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Breves considerações sobre o estado mental das hystericas

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BREVES CONSIDERAÇÕES sonnis o

I!

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IIL K ISTIfi

DISSERTAÇÃO INAUGURAL APRESENTADA Á

ESCOLA MEDICO-CIRURGHCA DO PORTO

POETO

TYPOGRAPHIA DA REAL OFFICINA DE S. JOSÉ Rua do Alexandre Herculano

1897

(2)

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(3)

Conselheiro­Director

DR. WENCESLAU DE SOUZA PEREIRA DE LIMA

Secretario

RICARDO D'ALMEIDA JORGE

O O E , Ï » O D O C E N T E LENTES CATHEDRATICOS I.* Cadeira—Anatomia descriptivae

o a8p I j L í ' V '••/■■ João Pereira Dias Lebre.

l'a c»t]ïl~u"yslû.'°eia • • , ­ , ■ Antonio Placido da Costa,

á.a Cadeira—Historia natural dos

4 a nre„dZ?^'ept0f, e,m a t e r i a medica. Illydio Ayres Pereira do Valle.

4.a Cadeira—Pathologia externa e

B . ' f Œ f t ^ " ' ; • • : • Antonio Joaquim de Moraes Caldas. 5­a Cadeira ­Medicina operatória . Eduardo Pe?eira Pimenta, b.a Cadeira—Partos, doenças das

mulheres de parto e dos recem­

7anra SHÍÍ°0 S'D'*r. ' • ' •• ' • • U r­ Agostinho Antonio do Souto.

t."- Cadeira—Pathotogia interna e

j ' ^ r a P ^ ' i r a j n t e r n a Antonio d'Oliveira Monteiro. s. Cadeira­Chnica medica . . . Antonio d'Azevedo Maia. in a rV e;r a­ ÇI l n;c a Cirúrgica . . Cândido Augusto C. de Pinho.

U.a Cadeira­Ana omia pathologica. Augusto H. d'Almeida Brandão. il.a Cadeira—Medicina legal, hygie­

ne privada e publica e toxicolo­

i9„g<iaJ ■' V , ' , ' , ■■'.' ■ ', ■ • R'cardo d'Almeida Jorge,

u a Cadeira—Pathologia geral, se­

miologia e historia medica. . . Maximiano A. d'Oliveira Lemos. Pharmacia Nuno Freire Dias Salgueiro.

LENTES JUBILADOS

Secção medica . . . ) D r­ J o s e Carlos Lopes,

c ' i José d'Andrade Gramaxo. Secção cirúrgica . pedro Augusto Dias.

LENTES SUBSTITUTOS

Secção medica . . . ! J°ã o L oPes da Silva Martins Junior.

'I Alberto Pereira P. d'Aguiar.

Secção cirúrgica . . . . ) Roberto B. do Rosário Frias. / Clemente J. dos Santos Pinto. LENTE DEMONSTRADOR

(4)

A Escola não responde pelas doutrinas expendidas na dissertação e enunciadas nas proposições.

(5)

DE ASSIS SOUZA VAZ

Do conselho de Sua Magestade, commendador das ordens de Nosso Senhor Jesus Christo e de S. Maurício

e S. Lazaro, doutor em medicina,

lente jubilado e director da escola medico-cirurgica do Porto, nascido a 7 de agosto de 1797 e fallecido a 6 de abril de 1870, o qual, havendo projectado deixar um legado á dita escola

para o seu rendimento ser applicado ao

aperfeiçoamento e derramamento dos conhecimentos medicos, bem como a subsidiar alguns alumnos necessitados, e não tendo podido realisar tão util pensamento, foi este interpretado

por sua irmã e herdeira D. Rita de Assis

de Souza Vaz, legando á mesma escola e para o fim indicado, sessenta inscripções da divida publica nacional do valor

nominal de 1:000^000 réis cada uma.

EM TESTEMUNHO DE GRATIDÃO,

O. D. C.

O ALUMNO PENSIONARIO,

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-A. IfcÊEMCWRXA.

DA EX. a SNR.1

D. RITA DE ASSIS DE SOUZA VAZ

«Ser orphãol não ter na vida Aquillo que todos tem ! E' como a ave sem ninho... E' qual semente perdida Que, ao voltar do seu eirado O lavrador descuidado Deixou tombar no caminho. «E quando vem a tormenta Arrancal-a sem piedade, A triste não se lamenta, Da sua triste desgraça! Erva da rua... quem passa Pôde esmagal-a á vontade.

G. JUNQUEIRO.

Assim era eu quando na infância perdi minha mãe! Aquella ternura que acalenta e sorri e beija e ama quasi não foi para mim mais duradoura do que a luz phosphorescente do relâmpago. Era creança mas precisava ser homem.

Como a avesinha implume eu queria vour, estender as azas, fitar a luz, mas ai ! . . . a cada tentativa esperimentava uma queda sem uma mão carinhosa que me sustentasse, e, no meio dos de-salentos, acomchegando-me ao seio me dissesse : — «filho, vem!...»

A minha vontade persistente não queria reconhecer obstá-culos^ mas a cada passo me assaltava o pensamento de que era orphão e pobre! Abandonado ás proprias forças, luctava com o desespero do naufrago para attingir o meu fim. Consegui muito á força de trabalho; mas o mais difficil restava ainda e quasi me senti desfallecer no meio do combate.

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Sim, esse legado foi a minha taboa de salvação.

Dadivosa senhora : — Para corresponder ao beneficio que me prestastes, não basta a dedicatória d'esté pequeno escripto, onde, por vezes, escasseia o talento e o saber ; não bastam estas poucas linhas desconnexas posto que repassadas da mais pro-funda gratidão, porque tudo isso é pouco.

A vossa mão foi a mão da caridade que me abriu as portas do futuro; a vossa alma foi a encarnação mais sympatic» da vir-tude e os vossos lábios, ao que parece, nunca despediram outra palavra, nascida do coração, que não fosse a do — amor !

Eu era orphâo e encontrei em vós uma segunda mãe; era pobre e consegui uma posição social com o vosso auxilio ; alen-tastes-me, protegestes-me, ungistes-me com o bálsamo de uma dedicação extrema, que eu não sei agradecer.

Finalmente, senhora, perfeitamente conheço que nenhum valor pode ter esta dedicatória dictada pela ternura e acadinhada na fragua do sentimento ; porém, para corresponder a tamanho affecto, já que fostes tanto como aquella que me deu o ser, per-mitti que me assigne como vosso filho.

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Á SAUDOSA MEMORIA

DE

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A MINHA ÍRMÃ

Nunca esquecerei o que por mim fizestes.

A MEU CUNHADO

Sincera amisade.

-A. Is/EETX P R I M O

(10)

Ao Eac.

mo

e Rev.

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Snr.

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ONSO DA JloUTElRA

EEITOR DE VILLAK DE MOUROS

Fostes vós que diffundistes no meu cérebro os primeiros lampe-jos da scieneia, e nâo obstante abandonar a carreira a que me des-tinava, tive sempre em vós o meu primeiro amigo. Servos-hei

eter-namente grato.

A os EûG.

mos

e Reo.

mos

Snrs.

P.

K

Manoel José Affonso da Veiga

P.

E

José Januário Alvares Rodrigues

Também vós concorrestes com um punhado de argamassa para este pequeno edifício.

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ANTONIO MARIA GUERREIRO

E A SUA EX.MAM A QWD SNR. A

EMÍLIA

De ninguém recebi tantas provas de consideraçSo e es-tima.

Á MINHA AFILHADA

.A. ID E L13NTI3NT HL .A.

Um beijo.

AO MBÇT AFILHADO

©SÉ LE&<

Muito affecto.

(12)

Ao Eœ.

mo

Snr.

MEDICO DO HOSPITAL .DE CAMINHA

O vosso nome n'esta m i n h a u l t i m a prova escolar significa o mais profundo respeito por u m caracter digno e u m a alma ima-culada. Acceitae estas palavras como proferidas por u m a bocca que n u n c a soube lisongear nin-g u é m .

Aos Ex.

mos

Snrs.

flJr. Curiano Tlntonio pexáva ïra Siba

25r. Jratmsro Kibfiro tlobre

|).

e

Jflanoel JElartins Capella

(13)

AOS MEUS AMIGOS P.e José de Carvalho

P.e Manoel de Carvalho

P.e João Lui\ Barge

P.e ^Manoel Joaquim Pereira

P.e João Manoel Nogueira Marinhas

P.e Lui\ Serro

P.e Antonio José Alves Rosa

P.e José Alves Passos

P.e Manoel Lourenço de Araújo

P.e Francisco Emilio Ribeiro

José Julio Pinto Ribeiro

João Evangelista Gomes Ribeiro Francisco José de Sousa

Albino José Rodrigues Leite Damião José Lourenço

José Antonio Domingues Maia José Antonio Baptista

(14)

A

E' tão pouco o que te ofiereço que me envergonho de t'o offe-recer.

(15)

Dr. Antonio Joaquim de Moraes Caldas

Nunca esquecerei um anno que vos acompanhei como interno nas clinicas do Hospital.

(16)

MD§ H d i i ©©M®3§«(U)(L©i

AOS MEUS CONTEMPORÂNEOS

AOS MEUS AMIGOS

^

8

&§fefe * « M f e

Um abraço do vosso

(17)
(18)

AO CORPO DOCENTE

B COM ESPECIALIDADE AOS EX.M 0 8 SNRS.

Dr, Roberto Belarmino do Rosar/o Frias Dr. Antonio d'Azevedo Maia

Dr. Agostinho Antonio do Souto

Dr. Ricardo d'Almeida Jorge /<jh , _.. . CS/ * ^"" ** Dr. Clemente J. dos Santos M R J &s**s<*+

(19)

O ILL.MO K EX."" SNR

4. Os

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GS/eiwla tm uaMe

(20)

CRITICA ETIOLÓGICA

Um grande numero de factores, como o alcoolismo, as paixões depressivas, os sustos, os traumatismos, surma-nage de qualquer ordem, educação, profissões, affecções nervosas orgânicas, que concorrem para o depauperamento do organismo, para o esgotamento nervoso, trazendo como consequência a degenerescência, constituem, por via de re-gra, os agentes provocadores dos phenomenos hystericus, quando encontram um terreno apropriado, quando a sua victima pertença a uma família nevropalha.

A hereditariedade pathologica desempenha na hyste-ria, como em todas as doenças mentaes, um papel abso-lutamente preponderante.

Segundo Briquet 25 por % das hystericas tem os pães portadores de doenças nervosas ou de affecções do encephalo. A hereditariedade directa é frequente e, segundo o mesmo auctor, metade das mães hystericas produzem fi-lhas hystericas.

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As circumstàncias exteriores que provocam a appari-ção da hysteria só terão efflcacia quando encontrarem uma predisposição sufflciente. A invariabilidade da doença nos seus caracteres fundamentaes, a presença dos estigmas re-veladores, constituem argumentos de alto valor, postos em evidencia por Charcot, para demonstrar que existe uma hysteria apenas, podendo ser provocada por uma multidão de agentes, e não tantas variedades quantos os agentes pro-vocadores.

A hereditariedade mórbida encontra-se d'uma maneira quasi constante em casos d'esta ordem, e geralmente tanto mais accentuada quanto as causas forem mais insignifi-cantes.

Pôde considerar-se Morei como iniciador do movimento moderno no que respeita á hereditariedade das doenças nervosas; foi mais longe que os seus predecessores no es-tudo, e sobretudo na systematisação philosophica da acção reciproca da degenerescência e da hereditariedade. Para elle, a degenerescência devida a condições sociaes diver-sas, em particular ás intoxicações e sobretudo ao alcoo-lismo, pôde transmittir-se, accumular-se por transmissão hereditaria e a tara mental ir-se-hia aggravando de

gera-ção em geragera-ção.

Magnan exprime-se da maneira seguinte quando se refere a este assumpto : — "Os ascendentes fazendo-se no-tar por um exaggero do temperamento nervoso, produzem hystericas, epilépticos, hypocondriacos; estes procrearão alienados; estes terão por descendentes imbecis e idiotas, que em ultima analyse se tornarão estéreis,,.

O papel predisponente na etiologia das doenças ner-vosas passa muitas vezes desapercebido, ou então fica

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oc-35

culto na sombra de certas causas d'uma importância appa-rentemente grande, mas que na realidade não passam de causas puramente determinantes.

Ninguém duvida hoje que o traumatismo provoca os

• accidentes hystericus somente em casos de predisposição. Percorrendo a lista das observações de loucura puer-peral apresentada por Esquirol e outros, ver-se-ha que a gravidez, o parto, a lactação não fazem mais do que des-pertar um gérmen transmittido por herança. Não será ainda o mesmo com a loucura brightica?

Considerava-se o alcoolismo como uma das principaes causas da degenerescência; mas Lasègue diz que a sede do alcool é o primeiro indicio dum estado cerebral palho-logico. Para se chegar a ser alcoólico é necessário ser-se alcoolisavel, diz Fere. Pôde dizer-se ainda o mesmo a respeito dos excessos venéreos, dos excessos de trabalho in-tellectual, ou de quaesquer actos viciosos, que parecendo ser causas de névroses, não são na realidade, mais do que os primeiros symptomas d'um estado nevropatha.

As paixões violentas são plienomenos da mesma or-dem; é com razão que se diz que a cólera é uma loucura passageira, e os sugeitos bem equilibrados nunca chegam a attingir extremos. Não é sem razão que Franck descreve o amor desregrado como uma doença nervosa : — não ha loucos d'amor; ha amor de louco.

O mesmo acontece com as emoções moraes fortes ; o medo, a alegria, a tristeza, que como se sabe, concorrem d'uma maneira poderosa para a hysteria, para a neurasthenia e ainda mesmo para a alienação mental, só fazem sentir os seus effeitos desastrosos nos indivíduos mais ou menos predispostos. As causas moraes não fazem mais do que

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des-pertar a predisposição ; prova-se isto pelo facto de muitos membros da mesma família se tornarem alienados após um terror.

E' verdade que a hysteria tanto se pôde encontrar no homem como na mulher, e isto comprehende-se, desde que se passou a considerar esta doença não de natureza uterina, mas como uma degenerescência. O facto, porém, de ser mais vulgar na mulher é devido a que n'ella as faculdades affectivas desenvolvem-se de preferencia ás faculdades mais solidas, e além d'isso porque a mulher é já de si uma de-generada.

N'este ponto transcreverei algumas linhas do eminente professor da Escola Medica de Lisboa, Miguel Bombarda.

"Se a idêa, de que a mulher é uma degenerada, é uma noção nova, no seu mais grosseiro aspecto é antiga, pôde mesmo dizer-se de todos os tempos.

Philosophos e naturalistas, religiões e sociedades subscrevem á opinião da inferioridade da mulher.

E' preciso chegar ao tempo presente para assistir ao espectáculo, quantas vezes ridículo de tentativas infructuo-sas em prol da independência da mulher e da sua eleva-ção até ao homem. E com esta propaganda a mulher vem concorrer com o homem na lucta pela vida, tenta assaltar os logares públicos e exercer carreiras liberaes, que até hoje só o homem tem seguido.

O mal não seria grande, se apenas se tratasse de al-gumas dezenas de degeneradas mais carregadas, que assim esterilisadas inutilisariam um elemento de degenerescên-cia da t espécie. Mas a propaganda, como as necessidades

da existência, arrastam cada vez maior numero de mulhe-res.

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Quando digo, que a mulher é uma degenerada, é claro que a phrase não aspira a mais do que exprimir, sob uma forma paradoxal, uma grande verdade, qual é a inferioridade psychica da mulher, sua estreita dependên-cia do homem, e um certo grau de anomalia mental, que a torna meio antagónico com o ambiente social.

A degenerescência, que resulta d'uma construcção ce-rebral defeituosa, representa-se pela ausência ou diminui-ção da faculdade de adaptadiminui-ção ao meio, e pela tendência á eliminação espontânea na successão das gerações.

Não é preciso conhecer a fundo os factos embriologi-cos para se saber que a sexualidade feminina simplesmente representa uma suspensão de desenvolvimento; isto basta-ria para carecterisar de teratologico o organismo da mulher.

Mas ha mais ; e é que essa suspensão evolutiva, se repercute sobre o restante organismo, de modo a im-primir fundos desvios do typo nominal. A reflexão incide particularmente sobre o craneo e no seu conteúdo; o me-nor volume e peso da massa encephalica já bastam para imprimir na mulher um estigma de inferioridade que se não pôde contestar.

A esta inferioridade anatómica corresponde evidente-mente inferioridade functional. Os sentidos femininos não teem sido objecto de particular estudo; d'alguns se pôde porém affiançar uma notável debilidade.

O tacto e o toque não teem a delicadeza de que o homem é susceptível ; e a prova está em que nunca se en-controu mulher que se tornasse notável em artes manuaes, nem na industria se viu nunca que fosse justo equiparar ao do homem, o salário da mulher; não é só questão de força muscular, é também e muito da habilidade manual,

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que tanto depende da perfeição do toque e de bem dis-postos arranjos de coordenação nos centros medullares.

A imperfeição dos sentidos accentua-se ainda em re-lação ao olfato e principalmente ao paladar.

E' facto de observação corrente a indifferença da mu-lher para questões de meza; ao mais que ella chega é á apreciação e á preferencia dos sabores fortes, como o as-sucarade. E todavia, se ha sentido educavel, é o paladar.

A analyse do espirito da mulher conduz ao mesmo resultado. Caracterisa-o primeiro que tudo uma excessiva impressionabilidade, que a faz vogar ao sabor dos acontecimentos minimos. E é porque é fácil a senti-mentalidade, que a mulher consagra as suas attenções e desvelos a objectos sem valor, que chegam a encher-lhe a vida. E' o amor da futilidade, das fitas e das sedas, dos brilhantes e das rendas, que se é certo obedecer a um intuito de garridice — outro estigma —nem por isso signi-fica menos preoccupação por inutilidades, visto que muitas vezes o resultado alcançado é opposto ao desejo de agra-dar.

O nivel intellectual feminino é evidentemente pouco elevado. Hoje ha muita occasião de se fazerem solidas com-parações a este respeito, porque as mulheres enxameiam no ensino secundário, e já galgam pelo ensino superior ; evidentemente aqui encontramo-nos com uma verdadeira selecção intellectual, porque são- as mais intelligentes que aspiram mais longe e conseguem romper por entre as dif-ficuldades do ensino do nosso tempo. Ora o que tenho visto é que c inutil procurar levantar um espirito feminino até aos céus da theorisação. Logo cae no terra a terra dos factos que mal aprecia e peor discute.

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Com a mulher, mesmo a mais finamente educada, mesmo a mais intelligente e illustrada, não ha conversação que paire, e sobre tudo se mantenha, nos puros domínios da intelectualidade; em pouco a attenção se desvia para objecto extranho, o fio lógico parte-se bruscamente, e não ha mais que seguir pelas superfluidades, senão pela ma-ledicência.

A fluctuação do espirito, sentimentos e factos intelle-ctuaes, attenção, reflexão, associação das ideas etc., dá final-mente a razão d'outro facto de observação corrente ; — é a indocilidade, o espirito de indisciplina da mulher, quando se não acha subjugada por algum sentimento poderoso. Tudo isto significa uma falta de vigor cerebral, que põe a mulher em nivel muito différente do homem.

Emfim, para fechar este estudo, olhemos aos factos hystoricos que tenham convertido a mulher em honesta celebridade. Qual é o nome feminino celebre nas sciencias, ou nas artes, na musica, na pintura ou nas lettras ?

Um século inteiro de liberdade feminina só dá mi-serável penúria como ultima medida do cérebro da mulher.,,

Terminada esta digressão, que não me parece inutil, entremos no assumpto que faz o objecto do meu trabalho, e veremos no seu decurso, se na interpretação dos es-tigmas hystericus, encontramos alguma cousa de semelhante entre estes e o caracter da mulher.

Por este pequeno resumo etiológico podemos, pois, concluir que a hysteria é um dos ramos da família nevro-patha e deve ser considerada como uma degenerescência,

Os symptomas hystericos, conservando, em grande parte, sempre o mesmo caracter, apresentam-se, comtudo, de dous modos diversos. Ora são essenciaes, constitutivos

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da doença, permanentes, e até certo ponto indifférentes á doente, que, sentindo-se enfraquecida, não pôde precisar o symptoma de que soffre ,• ora são accidentaes, passageiros ou pelo menos periódicos e penosos. Esta difference deu origem â dislincção ciassica entre estigmas e accidentes.

Se a separação é muitas vezes fácil, como acontece entre uma anesthesia e um ataque, nem sempre assim é : um mesmo symptoma tanto pode pertencer aos estigmas como aos accidentes. Ainda que não seja mais do que para commodidade, dividiremos o estudo do estado mental das hystericas em duas partes :

I.° Analyse dos estigmas mentaes.

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ESTIGMAS MENTAES

I

Anesthesia

Se percorrermos os trabalhos que, em numero quasi infinito, tem apparecido sobre hysteria, poucos encontra-mos que nos fallem das anesthesias hystericas; e alguns que a ellas se referem é muito de passagem ; e comtudo as marcas do diabo nas feiticeiras são provas assas con-vincentes, de que o seu conhecimento já vem de longa data.

Outros symptomas mais dramáticos e mais alarmantes punham de parte o mais frequente e o mais constante si-gnal de diagnostico.

Estudemos a serie dos estigmas hystericus; e esfor-çando-nos um pouco por penetrar na sua essência, encon-traremos sempre uma grande analogia entre cada um d'elles e a insensibilidade. A anesthesia desempenhará ainda aqui um papel importante na theoria mental d'esta névrose.

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Vejamos, pois, em que consiste a anesthesia hysterica, as diversas formas porque se manifesta, a sua mobilidade, o caracter contradictorio que, algumas vezes, tão acen-tuadamente apresenta e veremos depois se haverá alguma differença entre as anesthesias de causa orgânica e estas anesthesias tão extravagantes.

Um grande numero de hystericas, collocadas em condições, em que um individuo normal não deixaria de sentir uma sensação mais ou menos viva, conservam-se como se nada sentissem, não reagem se alguém as pica ou queima, interrogadas declaram não ouvir um ruido proximo ou não ver um objecto collocado diante dos olhos. Este é o facto, e é a esta attitude das doentes que se chama anesthesia.

A anesthesia hysterica pôde ser mais ou menos com-pleta, Umitar-se a uma diminuição da sensibilidade normal —hypoesthesia—difficilmente apreciável, ou abranger to-das as sensações, que o espirito humano é susceptível de sentir. Absolutamente todos os sentidos, lacto, muscular, gustativo, olfativo, visual, auditivo, podem ser attingidos isolada ou simultaneamente; a sensibilidade das mucosas, pelo menos das mucosas accessiveis, é igualmente modi-ficada, assim como a da pelle.

Quando o sentido é complexo, pôde desapparecer em parte e em parte ser conservado. A hysterica perde a sen-sação do tacto e conserva a da dôr, do calor ou da electri-cidade; a vista pôde perder a extensão do campo visual e conservar a sua agudeza ou o sentido das cores.

Seja qual fôr o órgão que estas anesthesias affectem, podem reduzir-se a três as suas formas variadas : Systema-tisadas, localisadas e gemes.

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43

As anesthesias systematisadas não abrangem um certo órgão ou uma dada região do corpo, e nem mesmo trazem o desapparecimento de todas as sensações, que qualquer sentido pôde receber. Não é uma mão que perde a sensibilidade total, não é ainda um ponto da pelle que se torna insensível ao calor ou á dor. Um grupo de sen-sações, formando um systema, passa desapercebido para a doente, emquanto que conhece todas as demais sensações provocadas pela impressão da mesma superficie cutanea ou do mesmo órgão.

Este género de anesthesia é facilmente apreciável du-rante o somnu hypnotico, mas pôde também observar-se durante a vigília. P. Jannet falia de duas hystericas em que esta forma de anesthesia era evidente. Uma, com as mãos absolutamente anesthesicas, conhecia sempre, só peio tacto, três objectos da sua toilette habitual; uma outra, egualmente anesthesica das mãos, conservava o tacto tão apurado para certa ordem de sensações, que conhecia, apalpando e sem espelho, se o penteado estava bem ou mal disposto segundo o seu gosto.

Não parece que n'estes casos a sensibilidade e insen-sibilidade estão distribuídas, não segundo as modificações physicas dos órgãos, mas obedecendo antes a certas idèas da doente que determinam a escolha das sensações senti-das, ou não sentidas?

As anesthesias localisadas são as que tornam uma região do corpo insensível para todas ou certas impressões. A mais frequente é a hemianesthesia, assim chamada por occupar uma das metades lateraes do corpo terminando na linha mediana. Quando é completa, nenhuma impressão

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d'esse lado, que quasi sempre-é o esquerdo, provoca sen-sações conscientes.

Nem sempre a distribuição da anesthesia é tão sim-ples como n'este caso. Acontece algumas vezes ver-se um cruzamento, isto é, a hemianesthesia existir na face, tronco e braços do lado esquerdo, e nos membros inferiores do lado direito.

Com tudo d'esta categoria de anesthesias a mais cu-riosa é a que Charcot descreve com o nome de segmentos geométricos.

Os membros inteiros, ou uma parte apenas, um dedo, a mão, os braços, as coxas tornam-se anesthesicas em toda a superficie, e a parte insensível acha-se rigorosamente limitada por linhas regulares, perpendiculares ao eixo do braço ou da perna.

Podem ainda observar-se uma espécie de braceletes de anesthesia sobre um membro, conservando-se o resto insensível, ou então apparecerem, sobre membros insensí-veis, pequenos braceletes de sensibilidade. (')

Esta distribuição não corresponde evidentemente a regiões anatómicas distinctas; não é o território innervado pelo cubital ou mediano que perde a sensibilidade, nem a area irrigada pela mesma artéria como o tinha supposto Briquet, que se torna insensível.

Esta localisação é toda physiologica, sendo essa phy-siologia grosseira e popular. Assim, na cegueira hysterica a anesthesia não sé limita á retina; estende-se á conjunctiva e mesmo ás pálpebras.

(32)

45

Parece que n'estas anesthesias localisadas, a associa-ção habitual das nossas sensações, a idea que fazemos dos nossos órgãos, concorrem d'uma maneira poderosa, para determinar a sua localisação!

De todas as formas de anesthesia as menos frequentes são as geraes, podendo, comtudo, invadir, d'uma maneira mais ou menos completa a superficie do corpo e supprimir tal ou tal categoria de sensações.

Convém fazer aqui uma observação importante, que se pôde egualmente applicar aos factos precedentes. Pôde a anesthesia ser completa, geral ou localisada, mas raras vezes é acompanhada de perturbações notáveis, nem objecti-vas nem subjectiobjecti-vas.

Vejamos em primeiro logar os factos pelo lado objectivo, estudando para isso o aspecto exterior dos membros anes-thesiados.

Sem duvida que, algumas vezes, a anesthesia hyste-rica se sobrepõe a outros accidentes, como espasmos, pa-ralysias, edemas, atrophias, ou ausência de hemorrhagia de-pois de varias picadas em pontos anesthesicos, contraria-mente ao que se dá na pelle sensível; observam-se ainda modificações nas funcções eliminadoras, principalmente no suor.

Seja porém qual for a importância d'estas observações em casos muito especiaes, o que não deixa de ser verdade, é que por via de regra, os órgãos anesthesiados, não apre-sentam perturbações physiologicas nem materiaes.

Uma mão aneslhesica não apresenta differença de temperatura, alterações na circulação, na coração da pelle, ou mesmo perturbações trophicas.

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cujo choque é o ponto de partida d'um movimento reflexo, este conserva-se; e se para alguns, se nota uma pequena diminuição, facto que se dá também nos indivíduos nor-maes, na maioria dos casos a sua conservação é indiscu-tível.

Uma anesthesia pôde ser também a causa de pertur-bações d'uma maneira indirecta, por falta de precaução to-mada para assegurar a vulnerabilidade dos membros, facto que tantas vezes se observa na syringomielia ; e comtudo poucas são as hystericas que apresentam contusões ou quei-maduras nos pontos em que falta a sensibilidade para a dôr ou calor.

Esta anesthesia não impede que a doente se proteja contra os agentes externos.

Esta ausência relativa de perturbações objectivas acom-panha-se muitas vezes da falta de phenomenos subjectivos a tal ponto que a anesthesia não é percebida pela doente. Quantas vezes acontece, e pôde dizer-se que na maioria dos casos, deparar, depois d'um exame bem feito, com anesthesias as mais profundas e bastante extensas, em doentes que nunca tiveram d'ellas o menor conhecimento?

Lasègue assignalou muitas vezes esta ignorância nas hystericas e Charcot diz que ellas chegam a ficar surpre-hendidas quando se lhes falia da sua anesthesia.

Muito différentes são as anesthesias de causa orgânica em que, não só as doentes teem d'ellas verdadeiro conhe-cimento, mas até sentem um mau estar, uma sensação pe-nosa, horrível, como acontece na mascara tabetica.

Para não ir mais longe com estas considerações ter-mino dizendo que a anesthesia hysterica tem caracteres próprios, e na sua distribuição systematisada ou localisada,

(34)

47

impera sempre a idea da doente, sem nada ter com a ana-tomia da região.

Antes de entrar numa tentativa de explicação d'estas anesthesias, convém examinar de perto os factos como se nos apresentam, e estudal-os com toda a precisão que seja possível.

E' sabido que uma anesthesia de causa orgânica é de-vida a lesões mais ou menos extensas do systema nervoso, resultando d'ahi ser quasi sempre definitiva, ou então só desapparece muito lentamente á medida que se effectua a reparação dos centros lesados. Já não acontece o mesmo com as anesthesias hystericas, pois que um dos seus cara-cteres é a mobilidade.

Certamente que em algumas se conserva este estigma durante annos ou mesmo toda vida; mas na grande maioria dos casos, a anesthesia modifica-se e desapparece mesmo completamente em períodos mais ou menos longos. "Varia d'um momento para o outro, diz Ch. Fere, sob a influencia de causas tão insignificantes que podem passar desaper-cebidas.,,

Quaes são essas causas?

Em primeiro logar são os ataques que modificam d'um modo considerável as zonas de insensibilidade. Muitos aucto-res teem assignalado um augmento de anesthesia no mo-mento que precede o ataque; e P. Jannet diz, que embora raras vezes, também notou ophenomeno inverso. Para jus-tificar a sua asserção apresenta o caso d'uma doente anes-thesica total, que adquiria a sensibilidade meia hora antes do ataque.

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estado habitual ; outras porém conservam durante muito tempo as anesthesias, sendo algumas vezes mais extensas.

Uma outra causa modificadora da anesthesia é o somno natura], chegando a doente a adquirir a sensibilidade cu-tanea. M. Dutil fez esta observação n'uma aneslhesica do lado esquerdo ; picava-a d'esse lado no estado de vigilia e não sentia cousa alguma; picando-a durante o somno acor-dava subitamente e gritava "Tu picas-me.„

Vem depois certas intoxicações, que provocando uma excitação passageira ou análoga ao somno, diminuem a anesthesia. Certa hysterica, anesthesica total, tornava-se inteiramente sensível, quando se embriagava. Acontece o mesmo com o chloroformio no período de excitação, e ainda com as injecções hypodermicas de morphina.

Muitos phenomenos psychicos taes como emoções vivas, preocupações, etc., produzem, modificam, e outras vezes fazem desapparecer a anesthesia ; mas o phenomeno psy-chico que mais influe na anesthesia hysterica, é a attenção.

Pôde apontar-se, emfim, como causas de mobilidade das anesthesias, o somno hypnoticoe a suggestão.

Não param ainda aqui os caracteres extravagantes da anesthesia hysterica, e uma nova serie de observações com-plica mais o problema, porque esta anesthesia não só sé apresenta movei, mas até certo ponto contradictoria. Lasè-gue diz que ella tinha um aspecto extranho e parecia uma perturbação psychica, uma espécie de alienação.

Os estudos sobre a amaurose unilateral vieram con-firmar estas concepções theqriças. Certas doentes parecem ter perdido,totalmente a visão d'um olho, e dizem ficar na escuridão fechando o outro.

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desmas-49

carar certos recrutas astuciosos, fazem uso. nos conselhos de revisão, d'um apparelho, a caixa de Flees, que graças a um jogo de espelhos, inverte a imagem de dous objectos collocados dentro. Supponhamos um simulador, que dizen-do-se amaurotico do olho direito, olhava com ambos os olhos, e via á sua direita um objecto vermelho, por exem-plo, que só podia ser visto com o esquerdo, e á sua es-querda um objecto branco visível apenas pelo olho direito; desconhecendo o segredo da caixa, diria que via o objecto branco collocado á esquerda quando não podia ser visto senão pelo olho que dizia lesado. Pois bem, mostre-se esta caixa a uma hysterica amaurotica d'um lado, e ella cairá no mesmo erro do simulador, ou então não terá duvida em confessar que vê os dous objectos claramente.

Charcot e Regnard fizeram varias observações acerca d'um problema muito visinho; o da dysehromatopsia uni e bilateral.

"Uma hysterica vê nitidamente o vermelho e não vê o verde: e se comtudo se fizer girar diante dos olhos um disco de Newton com estas duas cores dispostas conve-nientemente, verá uma cor branca cinzenta. A doente re-construirá a cor branca, com a vermelha que vê e outra que não vê.„ (')

"Uma menina a quem apparecia o ataque logo que visse um rato, e tendo o campo visual reduzido a 5" pro-vocava-se-lhe um novo ataque, collocando-lhe um ralo em-palhado entre 50° e 55°,,.

Vejamos agora se, depois destas observações, será

Q) P. Jannet. idem.

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possível, de qualquer modo, interpretar estes phenomenos. O problema da anesthesia hysterica não só é d'uma solução dilflcil, mas pode dizer-se, que até certo ponto é impossível. Reunir os factos em apparencia contradictorios e reduzil-os a uma formula simples que, embora não os ex-plique, pelo menos os abranja, é o que vamos tentar.

Deve por-se de parte a interpretação da anesthesia nas hystericas, considerando a como uma simulação, só pelo simples facto de ser movei e contradictoria.

Como poderiam entender-se as hystericas de todos os tempos e paizes, a ponto de simularem a mesma cousa? Que utilidade lhes adviria d'isso?

E' preciso sair d'estâs explicações grosseiras, e visto que a anesthesia se nos apresenta como um phenomeno psychico, vejamos, se entre as poucas noções que a psy-chologia nos fornece, se encontrará explicação para esta or-dem de factos.

A anesthesia hysterica é uma espécie de distracção, dizia Lasègue.

"Um individuo distraindo por uma grande preoccupa-ção, não percebe sensações, que em outra situação do es-pirito, difflcilmente tolerava.

E' provável que as hystericas, cujo estado mo-ral tantas singularidades apresenta, adquiram pelo facto da doença, uma espécie de preguiça que as torne impoten-tes na percepção de certas modalidades psychicas,,. (')

Dizer isto seria approximar um pouco da verdade e nada mais.

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Ora vejamos em que consiste o — sentir, ver ou ouvir. N'este phenomeno psycliologico — eu sinto —vamos encontrar dous elementos distinctos: o eu que sente e a impressão sentida. Dizer eu sinto, é dizer que a persona-lidade enorme, já constituída, tomou, absorveu, assimilou emfim, uma nova sensação, que se acaba de produzir.

Podemos pois representar, o que vulgarmente se chama sensibilidade, por uma operação a dous tempos ; no primeiro produz-se no espirito, ou nas cellulas corticaes do cérebro, se assim se quizer, um numero infinito de pequenos pheno-menos psychologicos elementares, devidos a innumeraveis excitações exteriores, recebidas por qualquer órgão. Estes phenomenos podem ser chamados subconscientes, e o que os caracteriza, é serem phenomenos psychologicos simples, isolados, sem intervenção da idèa de personalidade, mas reaes.

No segundo tempo opera-se a synthèse, reunem-se en-tre si, e vão fazer parte, por assim dizer, do elemento — personalidade.

E' somente depois d'esta ultima operação que se pôde dizer—eu sinto. Para nos servirmos sempre das mesmas pa-lavras designaremos esta ultima operação com o nome de percepção pessoal.

Ora a cada momento recebe o homem um sem numero de impressões, que formam outras tantas sensações subcons-cientes, reaes, e tendo uma funcção importante na vida psychica do individuo; destas porém só algumas se tor-nam conscientes, e se transformam em percepções pes-soaes.

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pheno-meno visual ou auditivo, e não poderá dizer o mesmo d'ou­ tros concomitantes, musculares, olfativos, etc.

Qual é o numero de sensações elementares, que um homem pôde reunir n'uma percepção pessoal, não se sabe; mas por muito variável que seja a extensão do campo da consciência, podemos, para continuar a demonstração, as­

signalar­lhe limites. (■;

Supponhamos pois que um individuo pôde perceber, num momento dado, três sensações elementares ; no mo­ mento seguinte perceberá outras três, e assim successiva­ mente, até que, a breve trecho, tem recebido todas as impres­ sões que um objecto lhe pôde dar, e d'esté modo formará d'elle um verdadeiro juizo, terá d'elle um perfeito conheci­ mento.

Aquelle que se demorar a analysar, mais detidamente, certas impressões que lhe agradam ou desagradam, dei­ xará, durante esse tempo de sentir outras, e aqui temos nós um distrahido. Um passo mais e teremos a representação theories da anesthesia hysterica.

Admittamos ainda, e isto não repugna, que o campo da consciência d'uma hysterica se tornava cada vez menor, que se apertava cada vez mais. O numero de percepções seria cada vez menor, fixaria a sua attenção n'um limita­ díssimo numero de objectos, que lhe pareciam mais curio­ sos, e reservaria o pequeno numero de percepções para as sensações que julgasse mais importantes; sem duvida que esta doente teria consciência apenas d'essas, desco­ nhecendo todas as outras. D'esté modo, por esta espécie de distracção, por este mau habito psychologico tornar­se­hia uma anesthesica. Tal é a interpretação que damos da anes­ thesia hysterica.

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Para completar este capitulo resta fallar d'algumas anesthesias particulares.

1.° Analgesia. A falta de sensibilidade para a dôr é a primeira que apparece; é muito frequente e muito profunda. Cedo affirmam as doentes, que não sentem dores prove-nientes d'um traumatismo, por exemplo, e nem mesmo apresentam as manifestações ordinárias da sensação sub-consciente. Não reagem, nem executam movimentos refle-xos, que a dôr subconsciente deveria provocar, o que não acontece já com as outras sensações.

2.° Anesthesia orgânica. — Dá-se este nome á perda de sensações que nos informam da vida dos nossos órgãos. Certas doentes não só perdem a sensibilidade dos mem-bros, mas deixam de ter a noção da sua existência. As sen-sações orgânicas de fome, sede, necessidade de urinar, ou defecar,, podem desapparecer egualmente. Quantas hysteri-cas se conservam dias e dias sem comer nem beber, não ex-perimentando por isso o menor incommodo?

3.° Anesthesia genital. — As sensações genitaes perma-necem intactas, não obstante haver a anesthesia da pelle e até mesmo das mucosas. Algumas hystericas perdem a sensação genital, perdendo n'esse caso, quasi sempre, o sentimento do pudor e mesmo da família.

4.° Anesthesia dos sentidos especiaes. — De todos o que merece mais attenção é o sentido visual; mas são tão varia-das as perturbações da vista em casos de hysteria, que se torna quasi impossível examinal-as. Tocaremos apenas, e muito de leve, n'um ponto importante, a extensão do campo visual. Quando se estuda este phenomeno, depara-se sem-pre com estes dous caracteres: o aperto e a extrema mo-bilidade. Parece seguir, quer augmentando, quer

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dimi-nuindo, todas as modificações que o espirito dos doentes soffre ; é como que o barómetro da hysteria.

Assim, o somnambulismo augmenta a extensão do campo visual, e o mesmo acontece com a suggestão, podendo esse augmento ir de 5o a 90°. Certos excitantes physicos

teem effeitos análogos. As influencias, que apertam o campo visual, são mais numerosas; todo o enfraquecimento phy-sico e ainda influencias d'ordem moral, taes como as preoc-cupações, as emoções e sobretudo as ideas fixas, como adiante se verá, concorrem para o diminuir.

Pôde variar, emfim, com a natureza do apparelho em-pregado para a sua exploração; o grau da attenção da doente concorre também e d'uma maneira poderosa.

Vê-se d'aqui como a potencia da percepção pessoal não pôde, quando é pequena, dirigir-se sobre um ponto sem abandonar qualquer outro.

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II

As amnesias

Pôde considerar-se demonstrado que um grande nu-mero de perturbações da intelligentsia, do caracter, da actividade e ainda mesmo do movimento, são, em ultima analyse, perturbações da memoria.

Um grande numero de factos muito frequentes nas hystericas como caprichos, suggestionabilidade, paralysias, mudanças de humor, ingratidões, as pretendidas mentiras, emfim, não se podem attribuir senão á falta d'esta facul-dade psychica.

Estas amnesias hystericas são quasi tão frequentes como as anesthesias, e o seu conhecimento é já muito an-tigo. Briquet exprime-se assim quando falia d'ellas:

"A faculdade de fixar a attenção encontra-se diminuída consideravelmente, d'onde resulta a memoria estar enfra-quecida e muitas vezes ser nulla nas hystericas. Eu vi uma doente em quem a amnesia tinha chegado a tal ponto, que não sabia contar o tempo; e um facto passado no dia an-terior não lhe parecia mais proximo do que outro passado annos antes.,,

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Charcot insiste muitas vezes sobre o mesmo facto, e diz que as amnesias das hystericas, victimas d'um trau-matismo, "não se limitam apenas aos acontecimentos rela tivos ao accidente mas lambem aos acluaes.,,

Para melhor estudar as perturbações da memoria que apresentam as hystericas, convém dividil-as em três grupos, como se fez para as anesthesias: amnesias syste-matisadás, localisadas e geraes, accrescentando mais um quarto o das amnesias continuas —que nada teem com as precedentes.

As primeiras, as amnesias systematisadas, são talvez as mais frequentes. As hystericas perdem, não todos os conhecimentos adquiridos durante um certo tempo, mas uma certa categoria, um certo grupo de ideas, formando um systema. Assim esquecerão o que se prende com um determinado acontecimento, ou todas as ideas relativas a uma certa pessoa.

P. Jannet apresenta nos um grande numero de obser-vações d'esté género e entre ellas a seguinte:

"Uma menina declaradamente hysterica, tendo passado três annos na Inglaterra, fallava e escrevia regularmente o inglez; mais tarde o seu estado peorou, e sobreveio lhe uma amnesia systematisada fácil de observar.

Esqueceu completamente a lingua ingleza, não podendo comprehender nem pronunciar mais uma palavra, e isto apenas no curto espaço de três mezes.,,

Podemos accrescentar a este um caso de observação propria, que não deixa de ter interesse. Uma menina hys-terica, educada n'um collegio, esquecia os nomes próprios, até mesmo das companheiras, com quem conviveu alguns annos, e muitas vezes a vimos embaraçada

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perguntando-57

lhe o nome das professoras. Fallava sobre qualquer as-sumpto que tivesse estudado,, sem nunca poder citar aucto-res, nem mesmo os dos compêndios porque estudou nas aulas.

As amnesias localisadas são ainda mais conhecidas, talvez por serem de mais fácil observação.

Aqui a doente perde os conhecimentos relativos a um dado período da sua vida.

O mais simples, mas não o mais frequente, é perderem depois d'um ataque, a idea d'esse ataque e da causa que

o produziu; outras vezes, além do facto principal, o sen

esquecimento estende-se a um período maior ou menor que o precede. Acontece ainda a amnesia abranger os actos posteriores ao ataque.

Em casos infinitamente mais raros, a amnesia pôde ser geral; a doente, depois d'uma serie de ataques, pôde perder d'uma maneira, apparentemente completa, todos os conhecimentos adquiridos durante a sua vida. Parece que nasce uma segunda vez, chegando mesmo a aprender de novo a 1er e a escrever. E' certo, porém, que são raros os casos d'esta ordem.

Todas estas amnesias representam a perda de conhe-cimentos adquiridos, reaes e tendo já feito parte da per-sonalidade; mas as hystericas podem apresentar uma ou-tra modificação da memoria, mais grave talvez do que a primeira.

Os conhecimentos são alterados ao passo que são ad-quiridos, ou mais ainda; a doente perde, d'um modo con-tinuo, a faculdade de os adquirir — amnesia continua.

Não se poderá chamar a esta perturbação da memoria uma amnesia, uma perda de conhecimentos adquiridos ;

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representa porém uma perda de conhecimentos, que uma pessoa normal adquiriria e como tal não se deve deixar no esquecimento.

Quasi todas as hystericas a apresentam n'um grau maior ou menor. Assim algumas recordam-se com precisão da sua vida de creança, conservam uma idea vaga do que fizeram aos quinze annos; esqueceram por completo tudo quanto se passou durante os últimos annos e tornaram-se incapazes de adquirir conhecimentos novos.

Algumas ha ainda, que, depois de terem passado ho-ras seguidas a 1er n'um livro, não saindo nunca da pri-meira pagina e voltando ao principio um sem numero de vezes, não conseguem dizer uma palavra do que leram.

Vamos comparar agora as amnesias hystericas com as anesthesias da mesma ordem, para ver se exisle alguma se-melhança entres os caracteres psychicos d'umas e d'outras.

I.° Nas amnesias systematisadas nota-se, como nas anesthesias, a influencia do pensamento sobre o sujeito. 2.° Do mesmo modo que a anesthesia não supprime os movimentos reflexos, assim também a amnesia não per-turba o funccionalismo intellectual, que não é mais do que a consequência immediata da memoria.

3.° Pondo de parte casos particulares, como a amnesia continua, a hysterica é tão indifférente á sua amnesia como á sua anesthesia.

4.° Nós vamos, emfim, encontrar aqui os dous caracte-res primordiaes da anesthesia hysterica — a mobilidade e a contradicção.

Podemos suppor que uma amnesia grave seja devida á destruição das modificações desconhecidas que as sen-sações imprimem no cérebro. Uma destruição material e

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definitiva das'cellulas cerebraes, que guardavam essas im-pressões, arrasta fatalmente o desapparecimento das ideas, dos conhecimentos, das imagens. Não acontece assim com as amnesias hystericas; o esquecimento, embora profundo, d'um certo grupo de conhecimentos não é perpetuo, e sob a acção de influencias diversas pôde desapparecer momen-taneamente ; o sujeito encontra todas as ideas que parecia ter esquecido.

Entre as causas que fazem desapparecer a amnesia podemos enumerar o ataque, o somno natural e o somnam-bulismo provocado.

Um outro caracter que parece existir n'este estigma hysterico é a contradicgão.

"Uma doente com uma amnesia de tal ordem que tinha esquecido todas as pessoas do hospital, procurava, sempre que sahisse do quarto, aquellas que mais se in-teressavam por ella e portanto sempre as mesmas. Quando via um cão, embora o mais inoffensivo, escondia a cara e soltava gritos de terror: ora este medo resultava de ter sido mordida, mezes antes, por um cão, mas actualmente não se recordava d'esse facto,,. (')

"Se interrogo a mesma doente e a convido a dizer ou escrever o nome do interno da sua enfermaria, depois de vários esforços para o conseguir, declara-se impotente.

Se outra pessoa, porém, a distrahir a ponto de eu lhe metter um lapis na mão direita, suggerindo-lhe em seguida que escreva o nome do interno da sua sala, ella escreve-o immediatamente (2)

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Nem sempre as cousas se passam d'irai modo tão simples como estas ; mas os factos positivos são bastante numerosos para se poder comparar a amnesia á anes-thesia.

A interpretação d'esta será a mesma d'aquella, e pa-rece-nos haver paridade. Ha distracções de memoria como distracções de sensação; se estas produzem a anesthesia, aquellas produzem o esquecimento A semelhança nota-se ainda quando se dirige a attenção das doentes n'um certo sentido; veem-se desapparecer momentaneamente amnesias e anesthesias. As amnesias hystericas podem pois ser con-sideradas como perturbações da synthèse pessoal.

Os elementos do conhecimento, a conservação e a re-producção das imagens, permanece intacta, mas ha uma falta de synthèse actual dos elementos psychologies, falta que impede a assimilação das ideias á personalidade.

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Ill

Abulias

A palavra abulia designa d'um modo geral uma alte-ração, e uma diminuição nos actos voluntários: applica-se á indolência, á hesitação, á impotência para o querer e ainda á indicisão, á falta de attenção para o pensar.

A abulia é muito conhecida dos alienistas que a teem observado, em grande escala, n'um grande numero de doentes, nos intoxicados pelo alcool, pelo ópio, nos neuras-thenicos delirantes, nos melancólicos e finalmente, n'um grande numero de doenças que arrastam comsigo o en-fraquecimento do systema nervoso. Encontra-se egualmenle na hysteria, e concorre, em grande parte, para a produ-cção de muitos phenomenos, bem como para o prognostico da doença.

As hystericas apresentam-se sob duas formas, sob dous aspectos, á primeira vista différentes: umas são in-quietas, agitadas, alegres; outras pensativas, tristes, me-lancólicas.

No fundo estes dous typos são approximadamente os mesmos.

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Interrogando a família acerca do começo da doença, a resposta será sempre esta : "começou a sentir-se indis-posta para o trabalho,,.

Briquet já tinha notado nas suas doentes a impossibi-lidade de trabalhar, e logo que começasse a apparecer a actividade, considerava isso como um born signal de cura. Não se pôde dizer que este estado de indolência em meninas, apparentemente robustas, seja devido ao seu ca-racter pessoal; primeiro porque não ha motivo para suppor que a hysteria ataque só as preguiçosas, mas além d'isso porque ha hystericas d'uma actividade reconhecida antes de se manifestar a doença.

O trabalho, salvo em casos de exercício puramente automático, é a primeira manifestação da actividade volun-tária ; reconhecida que seja uma impotência para aquelle, temos de admittir uma perturbação n'esta.

Um medico inglez, William Page, referindo-se ás hys-tericas diz:

"A hysteria é constituída essencialmente pelo enfra-quecimento do poder da vontade., . A falta encontra-se mais ifuma fraqueza da vontade do que na obstinação de não querer.,, M. Huchard resume o que diz a tal respeito n'estas poucas palavras. —"Elias não sabem, ellas não po-dem, cilas não querem querer,,.

Talvez se podessem dividir as abulias em três grupos, como as anesthesias e as amnesias; mas, por serem pouco conhecidas as duas primeiras, referir-nos-hemos apenas ás geraes.

O faeto mais apparente, que se observa n'uma hys-terica, em que ha abulia, é uma singular dificuldade nos movimentos; não pôde mover os braços ou estender uma

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mão para apanhar um objecto, não se despe muitas ve-zes ao deitar, não passeia, não responde ao que lhe per-guntam, e a propósito de qualquer cousa dará sempre a mesma resposta "não posso,,.

Algumas ha em que os seus actos voluntários se tor-nam apenas preguiçosos e demorados, tendo grande difi-culdade em tomar uma decisão ; tomada ella, a mesma dif-ficuldade em começar o trabalho para depressa o aban-donar.

A abulia observa-se ainda nos actos da vida intel-lectual e isto concebe-se, desde que se saiba, qua a von-tade não tem unicamente uma acção motora, mas que de-sempenha um papel importante nas funcções da intelli-gencia.

Considerada sob este ponto de vista, a vontade toma o nome de attenção e é com o auxilio d'ella que nós com-prehendemos, synthetisamos os phenomenos psychologi-cos inferiores, sensações e sentimentos, até chegarmos a formar a idêa das cousas.

A vontade considerada assim é egualmente pertur-bada nas hystericas portadoras de abulias.

A dificuldade de attenção foi já observada por Leu-ret, Billod e mais recentemente por muitos outros que lhe deram o nome de aprosexia.

"Aconteceu-me um dia, diz, Santa Thereza, que de-sejando 1er a vida d'um santo li quatro ou cinco vezes, umas após outras, algumas linhas, sem conseguir comprehender cousa alguma, não obstante o livro estar escripto em linguagem vulgar, vendo-me por esse motivo

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obrigada a abandonal-o; isto mesmo, já me aconteceu por varias vezes,,. (')

Factos d'esta ordem encontram-se hoje a cada passo. Qando a aprosexia é complexa, a doente, em geral é indifférente ao seu estado e não parece soffrer pedin-do-lhe para fixar a attenção porque na realidade não a fixa.

Nem sempre assim é; a aprosexia pôde ser atte-nuada, e n'esse caso a attenção é tarda e difficil ; um pe-queno esforço para comprehender, arrasta, e bem depressa, um cortejo de sofrimentos de todas as ordens, que obri-gam a doente a interromper o trabalho.

Estes phenomenos subjectivos que se produzem du-rante o exercido da attenção, acompanham-se de sym-ptomas objectivamente apreciáveis, como anesthesias no-vas e perturbações motoras, que mostram evidentemente a dificuldade do esforço.

Comparando agora as abulias com os estigmas já es-tudados, e accrescentando mais dous signaes que as cara-cterisam — a conservação dos actos antigos e a perda dos próximos e recentes; a conservação dos actos sub-conscientes e a perda da percepção pessoal — não será difficil vèr nas abulias hystericas os mesmos caracteres psychologies que foram assignalados para as anesthesias e para as amnesias.

Ha um aperto do espirito para os actos, do mesmo modo que para as sensações e para as imagens ; a dimi-nuição do poder de synthèse intervém tanto para

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ficar as acções como para transformar a sensibilidade e a memoria.

Os actos novos, adaptados a circumstancias variá-veis e complexas, exigem uma synthèse mais delicada, e são os primeiros attingidos ; os antigos repetindo-se quasi d'um modo inconsciente, são por assim dizer inalterá-veis.

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As perturbações do movimento

O movimento não sendo mais do que a traducção exterior, a expressão do pensamento, resente-se todas as vezes que este se encontra mais ou menos modificado.

N'este capitulo estudaremos apenas as alterações mais simples da motilidade, aquellas que se podem con-siderar consequências directas dos estigmas mentaes da hysteria.

Uma certa categoria de movimentos conserva-se, nas Irystericas, quasi como no estado normal ; e figuram n'esse numero os movimentos habituaes automáticos e os reflexos, salvo os que dependem da dôr nos casos de anal-gesia completa, porque esses desapparecem.

As alterações importantes devem ser procuradas nos movimentos voluntários, cujas perturbações geraes se en-contram, tanto do lado sensível como do lado insensível, com os caracteres seguintes:

1.° Os movimentos voluntários são demorados e a sua execução gasta mais tempo do que, ordinariamente, po-dendo essa demora ir de alguns segundos a meia hora.

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Varias experiências sobre este problema vieram con-firmar, que se o tempo da reacção consciente augmenta, o contrario se dava com o tempo da reacção subcons-ciente. Isto mostra bem que a demora não depende de modificações do apparelho nervoso elementar, mas sim dos centros superiores que diminuem o poder da attenção. 2.° Os movimentos voluntários são indecisos e mal dirigidos. Basta pedir á doente que toque um objecto ou enfie uma agulha para verificar esta falta de precisão. Mas este caracter torna-se muito mais curioso e impor-tante quando se trata de membros anesthesiados, e di-zendo á doente que volte a cabeça para não ver o que faz. Assim, por exemplo, pedindo que Jeve o dedo a uma orelha ella lançará o braço ao acaso, tocando o pescoço ou os cabellos ; segurará mal um objecto que se lhe en-tregue, ou então apertal-o-ha tanto que o pôde quebrar.

De qualquer modo os movimentos são desordenados, o que levou Duchenne a chamar-lhe "ataxia hysterica.,, Esta indecisão é uma consequência da anesthesia hysterica, e não é diíficil encontrar n'este phenomeno todos os caracteres da anesthesia : basta, para o verificar, que se provoque a observação indicada d'uma maneira subconsciente e a mão irá tocar a orelha. A indecisão e a incoordenação do movimento existem apenas no acto pessoal e consciente, do mesmo modo que a anesthesia só se manifesta na percepção pessoal.

3.° Os movimentos voluntários são simplificados; isto é, a hysterica não executa movimentos complexos ou diffé-rentes; não faz mais do que um só movimento consciente ao mesmo tempo.

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o facto :—Examina os movimentos d'uma hysterica com uma hemianesthesia direita e o campo visual diminuido ; pede-lhe que mova os dedos da mão direita como se to-casse piano, e estes movimentos são bem executados; mas se emquanto faz isto lhe manda levantar uma perna, fe-char um olho, pronunciar uma palavra, por exemplo, o movimento dos dedos fica immediatamente alterado ou supprimido.

Haverá duvida em admittir n'este caso uma dimi-nuição no campo da consciência?

4." Os movimentos voluntários são enfraquecidos. Este facto foi descripto por Burcq, Charcot e Eicher, com grande precisão, sob o nome de amyosthenia.

Vê-se muitas vezes uma pessoa de apparencia ro-busta, com uma musculatura desenvolvida, apertar-nos a mão com pouca força, embora se lhe mande que o faça, resistir pouco aos movimentos communicados e, se para maior precisão empregarmos o dynamometro a fim de medir a sua força muscular, obter-se-hão números extremamente pequenos. Esta diminuição, que se nota n'uma e n'outra mão, é mais manifesta do lado anesthesico.

Ainda que este phenomeno pareça localisado, nem por isso deixa de ser a manifestação d'um estado geral do individuo, e prende-se evidentemente aos factos psy-chologies já descriptos. Assim, se desviarmos a attenção da doente ou não lhe permittirmos ver a mão, a amyos-thenia augmenta consideravelmente.

Todos estes phenomenos, que acabamos de enumerar, podem ser considerados como phenomenos moraes.

Um d'elles, a indecisão e a ataxia do movimento, prende-se em parte á anesthesia, mas todos os outros são

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manifestações immediatas da grande perturbação da von-tade e da attenção—da abulia.

Um outro signal importante é o que se chama o syn-droma de Lasègue.

As mais das vezes, quando os membros d'uma hys-terica se encontram attingidos por uma anesthesia com-pleta, tactil e muscular, englobando toda à raiz do mem-bro, as perturbações do movimento são mais accentuadas que nos casos precedentes. Podem resumir-se assim os factos essenciaes que constituem este syndroma :

1.° O sujeito é incapaz de executar qualquer movi-mento do lado anesthesico, sem o auxilio da vista.

2.° Em certas experiências, o movimento começado com o auxilio da vista pôde continuar sem aquelle au-xilio.

3.° As imagens visuaes, ou mesmo a sensação do tacto, podem substituir a sensação visual, com tanto que indiquem ao sujeito a posição do membro no principio do movimento.

O facto principal é a perda do movimento sem o au-xilio da vista.

Ch. Bell conta o caso d'uma mulher, que perdera a sensibilidade d'um lado e a potencia muscular do outro. Esta mulher amamentava um filho que sustentava per-feitamente ao peito com o braço insensível, com tanto que não tirasse os olhos da creancinha; se porém qual-quer objecto extranho a distrahisse, o filhinho caia-lhe immediatamente do braço.

Outras ha que não podem mover os membros no leito depois de apagar a luz; acontece ainda o mesmo,

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met-tendo-lhes de permeio um anteparo entre o membro e os olhos, ou collocando-lhes o braço de traz das costas. Em qualquer dos casos o movimento torna-se impos-sivel.

Quando a doente é anesthesica dos membros infe-riores, não dá um passo, e cae de repente logo que deixe de acompanhar os pés com a vista.

Algumas vezes a doente pôde continuar, com os olhos fechados, o movimento que começou com elles abertos; se porém deixar cahir o membro não recomeçará o movi-mento sem que primeiro o veja.

Em conclusão—a noção visual importante consiste na posição do braço, no momento de começar a movel-o.

P. Jannet tenta explicar este phenomeno do seguinte modo e diz elle: "Quando as hystericas tem anesthesia muscular, os movimentos são hesitantes, mal dirigidos, in-coordenados, mas possiveis. Infelizmente a anesthesia arrasta comsigo muitas vezes a amnesia, e a doente que retira os olhos dos membros, não só deixa de os sentir, mas esquece-os; perdeu ao mesmo tempo a consciência dos movimentos communicados e a consciência das ima-gens kinesthesicas, e dos movimentos relativos ao seu braço. Ha pois uma paralysia por amnesia, mas que fe-lizmente o espirito pôde fazer desapparecer com o auxilio dos sentidos, como a vista n'este caso.,,

O syndroma de Lasègue, que se pôde definir um conjuncto de perturbações de movimento, que se dão n'um membro completamente anesthesico, quando a doente não o pode ver, compõe-se na realidade de phenomenos ne-gativos e positivos. Não se limitam a estes, apresentados muito em resumo; um segundo grupo de phenomenos

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mostra que, nas mesmas circumstancias, certos movimen-tos podem ser conservados.

Póde-se resumir no seguinte o que caractérisa esta segunda ordem de phenomenos:

1.° Parece que a doente não sente obstáculo, durante a vida normal, em effectuar todos os movimentos sem dificuldade;

2.° Levantando-lhe o braço, sem que ella veja, conser-var-se-ha immovel n'uma posição cataléptica.

3.° Pôde fazer qualquer movimento sem o auxilio da vista, logo que seja subconsciente e não dê conta d'elle.

Lasègue já se tinha admirado ao ver uma mulher d'estas trabalhar n'uni atelier de costura. ,

P. Jannet conta muitos casos idênticos e entre elles 'apresenta um d'uma hysterica, que, durante o tempo que a observavam, não movia o braço-sem o ver, e depois da observação movia-o perfeitamente fora do campo da visão. Outra que não retirava o braço, se lh'o collo-cassem de traz das costas, apertava o colleté e fazia outros movimentos sem ver a mão. Esta paralysia con-serva pois os mesmos caracteres dos outros estigmas da hysteria.

Póde-se ainda observar experimentalmente esta con-servação do movimento e demonstra-se d'uma maneira simples nas catalepsias parciaes.

Se Lasègue nos mostrou estes caracteres importan-tes dos membros anesthesiados, Charcot e seus alumnos descreveram um novo estigma, que se deve approximar do precedente.

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con-serrando todos os movimentos livres, está todavia n'um continuo estado de contractura; tem "contractures la-tentes,, como dizia Brissaud.

A mais ligeira excitação basta para despertar n'um membro "este estado de impotência motriz acompanhan-do-se d'um estado de rigidez persistente e involuntária dos músculos, sem modificações notáveis das reacções eléctricas e sem alterações de textura da fibra museu-lar. O

Foi a esta disposição permanente que Charcot deu o nome de diathese de contractura.

Sem contestar de forma alguma que haja em certas hystericas uma diathese de contractura dependente do musculo ou da medulla, é certo que ha também contractu-res d'origem psychica.

Ninguém hoje affirma que a paralysia e a contractura sejam termos contradictorios ; sabe-se que estes dous phe-nomenos se alternam, misturam, que se apresentam nas mesmas condições e são muito visinhos no seu mecanis-mo.

Charcot e P. Bicher diziam: "A relação entre a dia-these de contractura, a myosthenia e a anesthesia é a mesma; sabe-se que estes dous symptomas caminham de mãos dadas,,.

Todas as, perturbações do syndroma de Lasègue acompanham-se quasi sempre da diathese de contractura; e sobretudo existem d'uma forma incontestável estreitas

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relações entre este symptoma e a catalepsia parcial. A contractura desenvolve-se nas mesmas condições que a catalepsia; apparece em seguida a uma anesthesia tactil e muscular completa e finalmente pode ser systematica e dar exactamente ao membro a attitude que toma um membro cataléptico.

Parece á primeira vista haver uma grande differença entre as catalepsias parciaes e as contracturas, pois que, a propósito do primeiro estado, basta que a doente veja o seu membro para o deslocar da posição tomada, o que não acontece com o segundo. E' verdade isso ; mas para ver melhor a relação entre os dous phenomenos, basta sa-ber, que se collocarmos os braços d'uma hysterica numa posição cataléptica facilmente os mudaremos de posição sem que a isso opponha resistência ; se um extranho o ten-tar, não o consegue e parecer-lhe-hacontracturado : o braço em contractura para uns e em catalepsia para outros. O inverso pôde também acontecer. Quantas vezes uma doente portadora d'uma contractura natural, que lhe sobreveio na occasião d'um ataque, hypnotisada e dominada pelo seu operador, passa ao estado de simples catalepsia? Isto basta para approximar os dous phenomenos, explicando-os da mesma forma.

Estas contracturas não passam na maioria dos casos de reflexos puramente elementares, pois produzem attitu-des systematisadas ; além d'isso alternam-se com as cata-lepsias, que são phenomenos superiores; finalmente obe-decem ao contacto de pessoas determinadas e manifes-tam electividade. Deve haver pois manifes-também ahi um me-canismo psychologico e muito análogo ao que produz a catalepsia.

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As modificações do caracter

0 estudo do caracter das hystericas tinha para mui-tos auctores uma grande importância, porque agrupavam sob este titulo todos os phenomenos psychologies apre-sentados por estas doentes.

Já tocamos nas modificações da intelligencia e da vontade, e outras ficam para serem estudadas a propósito dos accidentes e sobretudo das ideas fixas; fica pois este capitulo com um campo muito restricto e muito menos importante do que tinha antigamente.

Para fazer este pequeno estudo é necessário entrar

em algumas considerações previas.

O caracter depende muito da intelligencia primitiva das doentes, do meio em que vivem e da educação; não se deve attribuir á hysteria particularidades de caracter, que existiriam do mesmo modo, se não apparecesse a doença.

Devemos entender apenas, por essas modificações, só as mudanças que a doença visivelmente arrasta comsigo.

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Vejamos agora as emoções e alguns factos particu-lares a que a tradição liga uma certa importância.

As lacunas da psychologia normal são os primeiros obstáculos para o estudo da psychologia pathologica : a emoção é um dos phenomenos moraes menos conhecidos e as suas modificações são difiiceis de determinar.

A emoção não é um phenomeno simples, uma mani-festação da sensibilidade, como antigamente se dizia, mas sim um conjuncto d'uma grande quantidade de phenome-nos elementares, um estado complexo da consciência.

Para se sentir uma emoção, e sobre tudo para ser emocionado d'uma certa forma, é preciso ter na consciên-cia a sensação de todas as modificações momentâneas que se passarem nos órgãos. O apparelho respiratório, o coração, a pelle, as vísceras, são modificadas d'uma ma-neira especial em toda a emoção; sentir esta emoção é sentir todas estas modificações; e se juntarmos a isto as imagens, ou as ideas que suscitaram todos aquelles mo-vimentos, teremos a noção da complexidade d'um estado emotivo.

A ser assim, podemos applicar ás emoções o que já foi dito a propósito das syntheses psychologicas; e sem querer procurar o paradoxo, parece-nos que se pôde di-zer que as hystericas tem na realidade menos emoções do que se suppunha, e que o seu caracter principal é aqui, como sempre, uma diminuição dos phenomenos psychi-cos. Estas doentes são em geral muito indifférentes para tudo que não sejam as ideas fixas.

Umas perdem pouco a pouco o gosto dos adornos, do luxo e até a propria vaidade, outras perdem o amor da propriedade, chegando a abandonar tudo que lhes

Referências

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