar alguns dos principais aspectos da proposta cunninghamniana. Portanto, serão apontadas breves colocações acerca do trabalho que foi desenvolvido por Merce Cunningham durante o decorrer de sua vida como artista da dança. Serão colocados os quatro eventos que permearam o percurso de Cunningham: a independência entre música e dança na composição coregráfica, o acaso como recurso compositivo, o uso do vídeo como aliado no processo de investigação do movimento e a utilização de programas de computador como outro recurso para a composição coreográfica.

Na sequência do trajeto de Gícia, após seus estudos em Nova Iorque, será mostrado como ocorreu o desenvolvimento do Projeto Cunningham, o qual Gícia Amorim realizou no Brasil, com o intuito de divulgação e de um maior entendimento do que vinha a ser a proposta cunninghamniana, já que ela havia estudado diretamente com o coreógrafo. Juntamente e após esses períodos, Gícia deu prosseguimento à sua prática em dança, criando trabalhos coreográficos, os quais serão também apresentados ainda neste capítulo, sendo realizadas reflexões sobre o processo coreográfico desenvolvido por ela.

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Conforme lembra Howard Becker, no livro Segredos e truques da pesquisa: “todo estudo pode dar uma contribuição

teórica, acrescentando alguma coisa nova que precisa ser pensada como uma dimensão daquela classe de fenômeno” (2007, p. 167). A intenção aqui, portanto, é promover uma problematização de características referentes à composição coreográfica, não com o intuito de criar um conceito, mas sim pensar no que o termo abrange, sendo inevitável entender que, ao estudar sobre determinado termo, está sendo envolvida uma carga conceitual, que deve ser pensada de modo que seja interessante que os casos sejam estudados e estes possam vir a se tornar parte - muitas vezes crucial – da amplitude do conceito. Neste sentido, pretende-se discutir o conceito de composição presente nas obras de Amorim e suas conexões com a proposta de Cunningham.

Promovendo suporte teórico a essas reflexões, serão tomadas as proposições de alguns autores para guiar a compreensão desses questionamentos. Serão aqui feitas colocações de autores, pesquisadores do corpo, filósofos e artistas que apresentam relevantes considerações no que diz respeito às questões aqui colocadas, e que irão girar em torno de alguns pontos que emergem a partir do trabalho de Gícia Amorim, ou seja, as questões que a proposta de Gícia permite pensar, como por exemplo a questão da técnica e da disciplina, do coreógrafo como intérprete, dentre outras, conforme já foi anteriormente comentado.

Dentre alguns desses autores que serão trazidos a esse debate, pode-se destacar: o filósofo português José Gil2, que versa sobre diversas questões relativas ao corpo que dança, e que aqui serão aproveitados especialmente seus comentários em relação ao nexo coreográfico na proposta de cunninghamniana; da abordagem da historiadora francesa Laurence Louppe3, muitos diálogos serão trazidos, já que aqui está se falando sobre o que envolve a dança que se faz na contemporaneidade e sobre       

2 José Gil (1939 - ) é filósofo, ensaísta e professor universitário. Considerado um importante pensador, destaca-se no ensino da estética e da filosofia contemporânea.

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aspectos da composição, que é justamente uma das temáticas que Louppe aborda; o pesquisador brasileiro André Lepecki4 será também evidenciado a partir dos aspectos da composição coreográfica desenvolvidos por ele e que muito interessa a este estudo.

Também serão tomadas aqui as colocações dos filósofos franceses Michel Foucault5 e Roland Barthes6. O primeiro com sua noção de disciplina dos corpos e em relação a questões referentes à noção de autoria, assunto que será também complementado pelas colocações do segundo. Já o filósofo francês Jacques Derrida7 irá contribuir com suas colocações relativas à ideia de que não existe uma origem, mas apenas rastros que compõem o que existe. Essas reflexões serão de fundamental importância a esta pesquisa, especialmente para pensar a perspectiva de autoria e de assinatura artística no trabalho de Gícia Amorim.

Na última parte desta pesquisa, serão concentradas as análises de duas obras coreográficas realizadas por Gícia Amorim. Serão analisadas as coreografias: D(K) in MC (1999)e Desdobramentos (2009), a partir das quais haverá uma reflexão

sobre os vestígios da proposta cunninghamniana que podem estar impregnados em sua coreografia, de que modo esta coreografia (e esse corpo) pode sofrer mutações e, a partir disso tudo, sobre questões relativas à singularidade e à noção de

      

4 André Lepecki (1965 - ) é ensaísta, crítico, dramaturgo e professor no Departamento de Estudos da Perfomance, na New York University. Suas pesquisas concentram-se na teoria da dança (e composição coreográfica), na dramaturgia, cultura e performance. 5 Michel Foucault (1926 – 1984) foi um importante filósofo e professor

de História dos Sistemas de Pensamento. Suas pesquisas abordaram o saber filosófico, a experiência literária e análise do discurso, a relação entre poder e governamentalidade, e a subjetivação. As questões sociais estiveram muito presentes em sua obra.

6 Roland Barthes (1915 – 1980) foi filósofo, sociólogo, crítico literário e semiólogo. Pesquisava os aspectos relativos à linguagem, escrita, comunicação e semiótica.

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autoria. Essas análises visam a abertura de reflexões acerca dos corpos que dançam.

Além da instigante entrevista realizada com Gícia Amorim ter sido decisiva para essa pesquisa, houve também a escolha por realizar um estudo relativo ao trabalho desta bailarina, pois apesar de sua relevante importância no cenário da dança brasileira, estando presente em importantes eventos de dança8 e recebido prêmios por seu trabalho, até onde foi possível averiguar, não existem estudos acadêmicos que abordem sua trajetória e as características de sua dança. Tendo como metodologia a revisão bibliográfica, a realização de entrevistas e a observação aos trabalhos de Gícia Amorim, esta pesquisa pretende colaborar para o universo da pesquisa em dança, sendo um registro feito através das reflexões e debates aqui apresentados.

      

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2 GÍCIA AMORIM: TRAJETÓRIAS E SABERES EM UM CORPO DANÇANTE

Adentrar ao inesgotável universo onde se insere a composição coreográfica é, antes de tudo, estar ciente de que este é um território extremamente movediço, onde as certezas podem ser constantemente repensadas e transformadas. Essa colocação torna-se ainda mais contundente quando se está falando da dança que se faz na contemporaneidade, a qual é caracterizada pela multiplicidade de elementos, intersecção de propostas, onde o corpo do bailarino encontra-se composto justamente deste espaço de devir.

Mas ainda que as certezas sejam escassas, no sentido da dificuldade (ou impossibilidade) em se estabelecer definições extremamente fechadas, é importante ressaltar que há lugar para uma partilha de reflexões, onde os saberes corporais são colocados em foco. E este estudo vem, justamente, estabelecer estes diálogos, estas problematizações acerca dos aspectos que estão envolvidos no que se refere à composição coreográfica e, por consequência, no que se refere ao universo da dança como um todo, pensados a partir dos recortes aqui abordados.

Buscando então estabelecer esse entrelaçamento entre as questões suscitadas por este tema e uma prática de dança, este estudo traz o trabalho da coreógrafa, bailarina e professora Gícia Amorim, reconhecida por difundir a proposta do coreógrafo Merce Cunningham no Brasil, e por possuir uma significativa prática coreográfica. Importante ressaltar que, até meados dos anos 1990, período em que a bailarina começa a realizar no Brasil um processo de ensino técnico e compositivo da técnica de Cunningham, o trabalho do coreógrafo norte-americano era raramente discutido ou praticado no país, enquanto formação em dança ou utilização de princípios coreográficos por companhias e grupos, seja em espaços universitários ou em escolas de dança.

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sua trajetória9 como artista, momentos estes que irão sendo entrelaçados às reflexões pertinentes a esta pesquisa, provocando debates em relação a determinados aspectos, em um vai e vem no espaço e no tempo.

2.1 O DELINEAR DE UM CAMINHO

Nascida no estado da Bahia, em 7 de janeiro de 1969, na cidade de Juazeiro, mas tendo sido criada desde cedo em Pernambuco, Gícia Maria Rocha Amorim começou a fazer aulas de balé clássico em Petrolina-PE, pouco antes da adolescência. Pouco mais tarde, foi morar em Recife, onde além de continuar fazendo aulas de balé, também frequentava aulas de dança moderna com professores que eventualmente iam para lá. Durante este período, além de ser aprendiz, Gícia também chegou a ministrar aulas de balé para crianças.

Com o intuito de ampliar seus estudos em dança e dar aulas, em 1988 ela foi para São Paulo, onde se estabeleceu e permanece até hoje. Foi durante este período - que ela considera seu início profissional na dança - que começou a estudar com importantes nomes da história da dança no Brasil, conforme ela própria comenta:

quando eu vim para São Paulo-SP, eu comecei a fazer aulas regulares de dança moderna com a Penha de Souza10, com a

      

9 No decorrer do texto não será apresentado todo o percurso artístico de Gícia Amorim (será apontado um panorama geral de sua carreira e pontuados os momentos considerados relevantes para esta pesquisa). Para ter acesso a um breve percurso artístico (um pouco mais detalhado) de Gícia Amorim, o mesmo encontra-se no Apêndice desta dissertação.

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Ruth Rachou11. Comecei então em São Paulo, a ir mais para a dança moderna, mas a minha formação primeira foi o balé. (AMORIM, 2012).

O período inicial da trajetória de um artista é o momento em que além de estar buscando a experimentação de diferentes práticas, de diferentes referências, se começa a delinear o que irá constituir este corpo-pensamento dançante. Nesta fase, Gícia começou então a busca do seu fazer na dança, por meio de cursos que participou, aulas que ministrou, conforme vem sendo aqui citado. Ela ainda não desenvolve efetivamente trabalhos coreográficos próprios, mas é uma importante fase onde um trânsito de informações começa a ocorrer, provocando constituições e reconstituições em seu corpo.

Procurar inserir determinado artista em alguma categoria específica, há muito tempo tem sido algo difícil – por vezes impossível – de ser feito. Mesmo que existam artistas com uma formação mais restrita, na grande maioria, e especialmente na dança que se faz na contemporaneidade, é difícil considerar um artista como unicamente clássico, moderno, contemporâneo, ou quaisquer outras denominações que se queiram atribuir a determinado trabalho. Isso ocorre especialmente porque muitas vezes não há uma raiz única, de onde tenha se adquirido todos os conhecimentos.

Esse processo de “formação” é na verdade um processo de trans-formação, já que a relação entre corpo-ambiente ou corpo-aprendizado, não é algo que possa ser considerado como fixo, como algo apenas adquirido e não mutável. Sandra Meyer Nunes diz que: “o corpo não é um meio onde uma informação entra impunemente, sem estabelecer quaisquer relações com as demais informações que lá já estão, [...] ele se re-organiza” (2009, p. 107). E neste sentido, é importante pensar, portanto,       

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que o aprendizado de novas técnicas – novas práticas – é uma constante trans-formação que vai constituindo este corpo mutante.

2.2 ESTUDOS EM NOVA IORQUE

Dando continuidade a seus estudos em dança, no ano de 1993, Gícia foi para Nova Iorque, com o intuito de estudar dança moderna. Lá, ela frequentou especialmente aulas da técnica de José Limón12, além de também ter feito aulas e workshops das

escolas de Trisha Brown13, Jeniffer Müller14, Paul Taylor15, Alvin Nikolais16, Eric Hawkins17, dentre outras. Todos estes artistas são de fundamental importância neste período da dança norte-americana, sendo estudados na história da dança como os       

12 José Limón (1908 - 1972), “sempre muito marcado por suas origens mexicanas, ocupa um lugar original na segunda geração da dança moderna americana, graças à sua teatralização da ação coreográfica.” (Bourcier, 2001, p. 272).

13 Trisha Brown (1936 - ), uma das fundadoras da Judson Dance Theater, fez parte do início da dança pós-moderna e também teve significativa colaboração no que se refere à performance. Isso deve-se ao fato que, dentre as características principais de sua proposta, ela buscava a utilização das ações e movimentos cotidianos, além da utilização de espaços públicos alternativos, atenuando os limites entre a vida e a arte, em seu trabalho como artista da dança.

14 Jeniffer Müller (1944 - ) desenvolveu uma técnica corporal (The Muller Polarity Technique) que compreende o trabalho de movimento denominado Creative Mind / Whole Body, que busca desenvolver o pensamento criativo e a linguagem não-verbal.

15 Paul Taylor (1930 - ), realizou “balés marcados pela intervenção do acaso, aprendida de Cunningham; mas o gosto pela teatralidade separa-o do último, assim como o emprego de um leitmotiv cenográfico que herdou de Martha Graham.” (Bourcier, 2001, p. 286). 16 Alwin Nikolais (1910 - 1993). “propôs o conceito de descentramento:

[...] a energia nunca deveria se enraizar em nenhuma parte do corpo, podendo o centro do corpo estar tanto no peito, quanto no quadril ou no pé.” (Amorim e Queiroz, 2009, p. 87).

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principais nomes do movimento da dança moderna e pós-moderna, que se deu especialmente nos Estados Unidos. Além do contato com estes artistas da área da dança, foi neste momento de sua vida que Gícia também toma contato com a técnica de Pilates18, a qual estudou e tornou-se professora, ensinando esta técnica até os dias atuais, em São Paulo.

Mas foi em uma mostra de dança – neste mesmo ano de 1993 – onde alunos de diversas escolas se apresentavam (alunos de Limón, de Graham, de Cunningham, etc.), que surgiu seu interesse em frequentar as aulas da técnica Cunningham. No outro dia após a mostra, ela foi procurar a escola do coreógrafo para fazer aulas. E foi a partir daí que se iniciou um período fundamental da carreira de Gícia Amorim, já que os ensinamentos de Cunningham tornaram-se uma das mais importantes referências em seu trabalho.

Ela começou então a frequentar as aulas de

Fundamentals (Fundamentos), no Internacional Training Program

da Cunningham Dance Foundation. O nível Fundamentos era

uma preparação para que o aluno pudesse frequentar o nível

Beginner (Iniciante). Não havia seleção nem pré-requisitos para

começar a frequentar as aulas, mas a cada mudança de nível – solicitada pelo próprio aluno - eram feitos testes para verificar se o mesmo já estava apto para mudar de nível. No Fundamentos, o

aluno aprendia os princípios da técnica Cunningham, que têm como base e ponto inicial os Back Exercises (exercícios de

tronco).

Da técnica fazem parte os Bounces (pequenas flexões da

parte superior do tronco), os Back Strech (grandes flexões,

extensões e torções das costas, utilizando a segunda, quarta e primeira posições do balé clássico), dentre outros exercícios que       

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fazem parte da base que o aluno necessita para frequentar o nível Iniciante da técnica Cunningham. Conforme o aluno ia

dominando essa base, podia solicitar mudança de nível para o

Iniciante, e assim sucessivamente, conforme comenta Gícia:

“para você ir para a aula do nível acima, você tinha que pedir para aquele professor te observar e dizer se você estava apto” (Amorim, 2012). E foi o que Gícia fez, conforme ia avançando no domínio da técnica, ia recebendo autorização para avançar a um próximo nível.

Figura 1 – Fotografia de Gícia Amorim e Merce Cunningham, no Studio de Merce Cunningham, em Nova Iorque, no verão de 2000.

Fonte: arquivo pessoal de Gícia Amorim

Conforme relata Gícia:

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que músculos você vai solicitando mais e mais, até chegar nos saltos, nas diagonais, isso daí é bem estruturado, muito bem estruturado, por sinal. A técnica começa com exercícios para o tronco e tem exercícios bem específicos, que você tem que aprender. Então se você vai fazer aula da técnica lá, mesmo que você seja bailarino profissional, você não entra já na aula avançada, claro que tem exceções como Baryshnikov, mas você aprende os fundamentos da técnica. E o que são esses fundamentos da técnica? São justamente os back exercises, os exercícios de tronco. (...) Você tem que saber isso, para daí você poder fazer a aula iniciante. (AMORIM, 2012).

Sobre as aulas de Cunningham e a técnica em si, Gícia ainda comenta que:

é uma técnica difícil para qualquer pessoa. Ele explora muito todas as possibilidades de direções, transferências de peso... Também porque existe uma coisa de independência das partes do corpo. Tanto que, quando os bailarinos vão aprender uma coreografia nova, aprendem tudo separado. Primeiro aprende o que vai fazer com as pernas, depois o que vai fazer com o tronco e braços, etc, de tão complexo que é. Não que tenha que seguir essa ordem, mas é tudo separado. Senão, você não consegue ter a coordenação ou o tempo certo para fazer pois é muito complexo. (AMORIM, 2012). Um momento bem importante durante esse período em que Gícia estudou com Cunningham foi quando participou de um

Workshop de Composição Coreográfica, onde pôde aprender de

maneira mais elucidativa, o modo como Cunningham compunha suas coreografias. Para esse workshop, ele selecionou doze

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naquele momento Gícia encaixava-se nesse perfil, ela foi uma das participantes do Workshop.

Conforme ela conta: “com esse workshop eu aprendi

como ele faz o sorteio, como ele usa o cronômetro, o que ele pede, como ele dá o feedback” (Amorim, 2012). Gícia pôde

entender, na prática, alguns aspectos relacionados ao método de composição coreográfica utilizado por Cunningham. Esses aspectos que caracterizam a proposta cunninghamniana irão sendo abordados no decorrer desta pesquisa. Nesse workshop,

Cunningham dava tarefas e cada participante fazia a sua coreografia, ao mesmo tempo em que ele ia dando retorno sobre o que estava sendo feito. Essas tarefas poderiam tanto ser ações, como: correr, cair, saltar, etc., quanto frases com determinadas qualidades de movimento.

Havia uma certa flexibilidade, mas também muitas regras. Um fato interessante é que o trabalho de Cunningham, apesar de ter como ponto forte o uso do acaso, da aleatoriedade, é também fortemente constituído de muito rigor. Não só na execução da técnica, mas também no processo de composição coreográfica. Um exemplo disso é o comentário de Gícia sobre a maneira como ele utilizava o cronômetro:

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dança com os próprios acontecimentos da vida, que é composta de planejamentos e de acasos. Cunningham chegava na sala com as sequências de aula prontas e depois é que aplicava os sorteios. E mesmo depois de composta a coreografia – aí sim com auxílio de sorteios – ela sempre deveria ser dançada da mesma forma. Se ocorressem modificações, o coreógrafo recorria ao cronômetro para analisar o que estava acontecendo. De um modo geral, é dessa forma que ocorria seu trabalho.

Figura 2 – Fotografia de Gícia Amorim no Studio de Merce Cunningham, em Nova Iorque, no verão de 2000.

Fonte: arquivo pessoal de Gícia Amorim

Após pouco mais de um ano de estudos na Cunningham Dance Foundation, vivenciando diretamente aprendizados acerca

da proposta cunninghamniana, Gícia precisou retornar ao Brasil. Mesmo que Cunningham tivesse demonstrado interesse, conforme Gícia relata, que ela frequentasse as aulas da Companhia, – por gostar do modo como ela se movimentava - Gícia não pôde continuar morando em Nova Iorque, por questões pessoais e financeiras. Durante o período em que esteve lá, Gícia recebeu bolsas de estudos: a MeritScholarship, que cobria

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trabalhava na Cunningham Dance Foundation em troca da outra

metade das aulas.

Essas bolsas faziam parte de Programas de Vistos mantidos pelo governo dos Estados Unidos em parceria com Fundações. E tanto estrangeiros quanto norte-americanos podiam receber bolsas. Para os estrangeiros, existiam normas a serem seguidas, como cumprir determinada carga horária de aulas, observar os prazos para possíveis renovações, e realizar audições para saber a possibilidade de continuar com a bolsa, etc. Para os alunos que fossem norte-americanos, existia a possibilidade de aproveitar as aulas cursadas como créditos nas Universidades.

Quando terminou o vencimento de seu visto, Gícia retornou ao Brasil com uma grande bagagem de conhecimento adquirido nesse importante momento de sua vida profissional. E logo em seguida de seu retorno ao Brasil, ela desenvolveu um trabalho importante para a constituição da teoria e prática da dança brasileira: o Projeto Cunningham, onde ela compartilhou os ensinamentos adquiridos em seu encontros na Cunningham Dance Fundation, com os artistas da dança no Brasil, através

deste Projeto que divulga teoria e prática da proposta cunninghamniana.

Esta divulgação que veio a ser feita por Gícia através deste Projeto, no Brasil, foi possível principalmente porque após terminar seu período de estudos na Cunningham Dance Fundation, Gícia recebeu uma autorização especial para ser uma

das pessoas capazes de difundir o conhecimento da técnica Cunningham pelo mundo. Isso a possibilitou dar prosseguimento aos conhecimentos adquiridos acerca do universo cunninghamniano, através da continuação prática e teórica. E em parceria com outros estudiosos da dança, no Brasil, esse Projeto foi então desenvolvido, cujas características serão relatadas mais adiante.

2.3 BREVES NOTAS SOBRE MERCE CUNNINGHAM

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da história da dança e em suas intersecções com outros campos. Um mergulho em todos os aspectos que compõem sua proposta não será aqui possível, mas serão pontuados os aspectos de maior relevância para esta pesquisa, além de se buscar apresentar um panorama geral da trajetória de Cunningham, dada sua fundamental importância neste estudo.

Nas primeiras décadas de sua vida, o contato com a arte se deu através de aulas de sapateado e de teatro. Ele inclusive entrou para a faculdade de teatro, mas logo abandonou para dedicar-se à dança. Foi nesse período que Cunningham conheceu John Cage (1912 - 1992) que depois viria a ser influência fundamental em seu trabalho. John Cage foi um artista de extrema importância para a história da arte, tendo relevância no que se refere à composição, à performance e principalmente à música.

Procurando lidar com a totalidade do campo sonoro, Cage partia da ideia de que todos os ruídos – e também o silêncio - poderiam ser considerados música. As teorias de Cage estavam relacionadas com a apreciação que ele tinha pelo Zen Budismo. Conforme ele mesmo comentou na abertura de um evento – Untitled Event - no Black Mountain College, em 1952:

No Zen-Budismo nada é bom ou mau. Ou feio ou belo... A arte não deve ser diferente [da] vida, mas uma ação dentro da vida. Como tudo na vida, com seus acidentes e acasos e diversidade e desordem e belezas não mais que fugazes” (CAGE apud GOLDBERG, 2006, p. 116).

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Em 1939, Cunningham começou a participar da Companhia de Martha Graham (1894 – 1991), onde permaneceu até 1945, sendo o solista principal da Companhia. A proposta de Graham caracterizava-se por uma intensa dramaticidade, através de movimentações e composições que remetiam a um retorno ao primitivismo, de modo a entender a natureza e função da dança como a mais antiga das artes, colocando em foco a dança relacionada com as questões da alma humana, da espiritualidade. Sobre a proposta de Graham, Roger Copeland comenta que:

ela acreditava que a dança moderna podia reestabelecer contato com aquelas antigas, naturais e míticas energias que (presumidamente) ficam adormecidas sob a superfície da cultura contemporânea. (COPELAND, 2004, p. 12, tradução nossa)19. Mas Cunningham optou por não trabalhar a partir dessa dramaticidade que Graham desenvolvia, escolhendo seguir justamente na direção oposta. Conforme expõe Eliana Rodrigues Silva, logo após sair da Companhia de Martha Graham, ele começa a trabalhar “com manipulações do movimento sem o compromisso com o enredo, com a caracterização de personagens ou com a dramaticidade” (Silva, 2005, p. 105). Através do estabelecimento de suas próprias ideias em relação ao movimento, à dança, à composição coreográfica, Cunningham segue então seu trabalho, realizando suas experimentações20 em uma trajetória que pode ser analisada a partir de quatro eventos,21 ou seja, quatro momentos em que determinadas       

19 Tradução nossa: “she believed that modern dance can reestablish contact with those ancient, natural and mythic energies that (presumably) lie dormant beneath the surface of contemporary culture”.

20 No ano de 1947, já estava desenvolvendo seu método e montou sua própria escola. Em 1953 fundou sua Companhia (Merce Cunningham Dance Company).

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características vão sendo inseridas e experimentadas em sua proposta.

No final dos anos 1940, Cage e Cunningham já estavam trabalhando juntos e o primeiro evento já está inserido na sua proposta e começa a ser desenvolvido: a independência entre música e dança. Conforme comenta Rosana van Langendonck:

foram criadas estruturas de tempo em forma de módulos de comprimento de tempo, para que dança e música pudessem acontecer no mesmo tempo e lugar sem uma relação de apoio ou sustentação entre elas (LANGENDONCK, 2004, p. 19).

Os bailarinos não ensaiavam com o acompanhamento da música que estaria no espetáculo, em algumas vezes, sequer sabiam qual seria essa música; desta maneira, o ritmo vinha da própria natureza e das características do movimento. Essa ideia de independência também se estendeu para a composição dos cenários, figurinos e iluminação.

O segundo evento ocorreu a partir da década de 1950, quando Cunningham começou a utilizar o acaso como uma ferramenta para a construção coreográfica. Ele utilizava-se de jogos de azar que decidiam qual movimento iria suceder o outro, de que forma ele seria realizado no espaço. É interessante pensar o quanto o uso do acaso pode proporcionar composições inimagináveis, pois mesmo que possam existir infinitas possibilidades de composição de movimentos, o ser humano só é capaz de recorrer a um número finito de possibilidades. Conforme comenta Annie Suquet:

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Essa ideia de aleatoriedade que se faz presente nas composições de Cunningham vem de sua observação em relação à própria aleatoriedade da natureza, da vida, onde várias coisas acontecem ao mesmo tempo, ao acaso, e às vezes, umas coisas afetam as outras, provocando acontecimentos. Conforme comenta Roger Copeland, no que se refere àquilo que o movimento pode oferecer: “o que ele nos oferece ao invés disso [de nos dar histórias] é a densa textura espacial e rítmica incorporada na vida urbana em simultâneos acontecimentos” (COPELAND, 2004, p. 13, tradução nossa)22.

Na década de 1970, Cunningham percebeu, em relação ao espaço da tela de vídeo, que este

tinha grandes limitações, comparado com o palco, mas que oferecia novas possibilidades de mostrar o movimento, com diferentes tipos de apreensão temporal e com novas nuances de detalhes” (AMORIM; QUEIROZ, 2000, p. 90-91).

Assim, surge então o terceiro evento: ele começou a produzir coreografias especificamente para o vídeo. É possível perceber nessas coreografias determinadas nuances que fazem com que a coreografia seja vista de modo diferente a cada detalhe, através, por exemplo, de um close, ou de um plano que

destaque certo bailarino e tire de cena outro; a coreografia vai constantemente proporcionando novas configurações.

Ainda dentro deste campo da tecnologia, na década de 1990, Cunningham foi mais longe, realizando aquele que foi seu quarto evento: a criação de coreografias a partir de um programa de computador. Através do software Life Forms - hoje chamado

Dance Forms - que reproduz a movimentação do corpo humano

(através de sensores colocados nos corpos dos bailarinos, as informações dos movimentos são enviadas ao programa), Cunningham buscou ampliar ainda mais a investigação das diversas maneiras de organizar o movimento, pois este programa       

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permite a observação dos movimentos a partir de ângulos, velocidades e formas que seriam impossíveis se não fosse o auxílio do software. Ele também aplicou as operações de acaso

para criar suas coreografias neste programa de computador. Esses quatro eventos foram constituindo uma proposta cujo foco principal é investigar e experimentar as diversas possibilidades do movimento humano. Movimento este que, para Cunningham, já é o próprio sentido da dança. Vale ressaltar sua significativa contribuição em relação a uma revisão da noção de composição, no sentido de fazer com que diversas questões fossem repensadas ou, ao menos, abordadas de maneiras diferentes, provocando reconfigurações no entendimento da composição coreográfica.

Muitos são os termos que poderiam estar inseridos quando se trata de abordar a expressão “composição coreográfica”, como: combinação de elementos, processo unificador, sistema de relações significativas, concordância de elementos, lógica de movimentos, dentre outros infinitos termos que poderiam ser aqui citados. Paulo Paixão lembra que:

a palavra coreografia se estabeleceu no vocabulário da dança no início do século XVIII, se referia a um sistema de notação da dança. Aos poucos essa palavra foi ganhando novos sentidos até chegar à atual acepção que se refere à escrita do movimento do corpo no tempo e no espaço. (PAIXÃO, 2011, p. 209).

José Gil observa a utilização do termo “nexo” como quase sempre presente nas definições de coreografia. Ele diz que, a exemplo do que ocorre em todas as definições no mundo da arte, a definição de coreografia:

põe imediatamente múltiplos problemas: parece, todavia, que em todos os casos que se apresentam (nomeadamente na dança contemporânea), não há coreografia sem um nexo. (GIL, 2004, p. 67).

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colocam em discussão a noção de nexo como uma possível chave de entendimento das obras do artista.

A partir de três características já citadas da proposta cunninghamniana, como: a rejeição da narrativa, o uso do acaso como recurso para compor suas coreografias e a independência entre música, dança e outros elementos, já se pode pensar em como poderia ser possível a existência de algum tipo de nexo, a partir dessas opções de criação coreográfica. O nexo aqui exposto não está relacionado a uma busca por significação antecipada, mas pode estar relacionado a uma “continuidade de fundo”.

Gil fala que as séries de movimentos inicialmente divergentes utilizadas por Cunningham:

entram numa mesma continuidade de fundo composto pelo próprio ritmo da divergência que as separa; e que se intensificou, autonomizando mais cada uma das séries” (GIL, 2004, p. 70-71)23.

Ele ainda comenta que: “séries diferentes ou divergentes de gestos efetuados pelo mesmo corpo num tempo único acabam por ‘se integrar’” (2004, p. 69). A “integração” traz uma ideia de co-funcionamento, de co-existência, sem que haja, necessariamente, uma necessidade de convergência de significados entre os diversos elementos e/ou movimentos, ou de significações dadas antecipadamente.

Procurar entender o que vem a ser coreografia é, ao mesmo tempo, procurar perceber que este é um fenômeno que precisa estar - e está - em constante evolução e transformação. E isso ocorre principalmente devido ao fato de que a produção em dança é composta de diversos procedimentos criativos extremamente diferentes uns dos outros. A proposta de Merce Cunningham provocou um debate e uma certa desestabilização do que se entendia – e se entende - por composição coreográfica. É possível perceber que, de diversas formas, a

      

(45)

dança na contemporaneidade está impregnada de seus elementos.

2.4 PROJETO CUNNINGHAM NO BRASIL

Após a segunda vinda da Merce Cunningham Dance Company ao Brasil24, em 1994, a professora e pesquisadora de

dança Helena Katz percebeu que era preciso realizar consistentes estudos no sentido de compreender, experienciar e difundir conhecimento em relação à proposta de Merce Cunningham, já que naquele momento este conhecimento não estava difundido no país25. E como Gícia Amorim estava estudando diretamente com ele, esse conhecimento poderia ser disseminado pelo Brasil através de um projeto prático e teórico.

Assim, em junho de 1997 começou a ser colocado em prática o Projeto Cunningham no Brasil. O Projeto ocorreu em São Paulo e concretizou-se a partir da parceria entre o Centro de Estudos do Corpo da PUC - coordenado por Helena Katz - a

Merce Cunningham Dance Foundation e o SESC-SP, onde

ocorriam as aulas práticas e teóricas. Gícia Amorim foi figura fundamental no Projeto, ministrando as aulas da técnica Cunningham – já que havia sido autorizada pela Merce

Cunningham Dance Foundation - além de acompanhar todo o

desenvolvimento do Projeto.

O Centro de Estudos do Corpo da PUC26 teve significativa importância nesse processo de desenvolvimento do

      

24 No anexo B desta dissertação – Projeto Cunningham: histórico – constam informações em relação às vindas da Merce Cunningham Dance Company ao Brasil.

25 Informação presente no anexo B desta dissertação – Projeto Cunningham: histórico.

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Projeto Cunningham, especialmente porque este grupo concentrava estudiosos da área da dança, cujas pesquisas contribuíram para os entendimentos sobre dança e para a produção de pesquisas em dança no Brasil. As diversas mesas de debates desenvolvidas no Projeto, onde os estudiosos contribuíam com o conhecimento que já possuíam em relação ao que estava ali sendo abordado, proporcionaram o suporte crítico e teórico necessários para a legitimação do projeto em si, e também de Gícia Amorim enquanto artista e disseminadora desta proposta.

As aulas ministradas no Projeto Cunningham ocorriam duas vezes por semana, com duração de três horas cada. Na primeira parte da aula (com duração de uma hora e meia) era ministrada a parte prática da técnica Cunningham, e na segunda parte (também com duração de uma hora e meia) ou era experimentado o método de composição coreográfica de Cunningham ou era realizado estudo teórico acerca da proposta cunninghamniana.

Na aula prática, eram ensinados os fundamentos da técnica, que compreendia toda a base da proposta formulada por ele. Gícia era muito fiel à estrutura da aula, procurando passar toda a essência do trabalho desenvolvido por Cunningham, e que estava sendo retransmitido, através dela. Pode-se dizer que Gícia trazia uma leve “modificação” nas aulas que ministrava, pois utilizava músicas brasileiras.

Para que pudesse manter essa fidelidade à estrutura de aula e às ideias da proposta cunninghamniana, Gícia recorria a escritos que ela sempre realizava ao término da cada aula, no Studio de Cunningham, em Nova Iorque. As pesquisas teóricas e de vídeos que Gícia realizava na própria Merce Cunningham Dance Foundation – já que lá existia um significativo acervo

aberto aos seus alunos - também foram fundamentais para a

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transmissão desses conhecimentos, no decorrer do Projeto Cunningham, no Brasil.

A segunda parte das aulas, conforme comentado anteriormente, era destinada à composição coreográfica, onde eram demonstrados e experimentados os métodos de composição propostos pelo coreógrafo, além de serem trabalhadas noções de percepção musical. Esses laboratórios de criação coreográfica e conhecimento musical eram supervisionados por Gícia Amorim, na parte coreográfica, e Bergson Queiroz, na parte musical. Como consta em documentos sobre o Projeto:

Nestes laboratórios a ênfase foi sobre o entendimento prático, corporal, dos elementos básicos de composição da forma, utilização do espaço e do tempo e também a aplicação de “chance operation”, regras do acaso, como procedimento inerente ao fazer dança. No de percepção musical a ênfase foi sobre a compreensão do fenômeno sonoro de maneira geral, como elemento temporalmente estruturado, conforme a perspectiva de músicos associados ao trabalho de Cunningham.27 (AMORIM, 2012). Dos momentos de estudo, participavam teóricos do Grupo de Estudos, os quais mostravam e analisavam vídeos sobre o trabalho de Merce Cunningham, e de diversas questões suscitadas por sua proposta. Dentre os pesquisadores que contribuíram nesses momentos de estudo teórico estiveram presentes: Fabiana Britto, Ivani Santana, Christine Greiner, Cleide Martins, Rosana van Langendonk Augusto, Sonia Sobral, Helena Katz e Dulce Aquino; os quais abordaram tanto a proposta Cunninghamniana quanto pontos de vista de outras estéticas que pudessem dialogar com o que vinha sendo estudado.

Esse primeiro período de desenvolvimento do Projeto Cunningham encerrou-se em novembro de 1999, quando veio ao

      

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Brasil a professora da Cunningham Dance Foundation, June

Finch, a qual ministrou aulas aos alunos do Projeto - que haviam sido preparados nas aulas de técnica, por Gícia - além de montar uma coreografia com os alunos. Essa coreografia era de autoria da própria June Finch, pois montar uma coreografia cuja autoria fosse de Cunningham, teria um custo muito alto, em função dos direitos autorias cobrados pela Merce Cunningham Dance

Foundation. Então foi montada a coreografia de June, nos

moldes de Cunningham.

Após uma semana de aulas com June Finch, a coreografia foi apresentada no Study Day, que foi um dia inteiro

dedicado à realização de atividades relacionadas ao trabalho de Cunningham. Além da apresentação desta coreografia feita durante as aulas, também se apresentaram no evento: Gícia Amorim e June Finch. E ainda dentro das atividades de prática, foi ministrada uma grande aula da técnica Cunningham. Na parte teórica, foi realizada uma mesa redonda, onde houve um grande debate acerca dos aspectos envolvidos na proposta de Merce Cunningham.

O SESC optou por não dar prosseguimento ao Projeto pouco tempo após o Study Day – especialmente porque a

filosofia do SESC não é de formação e sim de informação, primando pela renovação – o que ocasionou a finalização do Projeto nesse primeiro momento. Para Gícia, esse Projeto foi de grande valia, conforme ela comenta:

se pensarmos o antes e o depois do Projeto, houve uma mudança muito grande, aqui no Brasil, em termos de o que as pessoas conheciam sobre o Cunningham, e o que elas passaram a conhecer. Isso foi nítido. Não é uma coisa monstruosa, é um grãozinho de areia, mas já fez diferença. E a partir daí, pessoas começaram a fazer teses sobre o Cunningham, – pessoas que estudaram comigo, a partir desses conhecimentos28– eu não estou dizendo que

      

(49)

elas aprenderam tudo comigo, eu dei o pontapé inicial e então elas se interessaram e foram investigar, viajar e fazer coisas, houve um interesse a partir daí. (Amorim, 2012).

Entre 2000 e 2003, o Projeto Cunningham voltou a ser realizado, porém, no Centro Cultural São Paulo. Os moldes seguiram-se praticamente os mesmos da primeira edição, mas desta vez havia pouco recurso financeiro para realizar todas as atividades necessárias ao Projeto. Não teve, por exemplo, a participação de nenhum professor da Merce Cunningham Dance

Foundation, pois não tinha verba para isso. Em relação ao

número de alunos, nessa segunda edição havia muito mais alunos, pois as aulas eram gratuitas. Isso foi um ponto positivo, mas ao mesmo tempo também havia muita dificuldade em administrar essa demanda.

Cada curso durava três meses (da mesma forma como acontecia no SESC), e sempre tinham mais de cem interessados, para serem escolhidos trinta participantes. A cada três meses era preciso renovar o público, através de audições e seleções. Além desse aspecto da impossibilidade de ter uma continuidade, o fato principal, que fez com que o Projeto encerrasse, foi a falta de verba, já que o Centro Cultural São Paulo era vinculado à Prefeitura de São Paulo, e esta não tinha condições de disponibilizar recursos financeiros suficientes para dar prosseguimento ao Projeto.

Mesmo após a finalização desses períodos mais longos de desenvolvimento do Projeto Cunningham, Gícia prosseguiu ministrando workshops e aulas relativas à técnica Cunningham,

ao mesmo tempo em que continuava fazendo cursos de aperfeiçoamento e desenvolvendo sua prática de dança. Os estudos realizados por Gícia Amorim sobre o pensamento e a prática de Merce Cunningham, também contribuíram para o desenvolvimento de registros teóricos em dança, no Brasil.

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Juntamente com Bergson Queiroz29, Gícia escreveu artigos30 que serviram de esclarecimento e difusão deste conhecimento que até então não tinha muita amplitude no campo da dança, no Brasil.

Figura 3 – Reportagem veiculada pelo Jornal O Estado de São Paulo, em 19 Jun. 2001.

Fonte: Disponível em: <http://www.helenakatz.pro.br/interna. php?id=9)>, Acesso em 07 Jun 2013.

      

29Bergson Queiroz é Mestre em Ciências da Reabilitação (Biomecânica) pela Universidade de São Paulo em 2010. Graduado em Fisioterapia pelo Centro Universitário São Camilo em 2005. Atua em linhas de pesquisa e estudo nas áreas de Biomecânica, Reabilitação por exercícios, Pilates e Dança.

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O reconhecimento em relação ao projeto recebeu aporte da mídia, conforme foi possível observar na Figura 3, considerando-se especialmente o apoio de Helena Katz, como crítica de dança do Jornal O Estado de São Paulo. Estas notícias

e reportagens, além de comentarem sobre o reconhecimento de Gícia Amorim em relação à autorização concedida pela Merce

Cunningham Dance Foundation, também divulgaram workshops

da técnica Cunningham ministrados por Gícia, eventos e características do trabalho que ela vinha desenvolvendo31, e que foram relevantes para a produção prática e teórica de dança, no Brasil.

2.5 EFERVESCÊNCIA ARTÍSTICA E COREOGRÁFICA

Foi durante o período de desenvolvimento do Projeto Cunningham no Brasil, entre 1997 e 2003, que Gícia passou a enfatizar fortemente seu trabalho de composição coreográfica, desenvolvendo sua prática como criadora-intérprete independente. Em suas criações ela busca aliar os estudos que realizou anteriormente e que continuou realizando com suas próprias ideias no que se refere ao movimento, à dança, à coreografia. Mais adiante serão analisadas algumas coreografias de Gícia – D(K) in MC e Desdobramentos - com o intuito de

detalhar as características desses trabalhos e de dialogar com as questões desenvolvidas neste estudo.

Este período, que teve início durante o desenvolvimento do Projeto Cunningham e estende-se até os dias atuais, foi de grande consistência artística, especialmente no que se refere ao desenvolvimento de trabalhos coreográficos. O primeiro trabalho a ser aqui citado é a coreografia D (K) in MC, que foi montada

em 1999, e teve como base os gestos da crítica de dança Helena Katz. Esta coreografia teve uma busca de relação entre características da técnica de Cunningham e a proposta de       

31Algumas dessas divulgações encontram-se disponíveis em: <http://www.cialouveira.com/blog/?p=250>;

<http://idanca.net/tags/gicia-amorim>;

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trabalhar os gestos de Katz, como o próprio nome diz: Dança de Katz em Merce Cunningham.

Pode-se dizer que já nesta fase inicial – e especialmente aí – surge a reflexão sobre as peculiaridades da noção de autoria. Este é um momento em que a vivência da proposta de Cunningham está forte no trajeto de Gícia enquanto artista/pesquisadora e, portanto, evidencia-se essa aproximação com o que ela está recentemente vivenciando, sendo refletido em seu trabalho. Mas até que ponto pode-se pensar em algo como sendo reprodução ou sendo autoral? Especialmente em arte, talvez não exista nem uma coisa nem outra; talvez seja impossível a reprodução fiel, ao mesmo tempo em que pode ser impossível algo totalmente autoral.

Em 2001, ela desenvolve a coreografia Rizoma, cujo

nome foi escolhido por Gícia a partir das colocações dos filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari32, que cunharam o termo rizoma. Os filósofos adotaram o termo da botânica, onde o

rizoma ocorre em alguns tipos de plantas que não possuem uma raiz principal, à qual todas as demais ramificações estariam subordinadas. Conforme apontam Deleuze e Guattai, o rizoma traz consigo alguns princípios, dentre os quais, os filósofos colocam que:

qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo. É muito diferente da árvore ou da raiz que fixam um ponto, uma ordem. [...] Inexistência de unidade ainda que fosse para abortar no objeto e para "voltar" no sujeito. Uma multiplicidade não tem nem sujeito nem objeto, mas somente determinações, grandezas, dimensões que não podem crescer sem que mude de natureza (as leis de combinação crescem então com a multiplicidade). Os fios da marionete,       

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considerados como rizoma ou multiplicidade, não remetem à vontade suposta una de um artista ou de um operador, mas à multiplicidade das fibras nervosas que formam por sua vez uma outra marionete seguindo outras dimensões conectadas às primeiras. (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 14-15).

Neste trabalho coreográfico, Gícia procurou abordar essas ideias relativas à noção de rizoma, através de sua dança. Ela executa praticamente todas as movimentações no chão, na horizontalidade, utilizando-se de seu vocabulário técnico e coreográfico. É interessante observar o fato de Gícia realizar bastante movimentação de chão em uma coreografia que está cronologicamente próxima ao período em que vivenciou mais estreitamente a técnica Cunningham – que praticamente não se vale de movimentações de chão. Nota-se que já no início de seu processo criativo coreográfico, havia uma busca por sua assinatura enquanto artista-criadora.

Gícia recebeu premiações em sua carreira, mas uma das mais marcantes foi quando, em 2002, ela recebe o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Este foi um importante reconhecimento de seu trabalho como artista da dança, pois neste momento já buscava ser reconhecida por seu próprio trabalho e não simplesmente por ser uma “representante” de Merce Cunningham. Conforme ela mesma faz um comentário: “As pessoas confundiam e diziam que meu trabalho era uma cópia do de Merce Cunningham. O prêmio foi importante porque foi um reconhecimento do lado autoral do que faço” (Amorim, 2004).

Esta frase dita por Gícia Amorim evidencia que este aspecto que se refere à necessidade de busca por uma proposta reconhecidamente própria é um ponto recorrente nas reflexões sobre seu trabalho. No subcapítulo “A questão da autoria” - esta discussão será retomada, com o intuito de dialogar com as diversas peculiaridades envolvidas em uma temática que aborda a noção de autoria, mas que também acaba por abarcar reflexões sobre singularidade e fidelidade.

Dando prosseguimento em sua trajetória, por volta de 2004 Gícia cria os trabalhos Fluxion e Fluxion II, baseados na

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Fluxion, a ênfase é na velocidade, na aceleração, na mudança, e

em Fluxion II – cuja elaboração foi possível por Gícia ter recebido

o Prêmio Rumos Itaú Cultural - como continuação do primeiro, o

movimento acontece em ondas que se aceleram e se retardam, continuando com o foco no jogo permanente de mudanças, de variações.

Figura 4 – Fotografia de Gícia Amorim na coreografia Fluxion II,

no Rumos Itaú Cultural Dança 2003. Fotografia: Gil Grossi.

Fonte: Disponível em: <http://novo.itaucultural.org.br/explore/rumos/ artista/?ed=1187&artista=748&obra=2023>, Acesso em 04 Jan. 2013.

O material de divulgação do Rumos Itaú Cultural Dança 2003 traz uma sinopse deste trabalho coreográfico, apontando breves considerações sobre a relação entre o tema no qual se baseou a coreografia e características da criação coreográfica desenvolvida por Gícia Amorim:

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decompondo nas cores do arco-íris, as cores do arco-íris se tornando ondas na água. O primeiro fluxion é a velocidade e o segundo, a aceleração, a mudança da mudança. Na coreografia Fluxion II, o movimento acontece como ondas que se desdobram, aceleram e retardam, modificadas pela intenção individual do momento e pelo acaso, num jogo permanente de mudanças.33

Entre os anos de 2007 e 2009, Gícia desenvolve as coreografias Relevo Inverso, Nervura e Desdobramentos. Em

Relevo inverso é possível observar a exploração de

ideias-formas, onde o obstáculo é uma ferramenta nesta investigação das movimentações presentes na obra34. Na sequência, foi criada a obra Nervura, onde Gícia explora os muitos caminhos

que se difundem e se expandem – a partir daquilo que foi sintetizado - e que efetuam trocas e mudanças, através das movimentações35. É válido ressaltar neste trabalho o forte uso de movimentações realizadas no chão, que se justificam justamente em função da temática trabalhada.

A grande quantidade de movimentações realizadas por Gícia no chão – da mesma forma como ocorreu em Rizoma - é

um ponto a ser observado especialmente no que se refere a pensar na relação entre sua proposta de dança e a proposta de Cunningham, já que este utilizava muito pouco as movimentações de chão. Em diversas de suas obras, Gícia explora movimentações de chão, mas ao mesmo tempo também conserva, de alguma forma, características que remetem à proposta cunninghamniana. É possível observar, por exemplo, as linhas de flexão na parte alta de seu tronco (arch), provenientes

da ténica Cunningham, além de usar em seu processo de composição a separação entre música e dança.

      

33Sinopse do trabalho coreográfico Fluxion II. Disponível em: <http://novo.itaucultural.org.br/explore/rumos/artista/?ed=1187&artista =748&obra=2023>, acesso em: jan. 2014.

34 Informação presente no folder de divulgação do evento O feminino na dança 16ª edição. 14 de março a 8 de abril de 2007.

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Figura 1 –   Fotografia de Gícia Amorim e Merce Cunningham,  no  Studio de Merce Cunningham, em Nova  Iorque, no verão de 2000
Figura 1 –  Fotografia de Gícia Amorim e Merce Cunningham, no  Studio de Merce Cunningham, em Nova Iorque, no  verão de 2000
Figura 2 –  Fotografia  de  Gícia Amorim no Studio de Merce  Cunningham, em Nova Iorque, no verão de 2000
Figura 3 –  Reportagem veiculada pelo Jornal O Estado de São  Paulo, em 19 Jun. 2001.
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